Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA ALEXANDRA A. MOURA SANTOS | ||
Descritores: | FACTO NOTÓRIO CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ NEXO DE CAUSALIDADE DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/06/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | Facto notório é aquele que, por o ser, não precisa que sobre ele se faça prova directa ou presuntiva. A condução sob o efeito do álcool não constitui, só por si, facto notório de que o condutor conduzia com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção. O nexo de causalidade entre o estado de alcoolemia na condução automóvel e o acidente, não pode ser estabelecido só com base nas regras da experiência comum, quando existirem outros elementos nos autos que ponham em causa tal juízo. Os critérios seguidos pela Portaria 377/2008 de 26/05 têm em vista o procedimento que as seguradoras devem adoptar a fim de obterem a composição amigável e célere dos litígios emergentes dos sinistros automóveis, não são definitivos nem se impõem aos tribunais. O salário mínimo, prevenindo um mínimo para a subsistência de quem trabalha, não é regra, nem corresponde às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mundo do trabalho. No âmbito dos danos patrimoniais futuros, aquele deverá ser considerado o salário médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional média. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, e às demais circunstâncias do caso (entre as quais se contam, seguramente, as lesões sofridas e os respectivos sofrimentos, físicos e psíquicos) devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. Não se destinando, neste caso, a indemnização a tornar indemne o lesado, mas antes, oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, é mister, que tal compensação seja significativa (o que, contudo, não quer dizer indemnização arbitrária) e não meramente simbólica, como é jurisprudência pacífica do STJ. Sumário da relatora | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA A… intentou contra a COMPANHIA DE SEGUROS…, S.A., a presente acção declarativa sob a forma ordinária, pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização global de € 550.000,00 relativos aos prejuízos que sofreu decorrentes de um acidente de viação que ocorreu por culpa do condutor do veículo em que era transportada, veículo cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros se encontrava transferida para a Ré. A Ré contestou nos termos de fls. 28 e segs. e requereu a intervenção acessória do condutor do veículo J…, que foi deferida pelo despacho de fls. 47. O chamado contestou nos termos de fls. 73 e segs., excepcionando a prescrição do direito de accionar e impugnou a factualidade alegada pela A. concluindo pela procedência da excepção ou improcedência da acção. A A. respondeu ás contestações. Foi proferido o despacho saneador onde foi julgada improcedente a alegada prescrição do direito da A. e seleccionados os factos assentes e controvertidos com a organização da base instrutória. Realizada a audiência de julgamento foi proferida a sentença de fls. 396 e segs. que julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré Companhia de Seguros…, S.A., a pagar à A. as quantias de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos e € 240.000,00 pelos danos patrimoniais sofridos, absolvendo-a de tudo o mais peticionado. Inconformados, dela interpuseram recurso a A. e a Ré, alegando e formulando as seguintes conclusões: A A. A…: 1 – A recorrente pediu nesta acção, há quase cinco anos, que lhe fossem prestados € 200.000,00 para compensação dos sofrimentos, angústias, incómodos e perturbações que a A. já teve e continua a ter como consequência da longa doença que teve e tem e das intervenções cirúrgicas e das anestesias a que foi sujeita e dos longos tratamentos fisioterápicos que teve e continua a fazer e para compensação também das dores e desgostos que já sofreu e toda a vida sofrerá por causa dos defeitos e das limitações físicas com que ficou e do grave prejuízo estético que o acidente lhe gerou para o resto da vida. 2 – Como na douta sentença recorrida se fixou e resulta das respostas dadas à matéria de facto, antes do acidente dos autos, a recorrente era uma jovem de 19 anos, saudável, muito alegre, activa, amistosa e que gostava de praticar desporto e boa aluna. Por causa das lesões que o acidente lhe causou e das consequentes sequelas, irreversíveis, a recorrente passou a ser pessoa constantemente preocupada, desgostosa, pouco confiante, inibida de dançar e de praticar actividades desportivas, permanentemente preocupada com não exibir os seus graves defeitos físicos para não chocar os outros, tendo suportado dores intensas (foi de 6 em 7 o seu quantum doloris). 3 – Ficou com a articulação do cotovelo direito destruída, tendo o braço rigidamente dobrado em forma de L, e ficou também com paralisia radial com alteração da face dorsal e dos dedos da mão direita. 4 – Pelo que teve de desistir do curso superior por que optara e estava matriculada. 5 – Ficou também com cicatrizes no braço direito. 6 – E com um défice funcional permanente da integridade físico-psiquica de 43 pontos. 7 – Por isso, para compensação dos danos não patrimoniais da A. devem conceder-se-lhe os € 200.000,00 que já tinha reclamado há quase 5 anos, 8 – Atribuindo-se-lhe a indemnização global de € 440.000,00. 9 – A douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 496º, 562º e 564º do C. Civil. A Ré Companhia de Seguros…, S.A.: 1 – Acerca das causas do acidente, conclui o Tribunal a quo que “a culpa exclusiva na produção do acidente se deve à forma como o condutor segurado na Ré conduzia, ao permitir que abandonasse a faixa de rodagem em despiste” 2 – Parece-nos, contudo, salvo melhor opinião, que a decisão do Tribunal não se pronunciou sobre todas as questões submetidas ao seu prudente arbítrio. 3 – É o próprio Tribunal que reconhece existirem deficiências na formulação do raciocínio atinente às causas da ocorrência do acidente, v.g., quanto à velocidade (excessiva) que o veículo circulava na data do acidente. 4 – No entender da recorrente, é imperioso que se desfaçam quaisquer dúvidas acerca das causas que levaram à ocorrência do acidente. 5 – E, considerando que o interveniente J… conduzia com uma alcoolémia de 1,82 g/l de sangue, são muitas as dúvidas que se colocam acerca das verdadeiras causas do acidente. 6 – No caso dos presentes autos, o Tribunal não evidenciou uma causa que permitisse excluir as outras causas concorrentes, e invocadas pelas partes nos seus articulados; não afastou de modo inequívoco estas causas, dando uma solução que as excluísse, como a tal impõe o artº 660º nº 2 do CPC. 7 – Ao invés, o Tribunal, colocando dúvidas acerca da verificação de outras, e reconhecendo que o condutor circulava com uma TAS de 1,82 g/l, que a culpa exclusiva na produção do acidente se deve à forma como o condutor do veiculo segurado na Ré conduzia, ao permitir que abandonasse a faixa de rodagem em despiste. 8 – O Tribunal não atribui causa ao acidente, afirmando apenas que foi devido “à forma como o condutor segurado na Ré conduzia”. 9 – Nos termos do disposto no artº 660º nº 2 do CPC, o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. 10 – Ao não se ter pronunciado de modo claro acerca das causas do acidente, o Tribunal não decidiu sobre todas as questões que lhe foram colocadas, existindo assim omissão de pronúncia, cuja verificação é geradora de nulidade da sentença, nos termos do disposto no artº 660º nº 2 e 668º do CPC. 11 – Deve ser dado como provado o artº 2º da B.I., no qual se pergunta se “O interveniente conduzia com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção?” 12 – No caso da condução com uma TAS de 1,82 g/l como era a do interveniente, a diminuição de reflexos, a falta de atenção, concentração e tempo de reacção constituem facto notório. 13 – Sendo a taxa de alcoolemia máxima legalmente permitida para o exercício da condução de 0,50 g/l de sangue, o interveniente circulava com uma TAS de 1,82 g/l de sangue, o que corresponde a mais três vezes superior ao permitido. 14 – Conforme decorre dos inúmeros relatórios médicos existentes na comunidade científica “é comum e medicamente assente que o álcool afecta negativamente as faculdades físico-mentais imprescindíveis ao bom desempenho da condução automóvel, com efeito, está cientificamente provado que o álcool no sangue, a partir de determinado nível (normalmente o limite legal) produz alterações na capacidade neuro-motora do condutor, influenciando, necessária e negativamente, o comportamento na estrada dos condutores, pois diminui a atenção e reflexos indispensáveis a circulação rodoviária e provoca um estado de euforia”. 15 – O estudo científico junto pela Ré aos autos, o qual não foi impugnado por qualquer das partes, denominado “Redução do Limite Legal da Taxa de Álcool no Sangue para 0,2 mg/l elaborado pelo Dr. Rui Tato Marinho”, junto aos autos a fls. evidencia, por um lado, o álcool como um problema de saúde pública em Portugal (pág. 3 a 8 e segs.), sendo a taxa de mortalidade global mais elevada da EU nos jovens do sexo masculino de 15-24 anos, precisamente o intervalo etário onde se encontra o interveniente J… 16 – Segundo o citado estudo, existe evidência científica, através de estudos em laboratório (simuladores) e epidemiológicos, que a TAS de 0,2 mg/l provocam na maioria dos condutores alterações das capacidades psicomotoras necessárias a uma condução 100% segura. Os diversos estudos que demonstram a relação entre a TAS e os acidentes verificados estão exaustivamente explanados nas págs. 9 a 12 do estudo. 17 – Ainda no referido estudo consta que “as diversas actividades psicomotoras associadas à condução são prejudicadas, de forma diferente pela ingestão de álcool. No estudo em referência foram analisados aqueles efeitos na divisão da atenção, sonolência, manutenção da direcção, controlo do equilíbrio corporal, percepção e diversos aspectos da função visual como a acuidade, controlo dos movimentos oculares, visão periférica, etç. Nos estudos em que envolviam simuladores, 73% dos testes mostram alterações já com a TAS de 0,39 mg/l. Os resultados daqueles estudos, indicam que a capacidade de dividir a atenção entre duas ou mais fontes de informação visual, ou efectuar tarefas em simultâneo, se encontram já alteradas com a alcoolemia de 02, mg/l, sendo que em cada aumento de 0,2 mg/ml em condutores com uma TAS positiva, duplica o risco de acidente fatal” (…) “Na fig. 8 existem 15 estudos demonstrando alterações com valores de 0,2 – 0,3 mg/ml ou inferiores e 51 estudos para valores inferiores a 0,5 mg/ml (…)” 18 – No citado estudo sublinha-se ainda que “Procedendo à comparação de indivíduos com e sem ingestão de álcool, verificou-se que o risco relativo foi 1,4 vezes superior com uma TAS de 0,2 – 0,4 mg/ml, 11,1 vezes para TAS de 0,5 – 0,9 mg/ml, 48 vezes para TAS de 1,0 – 1,4 mg/ml e 380 vezes para TAS acima de 1,5 mg/ml”. 19 – Constitui assim facto notório, que não carece de alegação ou prova, o facto incluído no artº 2º da B.I., ou seja, que “O interveniente conduzia com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção” 20 – Por outro lado, não deve ser esquecido o facto de que o interveniente não impugnou a existência de alcoolemia no sangue; e que a A. reconheceu na réplica que “estavam todos bem bebidos”. 21 – Resulta ainda da prova apresentada nos autos, nomeadamente da prova documental e testemunhal, que a resposta ao artº 2º da B.I. deve ser necessariamente diferente. 22 – Da prova testemunhal produzida em sede de audiência (testemunha F… registo audiofónico da sessão de 9/12/2011, com versão digital registada no Tribunal minuto 00:00:01, minuto 28:21); testemunha J… (depoimento gravado digitalmente, minutos 08:45 e ss e 18:29 e ss) resulta que o interveniente J…, portador de uma TAS de 1,82 g/l à data do acidente, conduzia efectivamente com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção. 23 – As testemunhas F…, J… não hesitaram em afirmar perante o Tribunal que o interveniente J… se encontrava alcoolizado (“estavam bem tocados”, “estavam alcoolizados”, “não estavam para morrer, mas …”). E a testemunha J… foi peremptória em afirmar que o comportamento do J… era diverso do normal, e era próximo de outras situações em que estavam alcoolizados. 24 – Defender como fez o Tribunal a quo que “a taxa de alcoolemia apurada em exame ao condutor também não permite supor qualquer sinal evidente e notório de embriaguez” é contrariar todos os estudos científicos, toda a prova documental e testemunhal e fazer cair por terra todas as campanhas promovidas pela Prevenção Rodoviária Portuguesa a este título. 25 – A nível jurisprudencial (AC. STJ de 07/06/2011, disponível em www.dgsi.pt), defende-se que é do conhecimento comum que o álcool influencia os comportamentos, actuando sobre o cérebro, mesmo que os seus efeitos não sejam visíveis; todavia, quando a concentração do álcool no sangue atinge os 0,5 g/l já são perceptíveis. 26 – No caso sub júdice, competia ao Tribunal a quo, caso entendesse não ser visível a verificação de uma directa ligação entre o álcool e a condução, lançar mão das presunções judiciais que lhe permitissem prever que, no caso, à taxa de alcoolemia de 1,82 g/l correspondia necessariamente, uma diminuição dos reflexos, da falta de atenção, da concentração. 27 – “Tem vindo a ser entendido que “provindo a lesão de um facto ilícito (contratual ou extra-contratual), seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual, o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano” (cfr. Ac. do STJ de 20/06/2006, in CJ 2.0-119) 28 – Estes factos, conjugados com os demais alegados e provados, deviam ter levado o Tribunal a quo a considerar provados os factos vertidos no artº 2º da B.I. 29 – Não resultam dos autos quaisquer outros factos relativos ao modo de procedimento do R., dos quais se possa retirar alguma justificação ou compreensão do sucedido, a não ser que o R. foi submetido a um exame de pesquisa do álcool, no qual revelou uma TAS de 1,82 g/l. 30 – Em resultado desta taxa elevadíssima – não se pode defender, face à forma como o acidente se deu, que com aquela taxa o interveniente não estava sob a influência do álcool e que tal influência não foi causal do acidente. 31 – Nestes termos solicita-se ao Tribunal ad quem que, ao abrigo dos poderes que processualmente lhe são atribuídos, reaprecie a prova gravada e altere a matéria de facto conforme supra requerido, considerando provados os factos constantes no artº 2º da B.I.. 32 – É manifestamente exagerada a indemnização fixada por sentença proferida pelo Tribunal a quo que condenou a ora recorrente, a título de danos futuros sofridos pela A. A…, no pagamento do valor de € 240.000,00. 33 – A douta sentença não atentou nos desenvolvimentos legislativos trazidos pelos regimes previstos na Portaria 377/2008 de 26/05, mas sobretudo pelas medidas de Descongestionamento dos Tribunais discutidas e aprovadas em sede de Conselho de Ministros (denominados PADT I e II), mormente a resolução do Conselho de Ministros nº 172/2007 de 6/11 e o DL 153/2008, que se destina aos conflitos verificados em Tribunal. 34 – O DL 153/2008, introduziu a regra de cálculo do rendimento mensal do lesado, prevista no DL 291/2007 artº 64º aditando os nºs 7 e 8, com base ora no rendimento declarado, ora na falta de declaração, no rendimento mensal mínimo. 35 – No caso dos autos, o Tribunal a quo não pode olvidar este entendimento do legislador, que pretendeu, nos casos de lesados que não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG, considerar, precisamente, a Retribuição Mínima Mensal como norteador dos cálculos a efectuar. 36 – Na falta de outro facto que permita, com objectividade, definir qual o valor mensal respeitante ao dano futuro deveria o Tribunal ter lançado mão dos critérios definidos no DL 153/2008, pois são aqueles que determinam de modo objectivo uma base de cálculo, justa e equitativa, dos danos futuros sofridos. 37 – Atento o valor do salário mínimo nacional à data, de € 356,60 x 14 meses = € 5.962,40; a IPP fixada de 43%; o período de vida activa em falta (70-19=51 anos); uma taxa de juro anual de 4%; e uma taxa de crescimento da ordem dos 5% teremos um valor de € 68.826,50 (vide aplicação informática do sítio www.verbojuridico.net do juiz, disponível para download em http:www.verbojuridico.net/download/indemnização ipp v2.zip) 38 – Não deixa de relevar o facto, demonstrado em sede audiência de julgamento (cfr. depoimento da testemunha Frederico Tomé, sessão de julgamento de 09/12/2011) de que a “A. já se encontra a trabalhar” 39 – É ainda de salientar, o facto afirmado pela testemunha Frederico Alfaiate Tomé (conforme depoimento gravado, na sessão de 09/12/2011) de que “o sonho da A… era de ser pintora, não era ir para a Comunicação Social”) e que “concluiu o curso de pintura no semestre passado”. 40 – A quantia de € 50.000,00 referentes a danos não patrimoniais sofridos pela A. A…, considerando-se os valores fixados pelo STJ em sede de indemnização por perda do direito à vida (entre € 40.000 e € 60.000), atenta os danos sofridos pela A. e a IPP de 43 pontos. O interveniente J…, contra-alegou nos termos de fls. 469 e segs., concluindo pela confirmação da sentença recorrida. * Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação dos recorrentes, abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 684º nº 3 e 690º mº 1 do CPC (regime aplicável aos autos), verifica-se que são as seguintes as questões a apreciar: No recurso da A. A…, o quantum indenizatório relativo aos danos não patrimoniais. No recurso da Ré Seguradora: - A alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do artº 668º nº 1 al. d) do CPC. - A impugnação da decisão sobre a matéria de facto, - O quantum indemnizatório a título de danos futuros e danos não patrimoniais atribuído na sentença à A. * São os seguintes os factos que foram tidos por provados na 1ª instância: 1 – No dia 27 de Abril de 2003, pelas 02h45, transitava nesta comarca, na estrada municipal nº 554, no sentido Mação-Queixoperra, o automóvel ligeiro com a matrícula …CN, conduzido por J… 2 – O interveniente seguia na sua mão de trânsito. 3 – A via no local é de piso asfaltado, com uma largura de 5,20 m, considerando a parte asfaltada, de berma a berma. 4 – Ao chegar à localidade de Queixoperra, o interveniente perdeu o controlo do …CN, ao descrever uma curva para a sua esquerda. 5 – Em consequência da perda de controlo o …CN entrou em despiste, embateu numa barreira da estrada, capotou, atravessando a estrada em deslize e imobilizou-se no lado oposto ao da barreira onde embatera. 6 – O interveniente nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), exercia a condução com uma taxa de alcoolemia de 1,82 g/l. 7 – À data dos factos descritos em 1) a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo …CN encontrava-se transferida para a Ré por via do contrato de seguro automóvel obrigatório com a apólice nº 0900052582. 8 – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1) a A. seguia no …CN como passageira. 9 – Em 27 de Abril de 2003 a A. tinha 19 anos de idade. 10 – A A. no dia 27 de Abril de 2003, desde a hora do jantar, havia estado a confraternizar e a beber com o condutor do …CN. 11 – O interveniente é estudante, frequentando o curso de comunicação aplicada na Universidade Lusófona de Lisboa. 12 – O interveniente não possui quaisquer rendimentos de qualquer natureza. 13 – Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1) o interveniente perdeu o controlo da direcção do …CN em virtude de não ter regulado a velocidade às condições da via. 14 – Como consequência directa e necessária do acidente resultou para a A. esfacelo do cotovelo direito, com fractura exposta, com perda de substância óssea de 1/3 próxima do rádio e do epicôndilo, com perda de massa muscular e com perda de nervo radial. 15 – Após o acidente a A. foi assistida no Hospital de Abrantes. 16 – A A. foi transferida para o Hospital de Santa Maria em Lisboa. 17 – No Hospital de Santa Maria fizeram-lhe estabilização com fixadores externos e fio transfixivo cúbito-radial distal para travar a migração do rádio. 18 – Foi sujeita a desbridamento cirúrgico e sutura à mínima dos retalhos cutâneos. 19 – O internamento no Hospital de Santa Maria durou até 12 de Maio de 2003. 20 – A A. realizou pensos diários com soluto de dakin e fez antibioterapia até 12 de Maio de 2003. 21 – No dia 12 de Maio de 2003, a A. foi transferida para o Hospital Distrital de Santarém, tendo dado entrada no serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva desse hospital no dia 13 de Maio de 2003. 22 – Nesse serviço a A. foi sujeita a nova intervenção cirúrgica para cobertura das áreas cruentas com enxerto de pele e colocaram-lhe tala palmar para imobilização do punho em posição funcional. 23 – A A. foi submetida a quatro intervenções cirúrgicas, duas no Hospital Distrital de Santarém, uma no Hospital de Santa Maria e outra no Hospital de São José. 24 – A A. passou ao regime de tratamento ambulatório em 21 de Maio de 2003. 25 – Depois de sair do Hospital a A. realizou tratamentos de fisioterapia. 26 – Durante o primeiro ano fê-lo todos os dias úteis, de manhã e de tarde. 27 – No segundo ano fez tratamentos fisioterápicos diários numa única sessão de 3 horas. 28 – A A. continuou a fazer os tratamentos fisioterápicos nos anos seguintes duas vezes por semana. 29 – Em consequência das lesões sofridas, a A. ficou com a articulação do cotovelo direito destruída. 30 – Com paralisia radial com alteração da função e anestesia da face dorsal da mão direita e respectivos dedos. 31 – As sequelas descritas em 29 e 30 são irreversíveis. 32 – A A. ficou com cicatrizes no antebraço direito. 33 – A A. ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 43 pontos. 34 – A A. por vezes ainda tem dores. 35 – Em 2003 a A. concluiu o 12º ano de escolaridade. 36 – À data dos factos descritos em 1) a A. era boa aluna. 37 – A A. matriculou-se na Faculdade de Belas Artes de Lisboa no curso de design da comunicação. 38 – A A. anulou a matrícula no curso de design da comunicação em virtude de as dificuldades físicas e os tratamentos diários não lhe permitirem acompanhar o ritmo da faculdade. 39 – No ano seguinte matriculou-se novamente no mesmo curso, mas desistiu porque nesse curso há utilização constante e intensiva de computadores e a A., por causa da rigidez do braço direito não conseguia manobrar o rato e o teclado. 40 – Por isso a A. acabou por se matricular no curso de pintura da mesma faculdade. 41 – À data dos factos descritos em 1) a A. era pessoa saudável. 42 – A A. era muito alegre, activa e amistosa, passando, depois do acidente, a ser uma pessoa constantemente preocupada, desgostosa e pouco confiante. 43 – A A. preocupa-se constantemente com o não exibir os seus defeitos físicos para não chocar os outros. 44 – As sequelas que mantém inibem-na de dançar. 45 – A A. gostava de praticar desporto e depois do acidente deixou de realizar actividades desportivas que exijam esforços, particularmente dos membros superiores. 46 – A A. poderia auferir rendimentos de valor não concretamente apurado. 47 – A A. sabia que o condutor havia ingerido bebidas alcoólicas. 48 – A A. havia ingerido bebidas alcoólicas. Estes os factos. Visando o recurso da A. apenas a questão do quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais, a sua apreciação terá lugar conjuntamente com o conhecimento das questões também suscitadas pela Ré seguradora no mesmo âmbito. Assim e debruçando-nos sobre o recurso desta, cumpre desde já apreciar: A alegada nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia – artº 668º nº 1 al. d) do CPC. Pretende o recorrente que a sentença é nula nos termos o artº 668º nº 1 al. d) do CPC porquanto não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, concretamente, porquanto o Tribunal não desfez as dúvidas acerca das verdadeiras causas do acidente, isto é, “o tribunal não evidenciou uma causa que permitisse excluir as outras causas concorrentes e indicadas pelas partes nos seus articulados, não afastou de modo inequívoco estas causas, dando uma solução que as excluísse como a tal impõe o artº 660 nº 2 do CPC”. Vejamos. Nos termos do artº 668º nº 1 al. d) do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Como é sabido, esta nulidade está directamente relacionada com o comando fixado no artº 660º nº 2 do CPC, segundo o qual o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Como tem entendido a doutrina e decidido pacificamente a nossa jurisprudência, a nulidade de omissão de pronúncia prevista na al. d) do nº 1 do artº 668º só existe quando o juiz tenha deixado de proferir decisão sobre questão de que devia conhecer, não ocorrendo tal nulidade só porque o juiz deixou de conhecer de qualquer argumento ou apreciar qualquer consideração apresentada pela parte. (cfr. A. dos Reis, CPC Anotado, V. 5, p. 143; RT, 78º - 172, 89º - 456 e 90º - 219; Acs. do STJ de 2/7/74, de 6/1/77, de 13/2/85 de 5/6/85, e de 17/04/1991, AJ 18º/92-34, entre outros) A omissão de pronúncia, causa da nulidade da sentença a que se refere o artº 668º nº 1 al. d) do C.P.C. resulta, pois, da abstenção de conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou de pedidos por elas formulados. Compulsada a sentença recorrida não se verifica a apontada omissão de pronúncia. Com efeito, na sentença recorrida o Exmº Juiz tendo presente a decisão sobre a matéria de facto, designadamente, a factualidade relativa às causas do acidente alegadas pelas partes (que resultaram provadas e não provadas), fez a sua análise crítica e a respectiva integração no direito aplicável (artº 659º do CPC). O Tribunal não deixou de pronunciar-se sobre a questão a resolver relativa às causas do acidente, se o fez correctamente ou não, se a fundamentação invocada é pouco convincente ou insuficiente é questão que se prende com erro de julgamento e não com a pretendida omissão de pronúncia. Ao pretender que o Tribunal não atribuiu causa ao acidente, sendo certo que se provou que o condutor do veículo seu segurado circulava com uma taxa de 1,82 g/l no sangue, o que a Ré recorrente faz é imputar erro de julgamento, seja relativamente à decisão sobre a matéria de facto, seja na integração da factualidade provada no direito aplicável. Mas tal não se confunde com a nulidade decorrente da omissão de pronúncia a que se refere o artº 668º nº 1 al. d) do CPC. Improcedem, pois, quanto a esta questão as conclusões da alegação da recorrente. Quanto à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto. Conforme resulta das conclusões da sua alegação, a recorrente impugna a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, discordando da resposta negativa dada ao artº 2º da B.I., alegando que o mesmo deve ser dado com “provado”, porquanto: - Constitui facto notório que a condução com uma TAS de 1,82 gm/l diminui os reflexos, determina falta de atenção, concentração e tempo de reacção. - O facto em causa deve ser dado como provado com base na posição manifestada pelas partes nos articulados. - Existe erro de julgamento quanto à referida matéria, face à prova documental e testemunhal produzida. Vejamos. Pretende a recorrente que o quesito em apreço deve ser dado com provado, desde logo, porque no caso da condução com uma TAS de 1,82 g/l, a diminuição de reflexos, a falta de atenção, concentração e tempo de reacção constituem facto notório, invocando o Relatório Técnico por si junto aos autos elaborado por Rui Tato Marinho relativo à redução do limite legal da TAS para 0,2 mg/l. Vejamos. Os factos notórios a que se refere o artº 514º nº 1 do CPC são aqueles que são do conhecimento geral. Alberto dos Reis classifica como “factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação” (CPC Anotado, vol. III, p. 261) Naturalmente que o conhecimento que o Juiz tem do facto enquanto notório resulta não dos seus conhecimentos particulares, mas sim do conhecimento que o Juiz tem, colocado na posição de cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (cfr. Castro Mendes, “Do Conceito de Prova”, 711 e Vaz Serra, Provas, BMJ 110º, 61) Relevante na sua definição é o conhecimento e não a relevância do facto. Como decidido no Ac. do STJ de 25/10/2005 (proc. 05A3054 in dgsi.pt), o facto notório tem que ser conhecido, “não bastando para tal classificação qualquer conhecimento, pois é indispensável um conhecimento de tal modo extenso e difundido que o facto apareça como evidente, revestido de um carácter de certeza resultante do conhecimento do facto por parte da massa dos portugueses que possam considerar-se regularmente informados por terem acesso aos meios normais de informação.”. A notoriedade do facto pressupõe que seja indiscutível ter-se verificado, de tal modo que se torna uma característica do próprio facto, do qual deriva que, uma vez estabelecida a notoriedade, o facto em si não carece de prova e é insusceptível de prova contrária. (cfr. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, p. 133) A este respeito, afigura-se ainda oportuno citar o Ac. do STJ de 15/11/2007 onde, esclarecidamente, se escreve: “Facto notório, ou do conhecimento generalizado das pessoas, é aquele, que, por o ser, não precisa que sobre ele se faça prova directa ou presuntiva. Ou seja, que o julgador conhece na sua qualidade de cidadão comum uma vez que esse facto é um conhecimento disseminado em toda a sociedade. Ora, o que é facto notório é que a embriaguez é a causa de muitos acidentes de viação. Mas já não é notório que todos os condutores embriagados sejam os causadores dos acidentes em que intervieram. O facto notório nesta matéria será um princípio de prova não a prova cabal” (Cons. Bettencourt Faria, proc. 07B2998, in www.dgsi.pt) Resulta do exposto que a condução sob o efeito do álcool não constitui só por si facto notório de que interveniente conduzia com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção. Pretende também a recorrente que o facto constante no artº 2º da B.I. deve ser provado com base na posição manifestada pelas partes, mais concretamente e no que ao caso interessa, que o interveniente “confessa expressamente ter ingerido bebidas alcoólicas e que por isso não pretendia conduzir, só fazendo após insistência de duas horas da A.” do que decorre que tinha as suas faculdades ao nível da condução diminuídas. Ora, que o interveniente havia ingerido bebidas alcoólicas é facto assente. Todavia, que, por essa razão, não se encontrava em condições de conduzir ou que se encontrava com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção, efectivamente, não resulta do seu articulado. Com efeito, tal matéria foi por si impugnada (cfr., designadamente artºs 43º, 50º, 51º e 52º da sua contestação) e levada à base instrutória, foi dada como não provada. Cabe agora apreciar se os depoimentos indicados pela recorrente e a prova documental produzida impõem a alteração da resposta à matéria em causa. Como é sabido, a modificabilidade pela Relação da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou da gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artº 685-B nº 1 e 712º nº 1 als. a) e b) do CPC) Se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida pode, então, concluir-se ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior. Com efeito, a consagração de um segundo grau de jurisdição quanto a matéria de facto foi introduzida pelo DL 39/95 de 15/02, não com o objectivo de possibilitar a uma impugnação generalizada e sem quaisquer limites (como acontece frequentemente a pretexto de o tribunal ter dado mais credibilidade às testemunhas da contra-parte do que às oferecidas pelo recorrente), ou seja com absoluto desprezo pelo princípio da liberdade de julgamento consagrado no artº 655º do CPC, concretizado na livre apreciação das provas segundo a prudente convicção do tribunal acerca de cada facto, mas apenas para facultar às partes “nova e real possibilidade de reagir contra eventuais e seguramente excepcionais erros do julgador na livre apreciação das provas”. O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório ou evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial, mas excluindo este. Como se esclarece no Ac. do STJ de 21/05/2008, “o que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um novo julgamento – desprezando o juízo formulado na 1ª instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados – mas tão só que no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigúe – examinando a decisão da 1º instância e respectivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, sem deixar de ter presentes as limitações inerentes à ausência de imediação e da oralidade no tribunal de recurso – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido se apresenta com um mínimo de razoabilidade face às provas produzidas”. É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas. Posto isto e verificando-se que a recorrente cumpriu o ónus de indicação dos concretos pontos de facto que entende incorrectamente julgados e da prova produzida em julgamento em que funda a sua discordância, analisemos então o único ponto de facto sindicado. A matéria em causa é, como se referiu, a constante do artº 2º da base instrutória, em que se perguntava se “O interveniente conduzia com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção?” ao que o tribunal respondeu “Não provado”. Pretende a recorrente que o mesmo seja declarado “provado”, invocando como fundamento da sua pretensão, designadamente, os depoimentos das testemunhas F… e J… que depuseram sobre tal matéria e o estudo científico por ela junto. Compulsada a decisão sobre a matéria de facto e no que respeita à sua fundamentação, diz o Exmº Juiz, o seguinte: “Para dar como provados os factos supra mencionados, o Tribunal baseou-se na apreciação livre, crítica e global dos seguintes meios de prova: a) No relatório de perícia médica de fls. 300 a 306; b) nos documentos de fls. 9 a 18; c) nas declarações das testemunhas (…) F… (antigo namorado da A., acompanhava-a no veículo aquando do acidente; (…) J… (pessoa que estava com a A. e o interveniente no jantar que antecedeu o acidente, referindo que todos tinham bebido álcool mas que nenhum aparentava embriaguês) (…) os quais foram considerados convincentes pelo conhecimento directo dos factos que evidenciaram, pela forma espontânea como depuseram, pelos pormenores que apresentaram e pela isenção que patentearam. Breve apreciação crítica da prova. (…) Quanto à questão da evidente embriaguez do condutor ou da A., não foi apresentada prova segura e convincente dessa circunstância. Nomeadamente os depoimentos das testemunhas J… e D… contrariam tal versão. Apenas a testemunha J… referiu que estavam todos embriagados. No entanto, o seu depoimento revelou mais conclusões do que razões de ciência, particularmente quando questionado para precisar os sinais dessa embriaguez ou das razões porque ainda assim aceitou entrar no carro com o condutor embriagado. Por outro lado, a taxa de alcoolemia apurada em exame ao condutor também não permite supor qualquer sinal evidente e notório de embriaguez. Tão pouco foi produzida prova bastante e segura da A., de alguma forma, ter perturbado a condução do veículo. Não se deram como provados quaisquer outros factos por falta de prova bastante, segura e credível”. Cabe desde já referir que tendo-se procedido à audição da prova gravada não se vislumbra qualquer razão que, em face dos depoimentos prestados, designadamente os indicados pela recorrente, imponha, forçosamente, a alteração do decidido quanto à matéria em apreço. Com efeito, nada mais resulta dos depoimentos prestados, designadamente da testemunha J…, senão que todos tinham estado a beber e que o interveniente se encontrava alcoolizado. Mas isso não está posto em causa. É facto assente. Agora não pode é afirmar-se que dos referidos depoimentos resulta a prova de que o interveniente conduzia com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção. No que respeita ao depoimento da testemunha F…, invocado pela recorrente, nada de relevante revelou relativamente à condução do A…. Quanto à testemunha J…, interrogado directamente sobre tal facto, o que a testemunha respondeu foi “não sei avaliar essas coisas”. Mas não só, pois acrescentou que “(…) durante muitos anos andei de carro com o A…, sempre confiei nele e na condução dele e não … nunca tive nada a apontar e nesse dia também não tive (…) Para si conduzia normalmente? Sim”. E perguntado sobre se o interveniente conduzia normalmente e se ia com atenção à estrada, a testemunha respondeu afirmativamente. Não decorre, pois, da prova indicada pela recorrente (os depoimentos das apontadas testemunhas), qualquer fundamento para a pretendida alteração da resposta em causa. E da restante prova testemunhal produzida sobre tal matéria também nada se apurou no sentido afirmativo pretendido pela recorrente. Antes pelo contrário. Com efeito, e apenas para ilustrar, cita-se o depoimento da testemunha J…, cabo da GNR que se deslocou imediatamente ao local do acidente e tomou conta da ocorrência, que perguntado expressamente sobre a matéria em causa respondeu “(…) do que me deu a ver na altura do acidente, portanto assim que cheguei lá, se bem que no teste de alcoolemia acusou álcool, o condutor estava sóbrio. Estava sóbrio, aparentemente.” Perguntado “se não dava sinais”, respondeu “Não, não era aquela pessoa que embora estivesse sob o efeito do álcool, andasse a cambalear ou se notasse que estava alcoolizado” e mais adiante ainda sobre se não parecia alcoolizado ou embriagado respondeu “não parecia, não, não”. Também a testemunha J…, cabo da GNR que acompanhou o anterior, referiu sobre a mesma questão, isto é, se se apercebeu que o condutor tinha álcool, por exemplo no hálito respondeu “Não, não, não”. Resulta do exposto que não se pode concluir de tal prova testemunhal que o interveniente conduzia com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção. Aliás, a própria recorrente conclui que “perante os depoimentos ora prestados, e embora estes depoimentos não tenham sido concretos quanto às consequências que o álcool tinha no comportamento do interveniente, resulta de modo convincente, que o mesmo estava com as suas faculdades alteradas” Ora, que o interveniente conduziu alcoolizado não oferece dúvida como já sobejamente se referiu. Mas que tal facto causou que o mesmo conduzisse nas condições perguntadas no quesito é que não resulta da prova testemunhal produzida em audiência. Na verdade, é da experiência comum que ninguém fica com as faculdades de concentração, reacção, reflexos, aumentadas em consequência da ingestão de álcool, como refere a apelante. Mas o nexo de causalidade entre o álcool e o acidente tem de ser demonstrado. E, de resto, não basta a prova da existência do álcool e que o condutor conduzia com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção. É necessário que se prove que essa situação foi a causa do acidente. Tal nexo de causalidade não é facto notório que dispense alegação e prova. Como se refere no Ac. do STJ de 06/05/2010 “Ora sem embargo de se reconhecer que a prova do falado nexo de causalidade se haverá de fazer, as mais das vezes, por presunção judicial (e também que a vertente abstracta do nexo de causalidade entre o estado da alcoolemia na condução automóvel e o acidente se pode deduzir logicamente dos factos assentes sob a dita envolvência das regras da experiência científica e comum), o facto de resultar dos ensinamentos científicos e das regras de experiência comum (…) que a ingestão do álcool, para além de certo limite, mormente do legal desconcentra a inteligência e a vontade, perturbando os reflexos e a coordenação psico-motora, gerando a lentidão dos tempos de reflexo, euforia, e acima dos 1,2 g/l incapacidade sensitiva e neuromotora, diminuidora da percepção e da reacção na condução automóvel (Ac. do STJ de 1/7/2004 – Salvador da Costa – pº 04B1536), só por si pode não bastar.” E continuando a citar “E assim sucederá, desde logo, quando outros elementos existirem nos autos que ponham em causa tal juízo probatório. Com efeito, as presunções – e falamos agora só das presunções judiciais, simples, de experiência ou do homem – assentam no simples raciocínio de quem julga (artº 351º do CC). Nelas estando presentes as máximas da experiência, os juízos correntes de probabilidade, os princípios da lógica e os próprios dados da intuição humana. Existindo na presunção judicial uma ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um desconhecido (artº 349º do CC). E, aparecendo-nos no capítulo das provas, é comum dizer-se que as mesmas não são propriamente meios de prova, mas antes meios lógicos ou mentais de descoberta de factos ou de afirmações formadas em regras de experiência. (…) Não podendo o tribunal socorrer-se de presunções judiciais para suprir a falta de prova relativamente a factos oportunamente discutidos e apreciados em julgamento (Ac. do STJ de 09/10/2003 (Oliveira Barros), Pº 03B2536) Não podendo, assim, tais presunções assentar em factos com elas incompatíveis, designadamente se tais factos tiverem sido dados como não provados (Ac. do STJ de 14/10/97 (Pereira da Graça), CJ STJ Ano V, T. 3, p. 70) Ora, não obstante ter resultado expressamente provado que a TAS de que o recorrido condutor era portador determinou a sua falta de sensibilidade e reflexos, já não resultou provado, sem crítica oportuna da A., onerada com a prova do nexo de causalidade em questão, o facto, a respeito nomeada e concretamente alegado de que tal TAS fez com que o réu/condutor perdesse o domínio do veículo (tendo o quesito 19º, reportado ao quesito 15º (“A TAS que afectava o réu determinou a sua falta de sensibilidade e reflexos?”) a seguinte redacção: “Fazendo-o perder o domínio do veículo?”) Sendo esta última matéria de facto também sido submetida a discussão e julgamento. Não se podendo, agora, por presunção judicial dar como provado tal nexo, que, se bem que submetido a prova directa, não foi dado como provado. Sendo certo que terá sido a perda do domínio do veículo que, por razão (ou razões) que não se pode(m) ter como apurada(s) – terá sido a referida TAS, o encadeamento solar, a falta de experiência do condutor que a tal deu lugar? – que deu azo ao despiste do veículo e ao consequente e fatídico atropelamento” (Proc. 2148/05.6TBLLE.E1.S1 in www.dgsi.pt) Situação parecida ocorre no caso dos autos. Com efeito, tendo o Tribunal respondido negativamente à pergunta constante do artº 2 da B.I. se “o interveniente conduzia com os reflexos diminuídos, nomeadamente com falta de atenção, concentração e tempo de reacção” afigura-se que na falta de qualquer outra prova, não pode o Tribunal socorrer-se de presunções judiciais para suprir a falta de prova oferecida relativamente a tal facto oportunamente discutido e apreciado em julgamento e que aqui em sede de recurso se confirma como não tendo sido produzida (do depoimento das testemunhas não resultou a prova do facto). De resto, sempre se dirá que mesmo que se tivesse provado tal facto, ainda assim, não consta dos autos qualquer relação causa/efeito entre a condução nas alegadas condições e o despiste. É que nem mesmo a Ré recorrente alegou tal nexo pois, conforme consta da sua contestação, limitou-se a alegar que “O álcool pode ter sido a causa, ou uma das causas, do despiste do veículo” (artº 21º), o que, naturalmente tratando-se de uma alegação hipotética não foi sequer levada à base instrutória. Decorre de todo o exposto que não pode alterar-se a resposta ao artº 2 da BI, quer com fundamento na prova produzida, quer com recurso a presunções judiciais. A prova de que ao chegar à localidade de Queixoperra, o interveniente perdeu o controlo do …CN, ao descrever uma curva para a sua esquerda e que em consequência da perda de controlo o …CN entrou em despiste, embateu numa barreira da estrada, capotou, atravessando a estrada em deslize e imobilizou-se no lado oposto (e ainda que o interveniente perdeu o controlo da direcção do veículo em virtude de não ter regulado a velocidade às condições da via), constitui indicio seguro da presunção de culpa do condutor. É certo que a sentença desvaloriza a velocidade (fundamento que foi o invocado pela A.) por entender que se trata de afirmação conclusiva. Mas o certo é que também não é exigível à A. a prova da causa concreta do despiste, bastando-lhe a prova da sua verificação como circunstância indiciadora da culpa do condutor, o que fez. Não tendo a Ré logrado provar que o estado de alcoolemia foi a causa concreta do despiste (o que, aliás, como se referiu, apenas admitiu como uma das hipóteses da causa do despiste) improcedem as conclusões da alegação da recorrente no que respeita à matéria de facto. Assente a factualidade que vem provada da 1ª instância, cumpre agora apreciar os recursos no que se refere ao quantum indemnizatório fixado na sentença, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Na sentença recorrida, fixou o Exmº Juiz a título de danos patrimoniais a quantia de € 240.000,00, “considerando o quadro legal (artº 562º, 564º e 566º do C.C.) e os factos apurados, nomeadamente a remuneração anual expectável da A. (€ 14.000,00) e a sua idade (19 anos) e o grau de incapacidade permanente parcial (43%), bem como as prudentes regras da equidade.” Contra tal decisão insurge-se a Ré recorrente considerando exagerado tal valor porquanto a sentença não atendeu nos desenvolvimentos legislativos trazidos pelos regimes previstos na Portaria 377/2008 de 26/05 mas sobretudo pelas medidas de descongestionamento dos Tribunais discutidas e aprovadas em sede de Conselho de Ministros (denominados PADT I e II), mormente a Resolução do Conselho de Ministros nº 127/2007 de 6/11 e o DL 153/2008, que se destina aos conflitos verificados em Tribunal. Mais concretamente, insurge-se a recorrente contra o valor base de remuneração em que o Tribunal assentou (€ 1.000,00 mensais) olvidando o entendimento do legislador que pretendeu, no caso de lesados que não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG, considerar precisamente a Retribuição Mínima Mensal como norteador dos cálculos a efectuar. Sendo esse o caso da A. (à data do acidente era estudante, não tendo retribuição definida), defende que o valor a atender deveria ser o salário mínimo nacional à data, que se cifrava em € 356,60, concluindo que o valor a considerar em sede de dano patrimonial futuro será, assim, de € 68.826,50. Vejamos. Sendo certo que a recorrente reconhece a inaplicabilidade, ao caso dos autos, da legislação que refere atenta a data da sua entrada em vigor e a data do acidente, pretende, contudo, que como critérios objectivos e uniformizadores do cálculo dos danos futuros sofridos pela A. apelada, deveriam ter sido considerados pelo tribunal. Como é sabido, a lei, no que a tal respeita, dá-nos as orientações constantes do nº 2 do artº 564º do CC – atendibilidade dos danos futuros previsíveis – e do nº 3 do artº 566º do mesmo Código – recurso à equidade se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos. Ora, independentemente de, na verdade, a referida legislação não ser aplicável aos autos face às normas relativas à aplicação da lei no tempo, certo é que, como na sentença recorrida, também se entende, os critérios nela referidos apenas visam a prévia composição do litígio e que não vinculam os Tribunais. Neste sentido, a par de numerosa jurisprudência, também afirma Menezes Cordeiro que tais tabelas “não se aplicam aos tribunais nem limitam minimamente os direitos das pessoas” (“Tratado de Direito Civil, II – Direito das Obrigações”, T. III, p. 753) Na jurisprudência, cita-se, o recente Ac. do STJ de 21/02/2013 onde se refere que “Os critérios seguidos pela Portaria 377/2008 de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria 679/2009 de 25/06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele” (Proc. 2044/06, in www.dgsi.pt; cfr. ainda Ac. do STJ de 01/06/2011, proc. nº 198/00.8) No mesmo sentido veja-se o Ac. da RL de 21/03/2012 “Essa Portaria (377/2008 de 26/05, actualizada pela Portaria 679/2009 de 25/06) fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do DL 291/2007 de 21/08. Ou seja, regulamenta aspectos do actual regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que foi aprovado pelo DL 291/2007 de 21/08 e entrou em vigor em 20/10/2007 (artº 95º). Tem em vista o procedimento que as seguradoras devem adoptar a fim de obterem a composição amigável e célere dos litígios emergentes de sinistros automóveis, no âmbito do dano corporal. Os critérios e valores aí referidos não são definitivos nem vinculativos, não se impondo aos tribunais, conforme decorre do nº 2 do artº 1º da Portaria (“as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”) e do seu preâmbulo (“ … importa frisar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do nº 3 do artº 39 do DL 291/2007 de 21/08, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas” (proc. 4129/06.3, in www.dgsi.pt) Sendo certo que para o efeito do cálculo da indemnização pelos danos em apreço já foram utilizadas pela jurisprudência várias fórmulas e tabelas financeiras, com vista à obtenção de um critério tão uniforme quanto possível, vem o STJ afirmando que “nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como índices ou parâmetros temperados com a aplicação de um juízo de equidade”, sendo a equidade o critério fundamental de fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros (cfr. Acs. do STJ de 7/06/2011 e de 21/02/2013), que os critérios matemáticos de cálculo do capital correspondente à indemnização por danos patrimoniais futuros são apenas um instrumento ao serviço da equidade (Ac. STJ de 17/01/2013, proc. 2395/06.3) e que o recurso a fórmulas é meramente indiciário, não podendo o legislador desvincular-se dos critérios constantes do artº 566º do CC, mormente do referido no nº 3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exacto dos danos deve recorrer à equidade (Ac. do STJ de 2/05/2012, proc. 1011/2002) todos acessíveis in www.dgsi.pt. No que respeita ao valor salarial, entendeu a sentença recorrida ser de considerar, na esteira da jurisprudência que indica, não o salário mínimo nacional, mas antes o salário médio nacional. Isto, porque, “Se a A. revela ser uma boa aluna e prossegue um nível superior de educação, o Tribunal não deve fazer um juízo de prognose com base no vencimento mínimo, geralmente reservado aos trabalhadores indiferenciados ou sem especiais aptidões ou competências”. E “neste caso, perante as circunstâncias apuradas quanto à pessoa da A. e fazendo fé na eventual progressão salarial e desenvolvimento do país durante o longo período de vida activa, ter-se-á por equitativo o valor de referência de € 1.000,00”. Subscrevemos o decidido. Com efeito, o salário mínimo, prevenindo um mínimo para a subsistência de quem trabalha, não é regra nem corresponde às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mundo do trabalho. A jurisprudência vem entendendo que nessas circunstâncias deverá ser considerado o salário médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional média (cfr. entre outros Acs. do STJ de 03/06/2003, proc. 03A1270; de 16/10/2008 proc. 08A2362; de 25/06/2009, proc. 08B3234; de 30/09/2010, proc. 935/06.7TBPTL.G1.S1; da RC 16/11/2010, proc. 15/08.8, todos acessíveis in www.dgsi.pt). E atentas as circunstâncias apuradas quanto à pessoa da A. (cabe aqui referir a irrelevância do afirmado pela apelante de que terá sido referido em audiência que a A. já concluiu o curso de pintura e que já se encontra a trabalhar, porquanto, tratando-se de eventuais factos supervenientes, não constam dos factos provados) não vemos razão para divergir do valor de referência encontrado pela 1º instância de € 1.000,00 mensais. Assim sendo, e tendo presente a factualidade provada, entende-se adequado o montante encontrado pela sentença recorrida a título de danos patrimoniais futuros (€ 240.000,00), tratando-se de valor consonante com as indemnizações fixadas em casos semelhantes, tendo naturalmente em conta as especificidade de cada um. Improcedem, pois, também quanto a esta questão as conclusões da alegação da Ré recorrente. Quanto aos danos não patrimoniais. A sentença recorrida, tendo presente o circunstancialismo evidenciado pela matéria de facto (particularmente o “quantum doloris”, o período de convalescença, os extensos tratamentos a que teve de se sujeitar e os inerentes incómodos e repercussão presente e futura em termos de dano moral, as cicatrizes e vertente meramente moral da incapacidade de que é portadora, e a relevância que tais aspectos assumem numa jovem mulher, bem como o tempo decorrido desde a data da lesão) decidiu atribuir à A. a compensação global de € 50.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos. Contra tal decisão insurgem-se a A. e a Ré, pugnando a primeira pelo valor peticionado de € 200.000,00 e a segunda uma verba não superior a € 40.000,00. Para tanto, lembra a primeira, a gravidade das consequências que resultaram para a A. e a segunda, o desajustamento da verba aos valores fixados nos casos de indemnização por perda do direito à vida. No que respeita a esta última questão que constitui o fundamento da discordância da Ré recorrente, é abundante a jurisprudência do STJ no sentido de que não podem colocar-se em paralelo as duas indemnizações em termos de a sobrevivência sempre determinar indemnização por danos não patrimoniais inferior à que deriva da morte. Assim, no Ac. do STJ de 5/07/2007, refere-se que “Não vigora no nosso ordenamento jurídico nenhuma norma positiva ou princípio jurídico que no âmbito dos danos não patrimoniais impeça a atribuição de uma compensação ao lesado superior ao máximo daquela que habitualmente tem sido atribuída pelo STJ para indemnizar o dano morte (entre 50 e 60 mil euros)” (proc. 07A1734, Cons. Nuno Cameira) E no Ac. de 28/09/2010 reiterando o seu entendimento diz: “O STJ já tem afirmado em vários acórdãos que, apesar de a vida constituir o bem supremo, há inúmeras situações que se arrastam no tempo e que provocam ao lesado um sofrimento bem maior e mais gravoso que a sua perda, pelo que o valor indemnizatório atribuído pelo STJ pela perda do bem vida não pode limitar o valor da indemnização a fixar por danos morais do lesado” (proc. 2832/05.4, Cons. Salreta Pereira). E novamente no Ac. de 2/03/2011: “Quando os diversos componentes do dano moral atinjam patamares de gravidade muito elevados, não deve recear-se a atribuição de uma compensação que exceda o limite máximo da valorização habitualmente atribuída pelo STJ ao dano morte, que tem oscilado entre os 50 e os 70 mil euros, dado que nada obriga a que essa fronteira nunca seja ultrapassada, certo que o artº 496º nº 1 do CC, elege como único critério de aferição a gravidade do dano, conceito eminentemente indeterminado que cabe ao tribunal preencher valorativamente caso a caso. Se a vida é o bem jurídico mais valioso, devendo valorar-se a sua perda em termos proporcionados a tal importância, a mesma ordem de razões justifica que se conceda a compensação devida àqueles que, não a perdendo embora, por inteira culpa alheia ficam, de um momento para o outro e até ao final dos seus dias, privados da qualidade mínima a que qualquer pessoa, pelo simples facto de o ser, tem pleno direito” (proc. 1639/03.8, Cons. Nuno Cameira), estando todos os acs. citados, disponíveis em www.dgsi.pt. Improcede pois, o fundamento invocado pela Ré recorrente para redução do montante indemnizatório fixado na sentença. Tal como não se vê qualquer fundamento para alterar o referido montante para o valor peticionado pela A., como advoga nas conclusões da sua alegação. Como é sabido, os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que pela sua gravidade merecem a tutela do direito (nº 1 do artº 496º do CC) Os danos não patrimoniais correspondem a lesões que não acarretam directamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, a lesões que redundam em dores físicas e sofrimento psicológico, num injusto turbamento do ânimo da vida. Os danos não patrimoniais não são avaliáveis em dinheiro, certo que não atingem bens integrantes do património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom nome e a beleza. Releva para o efeito o grau de intensidade da dor e o tempo de doença, no confronto com a situação anterior e posterior do lesado, em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver e a idade. (cfr. Ac. do STJ de 10/07/2008, proc. 08B2101, in www.dgsi.pt) O seu ressarcimento assume, por isso, uma função essencialmente compensatória. Nas palavras de Rui Alarcão “(…) se não é possível apagar o mal produzido (um sofrimento físico ou moral) já é possível conceder ao lesado uma vantagem material que de algum modo atenue ou minore aquele mal, proporcionando-lhe satisfações que de outro modo não poderia obter. Aceitando-se que não se trata aqui de uma indemnização em sentido clássico (indemnizar = tornar indemne), o que se pretende e parece razoável é atribuir ao lesado uma satisfação que, em alguma medida, contrabalance o prejuízo causado em bens de natureza imaterial” (Direito das Obrigações, 1983, 275/276) Como se diz no Ac. do STJ de 16/04/1991, o artº 496º do C.C. fixou “não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste em que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sentimentos que o ofensor tenha provocado” (BMJ 406, 618) O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, e às demais circunstâncias do caso (entre as quais se contam, seguramente, as lesões sofridas e os respectivos sofrimentos, físicos e psíquicos) devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. Não se destinando, como se referiu, neste caso, a indemnização a tornar indemne o lesado, mas antes, oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, é mister, que tal compensação seja significativa e não meramente simbólica, como é jurisprudência pacífica do STJ. Importa, porém, sublinhar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. Como refere o Ac. do STJ (proc. 2025/04.8, Cons. Álvaro Rodrigues) “não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir a justiça do caso concreto, flexível, humana, independentes de critérios normativos fixados na lei, impondo-se que o julgador tenha em conta as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”. Com efeito, o legislador manda fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias referidas no artº 494º – o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de compensação. Mas neste domínio, como se refere no Ac. do STJ de 21/10/2010 “A fixação da indemnização para os danos não patrimoniais tem de ser ajustada, face aos factos concretos tendo em conta os padrões que em tal matéria têm vindo a ser adoptados pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, em função da equidade” (proc. 276/07.2, Cons. Gonçalo Silvano). Neste âmbito, em caso similares, decidiu o STJ por exemplo, no caso de um lesado com 17 anos de idade que ficou uma IPP de 70% considerando que “sujeitou-se a consultas, exames, tratamentos, intervenções cirúrgicas e internamentos e fisioterapias, apresenta sequelas do foro de cirurgia maxilo-facial, do foro ortopédico, do foro de otorrinolaringologia, do foro psiquiátrico, do foro oftalmológico, do foro neurológico, bem como do foro estomatológico com colocação de prótese fixa (…); ficou com cicatrizes no lábio e na região orbital esquerda, na anca, joelho e pulso; sofreu, sofre e sofrerá dores, incómodos e desgostos; terá que ingerir medicamentos e sujeitar-se a observação médica durante toda a vida” foi fixada a indemnização de € 50.000,00 (Ac. de 22/01/2008, proc. 4499/07, Cons. Alves Velho). No caso de uma lesada com 19 anos que “ficou afectada com uma IPP de 70%; não sendo dependente de terceira pessoa para a execução das actividades da vida diária, necessita de acompanhamento e supervisão de terceira pessoa para todas elas; apresenta perturbações de memória, abaixamento do rendimento intelectual e da atenção, lentidão psicomotora, instabilidade emocional e irritabilidade (…) ficou com uma cicatriz no queixo com cerca de 3 cm, que a desfeia, tendo movimentos do corpo hesitantes e descoordenados; sofreu traumatismo crâneo-encefálico grave e coma, com prolongado internamento hospitalar; suportou dores intensas, fez tratamentos de fisioterapia e programa de reabilitação física”, foi atribuída uma indemnização de € 100.000,00 (Ac. de 08/05/2008, proc. 3818/07, Cons. Pires da Rosa) Ou ainda “revelando os factos apurados que a A. era uma jovem saudável e que, em resultado das intervenções cirúrgicas a que foi submetida, ficou com dez cicatrizes e encurtamento em três centímetros da perna esquerda, irreversíveis, que a afectam na sua vida profissional, familiar, afectiva e social e a inibem de se expor na praia e que ficou afectada na locomoção, e que esse dano é de grau 5 em escala de 1 a 7; a A. era uma pessoa alegre, extrovertida, dinâmica e com muita vontade de viver, sofreu quatro fracturas ósseas, sete intervenções cirúrgicas, dores de grau 6 numa escala de 7, angústia, ansiedade e tristeza, e ficou privada do convívio dos amigos, por virtude das dificuldades de locomoção e perda de boa disposição e alegria de viver; a A. ficou com uma IPP de 50%, a qual previsivelmente se vai agravar com a idade e ser negativamente afectada por fenómenos de artrose, deve ter-se por justa e equitativa a quantia de € 55.000,00” (Ac. de 12/02/2009, proc. nº 50/09, Cons. Salvador da Costa). No caso concreto, os danos patrimoniais sofridos pela lesada descritos nos pontos de facto constantes da sentença, abrangem, designadamente, as dores físicas que padeceu em consequência das lesões sofridas (um quantum doloris de 6 numa escala de 7), as cirurgias a que foi submetida (quatro), os extensos tratamentos de fisioterapia a que teve se sujeitar, as cicatrizes e notória disfuncionalidade que condicionam a sua vida pessoal (o défice funcional permanente da integridade físico-psiquica fixou-se em 43%) o sofrimento moral e psíquico e o mal-estar emocional resultantes das sequelas das mesmas lesões (a A. era muito alegre, activa e amistosa, passando, depois do acidente, a ser uma pessoa constantemente preocupada, desgostosa e pouco confiante; preocupada em não exibir os seus defeitos físicos para não chocar os outros; as sequelas que mantém inibem-na de dançar e de praticar desportos que exijam esforços, particularmente dos membros superiores.). Ora, em face do exposto, e tendo presentes os demais factores relevantes na formulação do juízo de equidade para a fixação do quantum indemnizatório e considerando também os padrões de indemnização que vem sendo adoptados pela jurisprudência (de que constituem exemplo os casos acima assinalados, que dão uma ideia dos parâmetros de indemnização em casos de gravidade semelhante ou maior que a dos autos, com destaque para o último, pela sua aproximação ao caso subjudice), afigura-se adequada e justa a indemnização fixada, sendo manifestamente exagerada a pretensão da apelante A. no que respeita ao valor peticionado de € 100.000,00. Improcedem, pois, as conclusões da alegação da A. apelante. Em face de todo o exposto, impõe-se julgar improcedentes os recursos da A. e da Ré Seguradora e consequentemente, confirmar a sentença recorrida. DECISÃO Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes os recursos da A. e da Ré Seguradora e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes. Évora, 2013/06/06 Maria Alexandra A. Moura Santos Eduardo José Caetano Tenazinha António Manuel Ribeiro Cardoso |