Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2404/14.2TBPTM.E1
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
ALTERAÇÃO DE REQUISITOS
DESPUNIBILIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – O Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março, que alterou o artigo 46.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto, que consagra o regime jurídico da habitação periódica, não operou qualquer despunibilização da conduta contraordenacional aí prevista e punida pelo artigo 54.º, n.º1, al. j) do mesmo diploma, pelo facto do legislador ter simplificado o regime de acesso ao exercício da actividade de promoção e comercialização de direitos de habitação turística, sujeitando-o ao processo de comunicação prévia ao Turismo de Portugal, IP, em vez da prévia autorização administrativa da Direcção-Geral do Turismo, que vigorava no momento da prática da infração.
Decisão Texto Integral:
Acordam, precedendo conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório:

1. A…, Lda., com os sinais dos autos, impugnou judicialmente a decisão contra ela proferida pela ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, no âmbito do processo de contraordenação NUI/CO/…, que a condenou numa coima única de 18.500,00 €, pela prática, pela prática, em concurso efetivo das seguintes contraordenações:

- de uma contraordenação, p. e p. pelo artigo 43.°, n.º3, do DL 275/93 de 05.08, contraordenação esta consubstanciada na promoção e comercialização de direitos reais de habitação periódica em locais não permitidos;

- de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 6.°, al. a), e 9.º, n.º1, al. c) do DL 57/2008 de 26.03, consubstanciada na prática comercial desleal e omissão enganosa na promoção e comercialização de direitos reais de habitação periódica; e

- de uma contraordenação p. e p. pelo artigo 48,º, n.º4 do DL 275/93 de 05.08, com referência ao artigo 54.º, n.º1, al. l) do mesmo diploma legal, consubstanciada na falta de autorização do Turismo de Portugal para o exercício da atividade de comercialização de direitos reais de habitação periódica.

Efetuado o julgamento, a Meritíssima Juíza da Secção Criminal da Instância Local de Portimão, da comarca de Faro, por sentença datada de 30 de Outubro de 2015, veio a julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decidiu:

a) - Absolver a recorrente da prática de uma contraordenação p. e p. pelo art. 43°/3 (atual n.º 5) do DL 275/93, de 05.08, contraordenação esta consubstanciada na promoção e comercialização de direitos reais de habitação periódica em locais não permitidos;

b) - Condenar a Recorrente pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos arts. 6.°, al. a), e 9.°, n.º1, al. c) do DL 57/2008, de 26.03, consubstanciada na prática comercial desleal e omissão enganosa na promoção e comercialização de direitos reais de habitação periódica, numa coima no montante de € 3.000,00 (três mil euros);

c) Condenar a Recorrente pela prática de uma contraordenação p. e p. pelo art. 48º/4 do DL 275/93, de 05.08, consubstanciada na falta de autorização do Turismo de Portugal para o exercício da actividade de comercialização de direitos reais de habitação turística, numa coima no montante de € 10.000,00 (dez mil euros);

d) Em cúmulo jurídico, condenar a Recorrente numa coima única no montante de € 11.000,00 (onze mil euros).

2. Inconformada com o decidido, a arguida interpôs recurso para este Tribunal, nos termos constantes de fls.342 a 347, apresentando as seguintes conclusões:

A. É objecto do presente recurso a sentença proferida na Comarca de Faro - Portimão ­Instância Local- Secção Criminal- 13, depositada em 30.10.2015, que julgou parcialmente procedente o recurso da decisão de aplicação de coima por parte da ASAE - Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, no âmbito dos Processo de Contra-Ordenação n.º 2404/14.2TBPTM que determinou a fixação de coima, no valor de € 11.000,00 (onze mil euros), pela prática das contra-ordenações previstas e punidas nos 48° n° 4 do Decreto-Lei n° 275/93,05.08, na versão do Decreto-Lei n° 37/2011, de 10.03 e art. 6° al. a) e 9° n° 1 al. c) DL 57/2008 de 26.03.

B. Entende a Recorrente que se verifica o vício de violação de Lei, nos termos do art. 412° n° 2 al. a) do CPP, aplicável ex vi do artigo 74 n° 4.odo RGCO, consubstanciando uma nulidade da sentença.

Porquanto,

B. Entendeu o Tribunal a quo que apesar da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 37/2011, o qual veio introduzir diversas alterações ao regime dos contratos de utilização periódica de bens, de aquisição de produtos de férias de longa duração, de revenda e de troca, nomeadamente, no sentido de simplificar e desmaterializar os procedimentos,

C. E que passou a prever a sujeição, por via informática, de declaração de comunicação prévia para o efeito, ao invés da apresentação de pedidos de autorização, junto do Turismo de Portugal, IP.

D. E que nesta medida veio proceder à despenalização da conduta do arguido, no que concernente à falta de autorização do Turismo de Portugal para o exercício da actividade de comercialização de direitos reais de habitação turística

E. Ainda assim, é de manter a condenação da Recorrente pela prática daquela contra­ordenação.

F. Ao manter tal decisão, é manifesta a violação das disposições consagradas no art. 7° n° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nos art. 46° n° 1 do DL 275/93 de 05.08 e do art. 2° n° 2 do Código Penal,

G. A douta decisão violou, porque renegou a aplicação do principio da aplicação no tempo, prevendo a não retroactividade da lei penal e o da aplicação da lei penal mais favorável, previsto no art. 29° n° 1 e 4 da Constituição da Republica Portuguesa e o art. 7° n° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, consagram que ninguém pode ser condenado por uma acção ou omissão que, no momento em que foi cometida, não constitua infracção e que o facto punível segundo lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do numero de infracções.

H. Violação, esta, que tem como consequência a sua NULIDADE, o que se argui para os devidos efeitos legais.

I. Além do que, está esta sentença ferida de constitucionalidade, por violação art. 29.° n° 1 e 4 da Constituição da Republica Portuguesa, nos ermos supra expostos, o que se deixa, também arguido para os devidos efeitos.

Nestes termos e nos mais de Direito, se requer a V. Exa. se digne julgar procedente o presente recurso, por provado, e, em consequência revogar a Sentença recorrida e substituí-la por Acórdão que revogue a decisão de aplicação da coima ora sindicada, por a mesma padecer de o vício de violação de Lei, nos termos do art. 412° n° 2 al. a) do CPP, aplicável ex vi do artigo 74 n° 4.odo RGCO, consubstanciando uma nulidade da sentença e assim, absolver a Recorrente.

3. O recurso foi admitido por despacho proferido em 17-11-2015.

4. Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal «a quo», nos termos constantes de fls.376 a3282 concluindo nos seguintes termos:

“1. A L.N. (v.g. artigo 46.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 275/93, de 05.08, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10.03) apenas altera, delimita o quantum (de autorização passou-se para a mera comunicação) da qualidade (acto que permite que o Instituto do Turismo de Portugal tenha conhecimento de que alguém pretende e dispõe de condições para o exercício da dita actividade) que é comum à L.A. e à L.N., continuando a legítima exploração e comercialização de direitos de habitação turística a depender de um conjunto de formalidades prévias, que no caso concreto, não foram observadas pela recorrente que nunca deu a conhecer (v.g. comunicou) àquela entidade reguladora que pretendia exercer (como o fez em Julho de 2010) a actividade de exploração e comercialização de direitos de habitação turística.

2. O novo elemento adicionado ao tipo legal da contra-ordenação prevista na referida norma é meramente especificador, continuando a ser punível com coima a conduta daquele que explora e comercializa direitos de habitação turística sem que, previamente, tenha dado conta de tal pretensão (v.g. comunicação) ao Instituto de Seguros de Portugal (v.g. entidade reguladora de tal actividade), não ocorrendo, por conseguinte, qualquer despenalização, como pretende a recorrente.

3. Nada há, assim, a censurar à sentença recorrida, quando decidiu pela manutenção da coima aplicada, inexistindo a violação das normas e princípios invocados pela recorrente.

5. Nesta Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu também parecer no sentido da improcedência do recurso, dizendo, no essencial, o seguinte:

“Delimitado que está o recurso, nos termos supra enunciados, deve considerar-se que se tornaram definitivas as questões não contidas nas conclusões da motivação do presente recurso, à excepção das questões cujo conhecimento se imponha oficiosamente.

Sufragando-se o entendimento e as considerações expendidas pelo Ministério Público junto da 1.ª instância, às quais pouco mais há acrescentar, permitimo-nos reforçar que, do nosso ponto de visto, não assiste razão à recorrente.

Com efeito, dispõe o ortigo 30 do referido Decreto-Lei no 433/82 que:

"1 - A punição do contraordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende.

2 - 5e a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgamento e já executada.

3 - Quando a lei vale para um determinado período de tempo, continua a ser punida a contra ordenação praticada durante esse período."

No caso em apreço, nos dias 08 e 09 de julho de 2010, a arguida não possuía autorização do Instituto do Turismo de Portugal para explorar e comercializar direitos de habitação turística.

…O regime jurídico sofreu alterações oo longo do tempo, sendo que à data da prática dos factos havia o exigência legal do arguido, obter autorização do Instituto de Turismo de Portugal, para poder explorar e comercializar direitos de habitação turística, enquanto que atualmente a lei exige comunicação prévia ao Turismo de Portugal.

Apesar do procedimento ser diferenciado na lei actual, o certo é que a arguida não cumpriu tal procedimento junto do Turismo de Portugal, sendo que tal conduta omissiva continua a ser sancionada com coima.

Pelo que duvidas, não restam que a actividade desenvolvida pela recorrente se enquadra juridicamente no âmbito do Decreto-lei n.º 275/93 de 5 de Agosto e que de acordo com os factos provados em julgamento, a arguida praticou a contra ordenação pela qual foi condenado, pelo que nado há a censurar à decisão recorrida. “

6. Foi cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP e, colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência, cumprindo, agora, decidir:

II – Fundamentação.

1. A sentença recorrida é do seguinte teor (transcrição parcial):

“... FACTOS PROVADOS

Tendo em consideração a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a posição assumida pela Recorrente e a documentação junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

1. No dia 08.07.2010, cerca das 22:30, no passeio oposto ao Edifício Algar Mor, na esquina esquerda do Hotel Oriental, sito na Avenida Tomás Cabreira, Praia da Rocha, em Portimão, MC e SJ, inspectores da ASAE, foram abordados por E., colaborador da Recorrente, que lhes perguntou se conheciam o Grupo Hotéis ---, pertencente àquela, afirmando que estava ali a fazer a sua promoção.

2. No decurso da conversa e com vista à promoção desse grupo hoteleiro, entregou-lhes duas raspadinhas, que referiu poderem ter prémios, sugerindo que raspassem uma parte tipo papel metalizado. Raspadas estas, uma delas tinha, efectivamente, um prémio que consistia em sete dias de férias num dos Hotéis do Grupo.

3. Foi-lhes então transmitido que para receberem o prémio teriam de se dirigir a uma colega, que se encontrava no lado oposto da rua, por debaixo de uma das varandas do Hotel ---.

4. Aí chegados, esta preencheu um convite com os nomes "MC" e "SJ", tendo-os informado que para receberem o prémio teriam de assistir a uma apresentação e visitar as instalações do Hotel …, o que poderiam fazer no dia seguinte das 10 horas às 11 horas.

5. Na manhã do dia 09.07.2010, quando MC e SJ compareceram no Hotel ---, foram encaminhados para uma sala de reuniões onde, a solicitação de uma recepcionista, preencheram um questionário.

6. Após, foram convidados por outro colaborador da Recorrente, DS, a sentar, tendo-lhes este explicado, durante cerca de duas horas, como funcionava o Direito de Habitação Turística que lhes pretendia vender, promovendo, dessa forma, a venda de semanas de férias nesse mesmo Hotel e noutros empreendimentos do Grupo.

7. Levou-os, ainda, a visitar o apartamento 215 do Hotel.

8. Finda a apresentação, e tendo regressado à sala de reuniões, não obstante terem insistido com o promotor turístico TC nesse sentido, não lhes foi por este indicado o preço dos direitos que haviam sido publicitados e que pretendia a Recorrente que adquirissem.

9. Contrariamente ao que sucedeu, todavia, com outros casais sentados em mesas próximas, aos quais chegaram a ser apresentados contratos de adesão e informações concernentes aos preços em vigor.

10. Nesse momento, MC e SJ identificaram-se como inspectores da ASAE, tendo solicitado a entrega do convite, rascunho de apresentação, certificado de férias e brochura de apresentação que haviam servido para publicitar a venda dos direitos de habitação turística ali comercializados.

11. No local encontravam-se outros casais que foram "angariados" dos exactos termos de MC e SJ e a quem estavam a ser apresentados direitos de habitação turística em moldes idênticos a estes.

12. A Recorrente não possuía, à data, autorização do Instituto do Turismo de Portugal para explorar e comercializar naquele empreendimento direitos de habitação turística.

13. Sabia a arguida que necessitava de autorização das entidades competentes para a comercialização de tais direitos e que não se encontrava munida da mesma.

14. A arguida sabia, bem assim, que a abordagem de transeuntes na via pública, com a finalidade de proceder à promoção e comercialização daqueles direitos, omitindo essa intenção e induzindo os mesmos em erro constitui uma prática comercial desleal em especial.

15. Não obstante, não se inibiu de agir do modo descrito, conformando-se com os resultados alcançados.

Mais se apurou que:

16. No exercício fiscal de 2009, a Recorrente apresentou um lucro tributável de € 24.915,00.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos, sendo certo que aqui não importa considerar as alegações meramente probatórias, conclusivas e de direito, que deverão ser valoradas em sede própria.

Designadamente, não se provou que a Recorrente, ao entregar raspadinhas e, posteriormente, convites na via pública aos transeuntes, para que se dirigissem ao Hotel--- estava a promover e comercializar direitos de habitação periódica ou turística daquele empreendimento.
(…)
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A Recorrente foi condenada pela prática de três contra-ordenações, cumprindo, assim, analisá-las individualmente.

i) Da prática comercial desleal

À sociedade arguida foi imputada a prática de uma contraordenação p. e p. pelos arts. 6° al. a), 9°/1 al. c) e 21°/1 do DL 5712008 de 26-03, alegadamente por abordar transeuntes na via pública, aliciando-os a deslocarem-se a um dos seus empreendimentos, sob pretexto de efectuarem apenas uma visita ao local e receberem uma oferta, omitindo as finalidades comerciais dessa visita, que incluía, afinal, uma apresentação, durante cerca de 2 horas dos produtos comercializados pela empresa.

Como bem se anteverá, a imputação, pela al. a) do art.º 6°, não pode deixar de se dever a mero lapso de escrita, pois que a factualidade narrada corresponde à prevista na al. b), o que, de todo o modo, não assume qualquer distinção em termos de qualificação ou mesmo de punição.

Estipula o art.º 4° do citado diploma que "são proibidas as práticas comerciais desleais".

Esclarece o legislador no preceito seguinte que são tidas por desleais quaisquer práticas comerciais desconformes à diligência profissional, que distorçam ou sejam susceptíveis de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que o afecte a um certo bem ou serviço (tendo por referência o consumidor médio ou o membro médio de um grupo de consumidores específicos).

Em especial, acrescenta nas alíneas a) a c) do art. 6°, serão consideradas desleais "as práticas comerciais susceptíveis de distorcer substancialmente o comportamento económico de um único grupo, claramente identificável, de consumidores particularmente vulneráveis, em razão de doença, mental ou física, idade ou credulidade, à prática comercial ou ao bem ou serviço subjacentes, se o profissional pudesse razoavelmente ter previsto que a sua conduta era susceptível de provocar essa distorção", bem como "as práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas referidas nos artigos 7°, 9° e 11°" e "as práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas referidas, respectivamente, nos artigos 8° e 12°, consideradas como tal em qualquer circunstância".

A respeito das omissões enganosas, dispõe, por seu turno, o art. 9° que "tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, é enganosa, e portanto conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo, a prática comercial:

a) que omite uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor;

b) em que o profissional oculte ou apresente de modo pouco claro, ininteligível ou tardio a informação referida na alínea anterior;

c) em que o profissional não refere a intenção comercial da prática, se tal não se puder depreender do contexto".

Ora, no caso dos autos, apurou-se que a Recorrente explora, entre outros, o empreendimento turístico "Hotel Algar Mor" e procede à comercialização de diversos produtos relacionados com a sua actividade comercial e os seus vários empreendimentos, incluindo aquele, tendo centralizado esta área de negócio, fisicamente, nas instalações daquele Hotel.

E para atrair potenciais clientes a Recorrente recorreu aos serviços de colaboradores que os aliciavam, abordando-os, com a promessa de ofertas, a deslocarem-se ao referido espaço, para uma visita ao empreendimento, no âmbito de uma acção promocional, que indiciava visar dar a conhecer o empreendimento, para eventuais futuras estadias e para divulgação por amigos e familiares.

Aos visados eram entregues raspadinhas que, em caso de "prémio", eram brindadas com um convite "para visitar o nosso clube de férias exclusivo". Da conversa do colaborador apenas resultava que iriam realizar uma visita ao espaço a fim de, aí comparecendo, receberem o prémio indicado na raspadinha.

Note-se que, para além das informações prestadas oralmente pelo colaborador da Recorrente e do conteúdo do convite, nada mais era entregue aos aliciados.

Ora,
Uma visita, para qualquer pessoa, é isso mesmo e apenas isso. É conhecer as instalações, acedendo à recepção, ao bar e restaurantes, a lojas, à zona de piscinas, aos quartos e outras comodidades que o empreendimento ofereça aos seus clientes. É ficar a conhecer, por dentro, o empreendimento.

E era isso que um homem médio, munido de um tal convite, pensaria que ia fazer quando se deslocasse ao Hotel dos autos, ou seja, que ia conhecer o empreendimento e que receberia, pela tal cortesia, uma oferta (no caso, uma semana de férias).

Naturalmente que, como diz o povo, "quando a esmola é muita, o pobre desconfia".

São caras as estadias em unidades hoteleiras, pelo que, receber uma semana de férias em troca de uma visita a um Hotel faria a muitos desconfiar das reais intenções do promotor das visitas. Porém, a informação relatada pelo colaborador era razoável: tratava-se de uma promoção como "operação de marketing", já que não há melhor publicidade, dizem, que o "passa a palavra". Seria essa, logicamente, a compensação do promotor, pois que, em troca de algumas visitas ao espaço e da distribuição de algumas ofertas, os visados poderiam não só tornarem-se, eles próprios, clientes, como ainda poderiam transmitir, depois, à sua rede de contactos, a sua apreciação sobre as instalações e condições do empreendimento, o que potenciaria um aumento de clientela, pela opinião fundada daqueles visitantes.

Seria este (na perspectiva dos tais visitantes e de acordo com o padrão de um homem médio), o ganho para quem oferecia tais prémios. E, assim, naturalmente, não teria quaisquer reservas em aceitar os convites, dirigindo-se à tal visita.

Sucede que, chegados à recepção do Hotel para o qual haviam sido convidados, a visita, afinal, não se destinava apenas à apresentação do espaço e do empreendimento. Na verdade, a visita e a promessa da oferta revelavam-se, salvo o devido respeito, numa espécie de engodo, apenas para aliciar as pessoas a dirigirem-se ali, porquanto, no âmbito da referida visita, e para além dela, eram-lhes fornecidos catálogos de outros empreendimentos e eram expostos, durante cerca de 2 horas, a uma apresentação com vista à comercialização de direitos de habitação turística disponibilizados pela Recorrente e pelo grupo a que a mesma pertence.

Ora, sendo certo que a duração de tal apresentação (que não o conteúdo) não era, sequer, anunciada à chegada à recepção, quando os convidados preenchiam um questionário, nem aí perceberiam que, afinal, a visita programada não era bem o que tinham em mente quando ali se dirigiram. Ficavam, ainda, na expectativa de receber o prémio prometido (note-se que, mesmo aqui, sabendo que haveria lugar à apresentação do Grupo, as pessoas não eram informadas sobre o tipo de apresentação em causa, nem, por conseguinte, das finalidades comerciais daquela apresentação). O que, porém, um homem médio contaria, porque tal lhes fora omitido aquando da entrega do convite (e mesmo o questionário prévio à apresentação) era que a visita era apenas um pretexto para uma exposição de propostas contratuais, apanhando-os de surpresa (surpresa essa que, pela falta de advertência anterior os tornaria mais permeáveis e influenciáveis à aquisição dos produtos em causa).

Resulta assim demonstrado que, por detrás da entrega das raspadinhas e dos convites, aparentemente inofensivos do ponto de vista comercial (de mera divulgação do empreendimento) estava, afinal, uma intenção comercial (de venda de produtos, nomeadamente direitos de habitação turística, comercializados pela Recorrente referentes aos empreendimentos do grupo), intenção essa que não resultava, nem do teor dos tais raspadinhas e convites, nem das informações prestadas pelos colaboradores da recorrente, nem sequer do contexto da distribuição daqueles.

A este respeito, veja-se, com interesse, a previsão do art. 43°/4 do DL 275/93, de 05-08, na redacção dada pelo DL n.º 37/2011, de 10-03, onde se refere expressamente que, no caso de contratos de utilização periódica de bens ou de aquisição de produtos de férias de longa duração (incluídos nos direitos obrigacionais de habitação turística, por força do n.º 2 do art. 45° do mesmo diploma), deverá o profissional mencionar claramente no convite (incluindo, portanto, também o convite oral), a finalidade comercial e a natureza do evento, caso tais contratos sejam propostos pessoalmente aos consumidores nessas promoções ou eventos.
Ora,

A Recorrente, para além de outros produtos comerciais, tinha vários empreendimentos enquadráveis na al. b) do n.º 2 do art. 45°, vendendo produtos a eles associados, comercializados nas tais acções de promoção para as quais os potenciais clientes eram convidados. Porém, nem dos convites escritos, nem das informações orais, alguma vez era ou foi mencionado aos visados a finalidade do convite ou a natureza da visita.

Esta prática, importa concluir, constitui, pois, uma omissão enganosa e, como tal, desleal, e sendo desleal é proibida, que constitui uma contra-ordenação.

Acresce que a Recorrente agiu bem sabendo que omitia, deliberadamente, as referidas intenções comerciais aos convidados, conformando-se com isso.

Agiu, por conseguinte, dolosamente.

Estão, nessa medida, preenchidos todos os elementos constitutivos da contra-ordenação em causa, impondo-se a condenação da Recorrente pela sua prática.

À recorrente foi aplicada uma coima de € 3.000,00, valor correspondente à moldura contra-ordenacional nos seus limites mínimos, pelo que nenhum reparo nos merece a condenação na mesma, que se decide manter.

ii) Da promoção de direitos de habitação turística fora das instalações da Recorrente

Foi, ainda, a Recorrente condenada pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos art.° 43° n.º 3, actualmente n.º 5, que não sofreu qualquer alteração, e 54°/1 al. j), actualmente alínea i) ambos do DL. 275/93 de 05.08.

Em conformidade com o disposto no primeiro dos aludidos preceitos "a actividade de promoção e comercialização dos direitos reais de habitação periódica só pode desenvolver-se em instalações do proprietário, do cessionário da exploração do empreendimento turístico ou ainda do mediador"

Ora,

A prova produzida permitiu concluir que no dia 08.07.2010, a Recorrente procedia à distribuição de raspadinhas e, posteriormente, de convites pelas pessoas que os seus mediadores abordassem na via pública, a fim de comparecerem nas instalações indicadas no convite para uma visita, sem as informar, contudo, de que a visita em causa incluía uma apresentação de vários produtos comercializados pela empresa.

Sucede, porém, que a actividade propriamente dita de promoção e de comercialização desses produtos era realizada no interior das instalações da Recorrente e não na via pública.

Era ali que era feita a apresentação dos vários produtos e não na via pública aquando da entrega dos convites. E é precisamente essa apresentação que integra a actividade de promoção convocada pela norma legal aplicável.

Com efeito, a actividade de distribuição daqueles convites, pese embora fosse omissa a respeito da intenção comercial subjacente (e por isso integre a prática, autónoma, de outra contra-ordenação, evidenciando uma prática comercial ilícita), não se insere na actividade de promoção daqueles direitos (pese embora se tratasse de uma actividade prévia e conexa à mesma).

A conduta em causa não integra a totalidade dos elementos constitutivos da contra-ordenação em causa, pelo que não se poderá concluir pela sua prática pela Recorrente.

Importa, nessa medida, absolvê-la de tal imputação.
*
iii) DA FALTA DE AUTORIZAÇÃO DO TURISMO DE PORTUGAL, IP.

À Recorrente foi ainda imputada a prática de uma contra-ordenação traduzida na ausência de autorização do Instituto do Turismo de Portugal para a exploração de direitos de habitação periódica/turística do Hotel Algar Mor.

Efectivamente, o DL. 275/93, de 05.08. tem vindo a sofrer algumas alterações. Porém, até 2011, sempre a constituição de direitos de habitação turística careceram da autorização prévia da então Direcção-Geral do Turismo. Passou, depois disso, a exigir-se a comunicação prévia ao Turismo de Portugal, IP. Porém, quer a falta de um, quer a falta de outro, sempre constituíram contra-ordenação.

Na verdade, apesar da alteração da nomenclatura do acto e da tramitação do processo administrativo, em nada se alterou a sua natureza de formalidades exigidas por lei, a praticar em momento anterior à exploração de empreendimentos no regime de direito de habitação turística.

A comercialização de direitos de habitação turística em infracção ao disposto no art. 46°/1constitui contra-ordenação, punível com coima.

Ora,
Ficou assente, da prova produzida, que no dia 09.07.2010, a Recorrente, nas suas instalações, sitas no Hotel Algar Mor, procedeu à promoção e comercialização de vários produtos, entre os quais de direitos de habitação turística sobre aquele empreendimento.

Em momento algum a Recorrente contestou a ausência da imprescindível autorização (ou até comunicação) prévia por parte da entidade competente para a respectiva emissão, que é manifesto que não obteve previamente à comercialização dos aludidos direitos de habitação turística.

É, por conseguinte, inegável que, na data acima enunciada, a Recorrente comercializou direitos de habitação turística de um empreendimento hoteleiro sem ter, para tanto, a autorização da entidade competente.

Com a sua dimensão não podia a Recorrente, sem culpa, desconhecer que só podia comercializar aqueles direitos após ter sido concedida a necessária autorização.

Ainda assim, agiu conformando-se com tal resultado, agindo, pois, dolosamente.

Mostram-se, pois, no entender do Tribunal verificados todos os elementos constitutivos da contra-ordenação em análise, tendo sido a Recorrente correctamente condenada, em coima, pela sua prática.

À Recorrente foi aplicada uma coima no montante de € 10.000, próximo do mínimo legal de € 9.975,94, pelo que, face à mediana ilicitude dos factos e culpa do agente, e o lapso de tempo decorrido desde a prática da contra-ordenação, nenhum reparo nos merece a determinação da medida da coima.
*
iv) Do cúmulo jurídico

Ponderando cada uma das condutas enquadradas nas contra-ordenações em que foi condenada a recorrente, as respectivas circunstâncias e avaliando a conduta na sua globalidade, para além do tempo decorrido sobre a sua prática, decide-se fixar, por adequada e equitativa, uma coima única de € 11.000,00 (onze mil euros).”

2. Delimitação do objeto do recurso.

É consabido que o objecto do recurso é a decisão recorrida e é demarcado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (art. 412.º/1, do Código de Processo Penal, «ex vi» do disposto no art. 74.º/4, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27-10 e sucessivamente alterado pelos DL n.º 356/89, de 17-10 e 244/95, de 14-9).

No caso, os poderes de cognição deste Tribunal encontram-se limitados ao conhecimento da matéria de direito (art. 75.º, daquele RGCO), sem embargo do conhecimento dos vícios da matéria de facto elencados no art. 410.º/2, do CPP (subsidiariamente aplicável, a mando do art. 41.º/1, do referido RGCO), que, da análise da sentença recorrida, manifestamente não ocorrem, pelo que se tem por assente a matéria de facto assim considerada pelo tribunal recorrido.

Assim, das conclusões apresentadas pela recorrente extrai-se que as questões que reclamam solução são, por ordem preclusiva, no essencial, as seguintes:

a) Se a sentença recorrida enferma de nulidade;

b) Se a conduta da arguida, no que concerne à falta de autorização do Turismo de Portugal para o exercício da actividade de comercialização de direitos reais de habitação turística se encontra despenalizada, e se, por isso, o tribunal “a quo”, ao condenar a recorrente, violado o disposto no artigo 7.°, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nos artigos 46.° n.º1 do DL 275/93, de 05.08, e 2.°, n°2, do Código Penal;

c) Se a sentença recorrida está ferida de constitucionalidade, por violação art. 29.° n° 1 e 4 da Constituição da Republica Portuguesa.

Vejamos.

Conhecendo da invocada nulidade.

A imperfeição do acto processual, por via da não observância da norma ou normas que regulam o seu processamento, pode assumir formas diversas consoante a gravidade do vício que lhe subjaz, desde a mera irregularidade até à inexistência jurídica. Encontrando-se entre estes extremos os vícios que dão lugar à nulidade, a qual, por sua vez, pode ser absoluta ou insanável ou nulidade relativa, dependente de arguição.

A exacta correspondência do acto processual aos parâmetros normativos que a lei estabelece para a sua perfeição permite a produção dos efeitos que lhe são próprios, mas a falta ou insuficiência dos requisitos, tornando o acto imperfeito, é susceptível de consequências jurídicas diversas em razão da gravidade do vício – cf. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, 1994, III, 55).

Só a nulidade absoluta é insusceptível de sanação considerando-se sanadas as nulidades relativas quando não arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos momentos processuais expressamente previstos na lei – artigos 120.º, n.º3, 121.º, n.º1 e 105.º, n.º1 do CPP.

Enquanto a mera irregularidade apenas determina a invalidade do acto quando for causalmente adequada a afectá-lo. O mesmo é dizer quando comprometa, materialmente, a sua subsistência.

Com efeito, postula o art. 123.º, n.º1 do CPP que “qualquer irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar (…)”. Só determinam a nulidade daquilo que puderem afectar, materialmente, dentro de uma fundamentação que leve a concluir pela sua relevância, em concreto, dentro do objecto do processo e da finalidade que o acto preterido visa alcançar.

Das nulidades da sentença trata o artigo 379.º do CPP, que preceitua:

1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;

b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
(…)

Ora a recorrente não convoca qualquer situação subsumível às descritas neste preceito.

O eventual erro na aplicação do direito substantivo ao caso concreto não constitui causa de nulidade da sentença, pelo que o recurso é manifestamente improcedente neste conspecto.

Passando à 2.ª questão:

Como decorre da sentença supra transcrita, a recorrente foi, além do mais, condenada pela prática de uma contraordenação, p. e p. pelo artigo 48.º, n.º4 do Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto, com referência ao artigo 54.º, n.º1, al. j) do mesmo diploma legal, com base nos seguintes factos:

5. Na manhã do dia 09.07.2010, quando MC e SJ compareceram no Hotel ---, foram encaminhados para uma sala de reuniões onde, a solicitação de uma recepcionista, preencheram um questionário.

6. Após, foram convidados por outro colaborador da Recorrente, DS, a sentar, tendo-lhes este explicado, durante cerca de duas horas, como funcionava o Direito de Habitação Turística que lhes pretendia vender, promovendo, dessa forma, a venda de semanas de férias nesse mesmo Hotel e noutros empreendimentos do Grupo.

7. Levou-os, ainda, a visitar o apartamento 215 do Hotel.

8. Finda a apresentação, e tendo regressado à sala de reuniões, não obstante terem insistido com o promotor turístico TC nesse sentido, não lhes foi por este indicado o preço dos direitos que haviam sido publicitados e que pretendia a Recorrente que adquirissem.

9. Contrariamente ao que sucedeu, todavia, com outros casais sentados em mesas próximas, aos quais chegaram a ser apresentados contratos de adesão e informações concernentes aos preços em vigor.

10. Nesse momento, MC e SJ identificaram-se como inspectores da ASAE, tendo solicitado a entrega do convite, rascunho de apresentação, certificado de férias e brochura de apresentação que haviam servido para publicitar a venda dos direitos de habitação turística ali comercializados.

11. No local encontravam-se outros casais que foram "angariados" nos exactos termos de MC e SJ e a quem estavam a ser apresentados direitos de habitação turística em moldes idênticos a estes.

12. A Recorrente não possuía, à data, autorização do Instituto do Turismo de Portugal para explorar e comercializar naquele empreendimento direitos de habitação turística.

13. Sabia a arguida que necessitava de autorização das entidades competentes para a comercialização de tais direitos e que não se encontrava munida da mesma.”

Para melhor compreensão da decisão, impõe-se começar pela transcrição das sucessivas redações da norma do artigo 46.º, do Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto [1] (este objeto já de sete alterações, a última das quais a 20 de Outubro de 2015, através do Decreto-Lei n.º 245/2015), que aprovou o regime jurídico da habitação periódica, bem como do preceito que comina a coima.

Sob a epígrafe “Requisitos”, dispunha-se, na redação originária, o seguinte:

1. Os direitos de habitação turística só podem constituir-se desde que os empreendimentos se encontrem em funcionamento e se verifiquem as condições previstas no artigo 5.º, estando a exploração nesse regime sujeita a autorização pela Direcção-Geral do Turismo.

2. O pedido de autorização deve ser apresentado na Direcção-Geral do Turismo e instruído com o seguinte:

a) Documento que contenha os elementos previstos no n.º 2 do artigo 6.º, com as devidas adaptações;

b) Cópia do documento que autoriza a abertura do empreendimento;

c) Se o requerente não for o proprietário do empreendimento, documento que o legitime a constituir direitos de habitação turística”.

Mantendo a mesma epígrafe, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio, passou-se a dispor o seguinte:

1.Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os direitos de habitação turística só podem constituir-se desde que os empreendimentos se encontrem em funcionamento e se verifiquem, com as necessárias adaptações, as condições previstas no artigo 4.º, estando a exploração nesse regime sujeita a autorização da Direcção-Geral do Turismo.

2. (…).
3. O pedido de autorização deve ser apresentado na Direcção-Geral do Turismo e instruído com o seguinte:

a) Documento que contenha, com as necessárias adaptações, os elementos previstos no n.º 2 do artigo 5.º;

b) Cópia da licença de utilização turística do empreendimento turístico ou da licença de utilização para casas ou empreendimentos de turismo no espaço rural;

c) Se o requerente não for o proprietário da casa ou empreendimento, previstos na alínea anterior, documento que o legitime a constituir direitos de habitação turística
4. (…)”.

Esta redação, para o que aqui releva, manteve-se naquela que foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro (cf. artigo 46.º, n.º s 1 e 5, alíneas a), b e c)).

O Decreto-lei 37/2011, de 10 de Março, alterou o regime jurídico em causa, em ordem a executar o determinado pelo Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, relativa aos serviços no mercado interno, que estabeleceu os princípios e os critérios que devem ser observados pelos regimes de acesso e de exercício de atividades de serviços na União Europeia.

Como se refere no diploma e como bem salienta a recorrente “Menos burocracia, procedimentos mais rápidos e acesso mais fácil ao exercício de atividades tornam o mercado de serviços mais competitivo, contribuindo para o crescimento económico e para a criação de emprego. Por outro lado, para além da competitividade do mercado dos serviços, garante-se ainda aos consumidores uma maior transparência e informação, proporcionando-lhes uma oferta mais ampla, diversificada e de qualidade superior” (…). “Pretende-se, pois, responder às evoluções ocorridas no mercado, contribuindo para o bom funcionamento das empresas, assegurando, em simultâneo, um nível elevado de proteção dos consumidores”.

Em conformidade com o pretendido pelo legislador (ratio legis), mantendo a mesma epígrafe, dispõe-se no artigo 46.º que:

1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os direitos de habitação turística só podem constituir-se desde que os empreendimentos se encontrem em funcionamento e se verifiquem, com as necessárias adaptações, as condições previstas no artigo 4.º, estando a exploração nesse regime sujeita a comunicação prévia ao Turismo de Portugal, I.P.
(…)
5. A comunicação prévia deve ser enviada, por via informática, ao Turismo de Portugal, I.P. nos termos do artigo 62.º e instruída com os seguintes elementos:

a) Documento que contenha, com as necessárias adaptações, os elementos previstos no n.º 2 do artigo 5.º;

b) Cópia da licença de utilização turística do empreendimento turístico;

c) Se o requerente não for o proprietário do empreendimento turístico, o documento que o legitime a constituir direitos de habitação turística”.

A referência feita pelo n.º5 ao artigo 62.º está errada, pois o artigo 62.º é uma norma revogatória e limita-se a prescrever que” Sem prejuízo do disposto no artigo 60.º, é revogado o Decreto-Lei n.º 130/89, de 18 de Abril.” A norma que corresponde ao comando do n.º5 do artigo 46.º é o artigo 61-A, que preceitua “A tramitação dos procedimentos de comunicação prévia previstos nos artigos 5.º,46.º e 48.º é realizada por via informática através de formulário disponível no balcão único electrónico a que se refere o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, acessível através do Portal da Empresa, do Portal do Cidadão e do sítio da Internet do Turismo de Portugal, I. P.

O n.º2 do artigo 5.º do DL 275/93, na redação que lhe foi dada pelo DL 37/2011, de 2 de Março, dispõe:

“O proprietário das unidades de alojamento a submeter ao regime de direitos reais de habitação periódica deve apresentar, por via informática, ao Turismo de Portugal, I. P., nos termos previstos no artigo 62.º, a declaração de comunicação prévia com prazo acompanhada dos seguintes elementos:

a) A identificação do ou dos proprietários do empreendimento turístico;

b) A identificação do proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de direitos reais de habitação periódica;

c) A identificação do empreendimento, com menção do número da descrição do prédio ou prédios no registo predial e indicação da sua localização;
d) Classificação provisória atribuída ao empreendimento turístico, se este ainda não estiver em funcionamento, ou a classificação definitiva, se já tiverem decorrido dois meses sobre a sua abertura ao público;

e) O título de constituição da propriedade horizontal que garanta a utilização das instalações e equipamentos de uso comum por parte dos titulares de direitos reais de habitação periódica, nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo anterior;

f) No caso de o empreendimento se encontrar ainda em construção, a licença de construção emitida pela câmara municipal competente;

g) A indicação dos ónus ou encargos existentes;

h) A data prevista para a abertura ao público do empreendimento;

i) A descrição e designação das unidades de alojamento sobre as quais se pretende constituir direitos reais de habitação periódica, com observância, quanto à primeira, do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 83.º do Código do Registo Predial;

j) O número de unidades de alojamento referidas na alínea anterior e a percentagem que representam do total do empreendimento turístico;

l) A enumeração das instalações e equipamentos de uso comum e de exploração turística, bem como dos equipamentos de animação, desportivos e de recreio do empreendimento;

m) O número total dos direitos reais de habitação periódica a constituir e o limite de duração dos mesmos;

n) O valor relativo de cada direito real de habitação periódica, de acordo com uma unidade padrão;

o) O critério de fixação e actualização da prestação periódica devida pelos titulares e a percentagem desta que se destina a remunerar a gestão;

p) O início e o termo de cada período de tempo dos direitos;

q) Os poderes dos respectivos titulares, designadamente sobre as partes do empreendimento que sejam de uso comum;

r) Os deveres dos titulares, designadamente os relacionados com o exercício do seu direito e com o tempo, o lugar e a forma de pagamento da prestação periódica;

s) Os poderes e deveres do proprietário do empreendimento, nomeadamente em matéria de equipamento e mobiliário das unidades de alojamento e a sua substituição, de reparações ordinárias e extraordinárias, de conservação e limpeza e os demais serviços disponibilizados;

t) A capacidade máxima de cada uma das unidades de alojamento.”

Por força do disposto no n.º7 do artigo 46.º, ao processo de comunicação prévia da exploração no regime de direito de habitação turística aplica-se o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 5.º com as devidas adaptações, que dispõe como segue:

3 - Se for detectada a falta ou desconformidade de algum dos elementos ou documentos referidos no número anterior, a Turismo de Portugal, I. P., dispõe de um prazo de 10 dias a contar da apresentação da comunicação prévia para solicitar ao proprietário que, no prazo de 10 dias, envie os elementos ou documentos em falta, ficando suspenso o prazo a que se refere o n.º 5 até que o processo se encontre devidamente instruído.

4 - O processo só se encontra devidamente instruído na data da recepção do último dos elementos em falta.

5 - Caso o Turismo de Portugal, I. P., não se pronuncie no prazo de 30 dias a contar da apresentação da comunicação prévia, o proprietário das unidades pode promover a constituição dos direitos reais de habitação periódica nos termos e nas condições constantes da declaração de comunicação prévia.”

Por sua vez, o artigo 54.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Contra-ordenações, tinha, na parte que releva, a seguinte redação:

“1 - Constituem contra-ordenações puníveis com coima de (euro) 9975,94 (2000000$00) a (euro) 99759,40 (20000000$00):
(…)
j) A comercialização de direitos de habitação turística em infracção ao disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 46.º;
(…)
Esta versão manteve-se até 10 de Abril de 2011, data em que entrou em vigor a alteração levada a cabo pelo referido DL 37/2011, de 10 de Março, que, no que ao caso releva, manteve a punição, como contraordenação, da comercialização de direitos de habitação turística em infração ao disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 46.º.

O Decreto-lei n.º 245/2015, de 20/10, não introduziu qualquer alteração de relevo para a decisão do caso.

Por seu turno, dispõe o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o regime geral das contra-ordenações, que:

1. A punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende.

2. Se a lei vigente no tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada
3. (…)”.

Perante a sucessão de leis no tempo, terá havido, no caso concreto, uma despenalização da conduta da arguida?

Salvaguardado o devido respeito, não cremos que tal ocorra, como bem demonstra o Digno Magistrado do Ministério Público na sua resposta ao recurso, que a seguir transcrevemos.

“O princípio da aplicação retroactiva da lei de conteúdo mais favorável vale também no domínio do ilícito de mera ordenação social, sendo que a comparação da lei nova e da lei antiga faz-se por referência ao regime geral de cada uma delas. Assim, no caso de verdadeira sucessão de leis no tempo, não poderão combinar-se, na escolha do regime concretamente mais favorável, os dispositivos mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes.

Aqui chegados, e para que as coisas fiquem claras, definamos conceitos.

Há descriminalização quando uma lei nova deixa de incriminar certos factos previstos numa lei anterior. O que antes era crime deixa agora de o ser (por exemplo: a degradação de um crime em contra-ordenação).

A despenalização dá-se nos casos em que uma lei nova continua a considerar uma conduta como crime, mas submete-a a uma punição mais leve do que aquela que resultava da lei anterior.

O n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal vale para os casos em que a conduta desapareceu de qualquer ramo do direito sancionatório (foi “eliminada do número das infracções”) e o n.º 4 para aqueles outros em que o regime sancionatório se tornou mais favorável ao arguido (princípio da aplicação da lei mais favorável – verdadeira sucessão de leis penais no tempo), quer por se ter operado uma despenalização, quer por o ilícito ter sido degradado, mudado de ramo sancionatório (de crime para contra-ordenação).

Discorrendo sobre o tema da despenalização da conduta, América A. Taipa de Carvalho, refere que há que distinguir entre especialização e especificação, entre L.N. (lei nova) especial e L.N. (lei nova) especificadora. Assim, “no primeiro caso, o elemento ex novo inserido no tipo legal traduz um conceito que não estava implícito no conceito (geral) da L.A. (lei antiga), isto é, acrescenta algo de novo ao tipo legal da L.A.; no segundo caso, o elemento ex novo inserido no tipo legal traduz um conceito que já estava necessária e lógica, embora só implicitamente contido no conceito (geral) da L.A., isto é, não acrescenta um “aliquid” novo ao tipo legal da L.A. , mas apenas especifica o âmbito de intervenção do conceito (elemento) da L.A., não se podendo, rigorosamente, dizer que a L.N. é uma lei especial face à L.A.” (em “Sucessão de Leis Penais”, Coimbra Editora, 1990, págs. 143-144)

Continua este autor que, “ na lei especial, há, portanto, uma característica, uma qualidade, que se adiciona às características da L.A; na lei especificadora, a característica, a qualidade, mantém-se a mesma, isto é, não vê enriquecida a sua compressão. No caso da lei especificadora – como se trata de uma qualidade que como que permite uma quantificação, sem perder a sua natureza, o quid que a faz ser aquela e não outra qualidade – a L.N. apenas altera, delimita o quantum da qualidade (característica ou elemento) – qualidade que é comum à L.A. e à L.N. – necessário para que o facto seja punível (sublinhado nosso).
(…)
Há, pois, que ver se o elemento novo é meramente especificador (quantificador do elemento) da L.A. ou se é verdadeiramente especializador (qualificador do elemento) da L.A” (ibidem).

Assim, concluí este autor, “quando a L.N., mediante a adição de novos elementos, restringe a extensão da punibilidade, há despenalização se o elemento adicionado é especializador; não há despenalização, se o elemento adicionado é especificador.

Quer dizer: com a entrada em vigor da L.N., que adiciona um novo elemento ao tipo legal da L.A., o facto praticado na vigência da L.A. – preencha, ou não, o novo elemento da L.N. - fica despenalizado, se o elemento adicionado constituir um elemento especial; já permanecerá punível – desde que preencha, evidentemente, a exigência (o elemento) especificadora da L.N. – se o elemento adicionado constituir uma mera especificação do conceito-elemento comum às duas leis” (ibidem).

Posto isto, temos que os factos em causa nos autos foram praticados em Julho de 2010. À data, considerando a redacção então em vigor do Decreto-Lei n.º 275/93 de 05.08, era exigível que a recorrente tivesse autorização do Instituto do Turismo de Portugal para explorar e comercializar no dito empreendimento direitos de habitação turística, o que não dispunha.

Com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março, a comunicação prévia àquele instituto constitui condição necessária para a exploração e comercialização de direitos de habitação turística.

Sendo certo que os actos são diferentes, pressupondo a autorização um requerimento/comunicação prévia, seguida de um acto de deferimento, constituindo, por conseguinte, um plus em relação ao puro acto da comunicação prévia, não se pode olvidar, e como se refere, à guisa de mera conclusão, na sentença recorrida, a exploração e comercialização de direitos de habitação turística continua a exigir a observância de um conjunto de formalidades, que, entre o mais, se consubstanciam na remessa, por via telemática, da mesma documentação que era exigida quando o exercício da dita actividade dependia de autorização da referida entidade.

A L.N. (v.g. artigo 46.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 275/93, de 05.08, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10.03) apenas altera, delimita o quantum (de autorização passou-se para a mera comunicação) da qualidade (acto que permite que o Instituto do Turismo de Portugal tenha conhecimento de que alguém pretende e dispõe de condições para o exercício da dita actividade) que é comum à L.A. e à L.N., continuando a legítima exploração e comercialização de direitos de habitação turística a depender de um conjunto de formalidades prévias, que no caso concreto, não foram observadas pela recorrente que nunca deu a conhecer (v.g. comunicou) àquela entidade reguladora que pretendia exercer (como o fez em Julho de 2010) a actividade de exploração e comercialização de direitos de habitação turística.

O novo elemento adicionado ao tipo legal da contra-ordenação prevista na referida norma é meramente especificador, continuando a ser punível com coima a conduta daquele que explora e comercializa direitos de habitação turística sem que, previamente, tenha dado conta de tal pretensão (v.g. comunicação) ao Instituto de Seguros de Portugal[2] (v.g. entidade reguladora de tal actividade), não ocorrendo, por conseguinte, qualquer despenalização, como pretende a recorrente.

Cabe chamar à colação o artigo 9.º do Código Civil, que genericamente regula a matéria da interpretação da lei, estabelecendo, como principal linha de rumo, que tal interpretação deve reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo como parâmetros a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja determinar o seu sentido e alcance decisivo (cf. Parecer do CC da PGR n.º 92/81, de 8.10.81), ou, como refere Manuel de Andrade, o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei.

Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva.

Resumindo o pensamento geral desta disposição (art.9.º do C. Civil), Pires de Lima e Antunes Varela dizem que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.

Consigne-se que é das mais elementares regras de hermenêutica dever o intérprete esforçar-se por situar a norma interpretanda num quadro lógico com as demais disposições legais, nomeadamente as que respeitem a institutos e figuras afins ou paralelos, pois, como afirma Cavaleiro de Ferreira, a interpretação da lei consiste em determinar o conteúdo e o pensamento da lei para sua aplicação aos casos concretos.

E, entre uma interpretação subjectiva, consonante com a vontade do legislador e o fim por ele expresso ou impresso à própria vontade, e outra que propugna uma interpretação objectiva e teleológica, opta-se pela segunda, vendo a lei, com vida autónoma relativamente ao legislador, susceptível de alteração quanto ao seu sentido em função do elemento sistemático e da conexão do sentido objectivo da lei com as novas circunstâncias da vida real.

Quando é unívoco o sentido da lei não cabe ao intérprete outra posição que não seja a de obedecer ao pensamento legislativo claramente definido.

De facto, o DL 37/2011, de 10 de Março, pautado pelo princípio da agilização dos procedimentos ou simplificação de procedimentos que decorre da vigência de um conjunto de princípios comunitários de entre os quais se destaca a eficiência, introduziu alterações no processo de “legalização” da actividade de exploração e comercialização de direitos de habitação turística.

O controlo prévio das actuações privadas é uma das funções clássicas da Administração Pública: a submissão a controlo prévio, de natureza preventiva, pressupõe a instituição legal de uma regra de proibição do exercício de certas atividades; a lei admite, contudo, que, depois de uma apreciação concreta e casuística pela autoridade pública, a proibição possa ser removida, por um acto administrativo de autorização.

A figura da autorização como mecanismo de controlo prévio deixou de existir, no diploma aqui em causa, passando a lei a estabelecer, como mecanismo de controlo prévio, a figura da comunicação prévia, assumindo esta uma tramitação muito semelhante, visando o mesmo fim, levando ao deferimento tácito da pretensão, nos termos e nas condições constantes da declaração de comunicação prévia, caso o Turismo de Portugal, I. P., não se pronuncie no prazo de 30 dias a contar da apresentação dessa comunicação prévia.

Se o requerimento/comunicação prévia não for acompanhado dos elementos necessários e não for satisfeito, no prazo de 10 dias, a solicitação da Turismo de Portugal para junção dos elementos em falta, a pretensão do comunicante pode ser inviabilizada.

Como refere o Professor Pedro Costa Gonçalves, em texto publicado nas Jornadas Luso-Espanholas de Urbanismo (Actas), Coimbra, Almedina, 2009, 79-103, sob o tema Simplificação procedimental e controlo prévio das operações urbanísticas, “a figura da declaração ou comunicação prévia surge como instrumento jurídico de articulação entre os objetivos da liberalização do exercício de direitos e actividades privadas e a presença de uma responsabilidade pública de controlo preventivo. Instituindo uma “proibição com reserva de comunicação”, a lei determina que o exercício de um certo direito subjetivo ou actividade privada não possa ter lugar sem a declaração ou comunicação prévia à Administração Pública.

Mediante a imposição da comunicação prévia, a lei evita a total liberalização ou descondicionamento de acesso a uma actividade, criando condições para que uma autoridade pública possa exercer um controlo preventivo, ex ante, embora sem exigir a prática de um acto de autorização ou, em qualquer caso, a tomada de uma decisão favorável.

Quer dizer, por efeito da comunicação do interessado, através da qual este declara, anuncia ou comunica a pretensão de exercer um direito ou actividade, a Administração Pública fica constituída num dever de atuar (de proceder) e, em particular, no dever de desenvolver uma tarefa de controlo preventivo, de modo a, se for o caso, impedir ou vetar o início de exercício da actividade comunicada.[3]

Trata-se, por conseguinte, de um cenário em que, por força do acto jurídico de um particular (uma declaração ou comunicação), a Administração Pública se vê onerada com um dever legal de actuar ou de proceder a que não corresponde, em termos procedimentais, um dever de decisão (ou de pronúncia).[4]

O procedimento administrativo de controlo não integra, pelo menos necessariamente, uma fase decisória, não prevendo, portanto, a emissão de uma decisão administrativa favorável. Embora vinculada a controlar preventivamente a legalidade da pretensão privada, a Administração Pública não se constitui numa obrigação perante o autor da comunicação: a sua posição procedimental reconduz-se, assim, à categoria de um dever sem o correlativo direito e não da obrigação correspondente a um direito. Uma vez que não se torna necessária a emissão de qualquer decisão administrativa favorável, a proibição legal (geral e relativa) do exercício da actividade é afastada apenas pelo facto de a Administração não se opor à pretensão privada – comunicada – de desenvolver aquela mesma actividade.”

O objetivo visado pelo legislador não se reconduz tanto à abolição das formas de controlo público preventivo das operações aqui em causa, mas sobretudo à desburocratização e na simplificação administrativa, a qual se consubstancia na abolição da exigência de decisão administrativa expressa favorável, agilizando procedimentos e não operar despunibilizações, como é, de todo evidente.

A comunicação prévia, agora exigida, representa um “minus” já contido no anterior pedido de autorização, mantendo o legislador a mesma sanção para quem exerça a atividade aqui em causa, sem manifestar previamente a sua vontade ao Turismo de Portugal nos termos estabelecidos na lei.

Não procede, também nesta parte, o recurso.

Sustenta a recorrente que a sentença recorrida está ferida de inconstitucionalidade, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 4 da Lei Fundamental, bem como viola o art.7.º, n.º1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

O citado preceito da CEDH, tem a seguinte redacção:

(Princípio da legalidade)

1. Ninguém pode ser condenado por uma ação ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infração, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi cometida.

Sendo a recorrente uma pessoa coletiva, não cremos pertinente convocar aqui uma norma da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

O princípio da legalidade está, como é óbvio, associado ao princípio de não retroactividade, na medida em que, exigindo a lei uma prévia definição dos conteúdos com relevância contra-ordenacional ou criminal e das respectivas censuras, proclama necessariamente que a previsão legal apenas se volva para as situações futuras e nunca para as situações passadas.

O n.º1 deste preceito proclama o princípio da não retroatividade da lei criminal, ou seja, proíbe que uma lei criminalize factos passados e que puna mais severamente crimes anteriormente praticados.

Por sua vez, o artigo 29.º da Lei Fundamental, dispõe que:

1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior.
(…)

4. Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.

A interpretação feita pelo tribunal recorrido não conflitua diretamente com o artigo 29.º n.º1 e 4 da Lei Fundamental, pois a epígrafe “aplicação da lei criminal” e o teor textual do preceito restringem a sua aplicação directa apenas ao direito criminal propriamente dito (crimes e respectivas sanções). Só por analogia pode o princípio da aplicação retroactiva da lei mais favorável ser aplicado nos demais domínios do direito sancionatório.

Está, porém, consolidado no pensamento constitucional que o direito sancionatório público, enquanto restrição relevante de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, isto é, do núcleo de garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 158/92, de 23 de Abril, 263/94, de 23 de Março, publicados no D.R., II Série, de 2 de Setembro de 1992 e de 19 de Julho de 1994, e nº 269/2003, de 27 de Maio, inédito). E se tal não resulta diretamente dos preceitos da chamada Constituição Penal, resultará, certamente, do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição.

No regime geral das contraordenações, o art.º 2.º consagra o princípio da legalidade nos seguintes termos: “Só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.”

Por outro lado, o artigo 3.º do RGCO, supra citado, consagra o princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável.

Não vemos, porém, que a sentença recorrida, na interpretação que fez das normais legais aplicáveis, tenha feito qualquer afronta ao preceito da Lei Fundamental convocado pela recorrente, pois que a alteração legislativa operada, embora tenha alterado o meio de legalização da atividade que a arguida desenvolveu, sem a devida autorização, não liberalizou ou descondicionou o acesso ao exercício dessa mesma atividade, alterando apenas o modo estabelecido para o controlo das condições exigidas para quem tem em vista desenvolvê-la, sancionando com coima, de igual grandeza, quem incumprir o determinado na lei, pelo que a “lei nova” não é mais favorável para quem antes prevaricou.

Assim, improcede a reclamada absolvição.

III – Decisão.

Nestes termos e com tais fundamentos, nega-se provimento ao recurso interposto pela recorrente A…, Lda., mantendo-se, em consequência, o decidido na sentença recorrida.

Por ter decaído nas questões que suscitou, suportará a recorrente as custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 4UC´s (cf. art. 513.º e 514.º do CPP, 92.º, 93.º n.º3 e 94.º n.º3 do RGCO e 8.º, n.º5 do RCP, com referência à Tabela III, anexa).

Notifique-se.

(Processado por computador e revisto pelo relator que assina em primeiro lugar e rubrica as demais folhas).

Évora, 2016-03-29

Fernando Ribeiro Cardoso

Gilberto Cunha
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[1] - Na verdade, a referência feita ao art.48.º, n.º4, constitui erro de simpatia com o vertido na decisão administrativa, pois, da própria sentença resulta que a “comercialização de direitos de habitação turística em infracção ao disposto no art. 46°/1constitui contra-ordenação, punível com coima.

[2] - Leia-se, antes, Turismo de Portugal, IP.

[3] - Cf. M. Esteves de Oliveira/Pedro Gonçalves/J.Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Coimbra, Almedina, 1997, p. 377, onde se explica que a comunicação dirigida à autoridade, anunciando o exercício de um direito (v.g., de manifestação) não dá lugar a um dever de decidir do órgão competente, embora dê origem a um procedimento e, neste âmbito, a um dever de proceder; trata-se de um procedimento com uma fase instrutória a que pode não se seguir uma fase decisória; só existe uma decisão no caso de o órgão competente considerar que há razões de interesse público para impedir a realização da manifestação.

[4] - A referência no texto ao facto de o dever de proceder não corresponder, em termos procedimentais, a um dever de decisão justifica-se pelo facto de o procedimento poder revelar que a pretensão privada é contrária à lei. Neste caso, em rigor, a Administração tem o dever (substancial) de vetar a pretensão, ou seja, tem, afinal, um dever de decidir.