Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3024/07-3
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: LIMITES À PENHORA DE PENSÕES
DEDUÇÃO DE ENCARGOS PRÉ-ASSUMIDOS
Data do Acordão: 04/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - O que a lei pretende ao fixar limites previstos no n.º 1, alíneas a) e b), do artigo 824º do Código de Processo Civil, é que não se penhore montante da reforma que fira o salário mínimo nacional.
II - Ou seja, a lei não impõe que à reforma obtida sejam deduzidos os encargos e após a dedução dos mesmos se efectue a penhora sobre o remanescente por forma a não ir além do salário mínimo nacional, pois se fosse esse o entendimento do legislador teria referido no n.º 2, do art.º 824 que a impenhorabilidade prescrita no número anterior ocorreria após dedução dos encargos pré-existentes. Nem isso faria qualquer sentido já que inviabilizaria a realização de qualquer penhora...
III - O que a lei pretende é que feita a penhora sobre o montante da reforma, sem qualquer dedução do encargos tidos pelo executado, este não fique com um montante inferior ao salário mínimo nacional. Se assumiu mais encargos do que podia, o problema é seu e dos credores...
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 3024/07-3
Acordam nesta secção cível os Juízes do Tribunal da Relação de Évora.
1. Relatório
1.1. O executado José ........., com os demais sinais nos autos, veio deduzir oposição à penhora, à execução que lhe foi movida pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Portalegre e Alter do chão, Cooperativa de Crédito, pedindo que a penhora da sua pensão de reforma seja reduzida a 1/6, no montante de 396,28 € ou, se assim não for entendido, que seja a mesma fixada no limite máximo de 1/3, no valor corrigido de 792,52 € mensais, até liquidação efectiva da quantia exequenda.
*
1.2. A exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Portalegre e Alter do Chão, notificada da oposição, veio a fls. 24 responder, referindo que se deve manter a penhora de 1/3, que foi a por si requerida.
*
1.3. Em 20/7/2007 foi proferida decisão onde se julgou a presente oposição à execução parcialmente procedente e, em consequência, foi determinado que se procedesse à correcção do montante a descontar na pensão de reforma do executado para o montante mensal de € 792,52 (setecentos e noventa e dois euros e cinquenta e dois cêntimos) até perfazer o montante da quantia exequenda e custas prováveis.
*
1.4.O executado não se conformou com tal decisão dela recorreu terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcritas):
1.ª- A decisão agravada fixou o desconto para liquidação da dívida exequenda em 1/3 da pensão de reforma do Executado;
2.ª - Os factos fixados na decisão recorrida são:
- valor da pensão de reforma do Executado -2.377,50 € mensais;
- amortização de empréstimo ao Montepio Geral - 806,13 € mensais;
- amortização de empréstimo ao Banco Mais - 538,00 € mensais;
- incapacidade permanente global de 80%.
3.ª- A decisão não deu como provado que o Executado tem descontos legais na sua pensão de 189,67€ mensais, que constam do seu recibo de reforma e devem ser considerados provados documentalmente;
4.ª - A decisão também não levou em conta as despesas com assistência médica e medicamentosa do Executado, de que não foi apresentada prova, mas que podem ser atendíveis face à doença grave de que o Executado sofre;
5.ª - E, ainda, não deu qualquer relevo ao facto, provado aliás, de que o Executado tem uma incapacidade global de 80%, naturalmente impeditiva de angariação de outros meios de subsistência;
6.ª - Permite a lei fixar a penhora da pensão de reforma do Executado entre 1/3 e 1/6, tendo como limite máximo 3 salários mínimos (1.209,00 €) e como limite mínimo um salário (403,00 €);
7.ª - E permite ainda, ponderando as necessidades do Executado e do seu agregado familiar, reduzir a parte penhorável dos rendimentos, ou mesmo isentá-los de penhora, como prevê o n.° 4 do art.° 824.° do Cod.. Proc. Civil;
8.ª - Na ponderação das circunstâncias do caso "sub-judice", deve a decisão final a proferir levar na devida conta:
a) a idade (70 anos) e a doença do Executado, que implicam despesas inerentes com assistência médica e medicamentosa (estimadas em 200,00 € mensais);
b) a incapacidade global do Executado para o trabalho de 80%, impeditiva do exercício de qualquer outra actividade rentável;
c) a circunstância de não ter sido considerado o montante dos descontos legais do Executado de 189,67€ mensais.
9.º - Entende-se, em função das razões expostas, que o desconto na pensão de reforma do Executado deve ser reduzido a 1/6, ou seja, a 396,26 € mensais, ou, se assim não for entendido, para o valor que o Tribunal entender adequado às circunstâncias do caso "sub-judice".
Deve assim, ser julgado procedente o agravo, revogando-se parcialmente a decisão recorrida com a redução a 1/6 da pensão de reforma do Executado com os legais efeitos, como se julga ser de Justiça»
*
1.5. A exequente contra-alegou apresentando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcritas):
1.ª - O rendimento do agregado familiar formado pelo agravante e respectiva esposa, deduzidos de todos os encargos, é de 1070,00 €;
2.ª - A maior parte daqueles encargos, são os provenientes de empréstimos contraídos pelo agravante perante o Montepio Geral, para aquisição de casa e perante o Banco Mais;
3.ª - São encargos que irão reverter a favor e para enriquecimento do agravante e respectivo agregado familiar;
4.ª - Ao contrair o empréstimo que está na origem da presente execução o agravante já havia contraído os referidos anteriormente;
5.ª - Não é justo que o agravante se sirva da incapacidade de que padece para pretender agora impor condições de pagamento mais leves dos que as que são lícitas à agravada pretender;
6.ª - O agregado familiar do agravante poderá ficar a viver com maiores restrições, mantendo-se a penhora da reforma do agravante em 1/3 mas não verá com isso ser posta em causa a sua sobrevivência;
7.ª - Esta será a decisão mais justa, já que não faz sentido ser a agravada a suportar os sacrifícios com os erros do agravante, ou a financiar as despesas resultantes dos investimentos que o mesmo realizou.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida da penhora de 1/3 da pensão de reforma do executado, assim se fazendo Justiça.
*
1.6. A fls. 20 foi proferido despacho de sustentação.
*
1.7. Os Exmºs Desembargadores-adjuntos tiveram visto nos autos.
*
1.8. São os seguintes os factos considerados provados em 1ª instância. *
2.Motivação de Facto
2.1. Factos provados.
2.1.1. O requerente aufere mensalmente a pensão de € 2.377,58 (dois mil trezentos e setenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos).
2.1.2. O requerente encontra-se a pagar um empréstimo contraído junto do Montepio Geral no valor de € 806,13 (oitocentos e seis euros e treze cêntimos) mensais.
2.1.3. O requerente sofre de uma incapacidade permanente global de 80%.
2.1.4. O requerente encontra-se a pagar um empréstimo contraído junto do Banco Mais no valor de € 538,00 (quinhentos e trinta e oito euros) mensais.
*
3. Fundamentação
3.1. Sendo o objecto do decurso delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que cabe apreciar são:
- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser ampliada.
- Saber se a decisão deve ser revogada parcialmente reduzindo-se para 1/6 o montante da pensão.
Tendo presente que são duas as questões a apreciar vejamos cada uma delas.
*
3.1.1. Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser ampliada.
Refere o recorrente que o tribunal “a quo” não deu como provado que sofre os descontos normais (SAD/GNR, Serviços Sociais/GNR e IRS) no montante global de 189,67 e que tal facto não foi dado como provado.
Atendendo ao referido este Tribunal da Relação solicitou a titulo devolutivo o processo de oposição à penhora (cfr. fls. 26), tendo o mesmo sido junto conforme fls. 28.
Compulsado o mesmo verificamos que efectivamente o recorrente no seu requerimento de oposição à penhora invoca que sofre ainda descontos normais da sua pensão, no montante de 189,67 €, invocando que tal resulta do doc. n.º 1.
Consultado tal documento verificamos que do mesmo consta que o recorrente tem de descontos normais (SAD/GNR, Serviços Sociais/GNR e IRS ) sendo 23,78 € para (SAD-GNR) 11,89 € para (Serv Sociais –GNR) e 154,00 € para ( IRS ), o que perfaz um total de 189,67 €.
A decisão da matéria de facto, como se sabe, assenta na análise crítica das provas e na especificação dos fundamentos decisivos para a convicção do julgador (art. 653 nº 2 do CPC).
O nº1 do art. 655 do CPC prescreve que as provas são livremente apreciadas, decidindo o juiz segundo a prudente convicção acerca de cada facto, mas o nº2 do mesmo preceito logo excepciona desta regra os factos em que por lei a sua existência ou prova dependa de qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
No caso em apreço como resulta da decisão recorrida o tribunal “a quo” baseou a sua convicção nos documentos anexos.
Ora, sendo assim, o valor probatório do documento junto com o n.º 1, é igual para se dar como provado o montante da reforma e o montante dos descontos referidos pelo recorrente.
Assim, face ao exposto e ao preceituado no art.º 712, n.º 1, al. a) e n.º 2, do art.º 712, do C.P.C. este Tribunal da relação amplia a matéria de facto, passando da mesma a consta que o requerente tem de descontos normais (SAD/GNR, Serviços Sociais/GNR e IRS ), 189,67 €.
*
3.1.2. - Saber se a decisão deve ser revogada parcialmente reduzindo-se para 1/6 o montante da pensão.
Tendo presente que a matéria de facto foi ampliada por esta relação iremos transcreve-la, aqui, na sua totalidade, para melhor análise de direito da questão sob apreciação.
Matéria de facto, provada, já com a ampliação
«2.1.1. O requerente aufere mensalmente a pensão de € 2.377,58 (dois mil trezentos e setenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos).
2.1.2. O requerente encontra-se a pagar um empréstimo contraído junto do Montepio Geral no valor de € 806,13 (oitocentos e seis euros e treze cêntimos) mensais.
2.1.3. O requerente sofre de uma incapacidade permanente global de 80%.
2.1.4. O requerente encontra-se a pagar um empréstimo contraído junto do Banco Mais no valor de € 538,00 (quinhentos e trinta e oito euros) mensais.
2.1.5. O requerente tem de descontos normais (SAD/GNR, Serviços Sociais/GNR e IRS ), 189,67 €.».
Segundo o recorrente a decisão recorrida deve ser revogada parcialmente com a redução a 1/6 da sua pensão de reforma.
Opinião oposta tem a exequente que pugna pela manutenção do decidido.
Vejamos
O artigo 824, do C.P.C., preceito que regula esta matéria reza:
«ARTIGO 824.º
(Bens parcialmente penhoráveis)
1 – São impenhoráveis:
a) Dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelo executado;
b) Dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante.
2 – A impenhorabilidade prescrita no número anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.»
Resulta do disposto no n.º 1, alíneas a) e b), do artigo 824º do Código de Processo Civil que é susceptível de penhora 1/3 dos montantes auferidos pelo executado a título de vencimento, salário, prestação periódica paga a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia ou quaisquer outras pensões de natureza semelhante.
Por sua vez resulta do n.º 2, do preceito que a impenhorabilidade tem como limite máximo o equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, o equivalente a um salário mínimo nacional, desde que, o crédito não seja de alimentos.
No caso em apreço resulta que o montante da pensão do executado, valor ilíquido, é de 2.377,58 € a que temos de deduzir o montante de 189,67 € referente aos descontos normais de ((SAD/GNR, Serviços Sociais/GNR e IRS ), ficando assim o montante liquido de 2.187,91€ = 2.377,58€ – 198,67€.
Sendo o salário mínimo para 2008 de 426,00€, de acordo com o art.º 1, do D.L. 397/2007, de 31 de Dezembro, e tendo presente o n.º 2, do citado art.º 824, do C.P.C., significa que era possível penhorar-lhe sem qualquer fracção de impenhorabilidade o montante de 909,91 €. Ou seja, o montante da reforma, valor liquido, menos o salário mínimo três vezes [ 2.187,91€ – (420,00€ x 3) = 2.187,91€ – 1.278,00 = 909,91 €].
Por força do n.º 2, do mesmo preceito ao remanescente da reforma, valor liquido, auferida pelo recorrente menos o montante que não tem qualquer fracção de impenhorabilidade resulta que ainda é possível penhorar-lhe o montante de 852,00€. Ou seja [ 2.187,91 – 909,91- 426,00 = 852,00 €)
Feitos estes considerandos tendo presente a leitura que fazemos dos números 1, alíneas a) e b), e 2, do art.º 824, do C.P.C., voltemos ao caso em apreço.
No caso que temos entre mãos resulta por força das operações supra citadas que é possível penhorar à pensão do recorrente o montante global de 1.761,91€ que corresponde à soma do valor de 909,91€, possível penhorar, sem qualquer fracção de impenhorabilidade e o montante de 852,00€ correspondente à diferença entre o valor da reforma liquida - 2.187,91€ menos os 909,91€ e os 426,00€ do ordenado mínimo nacional, ou seja [909,91 + ( 2.187,91€ -909,91€ -426,00€) = 852,00€ ].
Dos factos provados resulta que o executado se encontra a pagar um empréstimo contraído junto do Montepio Geral no valor de € 806,13 mensais e a pagar um outro empréstimo contraído junto do Banco Mais no valor de 538,00€ mensais e que além disso sofre de uma incapacidade global de 80%.
O que a lei pretende é que não se penhore montante da reforma que fira o salário mínimo nacional. Ou seja, a lei não impõe que à reforma obtida sejam deduzidos os encargos e após a dedução dos mesmos se efectue a penhora sobre o remanescente por forma a não ir além do salário mínimo nacional, nem é isso que da mesma resulta, pois se fosse esse o entendimento do legislador teria referido no n.º 2, do art.º 824 que a impenhorabilidade prescrita no número anterior e após feitas as deduções dos encargos teria como limites … e não é isto que a lei nos diz.
O que a lei pretende é que feita a penhora sobre o montante da reforma, sem qualquer dedução do encargos tidos pelo executado, este não fique com um montante inferior ao salário mínimo nacional.
Ora, no caso em apreço e face ás operações efectuadas verificamos que a sentença recorrida ao fixar o montante de 1/3 de descontos sobre a reforma do executado não violou os n.ºs 1, alíeas a) e b) e 2, do art.º 824, do C.P.C.
Aliás, a lei para prevenir situações em que a penhora da reforma sem a dedução dos encargos não fira o salário mínimo mas que face aos mesmos o executado possa ficar em situação económica difícil, permite ao tribunal a redução da parte penhorável nos termos do n.º 4, do citado art.º 824.
Porém, no caso em apreço, além de o recorrente não pedir tal medida, pois embora referira no ponto 7.ª das suas conclusões que « E permite ainda, ponderando as necessidades do Executado e do seu agregado familiar, reduzir a parte penhorável dos rendimentos, ou mesmo isentá-los de penhora, como prevê o n.° 4 do art.° 824.° do Cod.. Proc. Civil», o certo é que se limita a pedir a revogação parcial da decisão recorrida com a redução a 1/6 da pensão de reforma do Executado, e além disso não possuímos nos autos factos que nos possibilitem a aplicabilidade de tal preceito.
Assim, pelo exposto mantemos a decisão recorrida.
*
3. Decisão.
Nos termos expostos, acordam os Juízes desta Relação em improcedente o recurso e em consequência manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Évora, 3/4/2008
…………………………………………………………….
( Pires Robalo – Relator)
……………………………………………………………
(Almeida Simões – 1.º Adjunto)
…………………………………………………………….
(D´Orey Pires – 2.º Adjunto)