Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL NABAIS | ||
Descritores: | RECURSO PRAZOS PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
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Data do Acordão: | 04/13/2004 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO PARA O PRESIDENTE | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
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Sumário: | I. No silêncio da lei, os vários arguidos ou assistentes têm de praticar o acto dentro do prazo subsequente à notificação feita a cada um deles, mesmo que o prazo para algum deles comece a correr posteriormente. II. Assim, o prazo para interposição de recurso de acórdão, por arguido presente no acto de leitura pública do mesmo conta-se a partir da data do depósito do acórdão na secretaria, ainda que o prazo para interposição de recurso pelos arguidos ausentes comece a correr mais tarde. III. Não viola o princípio da igualdade a diferenciação de tratamento quanto ao dia a partir do qual corre o prazo para interposição de recurso por parte de arguidos presentes e de arguidos não presentes no acto da leitura pública da sentença. | ||
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Decisão Texto Integral: | I- Inconformado com o acórdão do Tribunal Colectivo do 2º Juízo da Comarca de …, proferido no âmbito do Proc. Comum Colectivo n.º …, que, além do mais, o condenou na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, pela prática de um crime de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 275º, n.º 3 do CP, com referência ao disposto no artº 3º, n.º 1, al. d) do DL n.º 207-A/75, de 17ABR, dele interpôs recurso o arguido A, recurso esse que, por extemporâneo, viria a ser indeferido. De novo inconformado, reclamou o arguido, nos termos do artº 405º do CPP, pugnando pela admissão do recurso. Mantido o despacho reclamado e observado o disposto no artº 688º, n.º 4 do CPC, não houve resposta. Cumpre decidir. * II. Para concluir que o recurso foi extemporaneamente interposto, louvou-se o Mº Juiz na seguinte fundamentação: “[...] os três arguidos [recorrentes, entre eles o ora reclamante] estiveram presentes no acto da leitura encontrando-se representados por defensor, conforme se pode constatar da respectiva acta (fls. 3633/3636 ); - nesse acto não estiveram presentes os arguidos B, C, D, E e F, embora se encontrassem devidamente representados por defensor (fls. 3635); - em virtude da ausência destes arguidos, foi levada a cabo a sua notificação por via postal simples com prova de depósito (fls. 3650/3654) e quanto aos arguidos B, C e D, ainda por carta registada com aviso de recepção (residem os três no estrangeiro - fls. 3662, 3660 e 3661) e quanto aos arguidos F e E foi ainda levada a cabo a sua notificação por intermédio da autoridade policial competente (fls. 3776 e 3673). - apenas os arguidos H e A recorreram quanto á matéria de facto constante da decisão recorrida. - nenhum dos arguidos veio invocar qualquer/quaisquer motivo(s) que impedisse(m) ter sido interposto recurso em data anterior, justificando a razão pela qual apenas o faziam na data em causa. . Em face do exposto, concluímos que o prazo para interposição de recurso no caso dos três arguidos identificados seria até ao dia 03/03/04. Poderiam ainda os arguidos recorrer, pagando a correspondente multa, caso o tivessem feito ainda dentro dos três dias subsequentes àquela data, cfr. art.º 145.º, n.º 5, do Cód. de Proc. Civil. Nesse caso a data limite para interposição de recuso seria o dia 08/03/04, já que o dia 06/03/04 coincidiu com um Sábado. De outra banda, não podem os arguidos beneficiar de eventual prazo em curso para notificação de outros arguidos quanto ao teor do acórdão proferido nos autos. Com efeito, o prazo para interposição de recurso, previsto no art.º 411.º, n.º 1 do Cód. de Proc. Penal é peremptório e o seu decurso extingue o direito de o exercer. Flui do disposto no art.º 113.º, n.º 12, do Cód. de Proc. Penal (na redacção conferida pelo D.L. n.º 320-C/2000, de 15/12) que "Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles, até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar' (destaque no original). Conforme resulta evidente da letra da lei, não constitui regra o aproveitamento do prazo da última notificação efectuada, já que para que tal situação se verifique, terá de se encontrar expressamente prevista. Daí se retira assumir essa situação natureza excepcional. Ora, em sede de recurso não se encontra expressamente prevista essa possibilidade, contrariamente ao que por exemplo sucede quanto à apresentação de contestação e rol de testemunhas (art.º 315.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Penal, por referência ao art.º 113.º, n.º 10 do mesmo diploma legal, na redacção conferi da pela Lei n.º 59/98, de 25/08), ou quanto ao requerimento de abertura de instrução (art.º 287.º, n.º 6, da lei adjectiva penal, por referência ao art.º 113.º, n.º 10 do mesmo diploma legal, na redacção conferida pela Lei n.º 59/98, de 25/08). Entende-se essa ausência de expressa previsão, já que a mesma, em última análise implicaria efeitos perversos para o próprio arguido. Atente-se à situação em que no mesmo processo existam arguidos presos e arguidos em liberdade, caso algum(ns) deste(s) não tivessem estado presentes em julgamento, tendo o mesmo decorrido à sua revelia, ter-se-ia sempre de proceder à sua notificação, e caso a mesma não viesse a ser efectivada, a decisão não poderia transitar em julgado quanto aos arguidos presos, e nem poderia eventual recurso interposto por estes subir a fim de ser conhecido e decidido pela instância superior, já que continuaria em curso o prazo para recurso quanto ao(s) arguido(s) em liberdade. Concluímos, por isso, que o prazo para interposição de recurso corre individualmente relativamente a cada arguido, consoante as circunstâncias do caso, não aproveitando os arguidos H, I e A os prazos de notificação dos arguidos não presentes em julgamento. Referiu-se que quanto aos arguidos H e A os mesmos nos seus recursos recorreram da decisão quanto à matéria de facto, sendo que com isso não beneficiam do prazo alargado previsto no artº 698.º, n.º 6, do Cód. de Proc. Civil, pois este preceito não tem aplicação subsidiária em sede de recurso crime, neste sentido vd. ARL 18/04/04, Proc. 00130669 e ARP 29/10/03, in CJ, Ano XXVIII, T. IV, p. 217/219. De acordo com o disposto no art.º 411.º, n.º 3 do Cód. de Proc. Penal, o requerimento de interposição de recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso e apenas caso o recurso seja interposto para a acta, pode a respectiva motivação ser apresentada no prazo de 15 dias, contado da data de interposição. Na lei adjectiva penal não existe qualquer excepção expressa no sentido da admissibilidade da prorrogação do prazo para a interposição de recurso, nos casos de impugnação da matéria de facto. Além disso, o recurso da decisão quanto à matéria de facto não impõe a imediata e integral transcrição da prova, já que a transcrição a que alude o art.º 412.º, n.º 4 do Cód. de Proc. Penal se reporta apenas aos registos apontados pelo recorrente para efeito das especificações que tiver concretizado, visando alterar os pontos da matéria de facto impugnados com base em provas gravadas que, segundo o recorrente, impõem decisão diferente. Flui do disposto no art.º 412.º, n.º 3 e 4, do Cód. de Proc. Penal que quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição. Se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto, em sede de recurso, torna-se necessária a consulta da acta e o acesso ao suporte magnético contendo a prova produzida. Assim, não constitui elemento indispensável à interposição de recurso a transcrição das cassetes, bastando que o recorrente tenha acesso às mesmas, para as poder ouvir e caso o entenda, fundamentar o recurso. A transcrição da prova, quando caiba assim proceder, ocorrerá após a interposição de recurso. Os recorrentes que impugnaram a matéria de facto, nunca estiveram impedidos de aceder aos suportes magnéticos contendo a prova gravada, para interpor recurso. Note-se ainda que não colhe aplicação em sede penal o disposto no art.º 698.º, n.º 6, do Cód. de Proc. Civil, ex vi do art.º 4.º do Cód. de Proc. Penal, pois que não existe qualquer lacuna que careça ser preenchida por recurso á lei adjectiva civil. A matéria de recurso em processo crime tem regulamentação própria e especifica, diferente da que disciplina os recursos cíveis, e assim, caso o legislador pretendesse aplicar também ao recurso crime a prorrogação do prazo para interposição de recurso, no caso de impugnação da matéria de facto, tê-lo-ia dito expressamente, o que não ocorreu. Acresce que, na redacção conferida ao art.º 411.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Penal pela Lei n.º 59/98, de 25/08, foi alterado de dez para quinze dias o prazo para interposição de recurso, não tendo o legislador previsto a possibilidade da prorrogação do prazo para interposição de recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto, ao ter acrescentado um n.º 4 ao art.º 412.º do Cód. de Proc. Penal impondo a transcrição dos suportes técnicos com a gravação das provas, quando o recorrente invocar que perante as mesmas se impunha decisão diferente. Por fim, diga-se ainda que o facto de ter sido elaborado despacho a fls. 3712/3713, datado de 02/03/04 (versando apenas quanto aos honorários a atribuir aos Ilustres Defensores oficiosos nomeados), o qual passou a fazer parte integrante do acórdão proferido nos autos, depositado junto do mesmo, nos termos do disposto no art.º 372.º, n.º 5, do Cód. de Proc. Penal, não logra alterar o prazo para interposição de recurso, já que a data a ter em conta é a da leitura do acórdão e respectivo depósito - 17/02/04.” Contra este entendimento insurge-se, porém, o reclamante, alegando, em substância: «Nas várias sessões de discussão e julgamento - 13 - não estiveram presentes os arguidos B, C, D, E e F. E é precisamente nestas faltas que se baseia, também, a presente reclamação. Estabelece o artigo 113°, n° 12 do Código de Processo que "(...) havendo vários arguidos (...) o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles, até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar [...]. Ora, o Tribunal a quo, para justificar a “intempestividade” do recurso não admitido, socorreu-se deste preceito legal e - quanto a nós mal, pois há sempre a possibilidade de se requerer uma separação de processos, tal como prevê e dispõe o artigo 30° do C.P.P. - não cuidou de enquadrar tal preceito nas demais disposições legais, antes optando por fazer uma interpretação do mesmo, isolada do legal contexto em que aquela se insere. Bastaria que tivesse demorado a sua leitura nos restantes números do citado artigo 113°, para compreender que tal justificação, ainda que, no entender do Tribunal a quo, defensável, não pode proceder. Assim o quis o legislador, a justiça e o ora Reclamante! Diz-nos o número 9 daquele artigo que "(...) as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença. (...) têm que, obrigatoriamente, ser feitas pessoalmente ao arguido, prosseguindo "(...) neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.” Não faz a lei como não tem que fazer distinção entre arguidos presentes e ausentes, julgados presencialmente ou consentindo o julgamento na sua ausência. O douto despacho recorrido dá-nos a título de exemplo justificativo da sua decisão, a hipótese de, havendo arguidos presos e arguidos em liberdade, sendo que estes tivessem sido julgados à revelia, na impossibilidade de os notificar da sentença, aqueles - que estavam presos - não verem a decisão sobre si proferida, transitar em julgado, bem como ficariam impedidos de recorrer. Ora tal entendimento, jamais pode proceder. Estamos perante uma situação em que o arguido último notificado – B – estava devidamente representado em julgamento – na pessoa do seu Ilustre Defensor – permitiu o seu julgamento na sua ausência e, sabia-se perfeitamente onde ele se encontrava e onde o notificar, tal como veio a acontecer. Ora tendo sido este o último arguido a ser notificado. Sabendo-se o dia em que o foi, e sendo o seu o último prazo a decorrer, aproveitará este, forçosamente, aos demais co-arguidos, devendo o prazo para recurso terminar aquando do prazo do arguido B. [...] Poder-se-á colocar alguma dúvida na expressão “Nos casos expressamente previstos (...)” contida no artigo 113° n.º 12 mas, cremos já ter afastado tal dúvida. Não está o disposto no n° 9 do mesmo artigo expressamente previsto?! A resposta a tal questão não é difícil... Aliás, o próprio raciocínio lógico que a interpretação deste artigo impõe, é claro e não deixa margem para qualquer tipo de dúvidas. O disposto no n° 9 do citado artigo 113° do C.P.C., visa igualitar o mais possível os direito dos arguidos. O que não faz sentido é ter dois arguidos num processo e um ter apenas 15 dias para interpor recurso e outro com um prazo muito maior. Se é dado a um o prazo de - 1 ou 2 meses por exemplo, consoante a data da notificação - para estudar e preparar o seu recurso, por que carga de água não tem o outro direito a isso? Não faz sentido tal entendimento. Até porque, atentemos à lógica resultante do próprio artigo 113°: um dos princípios basilares do nosso Direito Penal, é permitir a todos os arguidos igualdade de "armas", não só em relação aos demais intervenientes no processo, como entre si. E isso, com a não admissão de recurso ora reclamada, não se verifica! Faz sentindo impor-se a notificação de uma sentença. a todos os interessados, e depois cada um ter um prazo diferente para poder interpor o seu recurso? Isso sim, iria acarretar um grave e insanável prejuízo para todos aqueles cujo prazo terminasse antes do último. E não é isso que a lei diz. Não foi isso que o legislador pretendeu com a criação de tal preceito. É este, claramente, o espírito do próprio legislador. A igualdade processual impõe que todas as partes tenham o mesmo prazo para a prática dos actos processuais que lhes são permitidos. Desrespeitando tal, caímos no maior erro da justiça, que é o de se tomar injusta! Ainda que tal não fosse suficiente, sempre se argumentaria que o douto acórdão recorrido, só ficou completo com o despacho datado de 2 de Março de 2004, onde se determina a matéria relativa a honorários a serem pagos aos Defensores Oficiosos, que é sempre parte integrante [...] daquele - vide artigos 40° e 46° n° 1 da Lei 30-E/2000dc 20 de Dezembro - só estando completo, cumprindo assim todos os requisitos contidos no artigo 374° do C.P.P. (n.º 4). Aliás, tal despacho refere isso mesmo; passa a fazer parte integrante do acórdão recorrido, devendo ser depositadas junto ao mesmo. Sendo, como é, parte daquele, sempre se entenderá que o prazo para a interposição de recurso pode, e deve, iniciar-se com o depósito de tal despacho, sendo que, a ser assim, o arguido estaria - como entendemos que está - em tempo para apresentar o seu recurso, não podendo este deixar de ser admitido, pois só perante um acórdão completo o arguido pode, em consciência, decidir se recorre ou não e quais os seus efeitos e consequências. De igual forma, só com o acórdão completo, sabe se há fundamento para recorrer e se o deve fazer [...] » II.1. A questão que reclama solução consiste em saber se o recurso foi interposto extemporaneamente, como sustenta o Mº Juiz, ou se, ao invés, atempadamente, como defende o reclamante. A resposta a tal questão - tal com vem suscitada - passa pela solução destoutra: terminando em dias diferentes o prazo para interposição do recurso por parte dos vários arguidos, o recurso de todos ou de cada um deles pode ser interposto até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar, como pretende o reclamante ou, como entende o Mª Juiz, “o prazo para a interposição do recurso corre individualmente relativamente a cada arguido, consoante as circunstâncias do caso, não aproveitando os arguidos [presentes em julgamento] dos prazos de notificação dos arguidos não presentes em julgamento? Não se questiona o quadro factual de que o Mº Juiz arranca para considerar que o prazo de interposição do recurso - se contado da data do depósito do acórdão recorrido na secretaria - terminaria em 3MAR04, nomeadamente: O acórdão recorrido foi lido publicamente e depositado na secretaria em 17FEV04; O ora reclamante esteve presente no acto da leitura do acórdão recorrido, bem como o seu Ilustre Defensor nomeado, como se alcança acta respectiva e da certidão de fls. 12 e ss; O recurso pelo ora reclamante interposto, por telecópia, deu entrada na secretaria em 10MAR04; Alguns dos arguidos não estiveram presentes no acto da leitura da sentença, estando, porém, representados por defensor oficioso; Os arguidos ausentes, foram notificados por via postal simples com prova de depósito e ainda por carta registada com aviso de recepção, os residentes no estrangeiro. Exposta a factualidade relevante, vejamos qual a posição que deve prevalecer. A tese, aliás douta, do reclamante está alicerçada no pressuposto de que o prazo para os arguidos não presentes no acto da leitura pública do acórdão interporem recurso começou a correr com a notificação do acórdão aos mesmos, terminando, assim, após o prazo do reclamante para o mesmo efeito, se contado da data do depósito do acórdão recorrido. Daí que, por força do disposto no n.º 12 do cit. artº 113º, o reclamante pudesse interpor o recurso até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar devendo, pois, conclui o reclamante, “o prazo para recurso terminar aquando do prazo do arguido B”, sob pena de violação do princípio da igualdade processual. Liminarmente, dir-se-á que extravasa o âmbito da presente reclamação averiguar se o(s) prazo(s) para interposição do recurso pelos outros arguidos, sobretudo pelos arguidos que não estiveram presentes no acto da leitura pública do acórdão, termina(m) em dias diferentes do prazo do reclamante, para o mesmo efeito; mais concretamente, se o prazo para aqueles arguidos interporem recurso se conta a partir da data do depósito do acórdão na secretaria ou se a partir da data em que o acórdão lhes foi notificado, caso em que o prazo para aqueles arguidos interporem recurso termina depois do prazo do arguido/reclamante (sobre a questão, cfr. Ac. n.º 36/2004 do TC, in DR, II série, de 20FEV04). Hic et nunc, há apenas que decidir se o recurso interposto pelo reclamante é ou não tempestivo. II.2. Admitindo, porém, por necessidade de raciocínio - porque, como se referiu, não cabe no âmbito da presente reclamação decidir qual o momento a partir do qual se deve contar o prazo para interposição do recurso pelos arguidos não presentes no acto da leitura pública do acórdão e porque, por outro lado, o reclamante suscita ambas as questões - admitindo, porém, por necessidade de raciocínio, dizia-se, que o prazo para aqueles arguidos interporem recurso só corre a partir da sua notificação postal do acórdão, nem assim o recurso do reclamante teria sido interposto atempadamente nem, por outro lado, tal solução violaria o princípio da igualdade processual. Com efeito, reza assim n.º 12 do artº 113º do CPP, no qual o reclamante ancora a sua, aliás douta, tese: “Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles, até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.” Flui claramente do dispositivo acabado de transcrever que, havendo vários arguidos ou assistentes e o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto só pode ser praticado por todos ou por cada um deles, até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar se a lei - expressamente - o disser. São os casos, entre outros, (referidos pelo Mº Juiz do tribunal a quo), da apresentação da contestação e rol de testemunhas e do requerimento para abertura da instrução em que a própria lei (artºs 315º, n.º 1 e 287º, n.º 6, respectivamente) manda aplicar o disposto no n.º 10 do cit. artº 310º, correspondente ao actual n.º 12 do mesmo artº, cuja redacção foi introduzida pelo DL n.º 320-C/2000, de 15DEZ. O mesmo é dizer que, no silêncio da lei, os vários arguidos ou assistentes têm de praticar o acto dentro do prazo subsequente à notificação feita a cada um deles, mesmo que o prazo para algum deles comece a correr mais tarde. Não havendo caso omisso, não há, obviamente, que recorrer à analogia, nem às normas do processo civil, nem, finalmente, aos princípios gerais do processo penal (artº 4º do CPP). Assim, para que o reclamante pudesse interpor o recurso até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar era necessário que a lei, apertis verbis, o dissesse. Nada dizendo a lei, o prazo para o reclamante interpor recurso começou a correr com o depósito do acórdão na secretaria, do qual (bem como o seu Ilustre Defensor nomeado) foi pessoalmente notificado no acto da leitura da sua leitura pública (artº 372º, n.º 4 do CPP), sendo absolutamente irrelevante que o prazo para alguns dos arguidos tenha começado a correr mais tarde. Enfim - admitindo, por necessidade de raciocínio, repete-se, que o prazo para interposição do recurso pelos arguidos ausentes no acto da leitura pública do acórdão se iniciou com a notificação do acórdão aos mesmos arguidos - tal notificação não tem (não teria) a virtualidade de transferir o início do prazo para o reclamante interpor recurso. II.3. Em abono da sua tese, invoca ainda o reclamante o normativo do n.º 9 do mencionado artº 113º, extraindo dele o seguinte argumento: “Não faz a lei como não tem que fazer distinção entre arguidos presentes e ausentes, julgados presencialmente ou consentindo o julgamento na sua ausência.” Segundo o reclamante também este normativo corroboraria o entendimento de que o seu prazo para a interposição do recurso terminaria “aquando do prazo do arguido B.” Salvo o devido respeito, não prima pela pertinência a chamada à colação de tal norma. Efectivamente, estatui o n.º 9 daquele artº: “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.” O segundo segmento desta norma estabelece, pois, que o prazo para a prática do acto subsequente à notificação - quando esta deva ser feita, obrigatoriamente, ao arguido, ao assistente, às partes civis e respectivo defensor ou advogado - se conta a partir da data da notificação (daqueles sujeitos processuais ou dos seus defensores ou advogados) efectuada em último lugar. Por outras palavras: o que se prevê na segunda parte do n.º 9 do artº 113º é o dies a quo para a prática do acto pelo arguido, pelo assistente e pelas partes civis quando - devendo ser feitas obrigatoriamente àqueles sujeitos processuais e respectivos defensores ou advogados - as notificações daqueles e destes não tenham sido efectuadas ao mesmo tempo. A situação contemplada no segundo segmento desta norma nada tem, assim, a ver com o momento até ao qual o acto pode ser praticado pelos arguidos ou pelos assistentes ou pelas partes civis quando o dies a quo para cada um deles é diferente, mas com o dies a quo para a prática do acto por cada um dos arguidos, dos assistentes e das partes civis quando tenham sido notificados em momentos diferentes daqueles em que o foram os respectivos defensores ou advogados e aqueles e estes devessem ser obrigatoriamente notificados. A interpretação do reclamante conduziria, aliás, à concorrência de normas reguladoras da mesma situação - os n.º 9 e 12 do artº 113º - o que seria incompreensível, sendo certo na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9º, n.º 3 do Cód. Civil). Para que a norma do n.º 9 do artº 113º fosse aplicável ao caso vertente, seria necessário, por um lado, que o prazo de interposição do recurso se contasse - não a partir da data do depósito do acórdão na secretaria - mas da sua notificação ao reclamante e seu Ilustre Defensor nomeado (cfr. artºs 372º, n.º 4, 373º, n.º 3 e 411º, n.º 1) e que, por outro lado, a notificação daquele e deste tivessem sido efectuadas em datas diferentes, contando-se, nesse caso, o prazo para a interposição do recurso, a partir da data da notificação feita ao próprio reclamante, se fosse esta a efectuada em último lugar, ou a partir da data da notificação feita ao seu Ilustre Defensor Oficioso, se esta tivesse sido efectuada após a notificação daquele. Tendo, porém, o reclamante e o seu Ilustre Defensor sido notificados (pessoalmente) ao mesmo tempo (no momento da leitura pública do acórdão recorrido), é de todo em todo descabida, salvo o devido respeito, a invocação do normativo do n.º 9 do artº 113º. Conclui-se, pois, que - tendo o reclamante e o seu Ilustre Mandatário sido notificados do acórdão recorrido em 17FEV04, sendo de 15 dias o prazo de interposição do recurso e contando-se a partir da data do depósito do acórdão na secretaria (17FEV04) - à data em que o recurso foi interposto (10MAR04), já o prazo respectivo se havia esgotado. II.4. E não se diga, como o reclamante, que esta solução contende com o princípio da igualdade a que o artºs 13º da Lei Fundamental confere dignidade constitucional. O Tribunal Constitucional já se pronunciou inúmeras vezes sobre o invocado princípio da igualdade, nomeadamente, no AC. n.º 583/00, publicado in DR, II série, de 9OUT00, do qual se transcrevem os seguintes excertos: “Segundo jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade reconduz-se a uma proibição de arbítrio, tornando inaceitável quer a diferenciação de tratamento sem justificação razoável quer o tratamento igual para situações desiguais. A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação do legislador, actuando o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. O Tribunal tem afirmado uniformemente que a fiscalização da constitucionalidade não pode pôr em causa a liberdade de conformação do legislador, que goza de uma razoável margem de discricionariedade (cfr., neste sentido, o Acórdão n.º 150/2000 [...]”, publicado in DR, II série , de 9 de Outubro de 2000). “Cabe, assim, ao legislador ordinário definir ou qualificar as relações da vida a tratar igual ou desigualmente, dentro dos limites constitucionais, devendo os tratamentos diferenciais ser fundamentados através de critérios constitucionalmente relevantes e ser censurados apenas os casos de desrazoável desigualdade, mas sem que o julgador possa controlar se, num caso concreto, o legislador encontrou a solução mais adequada, razoável ou justa (cfr. Acórdão n.º 186/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º vol., p. 383).” Regressando ao caso sub judice, dir-se-á, liminarmente, que, contrariamente ao que sustenta o reclamante, o prazo para interposição do recurso é sempre o mesmo quer o arguido esteja presente no acto da leitura pública da sentença quer esteja ausente. O que, eventualmente, poderá ser diferente é o dia a partir do qual se conta o prazo: da data do depósito da sentença na secretaria (estando o arguido e/ou seu mandatário presentes ou devendo considerar-se presentes naquele acto) ou da data da notificação da mesma (na hipótese contrária, segundo certa orientação; cfr. Ac. n.º 36/2004 do TC, cit.). Face à diferença de situações, é razoável que ao legislador seja consentido estabelecer distinções quanto ao dia a partir do qual corre o prazo para interposição do recurso E na diferenciação do dies a quo existe um fundamento material baseado num valor a que a Lei Fundamental não poderia ser alheia: as garantias de defesa do arguido, que “só serão plenamente adquiridas se ao mesmo for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi tomada” (Ac. n.º 59/99 do TC, in DR, II série, 30MAR99). Decorre do exposto que as garantias de defesa do arguido não presente no acto da leitura pública da sentença, em determinadas circunstâncias, poderão exigir, uma diferenciação de tratamento no que concerne ao dies a quo para a prática do acto, sendo certo que a justiça exige que se trate igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual. A este propósito, defende ainda o reclamante que a diferenciação do prazo para interposição recurso “iria acarretar um grave e insanável prejuízo para todos aqueles cuja prazo terminasse antes do último.” Ora como se referiu, o prazo para interposição do recurso é igual para todos os arguidos e a justiça exige que se trate igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual. Por outro lado, como se referiu, o reclamante e o seu Ilustre Defensor, foram notificados pessoalmente do acórdão recorrido no momento da sua leitura pública, declarando dele terem ficado cientes (fls. 3636) e para o exame do mesmo acórdão, imediatamente depositado na secretaria, dispuseram ainda do prazo de 15 dias, podendo, assim, nesse prazo, reflectir, ponderar, decidir com inteira liberdade, sem estarem pressionados por qualquer urgência, sobre a conveniência de interpor recurso e bem assim elaborar a respectiva motivação. Não se vislumbra, pois, que as garantias de defesa do reclamante tenham sofrido qualquer compressão. II.5. Argumenta, por último, o reclamante que “o douto acórdão recorrido, só ficou completo com o despacho datado de 2 de Março de 2004, onde se determina a matéria relativa a honorários a serem pagos aos Defensores Oficiosos, que é sempre parte integrante [...] daquele - vide artigos 40° e 46° n° 1 da Lei 30-E/2000dc 20 de Dezembro - só estando completo, cumprindo assim todos os requisitos contidos no artigo 374° do C.P.P. (n.º 4).” Improcede igualmente este argumento, desde logo porque da decisão sobre honorários não interpôs o reclamante recurso. Por outro lado, em obediência ao estatuído no n.º 4 do artº 374º do CPP, o acórdão recorrido observou o disposto nesse Código e no Código das Custas Judiciais, condenando em custas, inclusive nas custas do pedido de indemnização civil, os sujeitos processuais por elas responsáveis (na óptica do tribunal a quo), fixando a taxa de justiça (acrescida de 1% sobre os respectivos montantes, ao abrigo do disposto no artº 13º, n.º 3 do DL n.º 423/91, de 30OUT) e procuradoria devidas por cada um dos arguidos e condenando ainda vários arguidos, nomeadamente o reclamante, a suportar “os honorários devidos aos respectivos defensores nomeados [...] nos termos do artº 47º da Lei n.º 30-E/2000, de 20DEZ e Tabela anexa à Portaria n.º 150/2002, de 19FEV, a determinar em despacho próprio após apresentação de todas as notas.” Mais determinou o acórdão recorrido que “os montantes a determinar a título de honorários deverão ser adiantados pelo Cofre Geral dos Tribunais - artº 47º, n.º artº 11º e 17º, do DL n.º 391/88, de 26OUT.” Finalmente determinou o acórdão recorrido que os honorários respeitantes aos ilustres Defensores nomeados a outros dos arguidos, “que se fixam de acordo com os citados normativos legais e a determinar em despacho próprio, após a apresentação de todas as notas, deverão ser suportados pelo Cofre Geral dos Tribunais.” Flui da decisão sobre custas que - pese embora o tribunal tenha relegado para “despacho próprio, após apresentação de todas as notas”, a determinação dos montantes dos honorários - o certo é que condenou os arguidos defendidos por defensores nomeados a “suportar os honorários devidos aos respectivos defensores nomeados [...] nos termos do artº 47º da Lei n.º 30-E/2000, de 20DEZ e Tabela anexa à Portaria n.º 150/2002, de 19FEV”, que fixa abstractamente, em função da espécie ou da natureza do processo ou do incidente ou intervenção, os honorários. Ao fim e ao cabo, o que o tribunal relegou para “despacho próprio” foi o reembolso das despesas feitas pelos respectivos Defensores nomeados. Quer se trate de despesas realizadas quer de honorários (cfr. despacho de fls. 3712), tais montantes não poderiam ser fixados no acórdão recorrido uma vez que a respectiva nota deve ser apresentada no prazo de cinco dias a contar da decisão que seja proferida no processo, sendo igualmente certo, repete-se, que é a partir da data do depósito do acórdão na secretaria que se conta o prazo de interposição do recurso. III- Face ao exposto, na improcedência da reclamação, confirma-se o despacho reclamado. Custas pelo reclamante. Évora, 13 de Abril de 2004. (Elaborado e integralmente revisto pelo signatário). (Manuel Cipriano Nabais) |