Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA BACELAR | ||
Descritores: | SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO CUMPRIMENTO DAS INJUNÇÕES PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO | ||
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Data do Acordão: | 03/08/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I - Não pode ser ignorada a demonstração do cumprimento de injunção pecuniária após a dedução da acusação - ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 282.º do Código de Processo Penal - em processo provisoriamente suspenso. II - Sendo facultativa a fase processual da instrução não é defensável a obrigatoriedade da sua abertura para aí se avaliarem as consequências do sobredito cumprimento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I. RELATÓRIO No processo comum n.º 790/16.9PBSTB, do Juízo Local Criminal de Setúbal [Juiz 4] da Comarca de Setúbal, o Ministério Público acusou MC, divorciada, professora, nascida a 19 de fevereiro de 1965, em São Sebastião, Setúbal, filha de…, residente na Avenida dos Combatentes da Grande Guerra…, em Setúbal, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punível pelos artigos 348.º, n.º 1, alínea a), e 69.º, alínea c), do Código Penal, com referência aos artigos 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 e 156.º do Código da Estrada. Não foi apresentada contestação escrita. Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada a 4 de setembro de 2017, foi decidido: «(…) a) Condenar a arguida MC como autora material de 1 (um) crime de desobediência, p. e p. no artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, com referência ao artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a) e 3 do Código da Estrada, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à razão diária de € 7,00 (sete euros), perfazendo € 280,00 (duzentos e oitenta euros) – sendo a descontar ao valor da multa a pagar 1 (um) dia de detenção sofrida nestes autos, equivalente a 1 (um) dia de multa (artigo 80.º, n.º 2 do Código Penal), cifrando-se o valor a pagar em € 273,00 (duzentos e setenta e três euros); b) Condenar a arguida na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 4 (quatro) meses, sendo nestes a descontar o cumprimento de 3 (três) meses já concretizado, tendo a cumprir o remanescente de 1 (um) mês, devendo para tal entregar, no prazo de 10 dez) dias a contar do trânsito da presente decisão, a sua carta de condução junto deste Tribunal ou do posto de polícia da área da sua residência, sob pena de, não o fazendo, incorrer em desobediência, e poder vir a mesma a ser apreendida. c) Condenar a arguida no pagamento das custas e encargos do processo, compreendendo estes os encargos com a concessão de apoio judiciário, fixando-se a taxa de justice em 2 UC’s, reduzida a metade a tenta a confissão (cfr. artigos 344.º, 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1 e 524.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5 e 16.º do Regulamento das Custas Processuais).» Inconformada com tal decisão, a Arguida dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1- O ato de comprovar o cumprimento da injunção pecuniária, não é uma injunção. A junção aos autos, pelo arguido, do comprovativo de pagamento é uma formalidade administrativa, que não tem natureza constitutiva, mas meramente declarativa, limita-se a fazer prova nos autos que a injunção foi cumprida na data aposta no documento. 2- Aberta a audiência e constatando o Tribunal que o arguido cumpriu a injunção pecuniária, ocorre uma exceção dilatória inominada, que obstará a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.» O recurso foi admitido. Na resposta que, sem conclusões, foi apresentada pelo Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, concluiu-se pela improcedência do recurso. Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Invoca, para tanto, que a sentença recorrida não merece a censura que lhe é dirigida. E que o desagrado da Recorrente se reporta à decisão proferida no decurso da audiência de julgamento – e não à sentença – de que, nessa mesma ocasião teve conhecimento, não interpondo, então, recurso. Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou. Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito –, por obstativas da apreciação de mérito, como são os vícios da sentença previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]]. Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância é colocada a questão da relevância da demonstração do cumprimento atempado de injunção após a dedução da acusação – ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 282.º do Código de Processo Penal – em processo provisoriamente suspenso. Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]: «1) No dia 21 de Junho de 2016, pelas 1 horas e 15 minutos, na via pública sita na Rua General Daniel de Sousa, em Setúbal, a arguida conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ---QC. 2) Nessa ocasião e lugar a arguida foi abordado pelo Agente da PSP, no exercício de funções e devidamente uniformizado que lhe solicitou que se submetesse ao teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado, o que esta negou. 3) Com efeito, a arguida, mesmo advertida que tal recusa a faria incorrer na prática de um crime de desobediência, recusou submeter-se a qualquer tipo de teste de pesquisa de álcool. 4) A arguida conhecia as características do veículo e da via em que seguia, conhecendo a obrigação de se sujeitar quando solicitado por entidade competente ao teste de pesquisa de álcool no sangue. 5) A arguida ficou ciente que tal recusa a realizar qualquer tipo de teste de pesquisa de álcool no sangue a faria incorrer na prática de crime, ainda assim, não se inibiu de agir da forma descrita. 6) A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei. 7) A arguida é titular de carta de condução para as categorias B e B 1, emitida em 4/01/1989. 8) A arguida confessou integralmente e sem reservas os factos. 9) É professora de biologia, auferindo € 1.200,00 mensais. 10) Vive com 2 filhos, de 22 e 24 anos de idade, um dos quais trabalha e outro realiza estágio profissional. 11) Habitam em casa arrendada, pelo valor mensal de € 200,00. 12) É licenciada. 13) Os presentes autos contaram, em momento prévio à acusação, com a suspensão provisória do processo, pelo período de 6 (seis) meses, sob as injunções de entregar € 300,00 a instituição de solidariedade social e de não conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses, entregando para o efeito o seu título de condução, tendo cumprido esta última entre 11/07/2016 e 12/10/2016. 14) Veio ainda a cumprir a injunção pecuniária, omitindo em todo o caso a demonstração, em momento oportuno, da sua realização nestes autos. 15) Do CRC da arguida nada consta.» Relativamente a factos não provados, consta da sentença que «Inexistem». A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]: «O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada do acervo probatório carreado para os autos, destacando-se: - No plano documental: - auto de notícia de fls. 2 e 3; - notificação de fls. 7; - elementos informativos de fls. 10 e 11; - CRC de fls. 62. Os elementos documentais supra mereceram corroboração/sequenciação a cargo das declarações da arguida, as quais se assumiram como confessórias na sua essência (com renúncia a demais prova). Efetivamente, a arguida admitiu a condução da viatura melhor identificada nos autos, no contexto espácio-temporal ali indicado, ali reconhecendo a sujeição a fiscalização do foro rodoviário e a recusa intencional à realização de exame de despistagem de álcool no sangue, cuja obrigatoriedade revelou conhecer, mais mostrando-se ciente das consequências jurídico penais de tal opção, que assim sedimentou no receio de infração por via da ingestão de bebidas alcoólicas antes assumida. Nessa medida, revelou-se assim possível a demonstração factual plena dos factos indicados na acusação pública. Por último, no que às condições sociais, familiares e económicas da arguida, consideraram-se as declarações prestadas pela mesma e, no que tange aos respetivos antecedentes, o CRC junto aos autos.» Conhecendo. Com interesse para a decisão, o processo fornece, ainda, os seguintes elementos: (i) O Ministério Público, por decisão proferida em 23 de junho de 2016, determinou, «obtida que seja a necessária concordância do Mm.º Juiz de Instrução, suspender o processo, pelo período de 6 (seis) meses, mediante a imposição da injunção: - de entregar quantia de 300 euros à Instituição Missionárias da Caridade; - não conduzir pelo período de 3 meses, entregando a carta de condução quando notificado para o efeito. Conclua os atos ao Mm.º Juiz de Instrução Criminal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. ** Se concordante, Notifique a arguida do presente despacho, bem como do despacho que sobre ele recair, advertindo-a que deverá cumprir a injunção no prazo de 6 meses e entregar nos autos o respetivo comprovativo do pagamento e a carta de condução no prazo de 10 dias, iniciando-se o referido prazo com a presente notificação. Mais advirta que no caso de incumprimento da referida injunção ou de comissão de crime no decurso do prazo da suspensão, a suspensão provisória do processo será revogada prosseguindo os autos os ulteriores termos com dedução de acusação.» (ii) Havia a Arguida, em declarações prestadas no dia 22 de junho de 2016, anuído com a suspensão provisória do processo. (iii) Por decisão datada de 24 de junho de 2016, o Senhor Juiz de Instrução Criminal concordou com a suspensão provisória do processo e com as injunções, para tanto, propostas pelo Ministério Publico. (iv) Desta decisão foram a Arguida e o seu Defensor notificados por cartas expedidas em 4 de julho de 2016. (v) No dia 11 de julho de 2016, nos Serviços do Departamento de Investigação e Ação Penal de Setúbal, a Arguida procedeu à entrega da sua carta de condução. (vi) No dia 12 de outubro de 2016, foi devolvida à Arguida a sua carta de condução. (vii) No dia 7 de março de 2017, o Ministério Público deduziu a acusação contra a Arguida, pela prática de pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punível pelos artigos 348.º, n.º 1, alínea a), e 69.º, alínea c), do Código Penal, com referência aos artigos 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 e 156.º do Código da Estrada. Acusação que justificou porque «A arguida notificada não juntou aos autos o comprovativo do cumprimento da injunção, nem justificou o motivo do seu incumprimento.» (viii) Prosseguiu o processo com a notificação da acusação e da decisão judicial que a recebeu à Arguida e seu Defensor. (ix) No dia em que decorreu a audiência de julgamento, a Arguida fez juntar ao processo cópia de recibo de pagamento emitido, em 30 de novembro de 2016, pelas Missionárias da Caridade, acompanhado de requerimento com o seguinte teor. «(…) 1 – No cumprimento da suspensão provisória do processo a arguida entregou a carta de condução nos autos. 2 – A arguida cumpriu igualmente a injunção financeira entregando às Missionárias da Caridade, o valor de 300,00 conforme recibo que se junta. 3 – Na descrição do recibo conta o cumprimento da obrigação imposta e a identificação do processo. A arguida estava descansada pensando que tinha cumprido todas as obrigações impostas e que seria a donatária a comunicar aos autos o recebimento. Reconhecendo que o recibo, sendo um recibo em papel não cumpre as obrigações legais (recibo eletrónico previsto em legislação fiscal) requer-se que, caso o entenda justificado o Tribunal oficie às Missionárias da Caridade no sentido de juntarem aos autos o recibo em formato eletrónico.» (x) No início da audiência de julgamento, e após dar ao Ministério Público a possibilidade de se pronunciar sobre o requerimento acabado de mencionar, o Senhor Juiz que presidiu a tal diligência proferiu o seguinte despacho: «Vem a arguida, por requerimento formalizado por escrito nos presentes autos, informar quanto ao cumprimento da injunção pecuniária fixada no âmbito da suspensão provisoria do processo, sendo a mesma objetivada na entrega de 300 (trezentos) euros em favor da entidade Missionárias da Caridade. Requer ainda, caso o Tribunal o tome por necessário, que se oficie à referida instituição de solidariedade social no sentido de confirmar a veracidade de tal pagamento. Dada a palavra à Digna Procuradora-Adjunta, pronunciou-se a mesma no sentido de deverem os atos prosseguir para julgamento face à circunstância de não ter sido oportunamente informado o processo do cumprimento daquela injunção, conforme se impunha no despacho que entendeu suspender provisoriamente os autos. Cumpre então decidir. Constata-se que, por decisão de fls. 21 a 25 se determinou a suspensão provisória do inquérito, por 6 meses, mediante a imposição a arguida das seguintes injunções: - entrega da quantia de 300 (trezentos) euros em favor da instituição Missionárias da Caridade; - não conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses, devendo para cumprimento da injunção entregar nos autos o seu título de condução. Mais se determinou, no despacho em apreço, e no tocante ao cumprimento da primeira injunção o dever de entrega, pela arguida, do documento comprovativo de tal pagamento. No caso em apreço constata-se que, pese embora a notificação em julho de 2016, a arguida não providenciou pela oportuna junção do documento comprovativo do pagamento o que apenas neste momento faz. Assim, pese embora se pareça evidenciar o cumprimento das injunções impostas, constata-se que a arguida não documentou tal facto nos autos, o que autorizou a prolação do despacho acusatório de fls. 41 a 43. Nessa medida, e tendo em atenção tal omissão da documentação dos autos, considerando-se ainda o disposto no art. 282.º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal, mostra-se regular a tramitação ulterior do processo, devendo os autos ser sujeitos a julgamento, considerando-se, em momento e sede própria, entenda-se a sentença a proferir o cumprimento das injunções em referência, designadamente no que respeita à pena acessória de proibição de conduzir, o que desde logo se impõe pelo acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4 de 2017, que sobre esta matéria versou. Notifique.» i) Questão prévia – da inadmissibilidade do recurso Entende o Ministério Público, nesta Relação, que o recurso interposto pela Arguida é inadmissível. Porque, pela motivação apresentada, se está a impugnar o despacho proferido no decurso da audiência de julgamento, sendo, por isso, legítimo concluir que a sentença se encontra já transitada em julgado. Ao que acresce que a questão agora suscitada pela Recorrente – de incumprimento da injunção – poderia e deveria ter sido objeto de discussão em fase processual anterior – a de instrução. A questão que a Arguida, ora Recorrente, coloca a esta Relação é – como já se deixou dito – a da relevância da demonstração do cumprimento atempado de injunção após a dedução da acusação – ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 282.º do Código de Processo Penal – em processo provisoriamente suspenso. A decisão interlocutória proferida em 4 de setembro de 2017, no decurso da audiência de julgamento, não tratou de tal questão. Desde logo, porque aí nada se não deu como assente que permitisse decidi-la, concretamente, não se deu como provado que a Arguida tenha – ou não – cumprido a injunção pecuniária que lhe foi imposta, através da entrega de e 300,00 (trezentos euros) a instituição de solidariedade social. Depois, porque essa decisão interlocutória, ao tentar justificar comportamento alheio – o do Ministério Público, de deduzir acusação – extravasa, de forma manifesta, o requerimento que a provocou. Isto posto, entendemos ser a sentença o “local” adequado para ponderar o teor do documento que a Arguida fez juntar ao processo no decurso da audiência de julgamento, e dele eventualmente extrair consequências, ultrapassada que se encontrava a fase processual da instrução aquando da sua apresentação. E neste contexto, não vislumbramos razão para afirmar qualquer invalidade processual e a sua sanação, nem o trânsito em julgado da sentença proferida na 1.ª Instância. Resta deixar expresso que sendo facultativa a fase processual da instrução – n.º 2 do artigo 286.º do Código de Processo Penal –, não vemos como defender a obrigatoriedade da sua abertura para aí se avaliar o que a ora Recorrente apenas demonstrou em julgamento. ii) Da relevância da demonstração do cumprimento atempado de injunção após a dedução da acusação – ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 282.º do Código de Processo Penal – em processo provisoriamente suspenso. A suspensão provisória do processo foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo Código de Processo Penal de 1987 e constitui exceção ao dever do Ministério Público de deduzir a acusação sempre que tenha indícios suficientes da prática de um crime e da identidade do seu autor. Atualmente regulada nos artigos 281.º e 282.º do Código de Processo Penal, é uma solução processual dominada pela ideia de oportunidade, para crimes de reduzida e mediana gravidade, em que o Ministério Público, com o acordo do arguido e do assistente e com a homologação do juiz, suspende provisoriamente a tramitação do processo penal e determina a sujeição do arguido a regras de comportamento ou injunções durante um determinado período de tempo. Se tais injunções forem cumpridas, o processo é arquivado. Se não forem cumpridas, o Ministério Público revoga a suspensão, isto é, deduz acusação e o processo penal prossegue os seus ulteriores termos. Nos presentes autos constatamos que a Arguida cumpriu as injunções que lhe foram impostas com vista à suspensão provisória do processo. Todavia, decorrido o prazo dessa suspensão, sem que a Arguida tenha demonstrado no processo o cumprimento da injunção pecuniária e sem que o Ministério Público tenha feito qualquer esforço para o infirmar e justificar o prosseguimento dos autos, foi deduzida acusação. E o processo seguiu para julgamento. No decurso desta diligência procedeu a Arguida à demonstração do atempado cumprimento da sobredita injunção pecuniária. Este acontecimento – a demonstração do cumprimento da injunção pecuniária – não pode ser ignorado. Sob pena de se fazerem «prevalecer normas de cariz adjetivo relativas à demonstração da ocorrência do facto, sobre o próprio facto, que efetivamente ocorreu.»[[3]] E, por esse via, se punir duplamente a mesma infração. Não ocorrendo violação de caso julgado, nem havendo norma que expressamente regule a situação que nos ocupa, há que fazer uso das normas do processo civil. Assim manda o artigo 4.º do Código de Processo Penal. E na esteira do decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de setembro de 2017, já citado, entendemos ocorrer exceção dilatória inominada, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância – artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. «Com efeito, verificado, embora em momento tardio, que o arguido cumprira atempadamente as injunções a que havia sido sujeito aquando da suspensão provisória do processo, deveria o Tribunal ter proferido despacho declarando tal e absolvendo-o da instância. Nos termos do disposto no artigo 282.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Penal, o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas “se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta” e, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 383.º do mesmo Código de Processo Penal, o Ministério Público deduz acusação no prazo de 90 dias “a contar da verificação do incumprimento”. O prosseguimento do processo, está bom de ver, só acontecerá face ao incumprimento das injunções e regras de conduta e não de um qualquer prazo a que seja concedida natureza perentória, sem o devido apoio legal. Seu pressuposto legal é, nos termos estritos da lei, aquele incumprimento. No nosso caso, o arguido cumpriu as injunções que lhe foram fixadas e só não demonstrou postura colaborante para fazer prova de que o fizera (…). E daí, poderia o MP considerar que, face a tal postura, incumprira ele as injunções? Cremos que não. O que deveria ter feito era, “motu próprio” e impulsionado pelo seu dever de investigação, ter solicitado a necessária informação à entidade beneficiária do pagamento ou proceder à audição do arguido. Mas não o fez. Não podemos, deste modo, deixar que as questões de ordem formal se sobreponham às questões de fundo, de modo a fazer prevalecer a justiça material.» E o recurso procede. III. DECISÃO Em face do exposto e concluindo, dando provimento ao recurso, decide-se revogar a sentença recorrida e absolver a Arguida MC da prática do crime de desobediência que lhe é imputado nos presentes atos. Sem tributação. Évora, 2018 março 8 (certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários) __________________________________ (Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz) ___________________________________ (Renato Amorim Damas Barroso) __________________________________________________ [1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A. [2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria]. [3] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de setembro de 2017, proferido no processo n.º 81/14.0GTCBR.C1 e acessível em www.dgsi.pt |