Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO RIBEIRO CARDOSO | ||
Descritores: | MEDIDAS DE COACÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 11/27/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. O princípio "rebus sic stantibus", válido para frequentemente se indeferir o pedido de substituição da prisão preventiva por medida mais favorável, é também de seguir nas situações inversas, em que está em causa a aplicação ao arguido de medida mais gravosa que a anterior, o que impedirá qualquer alteração para situação mais desfavorável, sem alteração superveniente das circunstâncias tidas em conta pelos despachos anteriores já transitados. 2 - A agravação da medida de coacção só é consentida se se verificar incumprimento pelo arguido das obrigações resultantes da sujeição a essa medida ou o incumprimento dos deveres processuais que a aplicação de tal medida visa acautelar - ou, no mínimo, o perigo e/ou eminência da sua violação - ou alteração das circunstâncias. 3 - A prolação de decisão condenatória, não transitada em julgado, não constitui alteração daquelas circunstâncias. 4 - Não tendo existido qualquer alteração das circunstâncias que justificaram a definição da situação coactiva do recorrente, por despachos anteriores transitados, não podia o tribunal recorrido ter alterado as medidas de coacção, para uma situação mais gravosa para o recorrente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, precedendo conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I 1. O arguido D.M., com os sinais dos autos, veio interpor recurso do acórdão proferido no dia 26 de Julho do ano em curso, certificado nos autos a fls.60 a 90, na parte em que reapreciando, ao abrigo do disposto no art. 375.º n.º4 do CPP a medida de coacção aplicada (TIR e obrigação de apresentação periódica no Posto da GNR de … decidiu pela aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica. Pede que tal decisão seja revogada, mantendo-se o recorrente sujeito à anterior medida de coacção. Extraiu da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: “1.ª - No acórdão condenatório o tribunal "a quo" procedeu à reapreciação, ao abrigo do disposto no artigo 375°. n° 4 do Código de Processo Penal, das medidas de coacção impostas ao Recorrente (TIR e obrigação de apresentação periódica no posto da GNR de ….) desde 18/08/2006 e decidiu pela aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação; 2.ª - Foi assim operada a substituição das medidas de coacção até então vigentes e que vinham sendo integralmente cumpridas pelo Recorrente; 3.ª - A questão que se coloca perante V. Exas. é a de saber se o tribunal "a quo" pode agravar a medida de coacção pelo facto de ter sido proferido acórdão condenatório, não transitado em julgado; 4.ª - Entende o Recorrente socorrendo-se de vasta jurisprudência nesse sentido que a resposta deve ser negativa; 5.ª - O disposto no n.º4 do artigo 375° do CPP, deve ser conjugado com a norma prevista no artigo 203° do CPP. que prevê a imposição de medida de coacção mais grave, mas apenas "em caso de violação das obrigações impostas por imposição de uma medida de coacção (...); 6.ª - O Recorrente cumpriu sempre as obrigações a que se encontrava sujeito; 7.ª - Não existe alarme social, porquanto o Recorrente não se eximiu à acção da justiça; 8.ª - As medidas de coacção são escolhidas de acordo com princípios de adequação e proporcionalidade, havendo ainda a necessidade de se verificar em concreto, algum dos requisitos previstos no artigo 204° do CPP; 9.ª - Que no caso do Recorrente não se verificam; 10.ª - Aliás, da audiência de discussão e julgamento, não resultaram provados factos mais graves do que aqueles por que vinha o arguido pronunciado, bem pelo contrário. 12.ª - Esse reexame da situação do arguido e a subsequente alteração da medida de coacção não pode ser feita livre e arbitrariamente, mas tem que ser feito com obediência aos princípios e regras gerais das medidas de coacção e ao comando especial do art. 375.º nº 4 do Código de Processo Penal - veja-se Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 17/12/2003. proc. n° 0344780; 13.ª - A decisão condenatória não pode abstractamente, por si mesma, desacompanhada de .qualquer outro facto novo, servir de fundamento para alterar a medida de coacção vigente a essa data. Mesmo após a decisão condenatória em primeira instância, mas ainda não transitada, o arguido presume-se inocente, tão inocente, como no inicio do procedimento, pois não é constitucionalmente admissível uma paleta de gradação da inocência." - Idem. 14.ª - Entende o Recorrente que não tendo faltado às suas obrigações, não tendo incorrido em incumprimento das obrigações resultantes da sujeição à medida de coacção, nem em incumprimento dos deveres processuais que a aplicação das medidas de coacção visa acautelar, não pode o tribunal "a quo agravar a medida de coacção para a última das medidas a que se pode recorrer - a da prisão preventiva. 15.ª - A interpretação e aplicação que a decisão recorrida faz do artigo 375°, n° 4 do CPP é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 18° e 32°, n° 2 da CRP. 16.ª - Até ao trânsito em julgado da decisão, devem manter-se as medidas de coacção a que estava sujeito até à data da leitura do acórdão condenatório, ou seja o Termo de Identidade e Residência e a obrigação de apresentação periódica, uma vez que no caso não se verificam, em concreto, os receios do artigo 204° do CPP - o tribunal "a quo" não refere quaisquer factos concretos que permitam concluir por um real perigo de fuga. 17.ª - Assim, pela errada interpretação e aplicação que deles faz, a douta decisão recorrida viola, entre outros, os artigos 191°, 193°, 202°, 203°, 204°, 213°, e 375°, n° 4, todos do CPP, e artigos 18° e 32° da Constituição da Republica Portuguesa.” 2. O recurso foi admitido por despacho de 21 de Agosto, p.p. (v.fls.92), com subida imediata, em separado e com efeito não suspensivo. 3. Respondeu a Exma. Magistrada do Ministério Público, em 1.ª instância, nos termos constantes de fls.13 a 18 destes autos de recurso, sustentando a improcedência do mesmo, dizendo em resumo que a medida de coacção ora aplicada ao arguido é a mais adequada e proporcional à gravidade dos crimes em apreço e à necessidade de se prevenirem certas situações previstas como requisitos no art. 204.º do CPP, designadamente o perigo de fuga e o alarme social. 4. Nesta Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, referindo, nomeadamente, o seguinte: “ (…) Findo o interrogatório judicial foi proferido o despacho de fls. 35/36, segundo o qual se considerou (no que para a situação do recorrente releva): - indiciar-se suficientemente a prática de dois crimes de roubo, puníveis com pena de prisão até 8 anos; - Existir perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas pelo alarme social que situações como a dos autos provocam nas localidades, atenta a natureza e as circunstâncias dos crimes indiciados; - O arguido D. integrava o grupo que praticou os crimes indiciados; - Não existir indícios de que o arguido D. tenha utilizado violência. Nestes termos foi aplicada, ao arguido ora recorrente, como medida de coacção, a de apresentação semanal no posto policial com jurisdição na sua área de residência, para além do TIR já prestado. Proferido acórdão condenatório (fls. 60 a 90) dele resulta: - Ter-se provado que o arguido D. utilizou violência no crime perpetrado contra o ofendido P. S. ("... os restantes arguidos desferiram vários murros e pontapés que atingiram o P. S. na cara e que o fizeram cair ao chão" - fls. 64); - Ter o mesmo arguido sido condenado na pena única de 9 anos de prisão, pela prática, em co-autoria material, de três crimes de roubo, p.p. pelo art.° 210.°, n.°l, do CP, um deles tentado e dois consumados (fls. 87/88); - Ter-se reapreciado o estatuto coactivo dos arguidos nos termos do disposto no art.° 375.°, n.°4, do CPP, decidindo-se sujeitar o arguido D. à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, com os seguintes fundamentos (fls. 89) A condenação veio fortalecer e confirmar os indícios existentes; A natureza e gravidade dos factos descritos; Não haver razão que justifique distinção entre o seu estatuto coactivo e o do arguido P. Relativamente à questão da possibilidade de agravamento da medida de coacção é ela admissível face ao nosso ordenamento jurídico, como bem se fundamenta no ac. RP de 17.12.2003, proc. 0344780/dgsi/net, desde que ocorra alteração das circunstâncias que determinaram a sua aplicação, Segundo Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, II, 3.ª edição, p. 310) aí citado: "A falta de referência expressa do legislador, quanto à possibilidade de agravamento das medidas de coacção não constitui óbice à sua leitura - que é a corrente na doutrina e na jurisprudência: as medidas de coacção, não têm carácter definitivo, sendo sempre susceptíveis de alteração, tanto no sentido da sua atenuação como no da sua agravação, em função da modificação das circunstâncias, vigorando neste domínio o principio da sua sujeição à condição rebus sic stantibus, do regime legal, pois a previsão expressa da lei, relativamente atenuação das exigências cautelares, justifica-se pelo favor rei. Continuando, diz-se no acórdão citado: “A agravação da medida de coacção só é consentida se se verificar: incumprimento peto arguido das obrigações resultantes da sujeição à medida de coacção, ou o incumprimento dos deveres processuais que a aplicação das medidas de coacção visa acautelar - ou, no mínimo, o perigo e/ou iminência da sua violação - ou alteração das circunstâncias”. No mesmo sentido se pronunciou a RL no ac. de 8.11.2001, proc. 00107815/net. “é lícita a agravação da medida de coacção aplicada após o 1.º interrogatório judicial, sempre que ocorra alteração dos factos que estiveram na sua base, nomeadamente pelo alargamento da indiciação". No caso em apreço não se verifica incumprimento pelo arguido das obrigações resultantes da medida de coacção que lhe havia sido aplicada, nem dos deveres processuais. Verifica-se no entanto uma alteração dos factos e circunstâncias que estiveram na sua base. Assim e como bem se salienta na Resposta do M.°P.°: - A condenação - em 9 anos de prisão - tem inerente um juízo de certeza relativamente aos factos que constituem pressuposto da medida de coacção; - Acresce ter ficado demonstrada a utilização pelo arguido de violência na pessoa do ofendido circunstância que - não estando indiciada à data do interrogatório judicial - justificou a aplicação de medida de coacção mais benevolente que a aplicada aos restantes arguidos, nomeadamente ao arguido Paulo. A medida de coacção imposta ao arguido na decisão recorrida e - atenta a factualidade apurada -, é adequada e proporcional à natureza e gravidade dos crimes cometidos. (…)” 6. Cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP e corridos os vistos legais, cumpre decidir: II 7. A decisão recorrida é, na parte que releva, do seguinte teor: “ (….) No que diz respeito ao arguido D. M., sujeito que está à medida de coacção de apresentações periódicas no posto policial, tendo em conta a natureza dos factos descritos, a gravidade dos mesmos e a condenação que antecede que veio fortalecer e confirmar os indícios existentes, entende o Colectivo que a situação coactiva do arguido deve ser reforçada, não havendo qualquer razão que justifique uma distinção entre o seu estatuto coactivo e o do arguido P., pelo que se decide sujeitar este arguido à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica - morada atendida para estabelecimento da actual medida de coacção, solicitando-se ao IRS a elaboração do respectivo relatório com vista à implementação desta medida coactiva o mais breve possível, e que vigorará até ao trânsito em julgado desta decisão, sem prejuízo de ser autorizada na devida altura a estrita deslocação do arguido de e para o seu estágio/trabalho. Até essa altura, o arguido D. M. aguardará sujeito à obrigação de permanência na habitação desde já (art.191.º a 193.º, 202.º n.º1, alin. a), 204.º, als.a), b) e c), art. 212.º e art. 375.º n.º4 do CPP).” 8. Delimitação do objecto do recurso. O recurso é um meio processual que visa provocar uma reapreciação de uma decisão judicial de forma a corrigi-la de imperfeições, que pela sua importância não consentem uma forma de remédio menos solene (cf. Simas Santos e Leal - Henriques in Recursos em Processo Penal - 2ª edição - Rei dos Livros pág. 19). Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que delimitam o âmbito do conhecimento do mesmo, pois são estas que habilitam o tribunal superior a conhecer as pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (art. 402.º, 403.º e 412.º n.º1, todos do C. P. Penal). Objecto do presente recurso é, como se colhe, a aplicação da obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, proferido que foi o douto acórdão condenatório referido, não transitado em julgado, já que do mesmo foi depois interposto o competente recurso, servindo de fundamento decisório “ a natureza dos factos descritos, a gravidade dos mesmos e a condenação que antecede que veio fortalecer e confirmar os indícios existentes” e, não haver qualquer razão que justifique uma distinção entre o seu estatuto coactivo e o do co-arguido P. Que dizer? Podia o tribunal “a quo” pode agravar a medida de coacção pelo facto de ter sido proferido acórdão condenatório, não transitado em julgado? 9. No 1.º interrogatório judicial foi aplicada ao recorrente como medida de coacção, para além das obrigações decorrentes do TIR, a obrigação de se apresentar uma vez por semana junto do Posto da Entidade Policial com jurisdição da área da sua residência, nos termos dos art. 191.º, 192.º, 193.º, 194.º n.º1, 196.º, 198.º e 204, alin. c) do CPP – cf. fls.36. Essa obrigação, tanto quanto se colhe do despacho então proferido, fundamenta-se apenas na existência de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, foi reexaminada e mantida no despacho que recebeu a acusação e designou dia para julgamento (v.fls.27 e 28). O arguido foi condenado, por acórdão proferido no dia 26 de Julho de 2007, pela prática de um crime de roubo tentado e dois crimes de roubo consumados, nas penas parcelares de 3 anos e 6 meses de prisão, por cada um dos roubos consumados, e na pena de 5 anos de prisão pelo roubo tentado, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão. O arguido interpôs recurso do acórdão condenatório. O art.375, nº4, do CPP, permite expressamente o reexame da situação do arguido na sentença condenatória, o que legitima a oportunidade da decisão em causa. No entanto, à decisão condenatória não transitada não é atribuído valor especial, enquanto tal, para efeitos de determinação da medida de coacção, pois o referido preceito legal limita-se a estatuir que o tribunal sujeitará o arguido “...às medidas de coacção admissíveis e adequadas às exigências cautelares que o caso requer”. Esse reexame e subsequente alteração, para mais ou menos gravosa, da medida de coacção não pode, como é evidente, ser feita livre e arbitrariamente mas sim com obediência aos princípios e regras gerais das medidas de coacção e ao comando especial do n.º4 do art.375.º do CPP. A agravação da medida de coacção só é consentida se se verificar incumprimento pelo arguido das obrigações resultantes da sujeição a essa medida ou o incumprimento dos deveres processuais que a aplicação de tal medida visa acautelar - ou, no mínimo, o perigo e/ou eminência da sua violação - ou alteração das circunstâncias (cf., neste sentido, o acórdão da Relação do Porto de 17.12.2003, in rec.44780/03 e o acórdão da Relação de Lisboa de 1.2.2005, in rec.685/2005 -5, acessíveis in www.dgsi.pt). Os fundamentos invocados pelo tribunal recorrido “natureza dos factos descritos, a gravidade dos mesmos e a condenação …que veio fortalecer e confirmar os indícios existentes …, e não haver qualquer razão que justifique uma distinção entre o seu estatuto coactivo e o do arguido P.” são, com o devido respeito, insuficientes para justificar a aplicação de uma medida coactiva mais gravosa, já que é pressuposto desta a necessidade, por inadequação ou insuficiência das demais medidas menos gravosas, como resulta do art. 201.º do CPP. Como é consabido - por de todo compreensível - a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação apresenta-se como uma verdadeira prisão domiciliária, sendo consequentemente manifesto o seu gravame. Por isso que, tal como a prisão preventiva, assume-se com um carácter excepcional, e, por isso mesmo subsidiário e transitório, todavia necessário e concretamente adequado, ou seja, o “último recurso” e “esgotada” que se mostre a possibilidade de aplicação de uma qualquer outra. É o que desde logo expressamente decorre dos art.191.º, 193.º n.º2 e 201.º n.º1, todos do CPP. De entre os requisitos gerais ainda exigidos para a sua aplicação, prevê o art. 204.º, a “fuga ou perigo de fuga”- al. a); “perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova” - (alin.b); “ou perigo, em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas” – alin.c). A decisão que decreta a sujeição do arguido à obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica não tem suporte em qualquer violação das obrigações impostas por aplicação das medidas de coacção primitivamente aplicadas, pois, como reconhece o Ministério Público, não se verificou qualquer incumprimento pelo arguido dessas obrigações, nem dos deveres processuais (cf. art. 203.º do CPP). Por outro lado, não se invoca, em concreto, na decisão sob recurso, para além da dita condenação, que tenha surgido, após a decisão que impôs ao arguido a predita medida de coacção, ou seja, a obrigação de apresentação periódica, qualquer facto novo, eventualmente susceptível de interferir com a situação processual em termos de medidas de coacção do dito arguido, nomeadamente donde possa concluir-se pelo surgimento de um real perigo de fuga ou de continuação da actividade criminosa e da insuficiência ou inadequação da medida de coacção em vigor para fazer face a tais perigos. Note-se que o arguido foi acusado por três crimes de roubo consumados e veio a ser condenado por dois crimes de roubo consumados e um crime de roubo tentado, havendo, por isso, uma compressão da indiciação feita na acusação. Conforme refere o recorrente, a decisão condenatória não pode abstractamente, por si só, portanto desacompanhada de qualquer outro facto novo relevante, servir de fundamento para alterar medida de coacção que até ao momento dessa decisão vigore, continuando o arguido a presumir-se, até ao trânsito em julgado de tal decisão, tão inocente como no início do procedimento criminal, pois que, constitucionalmente, a inocência não admite graduação. Assim, mesmo após a decisão condenatória não transitada, para efeitos de medida de coacção, apenas será de ponderar as exigências cautelares, continuando afastada qualquer possibilidade de por esta via se obter antecipação do cumprimento da pena. Ora, e convir-se-á, não tendo sido durante todo o decurso do inquérito - consabidamente “desequilibrado” atentas as suas finalidades investigatórias, a desigualdade de armas, a não publicidade, como regra, as necessidades de conservação e preservação da prova…- ou sequer no despacho que designou dia para julgamento (quando já estava delimitada pela acusação a actividade delituosa imputada ao recorrente) aplicada a medida de obrigação de permanência na habitação ao ora recorrente, qual a sua justificação e adequação para o ser agora, na fase de julgamento, o momento processual paradigmático do exercício e da concentração de todos aqueles direitos, sem que as exigências processuais de natureza cautelar tenham sofrido alteração?!... Sendo as medidas de coacção, na definição do Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, ed. Verbo, 2002, vol. II, pág.254. “... meios processuais de limitação da liberdade pessoal ... dos arguidos... que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias”, a execução da eventual condenação não deixou ser, também, ponderada logo no despacho proferido após o 1º interrogatório judicial, motivo por que, a pretensão de garantir essa execução, só por si, não pode justificar alteração da medida de coacção na altura da publicação da condenação em 1ª instância. Assim, em relação aos elementos relevantes para determinação da medida de coacção adequada às exigências cautelares que o caso requer, nada se alterou com a prolação do acórdão condenatório de 1ª instância, publicado na altura em que foi proferido o despacho recorrido. Não tendo existido qualquer alteração das circunstâncias que justificaram a definição da situação coactiva do recorrente, por despachos anteriores transitados, não podia o tribunal recorrido ter alterado as medidas de coacção, para uma situação mais gravosa para o recorrente. Com efeito, em relação à alteração das medidas de coacção, é comum referir-se que o art.212, do CPP traduz um afloramento do princípio de que as medidas de coacção estão sujeitas à condição "rebus sic stantibus", no sentido de que a primeira decisão é intocável e imodificável enquanto não sobrevierem motivos que legalmente justifiquem nova tomada de posição. Este princípio, válido para frequentemente se indeferir pedido de substituição da prisão preventiva por medida mais favorável, é também de seguir nas situações inversas, em que está em causa a aplicação ao arguido de medida mais gravosa que a anterior, o que impedirá qualquer alteração para situação mais desfavorável, sem alteração superveniente das circunstâncias tidas em conta pelos despachos anteriores já transitados. Subscrevendo, o douto acórdão da Relação de Lisboa de 14.2.2006, in rec. 1133/06 – 5.ª Secção, sempre se dirá também que “esta orientação é imposta, ainda, pelo art.20, nº4, do CRP, que garante a todos o direito a processo equitativo, o que abrange o direito a um processo leal, que permita aos seus intervenientes ter confiança em quem o conduz, por forma que seja legítima a expectativa de quem está sujeito a uma medida de coacção de que, caso cumpra as obrigações dela derivadas e não haja alteração superveniente das circunstâncias que a determinaram, a sua situação coactiva não será agravada. Deve, por isso, ser assegurada, ao arguido, a garantia de não poder ser surpreendido por decisões caprichosas ou arbitrárias, como será a de determinar a sujeição a medida de coacção mais gravosa sem que exista qualquer incumprimento da sua parte, ou sem que haja uma efectiva e real alteração das circunstâncias que determinaram a medida anteriormente fixada por despacho transitado. Tais alterações surpresa, além de injustificadas, tornam-se, ainda, em fonte de instabilidade jurídica e contribuem para o desprestígio do sistema judicial. Em conclusão, não tendo o recorrente faltado às suas obrigações, não tendo incorrido em incumprimento das obrigações resultantes da sujeição à medida de coacção, nem em incumprimento dos deveres processuais que a aplicação das medidas de coacção visa acautelar, nem se configurando o perigo e/ou iminência da sua violação, nem alteração relevante das circunstâncias, não podia ter sido agravado, do modo que foi, o seu estatuto processual e pessoal no tocante a medidas de coacção. É, pois, de concluir pelo infundado da decisão que alterou a situação coactiva do arguido e determinou a sujeição do mesmo à obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica, pelo que o recurso não pode deixar de proceder. III 10. Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais considerações, acorda-se em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, ficando, por consequência o arguido/recorrente sujeito, até que a 1.ª instância profira nova decisão atinente à sua situação processual, ou, no máximo, até acórdão final transitado em julgado, a aguardar os ulteriores termos do processo na situação em que se encontrava antes da leitura da decisão recorrida acabada de apreciar, ou seja, sujeito a TIR e com a obrigação de apresentação periódica no posto da GNR de ….Não há lugar a tributação. (Processado por computador e revisto pelo relator) Évora, 2007.11.27 Fernando Ribeiro Cardoso |