Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PROENÇA DA COSTA | ||
Descritores: | INJÚRIA AGRAVADA RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO APRECIAÇÃO DA PROVA MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 10/15/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I - Não é sindicável pelo tribunal de recurso o segmento da prova conducente ao maior ou menor convencimento do julgador na análise dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora. No âmbito dos autos de Processo Comum com intervenção de Tribunal Singular, com o n.º 1015/10.6GDSTB, a correrem termos pelo 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida: T, filha de..., nascida a 210.03.1986, solteira, residente na Rua...Pinhal Novo, imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de: - Dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181º e 184º, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal; - Um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347º, nº 1 do Código Penal. A arguida não apresentou contestação nem arrolou testemunhas. Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, vindo-se, no seu seguimento, prolatar pertinente Sentença, onde se decidiu: a) Condenar a arguida T. pela prática em autoria material de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181º e 184º, por referência ao disposto no artigo 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena parcelar de 70 (setenta) dias de multa; b) Condenar a arguida T. pela prática em autoria material de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181º e 184º, por referência ao disposto no artigo 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena parcelar de 70 (setenta) dias de multa; c) Condenar, em cúmulo, a arguida T. na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia total de € 600,00 (seiscentos euros); d) Condenar a arguida T. pela prática em autoria material de um crime de resistência e coacção sobre funcionários, previsto e punido pelo artigo 347º, nº 1 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão; e) Suspender a execução da pena de prisão referida em d) pelo período de dois anos. Inconformado com o assim decidido recorre a arguida T. formulando as seguintes conclusões: 1- Impugnação da matéria de facto: Pontos de facto incorrectamente julgados (art.º 412.° n.º 3 a) do CPP).São os seguintes: art.º 1.º 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.° 8.° e 9.° dos "Factos Provados" - fls. 2 - 3 da sentença recorrida. Na verdade, da prova efectuada em audiência se não pode concluir "tout court" pela condenação da recorrente. Do depoimento da arguida (2.a Sessão da audiência).In CD 1 audiência de 21.11.2012.Na audiência a que esteve presente a arguida referiu em síntese que: “O senhor guarda queria saber onde estavam os outros?... " In CD 1 "O guarda empurra-me e diz que eu estou detida e começa a bater-me". Eu soltei uma dentada a um dos guardas "e não mais que isso" "estava a ser agredida e reagi com uma dentada”. Houve um guarda que se aleijou na mão ao mandar-me para o chão”. E a instâncias da Digna Procuradora disse: "Só mordi o guarda que me pôs o cotovelo na garganta" (tudo in CD 1). 2.Ou seja, como decorre das declarações da arguida (prestadas de modo espontâneo e convincente), a mesma é interceptada por agentes da GNR, não sem mais quê nem pra quê mas possivelmente porque os militares da GNR terão feito confusão com um outro veículo em que se deslocavam mais pessoas. A arguida é interceptada de modo agressivo sem que estivesse a praticar qualquer crime. Por isso terá reagido usando de pouca contenção verba1.Mas daí a ter injuriado os militares ad GNR a despropósito vai uma grande distância. 3. Admite a arguida ter "mordido a mão de um dos guardas" como admitiu ainda em seu depoimento ter dado uma joelhada na zona genital de um dos guardas "quando me estavam a mandar para o chão", o que, sendo uma manobra defensiva, não integrará, propriamente, a prática do crime de coacção sobre funcionário. 4. Na verdade, se os militares da GNR pretendiam deter a arguida, não era necessário mandá-la ao chão. 5. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (alínea b) do nº. 3, do art.º 412.°, do C.P.P.). São as seguintes: Depoimento da arguida aqui recorrente T.) As provas que devem ser renovadas (art.º 412.° n.º3 alínea c) do CPP):Declarações da arguida T.. 6. A sentença recorrida violou o disposto no art." 127.°, do CPP ao considerar provada a factualidade constante da acusação pública. Devendo a arguida ter sido absolvida do crime de resistência e coacção sobre funcionário. 7.Sem conceder, embora se considere que a recorrente não deveria ter sido condenada, nomeadamente pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, ainda assim se entende que em caso de condenação a pena aplicada peca pelo seu exagero. Sendo a pena mínima de um mês e não tendo a arguida antecedentes penais e sendo o dolo eventual (a arguida, que está a ser agredida pela GNR e debate-se para se defender e para evitar ser detida pela prática de um crime de injúria agravada, não age propriamente com o fito de molestar fisicamente o agente, mas mais para impedir que este a continue a agredir) a ilicitude também se não apresenta "num grau alto" como pretende a recorrida decisão. (ibidem). 8. A pena por isso encontrada pela instância mostra-se injusta e desproporcionada, violando os critérios sensatos do art.," 71.°, do Código Penal. Em caso de condenação, pena (ainda que suspensa) não deveria em concreto exceder os seis meses de prisão, afim de não ultrapassar os limites da culpa. A sentença violou, por erro interpretativo, os critérios do art.º 71.° do C.P. Absolvendo a arguida do crime de resistência e coacção sobre funcionário, por falta de prova bastante ou, sempre em conceder, revogando o doutamente decidido e condenando a arguida na pena de seis meses de prisão pela eventual prática desse crime, assim exercerão Vossas Excelências a melhor JUSTIÇA! Também interlocutoriamente recorre a arguida T. do despacho proferido em sede de audiência de Julgamento, no dia 31 de Outubro de 2012, onde se veio considerar não ser imprescindível a presença da arguida para o início do julgamento, determinando-se que a audiência tivesse lugar sem a sua presença, formulando as seguintes conclusões: 1. O arguido tem direito, no processo penal, a estar presente na audiência, podendo a sua falta de comparência ser cominada de nulidade insanável apud o art.º 119.º, al.ª c), do C.P.P. 2. In Casu revestiria a máxima relevância processual que esta arguida fosse inquirida na audiência, dada a especificidade da acusação (injúria agravada e resistência e coacção sobre funcionário) a qual reportava algo que se teria passado com dois militares da G.N.R. e em que teria indiciariamente sido envolvida e tido papel preponderante (segundo os termos da acusação). 3. Nessa medida não deveria a decisão recorrida decidir no imediato que “o Tribunal não reputa a sua presença (da arguida) desde o início como indispensável para a descoberta da verdade” (SIC) pelo que se entende que ter sido violado o disposto no art.º 333.º 3 art.º 113.º, n.º9, do C.P.P., uma vez que, conforme se disse em requerimento autónomo (Doc. 1) a recorrente não foi notificada da data da audiência, o seu anterior mandatário informou-a apenas que a audiência “era para o ano” não lhe indicando concretamente a data. Nesta conformidade, foi cometida a nulidade de ausência do arguido na audiência (art.º 119.º, al.ª c), do C.P.P.), nulidade que deve ser declarada por este Venerando Tribunal, com as legais consequências. Revogando o douto despacho recorrido e ordenando a repetição da audiência a comparência da arguida na mesma, exercerão Vossas Excelências a mais costumada Justiça. Respondeu aos recursos a Magistrada do Ministério Público, dizendo: a) Não se verifica a nulidade prevista no Artº 119º, alínea c) do Código penal porquanto a primeira sessão da audiência de julgamento foi realizada na ausência da recorrente, encontrando-se a mesma pessoalmente notificada da data designada para o efeito, tendo prestado Termo de Identidade e Residência e encontrando-se representada por Defensor, em cumprimento do disposto no Artº 333º, nº 1 do Código de Processo Penal; b) A recorrente não cumpriu o disposto no Artº 412º, nº 4 do Código de Processo Penal, uma vez que não concretizou as passagens da prova gravada que entende imporem decisão diversa da que foi tomada pela sentença recorrida; c) Não é verdade que a recorrente não tenha tido oportunidade de exercer o contraditório quanto ao depoimento das testemunhas inquiridas, já que foi representada na audiência de julgamento por Defensor nomeado para o efeito; d) Das testemunhas inquiridas apenas duas são simultaneamente ofendidas, porquanto no crime de coacção e resistência sobre funcionário o bem tutelado não é a integridade física dos Militares; e) As declarações prestadas pela recorrente não impõem decisão diferente da que foi proferida, tendo tais declarações sido ponderadas pelo Tribunal com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova e com ampla e coerente fundamentação; f) O facto de a recorrente negar a prática dos factos não determina a sua absolvição; g) A medida da pena concretamente fixada no que respeita ao crime de coacção e resistência sobre funcionário, não excede a medida da culpa, atentas as circunstâncias e modo como os factos foram praticados; h) A única circunstância atenuante que devia ter sido considerada na sentença é ausência de antecedentes criminais da recorrente, circunstância essa que foi efectivamente tida em conta. Nesta Instância, o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Em sede de decisão recorrida foram considerados os seguintes Factos: Factos Provados 1. No dia 21 de Outubro de 2010, cerca das 17 horas e 50 minutos, na sequência de um pedido de auxílio da patrulha às ocorrências do Posto da GNR do Pinhal Novo, os militares da GNR JN e I, que se encontravam em serviço no Posto da GNR de Palmela, deslocaram-se para a zona da Volta da Pedra, em Setúbal, por haver notícia de um veículo em fuga com cinco indivíduos no seu interior que se tinham envolvido em desacatos no Pinhal Novo. 2. Próximo do supermercado Intermarché, sito na Estrada Nacional 252 – Volta da Pedra, o militar JN, que se encontrava devidamente uniformizado, reconhecendo a arguida como sendo a condutora do veículo em causa e que já se encontrava apeada, dirigiu-se aquela e perguntou-lhe pelos restantes ocupantes da viatura, tendo a arguida respondido: “Eu vim sozinha, nem fale para mim, nem se chegue perto!”, “vocês são uns palhaços!”, “bófias de merda!”, “vocês são uma autêntica merda”. 3. JN advertiu a arguida para parar com esse comportamento, porque poderia ser detida, ao que aquela disse: “Cala-te, tu és um palhaço que andas aí! Tu não és ninguém para falares comigo quanto mais para me prenderes! Experimenta a tocares-me num fio de cabelo e tás fodido!” 4. Perante isto, JN deu ordem de detenção à arguida e quando tentava algemá-la, esta desferiu uma joelhada na zona genital daquele militar, que de imediato foi auxiliado por MP também militar da GNR e que se encontra em exercício de funções. 5. Quando aqueles militares procediam à algemagem da arguida, esta desferiu uma dentada no ombro direito de MP e deu pelo menos uma dentada na mão direita de JN bem como vários pontapés nas pernas deste. Enquanto isto, dizia: “vocês estão fodidos comigo, vocês não sabem com quem estão a falar! Conhecem o advogado Nabais? É só saber os vossos nomes e ir fazer queixa que vão estar fodidos”. 6. Posteriormente a arguida foi colocada no interior da viatura militar e transportada para o Posto da GNR do Pinhal Novo, sendo que no trajecto dirigindo-se a JN e MP, disse: “Vocês são uns animais! Nem a PJ me faz isto! Vocês são os cães deles! Estão bem fodidos estão”. 7. Os militares JN e MP foram assistidos no Hospital de São Bernardo e como causa directa e necessária do comportamento da arguida MP sofreu uma ferida no ombro direito e escoriação de 5 cm no braço direito, que lhe determinou 7 dias de doença e JN sofreu contusão do punho direito e ferida no 2º dedo da mão direita, que lhe determinou 7 dias de doença. 8. Com o seu comportamento a arguida quis impedir os militares da GNR de exercerem as suas funções e ao proferir as expressões em causa quis ainda ofender a dignidade, consideração e honra devidas àqueles militares da GNR, que bem sabia serem agentes de autoridade e encontravam-se no exercício das suas funções, o que logrou alcançar. 9. A arguida agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Mais se apurou que: 10. A arguida encontra-se desempregada e vive sozinha sendo ajudada pelos pais. 11. A arguida é proprietária do veículo automóvel marca Ford, modelo Fiesta 1.25, matrícula ----IN. 12. A arguida tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade. 13. A arguida não tem antecedentes criminais. 2.2. Factos Não Provados Com relevância para a boa decisão da causa não existem factos não provados. Em sede de fundamentação da decisão de facto consignou-se o seguinte: O Tribunal fundou a sua concreta convicção a partir da prova produzida em audiência de julgamento, depois de criticamente analisada, à luz das regras de experiência comum e da verosimilhança, incluindo-se, as declarações da arguida, os depoimentos das testemunhas inquiridas, bem como a prova documental constante dos autos. Foram apresentadas duas versões contraditórias a dos ofendidos e a da arguida. A testemunha e ofendido JN apresentou um depoimento credível e isento, uma vez que soube situar o tempo e o modo em que os acontecimentos em causa se deram. A credibilidade do depoimento de JN não se mostrou menos relevante e autêntica pelo facto do mesmo ter tido intervenção directa na abordagem à arguida e nos acontecimentos que lhe sucederam. Também o ofendido MP de modo espontâneo relatou os factos tal como descritos na acusação, tendo, revelado, como é lógico e normal, uma memória mais vivida no que concerne à agressão física de que foi alvo por parte da arguida. Acrescente-se que o facto desse militar ter sido também visado com as expressões proferidas e com o comportamento da arguida, não retirou isenção ao que o mesmo expos em audiência. Os depoimentos agora analisados vieram, no essencial e de forma também credível, a ser corroborados por I, o qual evidenciou ter conhecimento directo das expressões proferidas pela arguida, das injúrias que dirigiu a todos os presentes, bem como dos esforços da arguida em obstar a ser detida. VC, a par com as anteriores testemunhas, foi outro dos militares da GNR que, se encontrava no local em causa, sendo que o seu depoimento se revelou escorreito e verosímil quanto às injúrias que a arguida dirigiu a si e aos restantes elementos da GNR presentes, e quanto à resistência que a arguida ofereceu à sua detenção no âmbito da qual agrediu os militares JN e MP. A arguida T. confirmou o circunstancialismo anterior aos factos, no que se refere aos desacatos ocorridos no Pinhal Novo, que esta presenciou, bem como ao facto de ter abandonado o local, e ter parado na Volta da Pedra para o namorado ir a uma máquina de Multibanco, altura em que o referido namorado (cuja identidade se desconhece) terá sido abordado por militares da GNR. Por sua vez, os ofendidos e testemunhas supra mencionadas referiram que na sequência de tais episódios, os militares JN e I, foram chamados a auxiliar os militares do Pinhal Novo na interceptação de um veículo em fuga, o que explica a abordagem à arguida que como a própria referiu se deslocava de tal local em direcção a Setúbal. A arguida negou que tenha proferido qualquer uma das expressões que constam da acusação afirmando que, quando o militar JN se lhe dirigiu perguntando pelos restantes ocupantes do veículo que dirigia, lhe disse apenas que não estava a perceber. Mais afirmou que nessa sequência o referido militar a começou a empurrar e que a arguida lhe disse “está-me a empurrar para quê?” no que este lhe deu ordem de detenção, tendo de imediato o militar MP encostado o cotovelo ao pescoço da arguida que por não conseguir respirar tentou soltar-se nomeadamente dando uma dentada no ombro de MP. Sucede que, a versão apresentada pela arguida não se mostrou credível. De facto, embora se admita que o militar JN, em face de se encontrar numa missão de intercepção/perseguição de um veículo em fuga, onde circulavam indivíduos suspeitos de desacatos, possa ter-se dirigido à arguida com uma maior brusquidão ou agressividade, mal se compreenderia que encontrando-se estes junto a uma via pública em plena luz do dia, e na presença do namorado da arguida – que, de acordo com a versão apresentada pela arguida, a tudo terá assistido – o referido militar a tenha começado a empurrar. Acresce que, não se mostra coerente nem lógico que o militar JN tenha dado ordem de detenção à arguida sem qualquer motivo, o que aliás foi negado por todos as testemunhas inquiridas em sede de julgamento, as quais confirmaram as expressões proferidas pela arguida e que constam dos factos provados na sequência das quais lhe foi dada ordem de detenção. Afirmou ainda a arguida que resistiu à algemagem, confessando a dentada que desferiu no ombro do militar MP, afirmando não se recordar de ter desferido uma joelhada na zona genital do militar JN, embora admitida que possa ter acontecido, e negando peremptoriamente ter mordido a mão direita do militar JN. Quanto à joelhada e pontapés que desferiu no militar JN não só o ofendido o confirmou, de modo que se revelou sincero, como todas as restantes testemunhas espontaneamente o referiram, pelo que, não se mostra relevante a falta de memória da arguida que confessadamente resistia à ordem de detenção que lhe havia sido dada. No que se refere à dentada na mão direita do militar JN, dúvidas não subsistem para o Tribunal, que a mesma foi desferida pela arguida. De facto, não só o relatório de urgência do Hospital de São Bernardo onde o ofendido foi assistido nesse mesmo dia é claro, quando refere como diagnóstico diferencial e diagnóstico de saída mordedura humana (fls. 25 a 27). Como, os testemunhos produzidos em sede de julgamento permitem imputar à arguida a autoria de tal mordedura. O Tribunal tomou ainda em consideração a documentação constante dos autos, nomeadamente, o auto de notícia (fls. 2 a 4), os elementos clínicos emitidos pela Hospital de São Bernardo (fls. 21 a 27) e os Autos de Exame Médico (fls. 34 a 39). Relativamente às condições socioeconómicas e profissionais da arguida, relevaram os resultados das pesquisas nas bases de dados da Segurança Social, Registo Automóvel e Finanças (cfr. fls. 123 a 126), bem como, as declarações da arguida, que neste particular, se revelaram credíveis. Atendeu-se ainda quanto aos antecedentes criminais, ao certificado junto a fls. 119. Quanto aos factos não provados cumpre referir que não se produziu em audiência qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se descreveram ou produziu-se prova em sentido contrário. Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso e bem assim os poderes de cognição do Tribunal ad quem. Da leitura das conclusões da aqui impetrante resulta que se pretende quer o reexame da matéria de facto, quer o reexame da matéria de direito. Conhecendo este Tribunal de recurso de facto e de direito, como decorre do art.º 428.º, do Cód. Proc. Pen., nada obsta a que se venha conhecer do presente recurso com a amplitude cognitiva pretendida. Porém, iniciaremos a nossa análise dos recursos trazidos pela aqui recorrente pelo recurso interlocutório, porquanto da sua procedência prejudicado poderá ficar o recurso interposto da Sentença revidenda. Como referido, traz a recorrente o presente recurso interlocutório do despacho judicial que não reputou a presença da arguida, desde o início da audiência, como indispensável para a descoberta da verdade. Antes do mais, importa conhecer o teor do predito despacho objecto de impugnação recursiva. É do seguinte teor o despacho recorrido: A arguida T. mostra-se regularmente notificada, não compareceu, nem justificou a sua falta, nos termos do art.º 117.º, do C.P.P., pelo que, nos termos do art.º 116.º, n.º1, do C.P.P., condena-se a mesma em 2 Unidades de Conta de multa. A arguida não se encontra presente, mas está regularmente notificada, prestou Termo de Identidade e Residência com a actual redacção do art.º 196.º, do C.P.P., e atendendo à natureza dos factos imputados, o Tribunal não reputa a sua presença desde o início, como indispensável para a descoberta da verdade, pelo que nos termos dos art.ºs 333.º e 364.º, n.º1, ambos do C.P.P., proceder-se-á, de imediato à realização da audiência de julgamento, na ausência da arguida, sendo a mesma, para todos os efeitos legais, representada pelo seu defensor oficioso. Aquando da tomada do TIR, a arguida soube das consequências decorrentes da falta à audiência de julgamento. Assim sendo, uma vez que a arguida se encontra devidamente notificada e sabe as consequências do resultado decorrente da sua falta, para além de que a arguida sempre se pode remeter ao silêncio, não se determina a emissão de mandados de detenção e condução promovidos pelo M.P. Desde logo, entende a aqui impetrante ter ocorrido a nulidade prevista no art.º 119.º, al.ª c), do Cód. Proc. Pen., porquanto o julgamento decorreu sem a sua presença, ao invés do estatuído por lei, que impõe a presença do arguido nas audiências de julgamento. Sobre tal temática, importa chamar, de pronto, a terreiro o que se diz no art.º 32.º, da Lei Fundamental, mormente no seu n.º1, ao referir que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Conforme se vem lendo tal normativo, consagra-se aí uma cláusula geral de garantias de defesa do arguido em processo penal. Sendo que uma dessas garantias de defesa tem a ver com o direito de presença do arguido na audiência de julgamento. Aliás, no seguimento, do referido art.º 32.º, n.º6, onde se estatue que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento. Direito de presença que vemos consagrado no artigo 14.º, n.º 3, al d), do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. E que pese embora a Convenção Europeia dos Direitos Humanos não o preveja de forma expressa, a partir da leitura que se vem fazendo do seu art.º 6.º, n.º 3, als. c), d) e e), não se poderá deixar de aí se fazer menção à consagração/contemplação desse direito. Donde, só excepcionalmente o arguido poder vir a ser dispensado de comparecer aos termos da audiência. Se inicialmente o Código afirmou como obrigatória a presença do arguido em sede de audiência de julgamento, essa afirmação veio a ser enfraquecida com as várias alterações introduzidas em tal matéria, desde logo, com o Dec.- Lei, n.º 59/98, de 25.08, - alteração no seguimento da revisão constitucional ocorrida em 1997- ao permitir o alargamento dos casos em que a presença do arguido em sede de audiência passou a ser dispensada, veja-se, entre outros, os arts. 332º, nº 1, 333º, nº 2 e 334º, nºs 1, 2 e 3. Nova inovação em tal matéria se veio operar com a entrada em vigor do Dec. Lei, n.º 320 – C/2000, de 15.12, em que se veio atenuar, ainda mais, a obrigatoriedade da presença do arguido em sede de audiência de julgamento. Justificando-se tal escolha legislativa, como disso se dá bem nota na sua exposição motivos, com o facto de uma das principais causas da morosidade processual residir nos sucessivos adiamentos das audiências de julgamento por falta de comparência do arguido, limitam-se os casos de adiamento da audiência em virtude dessa falta, nomeadamente quando aquele foi regularmente notificado. O art.º 332º do Cód. Proc. Pen., no seu n.º 1, continua, porém, a proclamar a obrigatoriedade da presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 333º e nos nºs 1 e 2 do artigo 334º. Dizendo-se no art.º 333.º, seu n.º1, que se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência. E no n.º 2 que se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes …, aplicando-se sempre que necessário o disposto no nº 6 do artigo 117º. Devendo-se, ainda, chamar a terreiro o n.º 7 do citado preceito legal, onde se diz que é correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 116º, no artigo 254º. O que nos leva a concluir que a dispensa de presença do arguido tem sempre um carácter excepcional e visa essencialmente estabelecer uma concordância prática entre as garantias de defesa, no caso a comparência do arguido na audiência de julgamento, com a realização da justiça penal através dos Tribunais, que são facetas essenciais de um Estado de Direito Democrático (2.º, 32.º e 202.º da Constituição), mas assegurando-se sempre as suas garantias de defesa- ver, ainda n.º 3, do art.º 333.º, do Cód. Proc. Pen[1]. Com base nestes ensinamentos, volvamos ao caso concreto. Assim damo-nos conta, ao invés do invocado pela recorrente, que esta foi regularmente notificada para estar presente na audiência de julgamento que teve lugar no dia 31 de Outubro de 2012, veja-se o teor da acta de julgamento de fls. 109 a 110 dos autos. Sendo, de todo em todo, despropositado o argumento invocado pela recorrente de que o seu anterior mandatário a informou indevidamente da data. Outra postura seria de exigir do Sr. Advogado relativamente às afirmações que teceu nestes autos a respeito do anterior Defensor, em obediência ao mais elementar dever de lealdade para com aquele causídico, para já nem mencionar a falta de rigor com que tratou toda esta questão. Daí que a invocação do disposto nos arts. 113.º, n.º9, do Cód. Proc. Pen., não tenha qualquer cabimento no caso vertente. Depois, e tendo presente o que se diz nos arts. 333.º, n.º7 e 116.º, n.º1, do mesmo diploma adjectivo, compreende-se a condenação da recorrente em custas. O chamar a terreiro o disposto no art.º 333.º, n.º3, do Cód. Proc. Pen., não faz qualquer sentido, quando se sabe, como os autos bem o documentam, que a aqui recorrente veio a ser ouvida em sede de audiência de julgamento e as suas declarações tidas em conta pelo Tribunal recorrido. Para lá de que, apesar de o julgamento ter tido lugar sem a presença da arguida, a mesma foi representada pelo seu defensor oficioso, nomeado no acto, como decorre da acta de julgamento, assegurando-se todas as garantias de defesa. O que faz com que perca qualquer sentido a invocação do cometimento da nulidade contida no art.º 119.º, n.1, al.ª c), do Cód. Proc. Pen. Sendo nestes vectores que a recorrente funda o seu recurso interlocutório, importa concluir pelo seu total naufrágio. Entrando no recurso trazido da Sentença revidenda. Pretende a aqui recorrente se proceda ao reexame da matéria de facto – com recurso á chamada impugnação ampla, art.º 412.º, ns.º 3 e 4, do Cód. Proc. Pen -, por, em seu entender, terem sido incorrectamente julgados os arts.º 1.º 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.° 8.° e 9.°, dos Factos Provados. Como consabido, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.» A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.). Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.). Ora, se bem lemos o que vem expresso na motivação de recurso, vemos que o aqui recorrente pretende ver reexaminada a matéria de facto considerada pelo tribunal recorrido, através da impugnação ampla dessa mesma matéria, como sobredito. Porém, se bem atentarmos na forma como o recorrente dá cumprimento ao exigido por lei em tal matéria, vemos que o faz de forma bem deficiente, porquanto se limita, em várias situações, a indicar em que sessão de julgamento foi produzida a prova que quer ver discutida e revista, e sem que indique qual a prova em questão. E em nenhuma situação fornece qualquer indicação quanto à parte seleccionada da gravação, antes faz indicação genérica sobre toda a gravação levada a cabo. Questionando, destarte, em bloco a matéria de facto apurada, procurando sobrepor a sua visão do que se passou no julgamento àquela que colheu o Tribunal recorrido e que veio a reflectir na decisão sob censura. Ora se o recorrente se dirige ao Tribunal de recurso, não se limitando a indicar parte da prova, antes a sua totalidade, ou parte substancial da mesma, e sem qualquer referência a suportes técnicos, acaba por não indicar as provas que impõem decisão diversa quanto á questão de facto[2]. Ademais, atenta a forma como o recorrente estrutura o seu recurso, o que pretende é que este Tribunal proceda a um verdadeiro, novo julgamento, nesta sede; apreciando-se em 2.ª Instância grande parte da prova, se não mesmo a totalidade, que foi produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento que aí teve lugar não tivesse ocorrido. Ora, a função dos recursos é a de constituírem verdadeiros remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros; e nada mais, como o pretendido aqui pelo recorrente. Sendo que esta deficiente indicação se verifica tanto na motivação, como nas conclusões. Ora, sem essa indicação da parte seleccionada da gravação, com referência ao seu início e ao seu fim, não vemos como seja possível proceder-se em conformidade com o pretendido. Assim sendo, não é possível convidar o recorrente a corrigir as conclusões, sob pena de se estar a conceder um novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso, conforme vem sendo entendimento do tribunal constitucional.[3] Pelo que, e sem necessidade de delongas, se tenha de concluir não ser possível à recorrente ver reexaminada amplamente a matéria de facto considerada pelo tribunal recorrido. Porém, pode vir a discutir a matéria de facto por outra via e que se prende com a chamada revista alargada, visando o conhecimento dos vícios compaginados no art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen. Será, pois, com esta amplitude cognitiva que iremos apreciar o presente recurso. E se bem lemos o explanado pela recorrente, vemos ser nesta base que vem questionar a forma como o tribunal a quo apreciou a prova produzida em sede de julgamento. Um dos vícios compaginados no art.º 410.º, do C.P.P. é o do erro notório na apreciação da prova. Como sabido, tal vício ocorre quando existe um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão. As provas revelam claramente num sentido e a decisão recorrida extrai ilações contrárias, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela algum elemento. Trata-se, assim, de uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se passou, provou ou não provou. Existe um tal erro quando um homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Não se podendo incluir no erro notório na apreciação da prova sindicância que os recorrentes possam pretender fazer/ efectuar á forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no art.º127.º- do Cód. Proc. Pen. Ou dito de outro modo, o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao vício do erro notório sobre matéria de facto.[4] Analisando-se a decisão sindicada, não vislumbramos onde a mesma possa estar eivada do apontado vício. Como bem decorre do alegado pela recorrente, rebela-se esta contra a forma como o tribunal formou a sua convicção e que o conduziu a dar como provados factos que, em sua opinião, o não deveriam ter sido. Por entender que terá sido interceptada de modo agressivo pelos militares da GNR e sem que estivesse a praticar qualquer crime e, daí, ter reagido, usando de pouca contenção verbal, o que é distinto de ter injuriado os ditos militares. Admite ter "mordido a mão de um dos guardas", como ter dado uma joelhada na zona genital a um dos ditos militares "quando me estavam a mandar para o chão", tendo actuado em legítima defesa. Do acabado de narrar, vemos que nada mais faz do que pôr em crise a forma como o tribunal a quo alcançou e formou a sua convicção. Porquanto ao não aceitar o processo lógico que conduziu á formação dessa convicção, e analisando o processo fora do âmbito da decisão em crise, está a confundir algo que nada tem a ver com a existência do vício do erro notório na apreciação da prova. Tudo, por o que o recorrente, no caso vertente, realmente questiona é, e tão só, a avaliação das provas produzidas e não o seu conteúdo propriamente dito. É que não se diz que a decisão se fundou num meio de prova ilegal ou que se teve por base a deficiente percepção dos depoimentos ou outros meios de prova; antes e apenas que os valorou mal. E tudo, sem que seja questionada a existência de dados objectivos invocados na motivação da decisão recorrida ou que tenham sido violados os princípios para a aquisição desses dados objectivos. Não é, assim, a ilegalidade dos meios de prova que está em causa, mas apenas a sua valoração, contrapondo á convicção alcançada a sua própria análise da prova. O que importa descortinar é se será, ou não, passível de crítica o modo como o tribunal recorrido veio a alcançar e a formar a sua convicção. Como é sabido, vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova-cfr, art.127.º, do Cód. Proc. Pen; livre convicção a processar-se segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente. O que nos conduz á conclusão de que a convicção do julgador só tem de ser objectivável e motivável, aliás como decorre dos requisitos da sentença, atentar no teor do art.374.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen. Sendo que a livre convicção não se confunde com a convicção íntima do julgador. A liberdade do julgador circunscreve-se á livre apreciação dentro dos parâmetros legais, não podendo ela estender-se ao livre arbítrio, impondo-se-lhe, por isso, que proceda com bom senso e sentido da responsabilidade, extraindo das provas um convencimento lógico e motivado. Ora, se é evidente que o tribunal de recurso pode sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância, ou seja, o processo lógico que levou a considerar-se que era uma e não outra a prova que se produziu, já o mais não lhe é possível sindicar. Porquanto impedido está de controlar tal processo no segmento lógico em que a prova produzida naquela instância escapa, foge, ao seu controle, porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação. Não sendo, por isso sindicável por este tribunal de recurso o segmento da prova conducente ao maior ou menor convencimento do julgador na análise dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento. Ora, analisando-se as provas produzidas, patente se torna concluir pela sem razão do alegado pelo recorrente, dada a justeza da convicção do tribunal e sua conclusão. Porquanto as provas em análise nos autos conduzirem precisamente á conclusão que delas retirou o tribunal recorrido. Ademais, mostra-se correctamente elaborada a fundamentação da decisão de facto, já que levada a cabo de harmonia com os comandos legais, art.º 374º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., não sendo, por isso, passível de qualquer reparo. O bastante para que se conclua pela não verificação na sentença recorrida do predito vício do erro notório na apreciação da prova, como invocado pelo aqui recorrente. Sendo de concluir pela imodificabilidade da matéria de facto considerada na Sentença recorrida. Depois, dissente da pena aplicada ao crime de resistência e coacção sobre funcionário – sua medida -, por entender ser a mesma exagerada, pugnando para que se situe em seis meses de prisão, sempre suspensa na sua execução. Para tanto, aduz em sua defesa o facto de não ter antecedentes criminais, o dolo não ser directo, antes ser eventual e a ilicitude não se apresentar em grau elevado. No que respeita á dosimetria da pena valem os critérios fixados no art.º71.º, do Cód. Pen., onde se diz que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Visando-se com a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente-cfr. Art.º 40.º, n.º1, do Cód. Pen. Sendo que em caso em algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, de acordo com o estatuído no n.º2, do art.º40.º, do diploma legal citado. Decorrendo de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em conta na determinação da medida da pena. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele-art.º71.º, n.º2, do Cód. Pen. Assentando o art.º40.º, do Cód. Pen., numa concepção ético-preventiva da pena: ética, porque a sua aplicação está condicionada e limitada pela culpa do infractor; preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção geral e especial. O fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial. Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados. Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa). A prevenção especial não é um valor absoluto mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efectiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores[5]. Na Sentença revidenda, a respeito, escreveu-se o seguinte: Relativamente, ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, como referido, o tipo penal em causa é punido com pena de prisão, compreendida entre um mês e cinco anos – artigos 41º, nº 1 e 347º, nº 1, ambos do Código Penal. Assim, e como acima referido, importa ponderar todas as circunstâncias que, não integrando o tipo legal de crime em análise, se revelem susceptíveis de evidenciar as exigências concretas da culpa e da prevenção, em conformidade com o estatuído no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal. Neste contexto, há que ter em conta todos os aspectos acima vertidos, destacando-se a favor da arguida a sua integração social e familiar e a ausência de antecedentes criminais. Por sua vez, contra a arguida temos a intensidade do dolo, o qual se apresenta como directo, bem como a ilicitude se apresenta num grau alto. Pelo que, em face das considerações acima expendidas relativamente às circunstâncias que militam a favor e contra o arguido e atendendo-se, em especial, ao facto do mesmo ser delinquente primário, julga-se adequado condená-la na pena de dois anos de prisão. Tendo-se, ainda, mencionado que a favor da arguida havia que ter em conta a sua boa integração social e familiar. E que as suas exigências de prevenção geral revelam-se muito ponderosas, tendo em conta, por um lado, o recurso cada vez mais frequente a palavras ofensivas da honra e da consideração dos agentes da autoridade. E no concernente às exigências de prevenção especial, as mesmas revelam-se moderadas dada a inserção social da arguida e a ausência de antecedentes criminais. Face ao acabado de transcrever, não se vê modo de inverter o decidido pelo Tribunal recorrido que se mostra equilibrado e que, por tal, é de manter. Termos são em que Acordam em negar provimento ao recurso e, em consequência, se confirma o Acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 ucs, a taxa de justiça devida. (texto elaborado e revisto pelo relator). Évora, 15 de Outubro de 2013 _____________________ (José Proença da Costa) _____________________ (Sénio Alves) __________________________________________________ [1] Ver, Ac. Relação do Porto, de 4-07-2012, no Processo n.º 765/09.4PRPRT-A.P1. [2] Ver, Acs. S.T.J., de 9.03. 2006, no Processo, n.º 461/06-5 e de 9.02. 2006, no Processo n.º 4389/05-5. [3] Cfr. Ac n.º259/02, de 18.06.2002, no D.R., II.a série, de 13.12.2002 e Ac.n.º140/04, de 10.03.2004, no D.R., II.a série, de 17.04.2004. [4] Ver, Ac. S.T.J., de 15.06.86, no B.M.J., 450-464, Ac. S.T.J., de 26.03.98, no Processo n.º1483/97 e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, págs. 74. [5] Ver. Ac. Relação de Coimbra, de 10.03.2010, no Processo n.º1452/09.9PCCBR.C1. |