Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
384/13.0TTTMR.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PERÍCIA POR JUNTA MÉDICA
INCAPACIDADE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
Data do Acordão: 11/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Em processo especial emergente de acidente de trabalho, na decisão a proferir sobre a questão da incapacidade deverá o juiz atribuir particular valor probatório à perícia médico-legal colegial que haja sido realizada, mas deverá igualmente considerar outros elementos de prova ou razões circunstanciais que no caso se revelem especialmente ponderosos.
2. Deverá ser considerada como estando afetada de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual a sinistrada que fique limitada na mobilidade do membro inferior esquerdo, em termos que afetem decisivamente o exercício das tarefas inerentes à sua profissão.

(Sumário do relator)

Decisão Texto Integral: Proc. nº 384/13.0TTTMR.E1 (Reg. 141944)

Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:

No Tribunal do Trabalho de Tomar foi pela D… – Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de entidade responsável, participado acidente de trabalho sofrido a 10/12/2012 pela sinistrada B…, quando trabalhava como dupla de cinema ao serviço de C…, Lda., mediante a retribuição anual de € 36.500,00, e de cujas lesões lhe foi dada alta pela referida seguradora a 25/9/2013, com uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,09683.

Submetida a sinistrada a perícia médico-legal na fase conciliatória do processo, o Ex.º perito atribui-lhe uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,11555, após um período subsequente ao acidente fixado em 289 dias de incapacidade permanente absoluta (ITA). Na tentativa de conciliação a que depois se procedeu não foi no entanto possível obter o acordo das partes quanto à reparação do acidente, em virtude de ambas haverem discordado do resultado daquela perícia médica.

Sinistrada e seguradora desencadearam então a fase contenciosa dos autos, uma e outra requerendo a realização de nova perícia, por junta médica. Efetuada esta, os Exs.º peritos confirmaram o grau de incapacidade que vinha atribuído da fase conciliatória, considerando porém o perito nomeado pela sinistrada encontrar-se ela também afetada de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH). Transitado entretanto o processo para a 2ª Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o Ex.º Juiz proferiu decisão final, considerando encontrar-se a sinistrada afetada dos mesmos 0,11555 de IPP, desde 25/9/2013, e condenando a seguradora a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de € 2.952,30, e ainda os montantes de € 4.730,31, de diferenças de indemnizações por incapacidade temporária, e de € 122,64 de despesas de transportes.

Inconformada com o assim decidido, dessa sentença veio então apelar a sinistrada. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
I – A douta sentença recorrida julgou, erroneamente, não provado que a sinistrada padeça de Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual.
II – A sinistrada exercia, até à data do sinistro, as funções de dupla cinematográfica na empresa “C…, Lda.”.
III – A profissão de dupla cinematográfica exige exposição a situações limite e de acção extrema, exigindo disciplina física diária.
IV – Tal atividade é absolutamente incompatível com as sequelas sofridas pela sinistrada.
IV – Os elementos probatórios constantes dos autos apontam em sentido diverso da conclusão vertida na douta sentença recorrida, demonstrando que a sinistrada padece efectivamente de Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual.
V – Dos autos constam os seguintes elementos probatórios:
-relatório de Avaliação do Dano Corporal em Código do Direito do Trabalho;
-Auto de Exame por Junta Médica;
-Parecer técnico do Instituo de Emprego e de Formação Profissional;
-Declaração de voto do perito indicado pela sinistrada, Dr. …;
-Relatório do médico especialista de medicina do trabalho, Dr. …;
-Relatório Clínico emitido pelo Dr. …;
VI – Todos os elementos documentais acima indicados, à excepção do laudo de junta médica (que recebeu declaração de voto do Ex.mo Perito Dr. …) são unânimes em afirmar a IPATH da sinistrada.
VII –Ficou provado que a sinistrada padece, no membro inferior esquerdo, de edema do tornozelo, dor à palpação da planta do pé e tornozelo, limitação na extensão e flexão do tornozelo, dificuldade acentuada em fazer marcha na ponta dos pés.
VIII – Estas sequelas impedem o exercício da atividade de dupla cinematográfica pela sinistrada, tanto mais que a empresa entidade patronal não mais a contratou para prestar serviços tendo o médico de medicina do trabalho da referida empresa declarado a sinistrada inapta para o exercício da profissão.
IX – Tal como nenhuma outra empresa contratará a sinistrada de acordo com as limitações físicas que esta apresenta.
X -O esforço físico e exigido a um duplo de cinema é manifestamente superior àquele que é exigido a um actor de cinema, sendo que consideração contrária esvaziaria por completo a génese e a essência da profissão de duplo.
XI – Tal factualidade é amplamente demonstrada pelos relatórios juntos pela sinistrada, todavia, o Mm.ª Juiz a quo ignorou por completo a produção de prova da sinistrada, fazendo tábua rasa de todos os elementos de prova por si juntos aos autos.
XII – Na verdade, a sentença recorrida admite que perante as sequelas afigura-se que a sinistrada estará impossibilitada ou ser-lhe-á muito difícil a execução de algumas tarefas, particularmente com o apuro ou a exigência do seu ofício, referindo ainda “sem embargo de tornar impossível a realização de determinadas tarefas próprias da profissão de dupla (…)”.
XIII – Ora, o julgador não pode adoptar uma perspectiva eminentemente teórica sobre o tema, desconsiderando por completo a realidade das coisas.
XIV – É que, para além dos supramencionados documentos (relatórios médicos) sempre se chegaria à conclusão da verificação da IPATH através das regras da experiência e da normalidade do acontecer.
XV – O tipo de tarefas, as posturas físicas repetidas e condutas de cariz profissional, bem como as exigências físicas, tipo e intensidade do esforço e tipo de lesão sofrida pela sinistrada, ora recorrente, impedem-na de exercer a profissão de dupla de cinema.
XVI – E, ao contrário do que é referido na douta sentença recorrida, a sinistrada não poderá “montar e galopar a cavalo”, “Atropelar outras pessoas”, uma vez que as tarefas que lhe são exigidas diariamente enquanto dupla, não são divisíveis, isto é, a sinistrada não pode escolher determinadas actividades em detrimento de outras, sendo certo que o médico de medicina do trabalho da sinistrada declarou-a inapta para o exercício daquela profissão.
XVII – Acresce que, poder-se-ia dizer que os peritos que subscreveram o laudo de junta médica foram unânimes (com excepção do Dr. …) em negar a existência de IPATH. Mas, para além da sentença recorrida, a nosso ver, não ter suporte neste laudo (nenhuma referência lhe é feita no raciocínio lógico seguido para justificar a ausência de IPATH) sempre se questionaria: com que fundamento justificam os Srs. Peritos a ausência de IPATH? Qual a relação existente entre as sequelas que a sinistrada apresenta e o exercício da sua profissão?
XVIII – O laudo elaborado na sequência de junta médica não apresenta qualquer fundamentação, nem sequer rebate os argumentos expendidos nos relatórios médicos anteriores constantes dos autos.
XIX – Neste plano de consideração entendemos que o laudo de junta médica, constituindo prova pericial tem um valor probatório fixado livremente pelo Tribunal. Contudo, sob pena de conclusões arbitrárias e decisões injustas, não pode admitir-se julgar prevalente e mais consistente a conclusão vertida num auto de exame por junta médica completamente carecido de fundamentação em detrimento de relatórios médicos em sentido contrário e devidamente fundamentados.
XX – Face ao desencontro das posições assumidas pelos peritos e médicos especialistas nos autos sempre se exigiria que fossem tais desacordos devidamente esmiuçados, providenciando-se por instruir o processo com os elementos necessários, ordenando-se a realização de exames e pareceres complementares que permitissem uma decisão esclarecedora e assente na verdade material.
XXI – Cremos, assim, que o Tribunal a quo, além de ter julgado erroneamente pela não existência de IPATH – uma vez que dispunha de elementos probatórios que a demonstram,
XXII -não procedeu com a necessária diligência, tendo decidido desfavoravelmente ao sinistrado, não obstante a existência de elementos que apontam em sentido contrário e da dúvida que assim criaram.
XXII – Sendo que, sempre se impunha ao Tribunal a quo, neste sentido, a recolha de elementos adicionais que permitissem a ponderação e comparação de todos os elementos essenciais para boa decisão da matéria controvertida.
Sem prescindir,
XXIII – A douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º n.º 1 alínea d) do C.P.C..
XXIV – O Mm.º Juiz a quo não apreciou nem ponderou requerimentos de prova, nomeadamente pedido de parecer ao IEFP acerca da verificação de IPATH, e exibição de vídeo demonstrativo das funções desempenhadas pela sinistrada, de fls.., requeridos pela sinistrada, absolutamente essenciais à boa decisão da causa, nem na própria sentença, nem em momento anterior.
XXV – A inconsideração daqueles meios de prova influi negativamente na boa decisão da causa, que não foi alcançada.
XXVI – Acresce que, tendo sido juntos diversos elementos documentais pela sinistrada, nomeadamente relatórios médicos a atestar a existência de IPATH, impunha-se ao julgador pronúncia ou tomada de posição expressa sobre os mesmos, o que em momento algum aconteceu.
XXVII – Com efeito, o juiz deve conhecer todas as questões que lhe foram submetidas, isto é, todos os pedidos e todas as causas de pedir, pelo que, o não conhecimento de questão cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento anterior de outra questão, integra a nulidade por omissão de pronúncia.
XXVIII – O que é manifesto, pelas razões aduzidas, no caso dos presentes autos, o que ora expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
E terminou a apelante pedindo a procedência do recurso, e a revogação da sentença recorrida.

Notificada da interposição do recurso, a seguradora não contra-alegou.
Admitido a apelação, e subidos os autos a esta Relação, baixaram de novo à 1ª instância, tendo então o Ex.º Juiz a quo apreciado a nulidade de sentença que a recorrente havia invocado, considerando que tal vício se não verificava.
A Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu depois douto parecer, nos termos do art.º 87º, nº 3, do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
O processo foi entretanto redistribuído ao ora relator, sendo depois dispensados os vistos dos Exs.º adjuntos, com a concordância dos mesmos.
Cumpre pois decidir.

Sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva alegação (cfr. arts.º 635º, nsº 3 e 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil – C.P.C.), de acordo com o que nesse âmbito vem afirmado pela apelante podemos dizer serem no essencial duas as questões que aqui se colocam à apreciação da Relação. São elas:
- a nulidade da sentença;
- a verificação, ou não, na pessoa da recorrente, de uma IPATH.
Vejamos então se deve ou não ser acolhida a pretensão manifestada com o recurso que vem interposto.

Importa antes de mais relembrar a matéria de facto julgada provada e como tal consignada na decisão recorrida, que foi a seguinte:
a) No dia 10/12/2012, pelas 23 horas, B…, após efectuar um salto, foi embater com o pé num lancil do passeio;
b) Nesse dia e hora estava ao serviço e por conta de C…, Lda., onde exercia funções como dupla;
c) Como sequelas apresenta no membro inferior esquerdo: edema do tornozelo;
refere dor à palpação da planta do pé e tornozelo; limitação na extensão e flexão do tornozelo; dificuldade acentuada em fazer marcha na ponta dos pés;
d) Recebeu alta clínica no dia 25/9/2013;
e) B… auferia a retribuição de anual global de € 36.500;
f) Nasceu no dia 22/5/1986;
g) A D…- Companhia de Seguros, S.A., assumiu a responsabilidade decorrente de sinistros laborais que afectassem B… mediante apólice de seguro com o n.º…;
h) B… despendeu € 122,64 com deslocações obrigatórias a Tribunal;
i) B… está afectada de uma incapacidade permanente parcial, em consequência do sinistro em discussão nos autos, de 0,11555 (11,555%), desde o dia 26/9/2013;
j) B… ficou afectada da seguinte incapacidade temporária: 100% de 11/12/2012 a 25/9/2013;
k) A Companhia de Seguros pagou a B… a quantia total de € 15.780 a título de compensação pela incapacidade temporária.

Como se referiu, a primeira das questões a decidir prende-se com a alegada nulidade de sentença, que decorreria da desconsideração de meios de prova tidos por relevantes, sobre os quais o Ex.º Juiz a quo não se teria pronunciado, incorrendo por isso em omissão de pronúncia e no vício tipificado no art.º 615º, nº 1, al. d), do C.P.C..
Neste particular, não assiste a nosso ver qualquer razão à recorrente.
Recordemos a propósito como foi fundamentada a decisão proferida quanto à questão da incapacidade:
‘Em vista dos elementos dos autos, não se afigura necessária a realização de diligências complementares, devendo ser proferida decisão de mérito em conformidade – art.º 140.º, do Código de Processo do Trabalho.
Na verdade:
1) As partes tiveram já ocasião de indicar peritos da sua escolha que se presumem competentes e habilitados a responder às questões que lhes foram colocadas;
2) Os peritos tiveram oportunidade de solicitar os elementos que julgassem pertinentes – o que foi feito quanto ao parecer solicitado ao IEFP; e,
3) Os peritos responderam sem hesitação ou reserva às questões que lhes foram
colocadas.
A questão que cumpre agora decidir é da esfera da competência do Juiz. A requisição neste momento de outros pareceres (para mais em áreas que não estão sequer regulamentadas), poderia traduzir-se numa diligência dilatória e numa tentativa imprópria de desaforamento da questão a decidir, afastando injustificadamente a Junta Médica oportunamente designada.

1. Nos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho não se mostrou possível a conciliação entre a sinistrada B…, e a D…- Companhia de Seguros, S.A., pelas razões levadas aos autos de fls. 46 e 61 (não conciliação), particularmente quanto à natureza e ao grau das lesões sofridas por aquela.
A Sinistrada e a Companhia de Seguros requereram a realização de exame por junta médica, ao abrigo do disposto no art.º 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, apresentando os seus quesitos – vd. fls. 64 e 70.
Realizou-se a junta médica, tendo os Exmos. Peritos apresentado um laudo maioritário quanto às questões que foram apresentadas – cfr. fls. 80 e 107. Foi requisitada a elaboração parecer ao IEFP sobre o perfil das funções desempenhadas pela sinistrada – vd. fls. 87.
Pese embora o desencontro das partes e de diversos elementos documentais, entende-se que deve dar-se prevalência ao juízo maioritário resultante da última junta médica, por se tratar de uma prova sujeita ao contraditório, produzida na presença do Juiz e evidenciar suficientes e atendíveis razões de ciência, emitidas por médicos com especiais conhecimentos, sendo que todos os peritos emitiram a sua opinião sem revelarem reservas ou dúvidas. Assim, em vista do teor maioritário dos Exmos. Peritos e das razões de ciência que se evidenciam do antecedente laudo, julgo provado que a sinistrada está afectada de uma incapacidade permanente parcial, em consequência do sinistro em discussão nos autos, e fixo a mesma em 0,11555 (11,555 %), desde o dia 26/9/2013.
Não julgo provado que as sequelas da sinistrada lhe determinem a IPATH (Incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual) de dupla.
Não se considerada demonstrada a IPATH em face do teor das lesões verificadas na pessoa da sinistrada e do teor do estudo elaborado pelo IEFP. Na verdade, é indesmentível que o acidente importou para a B… importantes sequelas, já referenciadas no relatório do GML de fls. 57 e confirmadas pela Junta, nomeadamente no membro inferior esquerdo: edema do tornozelo; refere dor à palpação da planta do pé e tornozelo; limitação na extensão e flexão do tornozelo; dificuldade acentuada em fazer marcha na ponta dos pés. Tais sequelas determinam a conclusão no sentido de evidenciar uma IPP (Incapacidade permanente parcial) de 11,555 %.
No entanto, a questão é de saber tais sequelas determinam uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de dupla. Ora, a verificada incapacidade da sinistrada para a sua profissão de dupla não será absoluta, nem de tal forma expressiva que torne praticamente impossível o exercício funcional dessa profissão (sem embargo de tornar impossível a realização de determinadas tarefas próprias da profissão de dupla e de dificultar exponencialmente a realização de outras tarefas, como decorre necessariamente da localização e extensão das apontadas lesões no seu corpo).
Tudo depende da relação que existirá entre essas lesões e o conteúdo funcional da
profissão de dupla.
Analisando o parecer elaborado pelo IEFP de fls. 87 e seguintes, constata-se que a
B… poderá realizar um grande número das actividades próprias das funções de dupla aí descritas, tais como:
1. Recebe da produção indicações gerais sobre a cena a filmar;
2. Desloca-se para o local para verificar as condições e preparar a execução;
3. Prepara com a produção os pormenores, identifica e negoceia as condições e equipamentos;
4. Etc. (vd. fls. 88).
Quanto aos papéis em diferentes situações, cenas e contextos que poderá protagonizar (vd. fls. 89), afigura-se que a mesma estará impossibilitada ou ser-lhe-á muito difícil a execução de algumas tarefas, em razão das documentadas lesões, particularmente com o apuro e a exigência do seu ofício (o qual é filmado ou fotografado e visualizado repetidamente, presumivelmente por um público exigente), tais como:
- Correr e saltar obstáculos; ou,
- Caminhar em locais de difícil equilíbrio.
No entanto, são aí descritas numerosas tarefas que a sinistrada presumivelmente
ainda poderá desempenhar (sem prejuízo da IPP de 11,555%), tais como:
- Atropelamento de outras pessoas;
- Vítima de atropelamento;
- Quedas (no pressuposto que adoptará os procedimentos de segurança comuns a tal ocupação);
- Condução e queda de motos em movimento;
- Vítima em acidentes de viação;
- Montar e galopar a cavalo; ou,
- Lutar e disparar armas de fogo.
Isto é, a sinistrada presumivelmente poderá ainda desempenhar uma multiplicidade de actos e tarefas próprias da sua profissão habitual de dupla. Não é possível afirmar que os actos e tarefas que a sinistrada não poderá realizar ou que lhe será difícil a realização se traduzam, pelo número, abrangência ou conteúdo, a impossibilitem absolutamente de desempenhar tal trabalho.
Por conseguinte, a desvalorização da sinistrada deverá ser compensada unicamente em sede de IPP, pelo que se julgou não provada a invocada IPATH.’

Como se pode constatar do teor do despacho que decidiu a questão da incapacidade e fixou o respetivo grau, o Ex.º Juiz a quo analisou criteriosamente os meios de prova de que dispunha, e fundamentou de forma adequada as razões que o levaram a considerar não estar a sinistrada afetada de IPATH, ao invés do que a mesma sustentara quando requereu a perícia por junta médica.
Não pode por isso afirmar-se, tal como aliás vem sublinhado no despacho que depois indeferiu a nulidade invocada, ter havido omissão de pronúncia ou desconsideração de concretos meios de prova que o tribunal devesse valorar, por forma a poder concluir-se ter daí decorrido a nulidade da sentença proferida.
Configurando de resto o despacho que decidiu a questão da incapacidade um julgamento sobre matéria de facto, não deixa de ser ele sindicável nos termos gerais, e como se acha também previsto no art.º 140º, nº 2, do C.P.T..
É por isso perfeitamente legítimo impugnar a decisão em causa, e veicular essa discordância por via do recurso que venha a interpor-se da sentença final. Uma insuficiente ou incorreta fundamentação dessa decisão poderá porventura valer a revogação ou a alteração da mesma, em sede de recurso. Mas essa é uma questão de mérito, que se não confunde com eventuais vícios que afetem a estrutura formal da decisão, e determinem a nulidade da mesma.
E é precisamente isso aquilo que, na prática, a recorrente pretende que se faça na hipótese dos autos: a reapreciação do fundo da decisão proferida quanto à questão da incapacidade, e uma nova valoração dos elementos probatórios em que a mesma se fundamentou.
Ocupemo-nos então do mérito do recurso.

Como se sabe, na especial configuração dos processos emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional, a questão da fixação da incapacidade para o trabalho correrá no processo principal quando constitua o único ponto sobre o qual não tenha havido acordo das partes na tentativa de conciliação realizada no termo da fase conciliatória dos autos – art.º 132º, nº 1, do C.P.T.. A ação seguirá então a tramitação prevista nos arts.º 138º a 140º do mesmo código, aí assumindo particular relevo a perícia por junta médica, que irá observar no sinistrado as lesões resultantes do acidente de que o mesmo foi vítima, pronunciando-se também sobre a incapacidade para o trabalho que afetará o examinando, e sobre o respetivo grau, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Tabela Nacional de Incapacidades.
Na medida em que não sejam contrariadas pela lei processual laboral, a esta modalidade de prova pericial são também plenamente aplicáveis as regras gerais consignadas nos arts.º 467º e ss do C.P.C., e bem assim do regime jurídico das perícias médico-legais e forenses, da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto. A força probatória das respostas dos peritos é livremente apreciada pelo tribunal – arts.º 389º do Código Civil, e 489º do C.P.C. – mas os conhecimentos especializados dos peritos intervenientes na junta, para mais numa área em que impera uma elevada tecnicidade, conferem naturalmente uma particular credibilidade e peso ao resultado do exame, que só em situações muito especiais poderá ser desconsiderado, quando com ele concorrerem outros elementos de prova ou razões circunstanciais que se revelem especialmente ponderosos na decisão a proferir sobre a questão da incapacidade.
Ademais, no caso específico dos acidentes de trabalho a perícia por junta médica é presidida pelo juiz (art.º 139º, nº 1, do C.P.T.), e nessa medida a lei defere-lhe uma intervenção ativa na diligência, devendo formular quesitos sempre que a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem (nº 6), e determinando a realização de exames e pareceres complementares, ou a requisição de pareceres técnicos, se o considerar necessário (nº 7).
Ora, na concreta hipótese dos autos, muito embora o Ex.º Juiz tenha acolhido, na decisão sobre a incapacidade, a opinião maioritária dos peritos intervenientes na junta médica, não se limitou a segui-la acriticamente; ponderou igualmente os demais elementos de prova relevantes juntos ao processo, designadamente o parecer técnico de análise ao posto de trabalho da sinistrada, elaborado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP), para daí então concluir não se encontrar a recorrente afetada de uma IPATH.
Não estando minimamente em causa a regularidade da perícia colegial a que se procedeu, e muito menos o compromisso profissional dos peritos que compuseram a junta médica, é precisamente na valoração que importa fazer dos demais aspetos processuais relevantes que entendemos não poder acompanhar o entendimento que foi acolhido na 1ª instância.
Com efeito, as sequelas permanentes que, ao nível do membro inferior esquerdo, do acidente resultaram para a sinistrada, consideradas objetivamente, não oferecem dúvidas e não são motivo de controvérsia: edema do tornozelo, dor à palpação da planta do pé e tornozelo, limitação na extensão e flexão do tornozelo; e dificuldade acentuada em fazer marcha na ponta-dos-pés.
Também é ponto assente a classificação dessas lesões à luz da Tabela Nacional de Incapacidades[2] - T.N.I. (Cap. I – 14.2.2.1a, Cap I – 14.2.2.2.b, e Cap. I – 14.2.4), tal como a data da alta (25/9/2013), sendo no entanto de referenciar que esta só foi atribuída após um período de quase dez meses em que a sinistrada se manteve na situação de ITA, o que sem dúvida denota uma lenta recuperação e estabilização das sequelas do acidente.
Mas o que agora aqui importa sobretudo considerar não é essa vertente puramente médico-legal, mas antes o conteúdo funcional da profissão da sinistrada, e as tarefas concretas que no âmbito da mesma lhe são exigidas.
Como decorre exuberantemente do parecer técnico elaborado pelo IEFP, e resultará também da própria experiência comum, um duplo de cinema, como a ora recorrente, desempenha múltiplos papéis em diferentes contextos e cenários, todos eles no entanto desenvolvidos em situações particularmente arriscadas e perigosas, em que ao profissional é exigida uma particular preparação e destreza física: atropelamento de outras pessoas, vítima de atropelamento, queda de prédios, barcos, aviões ou pontes, caminhar em locais de difícil equilíbrio, condução e queda de motos em movimento, vítima em acidente de viação, queda em escadas ou em buracos, queda na água no interior de uma viatura, montar e galopar a cavalo, cair do cavalo, lutar e disparar armas de fogo, correr e saltar obstáculos, são tudo exemplos dessa particular exigência e destreza.
Um duplo de cinema não é por isso um mero figurante passivo numa qualquer cena cinematográfica. Pelo contrário: tal como se refere naquele parecer técnico, o adequado desempenho da profissão de duplo implica que:
- sejam requeridas a constante mobilização, coordenação e força dinâmica e estática de ambos os braços e mãos, e de ambas as pernas e pés;
- sejam exigidas frequentemente flexões frontais do tronco e do pescoço, torsões laterais do pescoço, e torsões dorso lombares;
- seja necessário, com alguma frequência, levantar e manusear pesos até 14 kg, e deslocar, empurrar, puxar e arrastar pesos na ordem dos 100kg;
- seja requerida uma mobilização constante de todo o corpo ao nível do esforço físico e coordenação motora;
- seja exigida uma elevada resistência física, visto que as filmagens de cenas arriscadas e perigosas podem ser repetidas diversas vezes, ao longo de um a dois dias.
Perante semelhante panorama funcional, não podemos obviamente acompanhar a decisão recorrida quando nela se refere que ‘… presumivelmente (a sinistrada) poderá ainda desempenhar uma multiplicidade de actos e tarefas próprias da sua profissão habitual de dupla. Não é possível afirmar que os actos e tarefas que a sinistrada não poderá realizar ou que lhe será difícil a realização se traduzam, pelo número, abrangência ou conteúdo, a impossibilitem absolutamente de desempenhar tal trabalho’.
É que não está aqui apenas em causa uma maior ou menor penosidade ou dificuldade no exercício duma determinada atividade, em que seja possível segmentar as tarefas que lhe são inerentes. As aptidões físicas exigidas para o desempenho da profissão de duplo não podem deixar de ser consideradas como um todo. Por isso consideramos que a limitação da mobilidade do membro inferior esquerdo da sinistrada, associada à dor que a afeta, inviabilizará totalmente que ela possa continuar a exercer a sua profissão.
O mesmo sucederia aliás com um atleta profissional, que padecesse das mesmas lesões, e ao qual fosse exigida a constante utilização das pernas e dos pés na prática da atividade desportiva a que se dedicasse.
Em face destas circunstâncias, e porque também o caso da sinistrada não é equiparável ao de um qualquer outro trabalhador, cuja profissão não implique as mesmas exigências físicas, não temos dúvidas em considerá-la afetada de IPATH, em consequência do acidente que a vitimou.
Nesta parte procedem pois as conclusões da alegação da apelante.

A reparação dos danos emergentes do acidente em causa nos autos deve fazer-se, para além da já referida T.N.I., à luz do quadro normativo definido pela Lei º 98/2009, de 4 de setembro (LAT).
É sabido que, no âmbito deste diploma, a vítima de acidente que fique afetada de IPATH terá direito a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível – art.º 48º, nº 3, al. b). Para além disso, terá ainda direito a um subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, calculado nos termos do art.º 67º, nº 3, da mesmo Lei, e para tal efeito referenciado ao valor de IAS (indexante dos apoios sociais) em vigor à data do acidente – 2012 - que era então de € 419,22.
Por outro lado, e tal como é hoje entendimento pacífico (v. entre outros, Ac. STJ de 28/5/2014, in D.R., 1ª série, de 30/6/2014, e Ac. Rel. Porto de 9/3/2015, in www.dgsi.pt), importa também corrigir o grau de desvalorização de 0,11555 atribuído a título de IPP, por forma a que o mesmo possa beneficiar do fator de bonificação de 1,5, que se acha previsto na Instrução 5, a), da T.N.I.. Nessa medida, a IPP que afeta a recorrente deve ser fixada em 0,173325.
Em consequência, e considerando a retribuição anual auferida de € 36.500, e o referido valor de IAS, tem a apelante direito a receber da seguradora uma pensão anual e vitalícia de € 19.515,27, devida desde 26/9/2013, dia seguinte ao da alta[3]. Por sua vez, o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente ascende a € 4.161,32[4].
A reparação pecuniária do acidente deve pois ser ajustada aos montantes que vêm referidos.

Nesta conformidade, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação procedente, assim revogando a sentença recorrida na parte que vem impugnada, e em consequência:
a) Declaram a sinistrada recorrente B…, desde 25/9/2013, afetada de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com 0,173325 de incapacidade permanente parcial para o exercício de outra profissão, em consequência do acidente de trabalho de que a mesma foi vítima a 10/12/2012;
b) Condenam a recorrida D… Companhia de Seguros, S.A., a pagar à recorrente B… a pensão anual e vitalícia de € 19.515,27, devida desde 26/9/2013;
c) Condenam a mesma seguradora a pagar à sinistrada, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, o montante de € 4.161,32.
Mantem-se o demais decidido na sentença recorrida, na parte em que a mesma não foi impugnada, designadamente no que respeita à condenação nos valores de € 4.730,31, de diferenças de indemnizações por incapacidade temporária, e de € 122,64, de despesas de transportes.
Custas pela seguradora recorrida.

Évora, 18-11-2015
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator)
José António Santos Feteira (adjunto)
Moisés Pereira da Silva (adjunto)
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[1] Art.º 663º, nº 7 do C.P.C.
[2] Aprovada pelo Dec.-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro.
[3] Calculada segundo a fórmula ((0,7 x €36.500) – (0,5 x €36.500) x 0,173325) + (0,5 x €36.500)
[4] Calculado segundo a fórmula ((A – B) x 0,173325) + B, em que A corresponde a €419,22 x 12 x 1.1, e B corresponde a A x 0,7