Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ASSUNÇÃO RAIMUNDO | ||
Descritores: | DÍVIDAS HOSPITALARES ÓNUS DA PROVA LEGITIMIDADE PASSIVA FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL | ||
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Data do Acordão: | 03/09/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA | ||
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Sumário: | I - Do art. 21 do DL. 522/85 de 31 de Dezembro, com a alteração introduzida pelo DL. 130/94 de 19 de Abril, não decorre qualquer litisconsórcio (voluntário ou necessário) já que a satisfação das indemnizações devidas, quer por lesões corporais quer por lesões materiais, são garantidas pelo FGA quer o responsável do acidente seja conhecido ou desconhecido, essencial é que aquele não beneficie de seguro válido. II - Nas acções para cobrança das dividas hospitalares incumbe ao credor apenas a alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos e a alegação e prova da prestação de cuidados de saúde, devendo, se for caso disso, indicar o número da apólice de seguro. III - Significa isto que no tocante ao facto gerador não necessita de enumerar toda a factualidade que conduza à responsabilização do causador do acidente, isto é, todos os factos subjacentes à demonstração dos pressupostos da obrigação de indemnizar previstos no artigo 483º do Código Civil. IV – Neste tipo de dívidas a taxa de juros de mora a aplicar é a taxa de juros civis. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2423-05-2 ACÓRDÃO Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: O Hospital do Barlavento Algarvio moveu a presente acção contra Fundo Garantia Automóvel, com sede na Av. de Berna n.° 19, Lisboa; Aquilino …………, nascido a 02 de Janeiro de 1966, residente na Rua ……….; e José Manuel ………….. residente na Rua ………………, pedindo a condenação dos réus: a) José Manuel ……………… e Aquilino ……………….. no pagamento a que a prestação de cuidados na pessoa do Aquilino deu lugar no valor de € 2 494,32, ao qual acrescem juros calculados nos termos do Dec. - Lei n° 73/99 de 16 de Março, desde a data da notificação do débito até integral pagamento. b) José Manuel …………Aquilino…………. e Fundo Garantia Automóvel, no montante da prestação de cuidados da Carla ……………. e Marisa…………., no valor de € 7 648,36, ao qual acrescem juros calculados nos termos do Dec. - Lei n° 73/99 de 16 de Março, desde a data da notificação do débito até integral pagamento. Alega, em síntese, que o Hospital do Barlavento Algarvio prestou cuidados de Saúde a Carla………., em regime de consulta de urgência, exames laboratoriais, vários rx's, internamento no Serviço de Ortopedia por 79 dias, consultas externas; a Marisa ………., em regime de consultas de urgência, exames laboratorias, vários rx's, transferência para o Hospital de Faro nos Bombeiros voluntários de Lagos; e ao R. Aquilino ……….., em regime de consulta de urgência, vários rx's, internamento no Serviço de Ortopedia por 16 dias, em consequência de lesões apresentadas e resultantes de acidente de viação, tripulando o réu Aquilino o veículo de matrícula DJ-……... O acidente é de imputar a título de culpa, ao condutor do veículo, não só porque circulava, fora da sua mão de transito, mas também porque seguia a uma velocidade superior a 90km/h, desadequada ao traçado da estrada, que se desenvolvia em curva, e as condições de luminosidade eram 5 horas. Sobre o veículo DJ-……….., não consta qualquer seguro, pelo que responde o Fundo Garantia Automóvel. Termina pelo pedido. Contestou o réu João Manuel………, alegando a sua ilegitimidade na presente acção já que da petição inicial não resulta qualquer causa ou nexo de causalidade para a sua responsabilidade. Ignora por completo o acidente de viação e a razão por que contra si foi instaurada a acção, que o colheu de surpresa. Em 23 de Abril de 1998 entregou à sociedade comercial Messicar Silvas-Comércio de Automóveis, Lda., com sede em São Bartolomeu de Messines mesma empresa, em troca parcial de um veículo que adquiriu, o veículo-automóvel da marca Nissan, de matrícula n° DJ-……….. assinado em branco o documento necessário ao registo automóvel pelo seu novo proprietário. A referida sociedade comercial vendeu o Nissan acima identificado a Joaquim Francisco…………., residente no sítio dos Calvos, 8375 São Bartolomeu de Messines, titular do bilhete de identidade n° 5573545-2, que “Declarou, em documento que assinou, para todos os efeitos e para fazer fé em juízo que se responsabiliza por qualquer dano, acidente, multas, etc., provocados pelo veículo da marca Nissan, modelo Sunny, matrícula n° DJ-………….., a partir de 22-4-98 enquanto este se encontrar averbado em nome de José Manuel…………., morador na Rua Dr. ………….., pois que naquela data, 22 de Abril de 1998, lhe foram confiados os seguintes documentos: livrete, título de registo de propriedade, modelo 2 assinado pelo vendedor, guia do selo e inspecção”. O contestante ignora e não tem a obrigação de saber o modo como terá ocorrido o acidente de viação e que tratamentos terão sido prestados aos assistidos, pelo que impugna os factos alegados na petição inicial e os documentos juntos com a mesma. O condutor do veículo-automóvel também assistido será, neste caso, quem deverá pagar os serviços prestados, por, ao que resulta da petição inicial, não ter havido intervenção de mais ninguém no acidente de viação, exigindo depois, se for o caso, o respectivo pagamento a quem culposamente lhe tenha, eventual e comprovadamente, dado causa e, por isso, seja, eventualmente, responsável. Na hipótese de ao contestante poder ser assacada qualquer responsabilidade, deverão intervir na acção as pessoas com eventuais direitos próprios paralelos ao seu, ou sejam: A sociedade comercial Messicar Silvas-Comércio de Automóveis, Lda., com sede em São Bartolomeu de Messines, de que é sócio gerente Joaquim Gonçalves e Joaquim Francisco …………., residente no sítio ……………. Conclui pela improcedência da acção em relação à sua pessoa. Contestou também o Fundo de Garantia Automóvel, que arguiu a excepção peremptória da prescrição, por se encontrarem decorridos cerca de 3 anos e meio. Desconhece o R. o alegado nos artigos 1.° a 10.° da P.I., por não serem pessoais ou que deles deva ter conhecimento, pelo que os impugna nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 490º do Código de Processo Civil. Conclui pela procedência da excepção peremptória de prescrição e por via da mesma, pela sua absolvição do pedido respeitante ao custo dos tratamentos ministrados á sinistrada Marisa Alexandra Lança. Caso assim se não entenda, deve a presente acção ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser o R. absolvido da totalidade do pedido contra si formulado, com as legais consequências. Por despacho de fls. 98 e 99 foi indeferido o pedido de intervenção principal da sociedade comercial Messicar Silvas-Comércio de Automóveis, Lda., com sede em São Bartolomeu de Messines, de que é sócio gerente Joaquim Gonçalves e Joaquim Francisco ……………., por não configurarem os autos uma situação de litisconsórcio daqueles com os réus. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da prescrição e foi afirmada a validade da instância e a regularidade da lide. Por considerar de manifesta simplicidade a matéria de facto, o Exmº Juiz, ao abrigo do disposto no art. 787 nº2 do Código de Processo Civil, absteve-se de efectuar a selecção da matéria de facto. O julgamento foi efectuado com documentação da prova – art. 522-B do Código de Processo Civil. O despacho que respondeu à matéria de facto introduzida a julgamento, não sofreu qualquer reparo. Proferida sentença, foi proferida a seguinte decisão: Atento o exposto, decide-se julgar a presente acção procedente. por provada e, em consequência: a) Condena-se o Réu Aquilino............ no pagamento ao Autor de € 2.494. 32. acrescido dos juros de mora que se vencerem, calculados nos termos do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de Março, contados desde a notificação desta sentença até efectivo pagamento da dívida. b) Condenam-se os RR Aquilino............ e FGA no pagamento ao Autor de € 7 648. 36 acrescido dos juros de mora que se vencerem, calculados nos termos do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de Março, contados desde a notificação desta sentença até efectivo pagamento da dívida. c) absolve-se o Réu José Manuel............ dos pedidos contra si formulados.quer a acção quer a reconvenção foram julgadas improcedentes e absolvidos o autor e a ré dos pedidos contra si deduzidos. Inconformado com a decisão proferida, recorreu o Fundo de Garantia Automóvel rematando o respectivo recurso com as seguintes conclusões: I - Vem a douta sentença absolver o R. José Manuel ……… interveniente neste acção em razão de não ser proprietário do veículo alegadamente causador do sinistro, sendo condenados os RR. FGA e Aquilino............, este por se tratar do condutor do veículo supra referido. II - Não pode o Recorrente conformar-se com tal decisão, porquanto, o Fundo de Garantia Automóvel, é mero garante da obrigação dos responsáveis civis, como resulta do disposto no art. 21°, n.° 2, do DL 522/85, de 31-12, com a redacção do DL 122-A/86, de 30-5 e do DL 130/94, de 19-5. III - Como garante que é, o FGA deve estar acompanhado do causador directo dos danos peticionados, bem como pelo proprietário que incumpriu o dever de segurar o veículo. IV - No plano do direito adjectivo a demanda do FGA deve respeitar o litisconsórcio necessário legal (arts. 28°, n°5 1 e 2 do CPC). V - O PROF. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil’, LEX, Lisboa, 1997, págs. 156 e segs.), exemplifica, entre outros, como casos de litisconsórcio necessário legal, a acção de responsabilidade contra o comitente e o comissário fundada no art. 500.0, n.° 1 do C. Civil, bem como o previsto no art. 29°, n.° 6, do DL 522/85, de 31-12. O Ilustre Professor, a págs. 157 da obra citada, aludindo a dois arestos esclarecedores sobre a matéria que nos ocupa: • “ Por civilmente responsável, nos termos do art 29. °, n.° 6, do DL 522/85,de 31-12, deve considerar-se não só o condutor do veículo, mas também o dono deste que não prove a sua utilização abusiva”- RP - 8/5/1996, Colectânea de Jurisprudência nº 96/3, 225; • “Se for conhecida a identidade do causador do acidente e a do seu proprietário e se este não tiver seguro válido e eficaz, o lesado deve demandá-los conjuntamente com o Fundo de Garantia Automóvel” – RP 10/1/1995, BMJ 443, 439; VI - Não podendo o proprietário do veículo ser condenado, também não o pode o FGA, porque mero garante da obrigação dos responsáveis civis, não podendo ser condenado como responsável, por que não o é. Portanto, e porque desacompanhado do responsável civil — proprietário, o FGA é parte ilegítima. VII — Os factos 2.º a 4. º da PI foram dados como provados, entendendo-se assim haver nexo de causalidade entre o alegado acidente e a assistência hospitalar, apenas com fundamento nas facturas hospitalares e na participação do acidente. VIII — Entendendo o recorrente que sobre esses factos houve ausência de prova — nomeadamente testemunhal, que permitisse estabelecer um vínculo entre a assistência e um acidente. IX — Assim impugna-se a matéria de facto julgada provada nos arts. 2.° a 40 por ausência de prova bastante, não podendo servir as facturas hospitalares para estabelecer qualquer nexo de causalidade. X - Sendo nula a sentença nos termos do art. 668°, n.° 1, al. d) do CPC. XI - Os factos relativos à dinâmica do acidente foram julgados não provados. XII- Não se provou por onde seguia o veículo, onde embateu, sequer se houve embate, se houve travagem, etc. O nexo entre as lesões que levaram à necessidade de cuidados de saúde, e o facto que as gerou não foi estabelecido. XIII - Relativamente ao diploma que antecedeu o DL, 218/99 de 15/6, a transformação que ocorreu não visou a alteração das regras respeitantes ao ónus da prova, sempre recaindo sobre o A. o ónus de provar o facto gerador dos encargos. Nada se provou quanto à forma como ocorreu o acidente, logo não existe facto gerador. XIV - A ilação tirada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo foi a de que a data da prestação dos cuidados coincidia com a data do alegado acidente. Contudo, não se produziu, em audiência de julgamento, qualquer prova de que tais lesões teriam resultado de um acidente, parecendo-nos ser bastante forçada tal conclusão. XV - O facto gerador da responsabilidade pelos encargos tem de reconduzir-se à culpa ou à responsabilidade pelo risco. A douta sentença de que se recorre nem tão pouco fundamenta a sua decisão na responsabilidade pelo risco, limita-se a dar como provadas as lesões, não fundamentando devidamente a razão da condenação. - Não se encontra provado o acidente — facto gerador. Não pode enquadrar-se o acidente na responsabilidade, nem por facto ilícito nem pelo risco. XVII - Nas acções de cobrança de dívida hospitalar, ao abrigo de DL. 218/99 de 15/06 a taxa de juros de mora a aplicar é a taxa de juros civis pois o diploma legal que obriga a juros diferentes dos civis no que tange às dívidas para com o Estado, não integra a prestação de serviços. O autor contra-alegou e concluiu: A) — A propósito da questão da Legitimidade do FGA, desacompanhado do proprietário do veiculo, suscitada nas alegações de recurso, do apelante, salienta-se que a douta sentença apelada decidiu correctamente, B) — Na linha do douto Acórdão da Relação de Évora, de 22/6/2004: no Proc. n° 422)03-3, onde se sustenta que “as acções instauradas por uma instituição integrada no Serviço Nacional de Saúde contra aquele que recebeu a assistência e o responsável civil, não haverá lugar ao litisconsórcio necessário passivo, previsto no n° 6, do artigo 29 do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro”. C) — Nas acções para cobrança de dividas hospitalares ao credor incumbe tão só alegar na petição inicial o facto concreto gerador da responsabilidade, no caso vertente, o acidente e a prestação dos cuidados de saúde. D) — Não tem que alegar o modo concreto como ocorreu o acidente que provocou os ferimentos que deram origem á prestação de cuidados de saúde. E) — No caso dos autos, o A. além de avançar na p. i. a existência do acidente de viação, como consta dos arts° 1° a 4° daquele articulado, e vem consignado na douta sentença apelada, alegou factos que visavam circunstanciadamente estabelecer a responsabilidade do condutor do veículo automóvel, na produção do acidente, certo que estes últimos não se provaram. E) — Contudo, o disposto no art° 5° do Dec.-Lei n°218/99, de 15 de Junho não deixa de aplicar-se aos presentes autos: pelo facto do A., ora apelado, ainda que não fosse obrigado a tal, ter alegada na petição, matéria de tacto que não tinha de avançar nesse articulado. G) — Assim, bem decidiu a douta sentença recorrida, ao condenar o FGA, ora apelante, no pedido, já que decidiu em conformidade com a lei, e com o entendimento praticamente unânime, da jurisprudência dos Tribunais Superiores, na matéria em causa. H) — No referente à condenação nos juras de mora: nas termos da Dec.-Lei n° 73/99 de l6 de Março, também não tem razão o apelante, I) - Os cuidados de saúde dos hospitais públicos, como é a caso do apelado, correspondem à prestação de serviços por parte do Estado, e, portanto, devem os juros de mora contados sobre quantias devidas pela prestação daqueles serviços, sujeitarem-se ao regime especial do diploma imediatamente antes citado. J) — A douta sentença apelada não violou nenhum preceito legal e deve ser mantida na íntegra. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: A) O Hospital do Barlavento Algarvio prestou cuidados de Saúde:
b) A Maria Alexandra ………….., em regime de consultas de urgência, exames laboratoriais, vários rx’s, transferência para o Hospital de Faro nos Bombeiros voluntários de Lagos; e) ao Réu Aquilino………., em regime de consulta de urgência, vários rx’s, internamento no Serviço de Ortopedia por 16 dias. C) Quando o Réu Aquilino ……., tripulava o veículo de matrícula DJ-44-84. D) Do acidente resultaram lesões:
b) No ocupante do veículo, Maria……………….., que deu lugar a um débito no valor de € 246,70; c) No condutor do veículo, Aquilino............, que deu lugar a um débito no valor de €2 429.32. F) O Réu José Manuel ………….. adquiriu em 23 de Abril de 1998 um veículo automóvel da marca Citroên, modelo Xsara, matrícula n° 27-35-LA. à sociedade comercial Messicar-Comércio de Automóveis. Lda.”, com sede em São Bartolomeu de Messines. de que é sócio-gerente Joaquim Gonçalves, pelo valor total de Esc.3. 106.000$00. G) Nessa data, entregou à mesma empresa em troca parcial. o veículo automóvel da marca Nissan, de matrícula n° DJ-…………….pelo valor de Esc. 100.000$00 bem como, assinado em branco, o documento necessário ao registo automóvel pelo seu novo proprietário: H) A referida sociedade comercial vendeu o Nissan acima identificado a Joaquim Francisco Cândido Barradas, residente no sítio…………….. I) O dito Joaquim Barradas declarou, em documento por si assinado, que se responsabilizava por qualquer dano, acidente, multas, etc., provocados pelo veículo da marca Nissan, modelo Sunny, matrícula n° DJ……… a partir de 22-4-98 enquanto este se encontrar averbado em nome de José Manuel …………….., morador na Rua Dr. ……………….., pois que naquela data, 22 de Abril de 1998 lhe foram confiados os seguintes documentos: livrete, título de registo de propriedade, modelo 2 assinado pelo vendedor, guia do selo e inspecção. xx Colhidos os respectivos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resulta das disposições conjugadas dos arts. 690º, nº 1 e 684 nº3 do Cód. Proc. Civil – cfr. Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, nº 04B3876 e de 11/10/2005, nº 05B179, ambos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ. Nesta conformidade, cumpre apreciar as seguintes questões: - O FGA deve estar acompanhado nos autos com o causador directo dos danos peticionados, bem como do proprietário que incumpriu o dever de segurar o veículo. Pelo que o FGA é parte ilegítima nos termos do art. 28 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. - Sobre os factos 2.º a 4. º da PI houve ausência de prova — nomeadamente testemunhal, que permitisse estabelecer um vínculo entre a assistência e um acidente. Não podendo servir as facturas hospitalares para estabelecer qualquer nexo de causalidade. Pelo que a sentença é nula nos termos do art. 668°, n.° 1, al. d) do CPC. - Os factos relativos à dinâmica do acidente foram julgados não provados. Nada se provou quanto à forma como ocorreu o acidente, logo não existe facto gerador. Não se encontra provado o acidente — facto gerador. Não pode enquadrar-se o acidente na responsabilidade, nem por facto ilícito nem pelo risco. - Nas acções de cobrança de dívida hospitalar, ao abrigo de DL. 218/99 de 15/06 a taxa de juros de mora a aplicar é a taxa de juros civis pois o diploma legal que obriga a juros diferentes dos civis no que tange às dívidas para com o Estado, não integra a prestação de serviços. xxx Quanto à primeira questão, alega o recorrente que é mero garante da obrigação dos responsáveis civis, como resulta do disposto no art. 21°, n.° 2, do DL 522/85, de 31-12, com a redacção do DL 122-A/86, de 30-5 e do DL 130/94, de 19-5. Como garante que é, o FGA deve estar acompanhado do causador directo dos danos peticionados, bem como pelo proprietário que incumpriu o dever de segurar o veículo.Do art. 21 do DL. 522/85 de 31 de Dezembro, com a alteração introduzida pelo DL. 130/94 de 19 de Abril, não decorre qualquer litisconsórcio (voluntário ou necessário) já que a satisfação das indemnizações devidas, quer por lesões corporais quer por lesões materiais, são garantidas pelo FGA quer o responsável do acidente seja conhecido ou desconhecido, essencial é que aquele não beneficie de seguro válido. Sendo que o art. 25 nº3 do referido diploma legal regula especialmente a forma como o FGA pode depois reaver as indemnizações prestadas. Quanto ao alegado art. 29 do DL. 522/85 de 31 de Dezembro, em que o recorrente, citando o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, aponta haver litisconsórcio necessário legal, há que atentar ao facto de a presente acção não ser uma acção destinada à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, mas ser uma acção de cobrança de dívida hospitalar, com regras especiais no âmbito dos acidentes de viação abrangidos pelo seguro de responsabilidade civil automóvel, independentemente do apuramento de responsabilidade. E, na situação dos autos, esse responsável não está apurado e nem precisa de estar – cfr. art. 5 do DL. 218/99 de 15 de Junho. Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, improcede a alegada ilegitimidade por parte da ora recorrente. Alega a recorrente que sobre os factos 1 a 4 da petição inicial houve ausência de prova, sendo que a prova dos mesmos não deveria decorrer tão só dos documentos hospitalares juntos pela autora. Reconduzimos os aludidos argumentos apenas à prova dos factos 2,3 e 4. Pois o facto nº1, referindo-se às consultas e exames efectuados pelos sinistrados em regime de internamento e ambulatório, a prova do mesmo mostra-se suficientemente apoiada e fundamentada nos documentos juntos aos autos e no depoimento da testemunha Gisela Benedito. Quanto à prova dos factos 2, 3 e 4 a sua fundamentação é bem clara no despacho que o Exmº Juiz proferiu na resposta à matéria de facto. Nele se refere que “ pondera-se e acolhe-se a respectiva participação do acidente junto aos autos (apenas para dar como assente a ocorrência do acidente de viação, no dia e hora nela mencionada e o facto de ser o réu Aquilino Epifânio quem tripulava o veículo DJ-44-84, transportando consigo as assistidas Carla Ferreira e Marisa Lança)” e ainda “para se dar como provado o facto dessas lesões terem resultado de um acidente de viação o tribunal ponderou que as próprias facturas juntas … mencionam tal causa, sendo certo que as demais dizem respeito a episódios de urgência ocorridos num período temporal conexo com a data em que ocorreu o dito acidente … não nos fica qualquer dúvida que os serviços hospitalares foram prestados e que tiveram na sua origem o mencionado acidente de viação” Perante tal fundamentação de facto, constata-se que o Exmº Juiz, de forma coerente e esclarecedora, explica como formou a convicção sobre aquela realidade. O recorrente não indica quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação realizada, que impunham decisão diferente – cfr. art. 690-A nº1 al. b) do Código de Processo Civil. A discordância do recorrente situa-se antes no âmbito da livre apreciação da prova, concedida ao tribunal, nos termos do disposto no art. 655 do Código de Processo Civil. A livre apreciação da prova pressupõe a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais. Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (.....) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes," linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam na audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, a Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997). Ora a fundamentação transcrita seguiu um raciocínio lógico fundado no contacto directo com as pessoas que depuseram (imediação da audiência) e da análise dos documentos que referiu, concluindo com apelo às regras da ciência, da lógica e da experiência. Como referimos, o tribunal fundamentou com clareza e objectividade a sua convicção, nada havendo a apontar-lhe. Assim sendo, a impugnação feita pela recorrente da referida matéria de facto não pode proceder. Quanto à terceira questão a apreciar, diz o recorrente que os factos relativos à dinâmica do acidente foram julgados não provados. Nada se provou quanto à forma como ocorreu o acidente, logo não existe facto gerador. Não se encontra provado o acidente — facto gerador. Não pode enquadrar-se o acidente na responsabilidade, nem por facto ilícito nem pelo risco. Relativamente ao diploma que antecedeu o DL, 218/99 de 15/6, a transformação que ocorreu não visou a alteração das regras respeitantes ao ónus da prova, sempre recaindo sobre o A. o ónus de provar o facto gerador dos encargos. Nada se provou quanto à forma como ocorreu o acidente, logo não existe facto gerador. A questão em apreço foi objecto de apreciação pelos nossos tribunais superiores que têm decidido, quase unanimemente, no sentido de que em acção movida por estabelecimento hospitalar para cobrança de dívida por cuidados de assistência o autor tem apenas o ónus de alegar o facto concreto gerador de responsabilidade sem necessidade de enumerar toda a factualidade que conduza à responsabilidade do segurado da demandada (cfr. entre outros Acs. do STJ de 30/09/2003, CJSTJ T. 3, p. 68; da RP de 19/02/2004 proc. 0336633; de 29/04/2003, proc. 0321563; de 1/04/2003, proc. 0320462, estes acessíveis na INTERNET em www.dgsi.pt) É que o actual regime de cobrança de dívidas é estruturalmente diferente do anterior regulado pelo D.L. 194/92 pois enquanto neste a cobrança era feita através duma acção executiva, no vigente a cobrança regressa à tradicional acção declarativa estabelecendo uma norma relativa à alegação e prova a fazer pelo credor, atalhando assim as dificuldades geradas no anterior diploma que era o exequente quem, perante embargos de executado, tinha de provar os factos constitutivos da responsabilidade, nomeadamente a culpa. Dispõe o artigo 5º do Dec. Lei n.º 218/99, de 15-06 que “ Nas acções para cobrança das dividas de que trata o presente diploma incumbe ao credor a alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos e a prova da prestação de cuidados de saúde, devendo ainda, se for caso disso, indicar o número da apólice de seguro”. Isto significa que a instituição prestadora dos cuidados de saúde, só tem que alegar e provar os cuidados que prestou, bastando-lhe, quanto ao mais, a alegação do facto gerador da responsabilidade civil e, se for caso disso, a indicação do número da apólice de seguro. Ou seja, estabelece quanto à entidade credora o ónus de alegação e prova dos tratamentos e apenas o ónus de alegação do facto gerador de responsabilidade quanto ao resto. A alegação do facto gerador de responsabilidade só pode ser entendida, dentro do espírito simplificador de procedimentos que o diploma em causa visou atingir, como a indicação de que o tratamento foi devido, por exemplo, a doença, a acidente de viação, a acidente de trabalho, ou a agressão, sem que a instituição prestadora dos cuidados de saúde tenha de alegar os factos concretos que porventura estejam na base dessa alegação. No caso dos autos, a assistência hospitalar foi determinada por ferimentos ocorridos num acidente de viação. Por isso, é este o facto gerador da responsabilidade pelos encargos hospitalares e que serve de fundamento à acção, constituindo parte da sua causa de pedir. Com efeito, o citado artigo 5º é uma norma processual, como resulta do seu teor e consta, desde logo, do título da secção onde está inserido. Nele faz-se expressa distinção entre alegação e prova, impondo ao credor apenas o ónus de alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos e, ainda, o ónus da prova da prestação dos cuidados de saúde. É essa uma das anunciadas especialidades que o legislador quis introduzir neste tipo de acções. Sabendo que estes dois ónus não são coincidentes, ao fazer esta distinção e ao impor ao credor o ónus de prova tão somente em relação à prestação dos cuidados de saúde, o legislador só pode ter querido dispensar o hospital de provar os factos que determinaram essa prestação, dando-se, relativamente a eles, uma inversão do ónus de prova nos termos do artigo 344º n.º 1, do Código Civil. Com esta inversão, ocorre uma alteração do tema a decidir, pois passa a ser o demandado que tem de alegar e provar que não é o responsável pelo pagamento que lhe é pedido (cfr. acerca da modificação do thema probandum, Miguel Teixeira de Sousa, em As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, pág. 224). Sendo assim, é suficiente alegar o facto concreto gerador da responsabilidade, no caso, o acidente, sem haver necessidade de enumerar toda a factualidade que conduza à responsabilização do causador do acidente, isto é, todos os factos subjacentes à demonstração dos pressupostos da obrigação de indemnizar previstos no artigo 483º do Código Civil. Pelo exposto improcede, também nesta parte a alegação do recorrente. Finalmente entende o recorrente que os juros de mora não deverão der calculados ao abrigo do DL. 73/99 de 16 de Março. Alega que Nas acções de cobrança de dívida hospitalar, ao abrigo de DL. 218/99 de 15/06 a taxa de juros de mora a aplicar é a taxa de juros civis pois o diploma legal que obriga a juros diferentes dos civis no que tange às dívidas para com o Estado, não integra a prestação de serviços. O art. 3º nº1 do DL 194/92 de 8 de Setembro, dizia expressamente que “o montante em dívida pelos serviços prestados vence juros de mora à taxa legal”, e o nº2 referia”o devedor considera-se em mora após interpelação judicial ou extrajudicial, podendo esta última efectuar-se por qualquer das formas a que se refere o art. 70 do Código do Procedimento Administrativo”. O DL. 218/99 de 15 de Junho, que revogou o referido diploma legal, não integrou no seu articulado norma idêntica, limitando-se no seu art. 2º a regular a forma de pagamento extrajudicial. Ora se o DL. 194/92 ao regular expressamente os juros de mora devidos, os reconduzia à taxa legal, e a jurisprudência era no sentido de que “A taxa de juros de mora devida a um hospital por crédito emergente de despesas hospitalares, referida no nº 1 do artigo 3º do DL nº 194/92, de 08/09, é a fixada nas portarias a que alude o artigo 559º do C. Civil” – cfr. (a título de exemplo) o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11-3-99, in Colectânea de Jurisprudência /Supremo Tribunal de Justiça, 1999, 1º, 135, não encontramos nenhuma razão para que se deixe de aplicar a mesma taxa legal, já que a entidade credora se mantém e não sofreu alteração na sua qualidade pública. Nesta conformidade, os juros devidos deverão ser calculados à taxa de 4% - Portaria nº 291/2003, de 8/04, ex vi art. 559 do Código Civil. . Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento à apelação, revogando a decisão recorrida na parte em que estipulou que os juros de mora fossem calculados nos termos do Decreto-Lei n.° 73/99 de 16 de Março, devendo aqueles serem calculados à taxa de 4% - Portaria nº 291/2003, de 8/04, ex vi art. 559 do Código Civil. No restante, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo recorrente. (Texto processado e integralmente revisto pela relatora) Évora, |