Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1930/15.0GBABF.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: ROUBO
OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA
AUTORIA
CUMPLICIDADE
Data do Acordão: 11/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário:
I - É autor (dos crimes de roubo e de ofensas à integridade física) e, não, cúmplice, o arguido que conduz o carro que recolhe e transporta as vítimas para um local ermo, a fim de aí serem desapossadas de bens e depois agredidas por outros co-arguidos, os quais param as agressões quando o arguido condutor do veículo o determina.

II - Esta actividade extravasa a de “acto de mero auxílio” à actividade desenvolvida pelos restantes, consubstanciando “actos de execução” que se interligam com outros e se integram numa actividade global, sendo manifesta a essencialidade do papel do recorrente. [[1]]
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No Processo n.º 1930/15.0GBABF, da Comarca de Faro (Portimão), foi proferido acórdão em que se decidiu condenar, entre outros arguidos, A, na pena de 5 anos de prisão por um crime de roubo do art. 210º, n.º1 do CP, na pena de 4 anos de prisão por um crime de roubo do art. 210º, n.º1 do CP, na pena de 4 anos de prisão por um crime de roubo do art. 210º, n.º1 do CP, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão por um crime de ofensas à integridade física do art. 143º, n.º 1, do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por um crime de ofensas à integridade física do art. 143º, n.º 1, do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por um crime de ofensas à integridade física simples do art. 143º, n.º 1, do CP, na pena de 2 anos de prisão por um crime de detenção de arma proibida do art. 86º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. Em cúmulo jurídico, ficou condenado na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.

Foi ainda condenado, em conjunto com os restantes demandados, no pagamento da quantia de €3.264,05, a CH do Algarve, e no pagamento da quantia de €6.000,00, ao ofendido/demandante T, acrescidas de juros de mora contados desde o trânsito em julgado do acórdão até ao pagamento.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:

“A) Realizada a audiência de discussão e julgamento foi o Recorrente condenado em cúmulo jurídico, na pena de prisão de 10 anos e 6 meses, pela prática em coautoria material, e da forma consumada, de três crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal (CP), três crimes de ofensas à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do CP e como autor de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

B) Sucede, porém, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, por não ter extraído as conclusões corretas da prova produzida em audiência de julgamento, sendo ainda visível, pela simples leitura do acórdão, a existência de vícios intrínsecos, como seja o erro notório na apreciação da prova, bem como a falta de fundamentação, além desrespeitadas as regras relativas à aplicação das penas parcelares e do seu cúmulo jurídico, que, prevendo uma delas a pena de multa decidiu-se pela pena de prisão, e que sendo a pena prisão impunha-se sempre a sua suspensão, tendo ainda considerado, erroneamente, procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Assistente e demandantes cíveis.

C) O Recorrente, por mal julgados, impugna os pontos 1 a 9, 11 a 19, 21 a 24, 26 e 37 a 39 da matéria de facto dada como provada (vd. págs. 3 a 16 do acórdão – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida), por violação dos princípios em que se funda o direito probatório e as normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica, considerando ainda que os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento impõem uma decisão diversa.

D) Como nota meramente introdutória, porque não passa disso mesmo, entende o Recorrente que o Coletivo não explica, nem fundamenta, por que razão atendeu à versão dos factos apresentada pelos ofendidos, - é que nem sequer se pode “agarrar” ao princípio da imediação e oralidade, pelo menos, quanto aos ofendidos Bram e Giele -, e qual ou quais os motivos que o levou a desconsiderar a versão oposta.

E) O Coletivo considerou que todos os Arguidos abordaram o ofendido T, nas proximidades do Centro Comercial Continente, sito na cidade de Albufeira (ponto 1 da matéria de facto provada), todavia os Arguidos F e D afirmaram que foram eles que abordaram o ofendido T, vindo inclusivamente este ofendido a confirmar esta versão.

F) Neste particular, o Arguido F, declarou que foi ele, juntamente com o Arguido D, quem abordou o ofendido T, factos que foram igualmente confirmados por este, vindo ainda a esclarecer que lhe abordaram com o propósito de comprarem haxixe (cfr. depoimentos gravados no sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de julgamento, em 01/06/2016, com início às 10:03:20 e termo às 10:39:57 e início às 10:39:58 e termo às 11:08:45, respetivamente, - cfr. ata de fls. - cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

G) O Recorrente veio inclusivamente a declarar que parou mais ou menos ao pé do Continente, que faz parte integrante do Centro Comercial de Albufeira para ir ao multibanco, e, entretanto, quando chegou novamente junto ao seu carro o ofendido T já se encontra lá dentro (cfr. depoimento gravado no sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de julgamento, em 01/06/2016, com início às 11:18:27 e termo às 12:07:00 - cfr. ata de fls.)

H) Inclusivamente o próprio ofendido T veio a reconhecer que, afinal, apenas tinha sido abordado por dois indivíduos (D e F), conforme resulta do seu depoimento prestado na 2ª sessão da audiência de discussão julgamento, em 03/06/2016, cujas declarações ficaram gravadas no sistema informático do tribunal com início em 09:49:19 e termo às 10:21:52 (cfr. ata a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

I) Por conseguinte, o Coletivo não podia ter dado como provado o ponto 1 dos factos provados, nos termos em que o fez, devendo, deste modo alterar-se este ponto da matéria de facto para a seguinte redação: «1. No dia 4 de Setembro de 2015, entre as 23h00m e as 00h00, os Arguidos F e D, abordaram o ofendido Tiago Alves, na Praça de Táxis, nas proximidades do Centro Comercial Continente, sito nesta cidade de Albufeira».

J) O Coletivo de Juízes incorreu em erro de julgamento ao considerar como provado os factos sob os pontos 2 a 9, considerando que não se fez prova do acordo dado pelo Recorrente no sentido de assaltar o ofendido T, muito menos que o queria molestar fisicamente e que se queria apropriar dos seus bens.

K) É que o próprio Tribunal Coletivo reconheceu (vd. págs. 18 a 27 do acórdão) que o Recorrente disse constantemente aos demais Arguidos para que cessassem com as agressões exercidas sobre o ofendido T, e contrariamente ao que consta, neste particular, na fundamentação da matéria de facto (pág. 19), o Arguido D também confirmou que o Recorrente disse sempre em todo o estádio da execução dos factos para que parassem, sendo certo que não surtiu qualquer efeito (vd. depoimento do Arguido D gravado no sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 10:39:58 e termo às 11:08:45 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

L) De igual modo o Arguido F referiu que o Recorrente demonstrou sempre que não estava a concordar com as agressões, tendo utilizado todos os meios ao seu alcance para que parassem a todo o custo, mas não tinha qualquer poder diretivo sobre os demais arguidos, sem capacidade de gorar aqueles acontecimentos, vindo inclusivamente a reconhecer que ele e os outros Arguidos, à exceção do Recorrente, é que dominavam os factos, eram “senhores” dos acontecimentos, sendo bem elucidativo a sua expressão ao dizer que “não fizemos caso” à insistência do Arguido para que parassem (vd. depoimento do Arguido F gravado no sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 10:03:20 a termo às 10:39:57 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

M) Por sua vez, o Arguido P também referiu expressamente que o Recorrente sempre tentou parar com as agressões, mas ele e os restantes arguidos ainda assim continuavam com esses atos, levando a que aquele parasse o carro para que o T pudesse sair, porém as agressões ainda continuaram e até se intensificaram (vd. depoimento do Arguido P gravado nos sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 12:07:01 e termo às 12:28:23 – cfr. acta a fls.).

N) Podemos inferir dos depoimentos prestados pelos Arguidos, cujas declarações transcrevemos nas alegações, que o Recorrente não tinha qualquer papel de relevo na execução dos factos, não tinha qualquer domínio sobre os mesmos, - considerando que os demais Arguidos, nas palavras do Arguido F, “não fizeram caso” das palavras e actos destinados a cessar as agressões-, que como última tentativa para pôr termo a tudo o que se estava a suceder o Recorrente parou o carro para que o ofendido pudesse sair, mas mesmo assim não conseguiu impor essa vontade aos demais.

O) De igual modo veio esclarecer o Recorrente nas suas declarações que assim que as agressões ao ofendido T se iniciaram – ainda dentro do carro – apelou aos demais Arguidos para que parassem com as mesmas, vindo a exortá-los constantemente, dizendo “para[em] com essas confusões”, e confrontando com a falta de poder no meio deles parou o seu carro imediatamente para que o ofendido pudesse sair, o que ainda assim não surtiu qualquer efeito (vd. depoimento do Recorrente gravado no sistema informático do tribunal na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 11:18:27 e termo às 12:07:00 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

P) Por outro lado, o Recorrente não tinha a capacidade de se aperceber do que é que efetivamente se estaria a passar nos bancos traseiros do seu veículo, nomeadamente, no que respeita ao conhecimento efetivo de que a subtração dos bens ao ofendido T estavam a ter lugar, até porque quem vai a conduzir normalmente não se consegue aperceber de tudo quanto ali se passa, é que o Arguido D esclareceu que foi ele, sorrateiramente, que retirou os pertences ao ofendido T, – tendo referido que no carro estava muito escuro e quando estava a discutir com ele aproveitou essa ocasião para subtrair os bens, – e no meio da toda aquela confusão, não é manifestamente possível inferir que, pelo menos, o Recorrente tivesse efetivo conhecimento disso (vd. depoimento do Arguido D gravado no sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 10:39:58 e termo às 11:08:45 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

Q) Efetivamente o Recorrente declarou que não viu ninguém a tirar os bens do ofendido T, o que, pelas razões apontadas, será normal, tendo referido que se apercebeu desse facto quando já estavam a circular no carro (vd. depoimento do Recorrente gravado no sistema informático do tribunal na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 11:18:27 e termo às 12:07:00 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida), pelo que repudia as afirmações constantes na fundamentação da matéria de facto no segmento que diz «o arguido A. assumiu uma posição de vitimização e de desresponsabilização face aos factos, negando a sua prática como co-autor e tentando justificar que disse para pararem de bater (pág. 29 do acórdão).

R) É que os Arguidos afirmaram, inclusivamente o Recorrente, que este gritou com os demais para que parassem com as agressões, demonstrando o seu total desacordo, e o Coletivo simplesmente desconsidera a realidade dos factos, sendo certo que não convém esquecer que, como resulta dos autos de apreensão a fls. 24 a 27 dos autos, os bens dos ofendidos estavam, quase na totalidade, na posse dos demais arguidos, à exceção do Recorrente.

S) Na verdade, nem sequer se consegue compreender e perceber como é que o Tribunal Coletivo valorou – sem explicar o porquê – a versão dos factos apresentada pelo ofendido T, é que se bem vemos as coisas, parece-nos de todo impossível, face às regras da experiência comum, que a sua versão possa colher, já que, segundo o seu relato, tinha 3 (três) indivíduos em cima si, a dar-lhe socos na cara, estrangulando-o que o fez quase desmaiar, com um pé-de-cabra na boca, ainda deu as indicações ao condutor e conseguiu especificar, com algum pormenor, por todos os sítios por onde passou (vd. depoimento do Assistente gravado no sistema informático do tribunal na 2.ª sessão de julgamento, em 03/06/2016, com início às 09:49:19 e termo às 10:21:52 – cfr. acta a fls. - cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

T) Não é humanamente possível que alguém naquelas condições ainda tem a capacidade dar indicações ao condutor e perceber por onde passa, é impossível segundo as máximas da experiência, aliadas a conhecimento de qualquer homem médio e minimamente sagaz, o que nos permite concluir que esta versão dos factos não pode colher, dando permissão para concluir, objetivamente, que o ofendido T terá entrado voluntariamente para o carro e assim permaneceu até aos desentendimentos, tal qual como os Arguidos esclareceram, e que motivaram o Recorrente a parar o seu carro.

U) Face a isto o Coletivo devia ter considerado a versão dos factos apresentada pelos Arguidos, por se afigurar plausível e lógica – embora com algumas diferenças de pormenor, atendendo ao tempo decorrido e ao facto de todos eles referirem que estariam alcoolizados – em detrimento da versão relatada pelo ofendido, porquanto a dinâmica dos acontecimentos tal qual como relatada esbate-se com as regras da experiência comum e da lógica.

V) Efetivamente, o Recorrente, inclusivamente, esclareceu que assim que chegou junto ao seu carro, após se ter deslocado à caixa de multibando situada junto ao Centro comercial de Albufeira, constatou que o ofendido T estaria a rir-se, questionado por que razão este ofendido afirmou que entrou de modo forçado no carro (vd. depoimento do Recorrente gravado no sistema informático do tribunal na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 11:18:27 e termo às 12:07:00 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

W) O Coletivo considerou como provado que «no interior do veículo, os Arguidos desferiram ao ofendido diversos socos, dentadas e cabeçadas, apertaram-lhe o pescoço, tentando estrangulá-lo, e introduziram-lhe um pé-de-cabra na boca» (ponto 4 da matéria de facto provada).

X) Todavia, e sem prejuízo do anteriormente referido, não podia o Tribunal recorrido dar como provado este facto, pelo menos, na parte respeitante a que todos os Arguidos, sem qualquer tipo de exceção, agrediram o ofendido T, já que, como todos relataram apenas os 3 (três) Arguidos, à exceção do Recorrente, é que exerceram sobre o ofendido atos de violência, o que foi confirmado pelo ofendido.

Y) A este propósito esclareceu o Arguido F que, enquanto estrangulava o ofendido T os outros, à exceção do Recorrente, desferiram socos ao mesmo ofendido (vd. depoimento do Arguido F gravado no sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 10:03:20 a termo às 10:39:57 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida), referido ainda o Recorrente, ao explicar o exato momento em que as agressões se iniciaram declarou assim que começaram a bater ao ofendido T parou imediatamente o carro para que este pudesse sair (vd. depoimento do Recorrente gravado no sistema informático do tribunal na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 11:18:27 e termo às 12:07:00 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

Z) Por seu turno, o Arguido P veio dizer que, ao ser questionado sobre esta matéria, que a confusão se instalou na parte de trás do veículo, na qual participou, juntamente com os Arguidos F e D, vindo os 3 (três) a agredir o ofendido T, à exceção do Recorrente (vd. depoimento do Arguido P gravado nos sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 12:07:01 e termo às 12:28:23 – cfr. acta a fls.).

AA) Note-se que o ofendido T veio dizer que foi agredido dentro do carro pelos Arguidos, à exceção do Recorrente, que nunca o agrediu, mesmo quando esteve no lugar do “pendura” por breves minutos, pelo que, naturalmente, o Coletivo não pode colocar o Recorrente no mesmo que os demais Arguidos, de modo a transmitir a ideia segundo a qual o Arguido tem uma personalidade violenta e que participou num alegado plano criminoso.

BB) De facto, o ofendido T declarou que o Recorrente alegadamente lhe desferiu um pontapé, contudo o recurso às regras da experiência levar-nos-ão a uma conclusão diversa, porquanto não é manifestamente possível que, estando o ofendido caído no chão, de costas, de barriga para cima, com uma lanterna apontada à cara, consiga perceber quem é que lhe bate, até foi dito pelo ofendido que não conseguia ver por causa da lanterna no seu rosto (vd. depoimento do Assistente gravado no sistema informático do tribunal na 2.ª sessão de julgamento, em 03/06/2016, com início às 09:49:19 e termo às 10:21:52 – cfr. acta a fls. - cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

CC) Na verdade, todos os Arguidos referiram expressamente, mesmo aqueles que agrediram o ofendido T, que o Recorrente não o agrediu muito menos com um pontapé, e que ficou, inclusivamente, dentro do veículo enquanto estavam a ocorrer as agressões a soco e pontapé ao assistente, só vindo a sair do veículo para tentar travar a agressão com o machado (vd. depoimento do Arguido F gravado no sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 10:03:20 a termo às 10:39:57 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida e depoimento do Arguido P gravado nos sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 12:07:01 e termo às 12:28:23 – cfr. acta a fls.).

DD) Em resumo, os Arguidos colocam o Recorrente dentro do carro, pelo menos até ao momento em que o Arguido D pretende usar o machado, o que impede, naturalmente, inferir a prática de qualquer ato de agressão exercido sobre aquele, e a versão dos factos por este apresentada não poderá simplesmente colher, já que, como ele referiu, quando o carro parou “jogaram-no” para o chão, e a aí ficou de barriga para cima, com uma lanterna apontada à cara e o Recorrente alegadamente deu-lhe um pontapé na omoplata.

EE) Ora, se está nestas condições é impossível identificar quem quer que seja – e não podemos presumir o inverso – e muito menos que alguém lhe tenha batido na omoplata, é que a omoplata está, segundo sabemos, nas costas (!)
FF) Por outro lado, o ofendido também referiu que não desferiu qualquer golpe, mediante o uso de uma navalha, ao Arguido D, mas se olharmos para o documento a fls. 356 verificamos que este arguido apresenta um ferimento no seu pulso, tal qual como todos os Arguidos relataram.

GG) Acresce que, se as declarações (fls. 281 a 286) que este ofendido prestou em sede de inquérito tivessem sido produzidas na audiência de julgamento, conforme foi requerido pelo Defensor do Recorrente, mas recusado apenas pelo Assistente - na ata consta que o Ministério Público e o Assistente recusaram a que estas declarações fossem reproduzidas, mas é falso, foi apenas o Assistente - verificar-se-ia facilmente que este declarou que «os indivíduos o rodearam e apontaram-lhe uma lanterna, não sabendo precisar qual deles, tendo sido agredido com pontapés na zona das costelas pelo indivíduo de rasta comprida pelo meio das costas e vislumbrou o indivíduo do gorro com um machado na mão, apercebendo-se e ouvindo que o queriam matar” (vd. parte final do depoimento do Assistente gravado no sistema informático do tribunal na 2.ª sessão de julgamento, em 03/06/2016, com início às 09:49:19 e termo às 10:21:52 – cfr. acta a fls. - cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

HH) Depois, o ofendido também diz que o machado lhe acertou no pé, perdendo inclusivamente a sensibilidade de um dedo, mas dos autos não consta qualquer relatório de exame pericial de avaliação do dano corporal em direito penal, o que impede o Tribunal de apreciar com o rigor necessário os danos que efetivamente foram causados (tendo sido junto após a prolação do acórdão, precisamente via fax, em 29/06/2016).

II) Enfim, tudo se fez para que a verdade fosse reposta, mas o Coletivo preferiu seguir um caminho diametralmente oposto, violando de forma notória o princípio da presunção da inocência, as regras legais de produção de prova, desconsiderou por completo as regras da experiência comum e, acima de tudo, condenou o Recorrente de forma injusta.

JJ) Face ao exposto, e considerado as concretas provas supra referidas, aliada às regras da experiência comum, deverá ser aditado um ponto à matéria de facto não provada, com a seguinte redação: “1. Os factos provados sob os pontos 2 a 9 foram praticados pelo Arguido A.”.

KK) Seguidamente importa indagar e perceber as provas, escrutinando-as, que estiveram subjacentes à matéria de facto considerada como provada sob os pontos 11 a 18, mas, como ponto de partida, diremos que o Tribunal Coletivo errou novamente, o que se demonstrará facilmente.

LL) Recordamos que o Tribunal Coletivo, usando uma expressão idêntica à que utilizou na matéria de facto provada relativa os factos praticados contra o ofendido T, referiu que os Arguidos, todos eles, acordaram antes de abordar os ofendidos Bram e Giele que os iriam assaltar, mas o Recorrente quando questionado sobre esta matéria esclareceu que apenas combinou com os demais em ir beber um copo, e que, de facto, resolveram dar boleia àqueles ofendidos, tendo, no entanto, demonstrado que não tinha qualquer intenção maléfica (vd. depoimento do Recorrente gravado no sistema informático do tribunal na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 11:18:27 e termo às 12:07:00 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

MM) Daqui não é manifestamente possível inferir pela existência de qualquer acordo entre o Recorrente e os demais Arguidos no sentido de assaltar os ofendidos Bram e Giele, é que o facto de o Arguido ter oferecido boleia não nos permite retirar qualquer ilação nesse sentido.

NN) Entretanto, os Arguidos que estavam no banco de trás do veículo (D e P) começaram a agredir os ofendidos Bram e Giele, por, como disseram, desentenderam-se, o que motivou o Recorrente a dizer para pararem, embora sem sucesso, obrigando-o a parar de seguida o veículo.

OO) De facto, foi nessa ocasião, já depois do carro parado e o Arguido ligeiramente distante do local onde tudo estava a acontecer é que se dá a subtração dos bens dos ofendidos (vd. depoimento do Recorrente gravado no sistema informático do tribunal na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 11:18:27 e termo às 12:07:00 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

PP) Por outro lado, o facto de o Recorrente se ter ausentado não significa que tenha querido participar em qualquer dos ilícitos, mostrando sim, que desconhecia a prática efetiva de atos de roubo – subtração – e que o seu papel na participação dos ilícitos era indiferente, irrelevante, mesmo que aí não estivesse os ilícitos consumar-se-iam, por não possuir qualquer papel diretor.

QQ) Portanto, a tese do Coletivo no sentido de que o Recorrente até possuiria um papel de liderança na consumação dos ilícitos praticados contra os ofendidos Bram e Giele não tem qualquer cabimento, e é claramente demonstrativo da arbitrariedade da decisão.

RR) É que, o ofendido Bram referiu que «quando o carro estava ainda a andar já eles tinham começado a bater-lhes e entretanto pararam completamente, vindo a ser retirado do carro para o chão, pontapeado na barriga e na cabeça e referiu para levarem tudo o que ele tivesse, mas dentro do carro foi agredido pelo Arguido que estava à frente e pelo que estava à sua direita e fora do carro apenas por aquele que estava do seu lado direito» (vd. depoimento para memória futura gravado no sistema informático do tribunal, na 2.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, com início às 14:43 e termo às 15:18 - cfr. acta de fls.).

SS) Para além disto, à semelhança do que havia sucedido com o ofendido T, o Recorrente não deu o seu prévio acordo a qualquer pretenso assalto, como não o deu sucessivamente ou mesmo tacitamente em relação aos ofendidos Bram e Giele, conclusão que resulta do facto de ter dito constantemente para que aos Arguidos parassem o que estavam a fazer, vindo a este propósito o Arguido F a declarar que «não fizeram caso» das palavras proferidas pelo Recorrente e que ainda assim continuaram a agredir os ofendidos (vd. depoimento do Arguido F gravado no sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 10:03:20 a termo às 10:39:57 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

TT) Nesta matéria declarou o Arguido D que foi ele quem agrediu um dos ofendidos belgas e que também foi ele quem subtraiu os seus bens e o Arguido P mencionou que foi ele quem agrediu o outro belga, vindo a subtrair os seus bens sem a necessidade do apoio dos demais e que na sequência das palavras proferidas pelo Recorrente afirmaram que «não pararam porque estavam a agredir» (vd. depoimento do Arguido D gravado no sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 10:39:58 e termo às 11:08:45 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida e depoimento do Arguido P gravado nos sistema informático do Tribunal, na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 12:07:01 e termo às 12:28:23 – cfr. acta a fls.).

UU) Daqui se depreende claramente que, uma vez mais, o pretenso papel do Recorrente na comissão dos ilícitos objeto dos presentes autos era totalmente irrelevante, tanto assim é que, no caso particular dos ofendidos Bram e Giele, o Arguido D exerceu sozinho todos os atos que consubstanciam o roubo, sem qualquer ajuda dos demais, sendo igualmente evidente que o Arguido P realizou todos os atos constitutivos do roubo, quanto ao outro belga, em qualquer intervenção dos demais, em especial do Recorrente, que mesmo após ter parado o seu carro tais atos continuam a executar-se e consumaram-se nesse momento, conforme esclareceu o ofendido Bram.

VV) Por aqui se vê que o Recorrente não tinha, nos dizeres do Tribunal Coletivo «demonstrando em qualquer das situações novamente uma liderança sobre os mesmos. Podendo concluir o Tribunal que o arguido David até tinha uma superioridade sobre os demais» (pág. 30 do acórdão recorrido), pelo que concluímos o Tribunal decidiu mal ao considerar o Arguido como coautor nos crimes pelos quais vem condenado.

WW) Nem sequer seria possível inferir da documentação junta autos que o Recorrente teria intenção de se apropriar dos bens destes ofendidos, até porque nenhum deles foi apreendido na posse do Arguido A..

XX) Conforme explicou a Testemunha DS, Inspetor da Polícia Judiciária, que elaborou a cota a fls. 291 e o auto de apreensão a fls. 292, não realizou qualquer revista ao Arguido, portanto não tinha conhecimento direto do que é que tinha sido apreendido e com quem estava, tendo elaborado tais documentos, conforme esclareceu, com base no auto de apreensão elaborado pela PSP (vide depoimento prestado na 2.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 03/06/2016, gravado no sistema informático do tribunal, com início às 10:34 e o seu termo às 10:44).

YY) Nem sequer fez a inspeção judiciária ao veículo, tendo esta sido realizada e concluída por um dos seus colegas que nem sequer prestou declarações (vd. depoimento da Testemunha DS, prestado na 2.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 03/06/2016, gravado no sistema informático do tribunal, com início às 10:34 e o seu termo às 10:44).

ZZ) Ora, esse auto de apreensão elaborado pela PSP a fls. 26, consta apenas que estavam na posse do Recorrente os seus bens pessoais, os quais vieram, aliás, a ser devolvidos ainda na fase do inquérito.

AAA) Destarte, o Coletivo não devia ter fundamentado a sua decisão com base nestes dois documentos (cota de fls. 291 e auto de apreensão de fls. 292) porquanto foram lavrados com base em pressupostos erróneos, o que foi confirmado.

BBB) Face ao exposto, e considerado as concretas provas supra referidas, aliada às regras da experiência comum, deverá ser aditado um ponto à matéria de facto não provada, com a seguinte redação: “1. Os factos provados sob os pontos 11 a 18, 21 a 24 e 26 foram praticados pelo Arguido A”.

CCC) Destarte, as concretas provas supra referidas levam-nos a uma conclusão diametralmente oposta àquela que foi sufragada pelo Tribunal Coletivo, impondo, naturalmente, a absolvição do Arguido, pela prática dos crimes de que vem condenado, é que a versão dos factos considerada como provada esbate-se com as máximas da regra da experiência comum.

DDD) Finalmente, o Tribunal Coletivo devia ter dado como provado os factos alegados na Contestação do Arguido, sob os pontos 3 a 10 (os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos) por ter existido prova nesse sentido, os quais se devem aditar à matéria de facto provada por se revelarem importantes para a determinação da medida da pena, prova essa que se resume às testemunha abonatórias, nomeadamente R, M, PF e AC (vd. depoimentos destas testemunhas prestados na 2.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 03/06/2016, tendo ficado gravados no sistema informático do tribunal com início às 11:40:30, 11:49:05, 11:56:15 e 12:01:52 e termo às 11:49:04, 11:56:14, 12:01:50 e 12:07:23, respetivamente – cfr. acta a fls.).

EEE) Face a tudo o exposto, considerando a forma como estas testemunhas depuseram que não foram hesitantes, demonstraram um conhecimento profundo e honesto da personalidade e características do Recorrente, julgamos que, sem mais delongas, que os factos supra referidos e articulados na contestação do Recorrente devem ser aditados à matéria de facto provada.

FFF) Acresce que, o Recorrente, quando confessou a posse da arma de fogo afirmou que estava «completamente arrependido», facto que devia ter sido levados em conta para a medida da pena, como atenuação especial, o que não sucedeu! (vd. depoimento do Recorrente gravado no sistema informático do tribunal na 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, em 01/06/2016, com início às 11:18:27 e termo às 12:07:00 – cfr. acta a fls. – cuja transcrição aqui se dá por integralmente reproduzida).

GGG) Posto que, o princípio in dubio pro reo, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do Arguido, constitui princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal.

HHH) Portanto, face ao exposto, a decisão da matéria de facto violou as regras da prova, nomeadamente as ínsitas no art. 127º do CPP e 32º, n.º 2, da CRP, devendo os pontos da matéria de facto ser alterados nos termos supra referidos, sendo outros aditados, quer aos factos provados que aos não provados.

III) Na circunstância de este Venerando Tribunal se decidir pela manutenção da matéria de facto considerada provada, o que não se concebe, o Recorrente entende que o acórdão recorrido per si padece do vício de erro notório na apreciação da prova, por ter violado as regras da experiência, com manifesta incorreção na sua apreciação, a qual se mostrou desadequada e baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

JJJ) Aqui chegados entende o Recorrente que, tendo em consideração a conjugação da prova produzida, as regras da experiência comum, o Tribunal Coletivo relativamente aos factos dados como provados sob os pontos 1 a 9, 11 a 19, 21 a 24, 26 e 37 a 39 julgou-os incorretamente, padecendo o acórdão recorrido do vício de erro notório na apreciação da prova.
KKK) Isto porque, o Coletivo logo no seu ponto 1 da matéria de facto considerada comprovada considerou que todos os Arguidos abordaram o ofendido T, quando todos os Arguidos, incluindo o próprio ofendido referiram que este foi abordado apenas e tão-só pelos Arguidos F e D (vide págs.18 a 23 do acórdão recorrido).

LLL) Neste sentido consta no acórdão recorrido, no que concerne às declarações prestadas pelos Arguidos, veio o Arguido F a «admit[ir] parte da prática dos factos, nomeadamente coloca-se no local referindo que juntamente com o arguido D, perguntou ao ofendido T onde poderiam comprar haxixe, versão confirmada pelo Recorrente ao declarar que «quando entrou no carro, já o T estava lá dentro, sendo que após questionar foi-lhe dito que o T os guiaria a uma pessoa para comprar haxixe» (vd. pág. 18 a 22 do acórdão).

MMM) Já por banda das declarações do assistente T, consta no acórdão recorrido que «ainda passou para o outro lado da rua mas dois dos arguidos dirigiram-se a ele para perguntar onde se comprava haxixe. Disse que não sabia e que nem sequer fumava. Acto contínuo agarram-no pelo braço e puseram-no dentro do carro na parte de trás no meio dos dois que o abordaram» (vd. pág. 22 do acórdão).

NNN) Do confronto destes elementos textuais, aliados às regras da experiência comum, permite-nos concluir que o Coletivo não podia ter dado como provado, nos termos que o deu, o ponto 1 da matéria de facto considerada como provada, sendo que de igual modo não é possível inferir das declarações dos Arguidos ou dos seus comportamentos que tenham acordado previamente qualquer plano em que iria assaltar o ofendido T, resultando desde mesmo texto que estes (F e D) o tinham abordado para comprar haxixe, o que veio a suceder, vindo a ser confirmado por aquele ofendido, pelo que, naturalmente, o ponto 2 da matéria de facto provada não o podia ter sido nesses termos.

OOO) Nesta sequência, também não é possível inferir que “os arguidos” tenham desferindo qualquer murro no estômago, vindo a agarrá-lo e a colocá-lo à força do no carro, é que em nenhuma parte do texto do acórdão recorrido resulta que o ofendido Tiago Alves tenha sido soqueado no estômago e que, já no interior do carro tenha sido agredido pela totalidade dos Arguidos, é que nesta parte o Tribunal comete o “erro crasso” de colocar todos Arguidos no mesmo plano, no que à prática dos factos diz respeito, quando no texto do acórdão resulta uma versão dos factos diversa.

PPP) Da análise perfunctória do acórdão recorrido resulta, que o Recorrente nunca exerceu qualquer ato de violência sobre os ofendidos, neste particular sobre o T, apesar do Coletivo afirmar que os “Arguidos” o agrediram, sendo, por conseguinte, manifestamente ostensivo reconhecer que o ofendido T estaria dentro do carro de forma forçada, já o arguido que estava dentro do carro e enquanto estava a dar indicações ao condutor D que as estava a acatar, seguindo nessa mesma direcção». (vd. pág. 23 do acórdão).

QQQ) É que, já nem dizemos o homem médio, mas qualquer pessoa percebe claramente que, se alguém que tem 3 (três) indivíduos em “cima de si”, a baterem-lhe com socos na cara, estrangulando-o, introduzindo um pé de cabra na boca, não tem manifestamente o discernimento e a capacidade de dar indicações a quem quer se seja. É impossível!

RRR) A experiência comum diz-nos que alguém nas circunstâncias referidas não tem a capacidade de perceber por todos os locais por onde passa, permite-nos antes inferir que essa mesma pessoa estaria, – se consegue dar indicações e perceber claramente por onde passa -, em condição de o fazer, o mesmo é dizer não estava a ser agredido naqueles termos.

SSS) De igual modo também não é possível inferir que o Recorrente tenha agredido o ofendido T, antes, durante e após a consumação do roubo, uma vez que todos os Arguidos, tal como resulta do texto do acórdão recorrido, afirmaram que apenas três deles, com exceção do Recorrente, exerceram atos de violência sobre o ofendido T, não sendo possível acolher o segmento do depoimento deste ofendido que diz o branco que ia a conduzir o carro também saiu do carro e enquanto estava no chão, deu-lhe um pontapé na zona da omoplata». (vd. pág. 23 do acórdão).

TTT) Alguém que está caído no chão de costas, de barriga para cima, e com uma lanterna apontada à cara não consegue manifestamente perceber quem lhe bate e, por outro lado, ficando a omoplata nas costas é de todo impossível alguém dar um pontapé nesta parte do corpo quando a mesma se encontra “colada” ao chão.

UUU) Ademais, as testemunhas abonatórias, arroladas pelo Recorrente, referiram que este é uma pessoa pouco medricas, que não arranja problema, é pessoa serena e tranquila, referindo ainda inclusivamente que não é uma pessoa violenta, factos que deviam ter sido considerados como provados (vd. págs. 26 e 27 do acórdão).

VVV) Resulta à saciedade que o Coletivo errou ao dar como provados os factos referidos sob os pontos 1 a 9, inclusive, pelo menos, no que ao acordo ou plano pretensamente arquitetado pelos Arguidos para roubar os bens do T, e no qual o Recorrente tenha dado a sua anuência, nas agressões físicas alegadamente exercidas pelo Arguido ao ofendido T, devendo, em consequência, aqueles pontos serem alterados em conformidade.

WWW) No que respeita aos pontos 11 a 18 da matéria de facto considerada como provada, entende o Recorrente, na mesma linha de raciocínio anteriormente expendida, que o Tribunal Coletivo errou ao considerá-la como provada, porquanto os Arguidos terão acordado entre si que iriam assaltar os ofendidos Bram e Giele, com a intenção de se apropriarem dos bens que estes tivessem consigo.

XXX) Sucede, porém, que em lado algum das declarações dos Arguidos (págs. 18 a 25 do acórdão) consta qualquer resquício do pretenso acordo que se deu como provado, é que o Tribunal, veja-se, dá como provado que esse acordo terá sido firmado antes da abordagem àqueles ofendidos, mas na realidade o único facto que é possível extrair e dar como provado nesta matéria é que os Arguidos resolveram dar-lhes boleia, o que sucedeu, vindo inclusivamente a ser confirmado pelos ofendidos.

YYY) Ademais, o Coletivo no ponto 12 da matéria de facto provada, uma vez mais, revelando uma falta de critérios objetivos e sentido critico, coloca todos os Arguidos no mesmo plano, mas, como resulta das declarações dos ofendidos e destes, o Recorrente nunca agrediu quem quer que fosse, e o mesmo se diga a respeito da alegada prática em coautoria dos crimes de roubo, pois que, do acórdão recorrido resulta claramente que os factos constitutivos desse crime foram exclusivamente praticados pelos Arguidos D e P, inexistindo qualquer contribuição ou ajuda material do Recorrente.

ZZZ) Com efeito, não podia o tribunal recorrido ter dado como provado os factos sob os pontos 12 a 17, pelo menos quanto à intervenção do Recorrente, e de igual forma concluímos quanto ao ponto 18 da matéria de facto considerada como provada, porquanto o tal veículo que alegadamente precipitou a fuga dos Arguidos era conduzido pela testemunha AM, e resulta do texto do acórdão recorrido (pág. 25), que esta chegou perto dos ofendidos Bram e Giele após a fuga dos Arguidos, não tendo sequer os visto e com recurso às regras da experiência é claramente notório que este facto não podia ser considerado como provado.

AAAA) Face ao exposto, considerando os sucessivos erros ostensivos cometidos pelo Tribunal Recorrido, impõe-se a nulidade do Acórdão recorrido por erro notório na apreciação da prova, por violação do disposto no art. 410º, n.º 2, alínea c) do CPP, nulidade que se deixa desde já arguida, nos temos e com as consequências legais.

BBBB) Sem prejuízo dos vícios respeitantes à falta de fundamentação, cumpre referir que, no que a esta matéria concerne, o Tribunal Coletivo não deu cumprimento ao disposto no art. 374º, n.º 2 do CPP, uma vez que não procedeu ao exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, não fundamentou as penas parcelares e o seu cúmulo, tendo ainda violando o princípio da igualdade, omissões que constituem nulidade de conhecimento oficioso (cfr. art. 379º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do CPP).

CCCC) Voltando ao caso concreto e analisando a motivação de facto do acórdão recorrido, verifica-se que o Tribunal Coletivo na motivação da decisão de facto a fls. 17 a 30 se circunscreve a fórmulas tabelares e genéricas, fazendo uma súmula ainda que parcial e por vezes equívoca dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, referido ainda os outros elementos de prova que serviram para formar a sua convicção, mas não faz um exame crítico dessa prova tal como inicialmente se compromete a fazer.

DDDD) Exemplo do uso de fórmulas genéricas assinala-se que o Coletivo refere que formou a sua convicção, em geral, a partir da análise crítica das declarações dos arguidos, das testemunhas inquiridas em sede de julgamento e dos documentos juntos aos autos, em conjugação com as regras da experiência comum e da lógica (vide pág. 18 do acórdão recorrido).

EEEE) Mas, nada diz quanto ao sentido de tais declarações, quando é natural que não tinham sido consentâneas quanto à forma como ocorreram os factos, e logo de seguida faz uma simples súmula das declarações prestadas por cada Arguido, mas nem sempre de forma consentânea, sendo particular o caso do arguido D que o Tribunal afirma que este disse que o Recorrente nunca disse para parar, o que não corresponde à realidade, bastando a simples audição do que este disse na audiência de julgamento para concluir de modo diverso.

FFFF) Mais à frente refere que «o depoimento do ofendido T foi claro, concreto e credível logrando convencer o Tribunal. Na verdade, o ofendido descreveu com pormenor os factos (como referiu o mandatário do arguido A. nos seus esclarecimentos), não exacerbando os mesmos e com humildade suficiente para referir quando não sabia quem tinha feito o quê» (vide pág. 24 do acórdão recorrido), porém não explica por que razão preferiu a versão deste ofendido em detrimento daquela que foi apresentada pelos arguidos, em particular, aquela que foi apresentada pelo Recorrente.

GGGG) Mais, pese embora faça considerações à conduta do mandatário do Recorrente, não faz nenhuma consideração ao facto de aquele requerido a leitura das declarações prestadas pelo ofendido T. em sede de inquérito, porque notou claramente que este estava a mentir em julgamento, e confrontado com a sua recusa não retirou qualquer conclusão.

HHHH) Ora, quem não tem qualquer receio que as suas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento correspondam minimamente àquelas que anteriormente prestou, naturalmente não se recusava as que mesmas fossem produzidas, mas como supra se referiu, infelizmente isso não sucedeu, levando a que o Tribunal não lograsse alcançar a verdade material.

IIII) O Tribunal Coletivo, no ponto 2 “Factos não provados”, simplesmente referiu que: “os demais factos constantes da contestação do arguido A. que acima não se encontram provados”, referindo mais à frente que “no que concerne aos factos provados constantes dos pontos 33 a 36, baseou-se o Tribunal nos relatórios sociais dos respectivos arguidos, que pelas respectivas suas fontes, metodologia e isenção da entidade que os elaborou, nos merecem credibilidade” (vide páginas 17 e 27 do acórdão recorrido).

JJJJ) Fica aqui bem patente a ausência de qualquer justificação, ainda que mínima, da razão pela qual não considerou como provados os factos alegados pelo Recorrente na sua contestação, quando, como supra se referiu, foram apresentadas testemunhas abonatórias, cujo depoimento se mostrou livre e credível, e é natural, sendo testemunhas a que se refere o n.º 2 do art.º 128, do CPP, que tenham apetência para querer ajudar o Arguido, mas ainda assim nada no seu discurso foi infirmado, aliás até foi concordante com o depoimento dos ofendidos, quando declararam, por exemplo, que o Recorrente não demostrou qualquer personalidade de cariz violento.

KKKK) É totalmente omissa a razão pela qual não deu credibilidade aos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrente, sendo ainda desconhecido o porquê de não ter considerado como provados os factos alegados na respetiva contestação, não sendo assim possível extrair as razões que levaram o Tribunal recorrido a considerar como não provados os factos descritos nos pontos 3 a 10 da Contestação apresentada pelo Recorrente.

LLLL) De igual forma fica por fundamentar as razões pelas quais não acreditou na versão apresentada pelos Arguidos, e também não apresenta os motivos pelos quais levou em consideração os depoimentos dos ofendidos Bram e Giele, ficando, assim, por cumprir devidamente o desígnio legislativo de fundamentação da decisão de facto, deveria o Tribunal recorrido, após ter enunciado os factos provados, alinhar as razões que estiveram na base da sua convicção formada (não basta uma suma dos depoimentos prestados e indicar os documentos que levou em conta) de que a versão dos acontecimentos por si acolhida é correta, indicando, inclusivamente, os motivos porque não atendeu às provas em sentido contrário.

MMMM) O Tribunal Coletivo deveria ter explicado as razões ou as provas, devidamente inter-relacionadas e conjugadas de acordo com as regras da experiência comum, o levaram a dar como não provado os factos alegadas na contestação do Recorrente, o motivo por que não deu credibilidade às testemunhas ali arroladas, o porquê de ter preferido a versão dos ofendidos em detrimento daquela que foi apresentada pelo Arguido e como chegou à conclusão que o Recorrente tinha do domínio positivo e negativo dos factos objeto dos autos.

NNNN) De igual modo fica por fundamentar de forma cabal e completa a condenação nos pedidos cíveis, o Tribunal não explica por que razão atendeu ao depoimento das testemunhas arroladas pelo ofendido T, e parece-nos que o nexo de causalidade entre os danos ocorridos e as suas consequências se mostra frágil, exemplo disso mesmo, é o facto de atribuir a perda de emprego ou deixar de fazer as coisas que gostava como praticar ginásio, ou sequer a razão que levou a julgar procedente o pedido deduzido pelo Demandante Centro Hospital do Algarve.

OOOO) Face ao supra exposto, e consideradas as apontadas omissões e a falta de fundamentação, impõe-se a nulidade do acórdão recorrido, por força do disposto nos artigos 97º, n.º 4, 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1, alínea a), todos do CPP e 202º, da CRP, nulidade que se deixa desde já arguida, nos temos e com as consequências legais, invocável nos termos do n.º 3 do art.º 410º do CPP.

PPPP) Resulta da impugnação da matéria de facto, que os factos provados devem ser alterados e outros aditados, e, consequentemente, o Recorrente não pode ser considerado coautor, mas eventualmente mero cúmplice dos crimes de roubo perpetrados contra os ofendidos, sendo certo que deverá necessariamente ser absolvido dos crimes de ofensas à integridade física cometidos contra estes.

QQQQ) Aqui chegados e de acordo com factualidade que deve merecer alteração, podemos facilmente concluir que, pese embora os bens materiais tenham saído da esfera jurídica do ofendido T, a verdade é que resulta inequivocamente que o Recorrente não praticou qualquer facto suscetível de integrar a factis specie do crime de roubo.

RRRR) Isto é, não subtraiu bens, ou constrangeu o ofendido T a que lhe entregasse o quer que fosse e muito menos com recurso a meios de violência contra o seu corpo ou contra terceiros, ou seja não praticou qualquer facto suscetível de integrar o tipo objetivo do crime, ficando, naturalmente, prejudicada a sua subsunção ao tipo subjetivo do ilícito – que é sempre doloso, recordamos.

SSSS) Isto é evidente quando verificamos que o Recorrente não agrediu o ofendido antes da consumação do imputado roubo e, como ficou supra demonstrado e resulta da documentação dos autos, nenhum dos bens roubados estava na posse do Arguido.

TTTT) Embora o Recorrente não tenha praticado nenhum facto suscetível de integrar o tipo de roubo, será que o podemos considerar coautor? Julgamos que não, porque não ficou provado, pelo menos, no que ao Recorrente diz respeito os pressupostos desta figura da comparticipação criminosa, desde logo não se provou a decisão conjunta e muito menos que o Arguido tivesse o domínio funcional do facto criminoso, seja positivo seja negativo.

UUUU) É que o nosso direito vigente consagra o conceito restritivo de autor nos crimes dolosos por ação, sendo plenamente aplicável a teoria do “domínio do facto”, teoria que veio a ser consagrada no art. 26º do CP, de acordo com a qual é autor quem domina o facto, quem dele é “senhor”, quem toma a execução «nas suas próprias mãos» de tal como que dele depende decisivamente o se e como da realização típica.

VVVV) Ora, dos pontos 2 e 11 do acórdão recorrido consta que os Arguidos pretensamente acordaram entre si em assaltar os ofendidos, mas não resulta desse acervo factual qualquer referência às tarefas a desempenhar por cada um deles, omissão que constitui a nulidade a que se reporta o art.º 379º do CPP, a qual desde já se argui para todos os devidos e legais efeitos.

WWWW) E, da matéria de facto considerada como provada, o Coletivo trata o Recorrente como se estivesse no mesmo plano que os demais, como que, por ter oferecido uma contribuição causal para a realização típica – mediante a condução do veículo (?!) – desconsiderando, por completo, que o art. 26º do CP determina que é autor, não aquele que causa o facto, mas quem executa, direta ou indiretamente.

XXXX) Destarte, considerando a matéria de facto devidamente impugnada, importante é agora determinar com precisão sob que pressupostos se pode afirmar que alguém tomou parte direta na execução conjunta e exerceu, por essa forma, o condomínio do facto, apurar, no fundo, se o Recorrente pode ser considerado ou não coautor.

YYYY) Estes pressupostos, cumulativos, são: (i) a decisão conjunta; (ii) apurar qual a determinada medida de significado funcional da contribuição do co-autor para a realização típica e (iii) se tomou parte direta na execução.

ZZZZ) Na ausência de uma confissão expressa por parte do Recorrente, importa indagar se o acordo se pode inferir das suas ações ou, pelo menos, através de comportamentos concludentes, por aquele praticados – o que não se constatou.

AAAAA) Sendo certo que o mero acordo, de resto, não poderia servir por si só para caracterizar uma forma de autoria, dependendo ainda do significado externo de que a realização acordada se reveste, nomeadamente nas características do papel ou da função que a cada um é distribuído na execução total do facto, papel ou função que nem sequer consta do acerco factual do acórdão recorrido, constituindo, como referimos uma omissão subsumível à nulidade prevista no art.º 379º do CPP, supra arguida.

BBBBB) Este contributo deve surgir de forma que o contributo de cada um para o facto apareça não como mero favorecimento de um facto alheio, mas como uma parte da atividade total e, correspondentemente, as ações dos outros se revelem como um complemento da sua própria participação, e seguro é que o Recorrente, como já concluímos, nunca acordou com os demais arguidos em assaltar ou roubar nenhum dos ofendidos, tendo inclusivamente referido em todo o estádio da execução da atividade criminosa para que estes parassem, e como referiu o Arguido F, e no que ao caso particular do ofendido T diz respeito, em instâncias da Mm.ª Juiz Presidente, ao questioná-lo sobre se o Recorrente terá dito para eles pararem, ao que aquele respondeu “não fizemos caso”.

CCCCC) Resulta, pois, que nem previamente nem durante a execução dos factos o Recorrente deu a sua anuência para que os mesmos se consumassem, não deu, portanto, o seu acordo, pelo que não podemos concluir, como o Tribunal Coletivo fez, que o Recorrente acordou com os demais arguidos em assaltar o ofendido T, nem sequer se poderá sustentar que o Arguido se tornou coautor durante a realização do facto, até à sua consumação já que, como já referimos, este tentou sempre que as agressões parassem, e mesmo quando o carro já estava parado elas intensificaram-se.

DDDDD) Até porque, como foi confessado pelo Arguido D, este desentendeu-se com o ofendido T e sorrateiramente, sem que o Recorrente, de facto, se tivesse apercebido, subtraiu-lhe os bens.

EEEEE) O desconhecimento, por parte do Recorrente, da subtração, leva-nos a concluir pela ausência de elemento intelectual do dolo, permitindo afirmar que de forma alguma o Arguido deu a sua concordância no plano traçado pelos demais Arguidos, isto é faltou a clara intenção de apropriação que se exige a todos os coautores.

FFFFF) Por outra banda, e já a propósito do significado funcional da alegada contribuição do Recorrente nos factos e a sua tomada de parte direta na execução, importa saber que peso, relevo, importância e significado deve ter o contributo do Arguido, para que se realize ou não um elemento típico, para que ele deva ser tido como ato de coautoria.

GGGGG) Dito isto, considerando a matéria de facto impugnada, concluímos que o roubo perpetrado contra o ofendido T, embora o início da sua execução se dê dentro do veículo conduzido pelo Recorrente, a realidade é que – se bem compreendemos o alegado contributo do Arguido que foi apenas conduzir – se o seu contributo dependesse o se e o como dessa execução, então quando este cessou a sua pretensa contribuição, os atos de execução do roubo teriam irremediavelmente de cessar, o que não sucedeu, tanto mais que quando o veículo parou as agressões àquele ofendido intensificaram-se.

HHHHH) Sendo certo que, se as declarações (fls. 281 a 286) que este ofendido prestou em sede de inquérito tivessem sido lidas na audiência de julgamento, conforme foi requerido pelo Defensor do Recorrente, mas recusado apenas pelo Assistente verificar-se-ia facilmente que os atos de execução do roubo, designadamente a subtração, se dão muito para além do contributo do Recorrente – “após a viatura ter parado” (sic) – fls. 283 -, o que permitiria concluir de forma clara e inequívoca a ausência do domínio funcional do facto.

IIIII) Em suma, do comportamento do Recorrente não é possível inferir que este tivesse o domínio do facto, quer positivo quer negativo, bem pelo contrário, não dispondo da capacidade de fazer gorar o roubo, limitando-se o seu contributo à mera disposição dos meios para esse efeito – uso do veículo – mas isso, como já referimos, extravasa o âmbito de aplicação da teoria do domínio do facto.

JJJJJ) Indispensável era que o contributo do Recorrente se tivesse refletido de forma indispensável na totalidade da execução, o que não sucedeu, vindo mesmo a mostrar-se totalmente irrelevante, digamos que, se o Arguido não contribuísse com a sua ajuda material – condução do veículo - certamente que o roubo se consumava, porquanto a sua “função” não o impediria, o que efetivamente se verificou, conforme supra referimos.

KKKKK) Concluímos, pois, que o Recorrente não era “Senhor” do facto neste delito, não dominando a execução típica (positiva e negativamente), de tal modo que a ele não cabia o papel de diretor na iniciativa, interrupção, continuação e consumação da realização, dependo estas, tão-só, e de forma decisiva, da vontade dos demais Arguidos, ou seja o Recorrente não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, podendo, quanto muito ter facilitado o facto principal.

LLLLL) Estas conclusões são com as necessárias adaptações aplicáveis aos factos perpetrados contra os ofendidos Bram e Giele, sendo certo que importa recordar que estes entraram voluntariamente para o veículo conduzido pelo Recorrente, como afirmaram e ficou reconhecido no acórdão recorrido.

MMMMM) E assim que se inicia a execução do roubo – dentro do carro, é um facto -, o Recorrente cessa com o seu auxílio, o qual não tem a suscetibilidade de fazer gorar o roubo, tanto é que a subtração dos bens se dá já fora do veículo e as agressões ainda se intensificam nesse momento.

NNNNN) Esta versão – do Arguido e do Ofendido Bram – são totalmente coincidentes, permitindo ainda concluir que o Recorrente tentou novamente parar as agressões mediante gritos, que não surtiram efeito, levando-o a parar imediatamente o seu veículo, mas, pelos vistos, também sem grande sucesso.

OOOOO) Destarte, se se entender que a “função” do Recorrente enquanto mero condutor era importante do ponto vista da alegada divisão de tarefas, aqui sobressai, sem margem para qualquer dúvida, que o seu auxílio era totalmente irrelevante, não lhe assistindo a capacidade de fazer gorar o suposto plano.

PPPPP) Não possuindo o Recorrente um conhecimento esclarecido de tudo quanto se estava a passar, é por demais evidente que não pode ser considerado coautor, inexistindo qualquer intenção de apropriação do que quer que fosse pelo Arguido A..

QQQQQ) Repescando o que supra referimos, concluímos, pois, que o Recorrente não era “Senhor” do facto neste delito, não dominando a execução típica (positiva e negativamente), de tal modo que a ele não cabia o papel de diretor na iniciativa, interrupção, continuação e consumação da realização, dependo estas, tão-só, e de forma decisiva, da vontade dos demais Arguidos, tendo, consequentemente, o Tribunal Coletivo violado o disposto nos art. 26º, 27º e 210º, n.º 1, todos do CP.

RRRRR) Não obstante, se não se entender existir esta relação de consunção, apenas poderá ser condenado o autor singular que praticou as ofensas à integridade física, por se tratar um dos casos de excesso, e que, como foi afirmado pelos demais arguidos, foram estes que bateram exclusivamente no ofendido T.

SSSSS) Como ficou demonstrado o Recorrente não praticou quaisquer atos de violência contra qualquer dos ofendidos, muito menos contra o T, até porque a sua versão dos factos – devidamente impugnada – não pode colher à luz das regras da experiência comum.

TTTTT) Por outro lado, e no que aos ofendidos Giele e Bram diz respeito. Questionamos: Qual era o papel do Recorrente nas ofensas? O facto de ter saído do local onde os factos ocorrerem permite-nos concluir que é coautor? Que papel de liderança? Se o papel do Recorrente era realizada através da condução do veículo automóvel – o que nem sequer é mencionado pelo Coletivo -, como é que poderá ainda ser considerado coautor de factos que vão bem para além do seu auxílio material?

UUUUU) É que “nada fazer para impedir” situa-se já fora do plano lógico, quer da coautoria quer da cumplicidade e, como o Coletivo reconheceu, o Recorrente não agride nenhum destes ofendidos, mas tenta justificar de forma arbitrária e sem fundamento nenhum de facto e de direito a pretensa participação do Arguido nas ofensas à integridade física.

VVVVV) Podia o comportamento do Recorrente porventura configurar no crime de omissão de auxílio (art. 200.º do CP) de que não foi acusado nem condenado (!).

WWWWW) Portanto, é por demais que o Recorrente tem de ser absolvido dos crimes pelos quais vem condenado, em particular os crimes de ofensas à integridade física, e que caso venha a ser mantida a condenação pelos crimes de roubo sempre o teria de ser enquanto mero cúmplice.

XXXXX) O Recorrente confessou integralmente a posse da arma de fogo encontrada no seu veículo, vindo a explicar que a sua posse se devia ao facto de o seu pai ter sido objeto de um carjacking e apenas seria para assustar terceiros, e que pese embora estivesse em boas condições de utilização, segundo os relatórios periciais junto aos autos, a arma não estava municiada, o que diminui drasticamente o seu perigo e afasta qualquer intenção de ofender terceiros.

YYYYY) Refira-se ainda que, não obstante a sua confissão integral e sem reservas, o Coletivo não deu cumprimento do disposto no art. 344º do CPP, o que consubstancia uma nulidade.

ZZZZZ) Com efeito, prevendo a norma que pune a detenção de arma proibida uma pena compósita, o Coletivo deveria ter dado preferência à pena de multa – até como melhor se exporá, não fundamenta o seu afastamento – a qual se afigura adequada e suficiente às finalidades da punição, até porque o Recorrente reconheceu que não era a melhor forma de proceder, vindo a mostrar-se notoriamente arrependido, o que não foi levado em linha de conta pelo Coletivo.

AAAAAA) Tudo visto e ponderado deverá o Recorrente ser absolvido da prática dos crimes pelos quais vem condenado, e caso assim não se entenda deverá, então, ser condenado enquanto mero cúmplice, à exceção do crime de detenção de arma proibida.

BBBBBB) Sem prejuízo de se defender que o Arguido deverá ser absolvido, para eventualidade de tal não suceder, jamais o Recorrente se poderá conformar com a pena de prisão que lhe foi aplicada, de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, que se afigura absolutamente desproporcionada, arbitrária e violadora das mais elementares regras e ditames legais na aplicação das penas criminais.

CCCCCC) Com relevância para a determinação da sanção o Tribunal Coletivo considerou provada matéria de facto vertida nas págs. 10, 11 e 12 do acórdão recorrido, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, sendo certo que devia ter dado como provado, como já concluímos, os factos alegados na contestação, por ter sido produzida prova nesse sentidos, os quais se devem aditar à matéria de facto provada por se revelarem importantes para a determinação da medida de pena.

DDDDDD) O princípio da legalidade das espécies das penas e das penalidades de cada crime impõem que a aplicação concreta pelo juiz deva observar os critérios estabelecidos por lei para a determinação da pena a aplicar ao agente do crime (cfr. art.º 29.º, n.º 3, da CRP).

EEEEEE) Neste conspecto, a pena concreta é fixada em função do tipo de crime cometido, entre as espécies e dentro dos limites legalmente estabelecidos, havendo que considerar as circunstâncias acidentais na sua quantificação e ainda ponderar se a pena pode ou não ser substituída por outra, sendo certo que a pedra angular na determinação concreta da pena aplicável é a satisfação das necessidades de prevenção, em todo o caso a pena nunca poderá ultrapassar a medida da culpa do agente (cfr. art.º 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, ambos do CP).

FFFFFF) Tratando-se de uma questão de direito, entende o Recorrente que o Tribunal Coletivo violou as normas contidas nos arts. 1.º, 2.º, 13.º, 18.º, 24.º e 29.º, n.ºs 1, 3, 4 e 5, todos da CRP e 27.º, 29.º, 40.º, 50.º, 70.º, 71.º, 72.º, 143.º, n.º 1, 210.º, n.º 1, todos do Código Penal, e bem como o art. 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro e art.ºs 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 2, ambos do CPP.

GGGGGG) Sem prejuízo do que supra se defendeu a propósito da impugnação da matéria de facto, na vertente de erro de julgamento, bem como na falta de exame crítico da prova, parece-nos que o Tribunal Coletivo violou de forma clara o princípio constitucional ne bis in idem, por ter efetuado uma dupla valoração de factos – privação da liberdade ambulatória dos ofendidos -, que aquele princípio proíbe, ou seja o Tribunal Coletivo ao apreciar e valorar esses factos entendeu que os mesmos não se subsumiam ao tipo de crime de sequestro, vindo a absolver todos os Arguidos desse crime – apreciação que antecedeu a condenação do Recorrente pelos demais crimes –, mas logo de seguida valora-os como circunstâncias agravantes da ilicitude.

HHHHHH) Ora, o princípio da proibição de dupla valoração impede precisamente essa dupla valoração que foi feita pelo Coletivo, pelo que o raciocínio adotado, cuja fundamentação é no essencial omissa, está viciado, levando a concluir liminarmente que as medidas das penas parcelares concretamente aplicadas o tenham sido com violação daquele princípio e outros que adiante se exporá.

HHHHHHH) É que não esquecendo que o tipo legal de sequestro quando é usado como meio para subtrair coisa alheia integra a componente normativa do tipo legal de roubo no segmento “pôr na impossibilidade de resistir”, o que já de si impede novamente a sua valoração nos termos em que o foram pelo Coletivo.

IIIIII) Se bem vemos as coisas, o Tribunal Coletivo na aplicação, quer das penas parcelares quer daquela resultou do cúmulo jurídico de todas aquelas, coloca todos os Arguidos no mesmo plano, quando, por imperativo legal, seja na coautoria, seja na cumplicidade, “cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes” (vd. art.º 29º do CP).

JJJJJJ) Por outra banda, constituindo a pena criminal uma reação jurídica ao crime e à culpabilidade do delinquente pelo mal do crime, ela há-de servir para realizar as finalidades que a lei lhe assinala: proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.

KKKKKK) Voltando estes princípios basilares para o caso vertente, como é que se realiza a reintegração social do Recorrente com a aplicação de uma pena de prisão de 10 anos e 6 meses? Pura e simplesmente não se consegue a reintegração.

LLLLLL) Aqui chegados, e como supra referimos, o Tribunal Coletivo, atendendo ao sentido pedagógico e socializador que deve presidir à aplicação das penas, deveria ter dado preferência à pena alternativa de multa – pelo menos no que ao crime de detenção de arma proibida e de ofensas à integridade física concerne-, não privativa da liberdade, segundo o critério de escolha consagrado no art. 70º do CP, porquanto se mostra adequada e suficiente em face das exigências quer de prevenção especial, quer de prevenção geral, no caso em apreço, para mais tendo em conta que a moldura da pena prevista no n.º 1 do art. 143.º do CP, e no artigo 86.º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

MMMMMM) Na realidade prevendo as normas penais penas compósitas (prisão ou multa) devia o Tribunal Coletivo ter optado pela pena de multa, considerando que satisfaz cabalmente as exigências de prevenção especial e geral.

NNNNNN) A desproporção do Tribunal Coletivo na aplicação das penas é bastante notório, e até gritante, exemplo disso mesmo é o facto de ter aplicado a pena de 2 anos de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, quando essa mesma arma não estava municiada, não foi utlizada nos roubos e o Arguido nunca foi condenado pela posse de armas ilegais e desconsiderou a confissão integral e sem reservas do Recorrente quanto à posse da detenção da arma proibida, o que impunha atenuação especial da pena, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 72º do CP.

OOOOOO) Concluímos, pois, que o Tribunal Coletivo violou o princípio da igualdade na aplicação da pena pela detenção da arma proibida, desde logo por ter desconsiderado o facto de em situações mais graves do que a que se discute nos presentes autos os nossos tribunais superiores têm vindo a aplicar penas bastantes mais leves.

PPPPPP) Veja-se que o Tribunal até acaba por reconhecer que os atos praticados pelo Recorrente constituem um ato isolado, o que reforça ainda mais o entendimento que tem vindo a ser sufragado (vide pág. 51 do acórdão recorrido).

QQQQQQ) Acresce que nas penas parcelares concretamente aplicadas e daquela que resultou do seu cúmulo, o Tribunal Coletivo nem sequer fundamenta, não explicita as razões pelas quais entendeu aplicar a pena de prisão, em detrimento da pena de multa, e mesmo o seu quantum, levando que o acórdão recorrido padeça do vício de falta de fundamentação, nos termos previstos no art.º 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, com referência ao artigo 374.º, n.º 2, do mesmo diploma, nulidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

RRRRRR) Como é que alguém, como o Recorrente que não revelou uma personalidade violenta nos factos praticados – até como o Tribunal chegou a reconhecer, pelo menos, quanto a dois ofendidos – tendo inclusivamente tudo feito para que as agressões cessassem (e como disse um dos Arguidos, “não fizeram caso disso [dos gritos e palavras do Recorrente para que parassem] pode ser condenado nas penas parcelares que o Tribunal Coletivo aplicou!? Não é manifestamente compreensível e é violadora das normas supra referidas, pelas razões já apontadas.

SSSSSS) Por outro lado, os nossos tribunais em situações semelhantes ou mesmo mais graves têm vindo a aplicar penas bastante mais leves do que aquelas que foram aplicadas ao Recorrente, sendo exemplo disso o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 13/07/2006 (Proc. n.º 06P1802), no qual se confirmou uma decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lagos, e que condenou o Arguido por cada um dos 6 (seis) crimes de roubo agravado nas penas parcelares de 2 anos e 9 meses de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão, vindo a aplicar em cúmulo jurídico a pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

TTTTTT) Mesmo em casos de violação, que a sociedade repudia no seu todo e que têm projeção negativa bastante mais acentuada, os nossos tribunais têm vindo a aplicar penas bastante mais leves e até suspensas na sua execução, sendo exemplo disso, o acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferido em 13/04/2011, em que condenou o arguido como autor material de um crime de violação p. e p. no artº 164º nº 1 do C.Penal, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova (Proc. n.º 476/09.0PBBGC.P1).

UUUUUU) Uma vez mais se vê que o Coletivo não levou em linha de conta a jurisprudência uniforme do nosso Supremo Tribunal de Justiça e bem como as decisões que compõem os demais tribunais do nosso ordenamento jurídico e as regras legais que presidem à aplicação das penas, vindo, desta forma, a violar o princípio da igualdade.

VVVVVV) Independentemente da espécie de pena escolhida, prisão/multa, impunha-se a sua atenuação especial, ao abrigo do disposto do n.º 2, do art. 27.º, do CP, visto que o Arguido, como já defendemos, não pode ser considerado coautor, mas mero cúmplice, por ter prestado auxílio material à consumação dos crimes de roubo.

WWWWWW) Por outro lado, fica por fundamentar cabalmente a pena aplicada em cúmulo jurídico, omissão que consubstancia uma nulidade, por força do disposto nos art.ºs 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, nulidade que desde já se invoca.

XXXXXX) O Coletivo, sem proceder no acórdão a qualquer fundamentação, condenou o arguido numa pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, desconhecendo-se quais as circunstâncias que, em concreto, relevaram naquela decisão, qual a apreciação que delas terá sido feita, e nenhuma razão foi invocada ou explicação foi dada no acórdão.

ZZZZZZ) Como primeira nota, importa reforçar a ideia que o Arguido durante todo o estádio dos crimes em apreço nunca concordou com a sua prática, não acordou coisa alguma com os demais arguidos, tendo inclusivamente querido que os actos cessassem, o que não veio a suceder

AAAAAAA) Não demostrou qualquer personalidade agressiva, bem pelo contrário, e, como é que alguém que não pratica quaisquer factos típicos dos crimes de roubo e de ofensas à integridade física simples poderá ser punido nestes termos? Incompreensível!

BBBBBBB) Acresce que o Arguido confessou integralmente e sem reservas a posse e detenção da arma de fogo, o que foi totalmente desconsiderado pelo Tribunal para a determinação da pena, nunca sofreu qualquer condenação anterior, não agrediu ninguém, tudo fez para que as agressões cessassem.

CCCCCCC) É de considerar que a avaliação global dos factos em conjunto com a personalidade do Arguido não evidencia uma tendência criminosa – que até ficou reconhecido pelo Tribunal -, o facto de já se encontrar em prisão preventiva há mais de 9 meses, leva-nos a concluir que a pena aplicada é superior a culpa do Recorrente, fazendo com que este Venerando Tribunal proceda à sua alteração para uma pena nunca superior a 5 anos de prisão e suspensa na sua execução.

DDDDDDD) Por outro lado, impunha-se no caso vertente a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, considerando a matéria de facto impugnada e aquela que deve ser aditada, regime que é aplicável aos casos em que a pena aplicada seja não superior a 5 anos, se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, permite concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

EEEEEEE) Neste âmbito, não podemos deixar de referir que o próprio Tribunal Coletivo considerou como favorável ao Arguido e o facto de se encontrar socialmente inserido, parece tratar-se de ato isolado, o que permite concluir que é legítimo esperar que o Recorrente não volte a incorrer na prática de crimes, logrando-se a sua plena socialização sem necessidade de privação da liberdade.

FFFFFFF) O Tribunal Coletivo decidiu mal, não só na pena concretamente aplicada, que devia ter sido sempre inferior a 5 anos, considerando que o Arguido só pode ser considerado mero cúmplice, mas também a devia ter suspendido na sua execução.

GGGGGGG) O grau de ilicitude do auxílio prestado pelo Arguido é substancialmente reduzido, atendendo a que não praticou atos materiais dos crimes em que foi condenado, como seja a subtração de bens, a agressão às vítimas ou mesmo a privação intencional da liberdade ambulatória dos ofendidos. Numa palavra: Não revelou qualquer vontade intencional em cometer os referidos crimes.

HHHHHHH) Os factos ocorreram numa situação momentânea, num contexto em que foi reconhecido pelos Arguidos, e também pelos ofendidos, de consumo de bebidas alcoólicas em excesso, sendo certo que o Recorrente nesses episódios não revelou qualquer personalidade violenta, bem pelo contrário.

IIIIIII) Recordamos que todos os Arguidos reconheceram, o que foi inclusivamente confirmado pelos ofendidos, o Recorrente não exerceu qualquer ato de violência sobre os ofendidos, e no caso particular dos ofendidos Giele e Bram, este último veio dizer que assim que as agressões se iniciaram o veículo conduzido pelo Arguido parou imediatamente, ato que foi explicado como uma tentativa de fazer cessar as agressões, o que não sucedeu.

JJJJJJJ) A propósito da personalidade do Arguido – de acordo com a matéria de facto que deve ser aditada – este foi descrito como sendo uma pessoa calma, não violenta, honesta, trabalhadora, amigo, responsável, equilibrada e cheia de energia.

KKKKKKK) O Recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais e tem tido boa conduta institucional no Estabelecimento Prisional onde se encontra detido à ordem dos presentes autos.

LLLLLLL) E no que concerne às condições da sua vida, ficou provado que a “antes de ser determinada a sua prisão preventiva neste processo em Setembro/2015, A. encontrava-se a residir na companhia da namorada, S, de 19 anos, num apartamento T2 na zona do Cacém pertencente ao seu progenitor, que mora noutra habitação nas proximidades” (vide pág. 10 do acórdão recorrido).

MMMMMMM) Também ficou provado que o Arguido sempre teve um percurso normal e conforme ao direito, tem emprego prometido no Hospital Fernando Fonseca (designado de Amadora-Sintra) e tem apenas 27 anos de idade.

NNNNNNN) Parece-nos que alguém, como o Recorrente, que é um jovem que nunca teve qualquer momento da vida qualquer envolvimento com o sistema judicial, estando a iniciar agora a sua vida em conjunto com a sua namorada, disponha de todas as condições para que a simples censura do facto e a ameaça da prisão – sem esquecer que já está há mais de 8 meses em prisão preventiva – realiza de forma adequada as finalidades da punição, devendo, em consequência a pena de prisão que eventualmente vier a ser aplicada ao Recorrente ficar suspensa na sua execução, por se verificarem os seus pressupostos legais.

OOOOOOO) Não tendo o Arguido praticado qualquer facto ilícito e punível pela lei penal, salvo o crime de detenção de arma proibida do qual não resulta danos, naturalmente que não poderá ser obrigado a pagar qualquer indemnização.

PPPPPPP) Caso assim não se entenda, e por mero dever de patrocínio, deverá a indemnização em que a Arguido foi condenado ser reduzida, por se mostrar desproporcional à reduzida gravidade dos factos por si praticados, injusta e desadequada, em conformidade com o disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil, considerando que o Recorrente deverá ser considerado como cúmplice, não lhe sendo aqui aplicável o regime da solidariedade na obrigação de indemnizar.

QQQQQQQ) Tratando-se de uma questão de direito entende a Recorrente que o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 483º, n.º 1, 562º, 563º, 564º, n.º 1 e 566º, n.ºs 1 e 3, todos do Código Civil, uma vez que o Arguido não ofendeu o corpo de nenhum dos ofendidos, naturalmente, não poderá ser obrigado a indemnizá-los por factos que não praticou, e consequentemente, não deverá liquidar o que quer seja ao Hospital Demandante.

RRRRRRR) De acordo com o disposto no n.º 5 do art. 412º do CPP o Recorrente mantém interesse no recurso apresentado a fls. 960 e ss., que tem por objeto as decisões de fls. 873 e 942, proferidas, respetivamente, sobre os requerimentos apresentados pelo Arguido a fls. 838-839 e a fls. 932-934, que foi admitido, com subida diferida, nos próprio autos e sem efeito suspensivo, por despacho prolatado em 18/03/2016, pelo que deverá subir com o presente recurso nos termos do disposto no n.º 3 do art. 407º do CPP, a fim de ser apreciado com as legais consequências.

Nestes termos e nos melhores de direito, impetrando o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que absolva o Arguido A. da prática, em coautoria, dos crimes de roubo, em que são ofendidos T, Bram e Giele, e bem assim dos crimes de ofensas à integridade física, cometidos contra os mesmos ofendidos, e que, a respeito do crime de detenção de arma proibida, deverá ser aplicada a pena de multa, sendo igualmente absolvido dos pedidos cíveis formulados pelos demandantes.

Caso assim não se entenda, deverá aquele acórdão ser declarado nulo, por falta de fundamentação e por erro notório na apreciação da prova, devendo ser proferido novo acórdão que supra as nulidades apontadas.

Em todo o caso, a manter-se a condenação do Arguido A., deverá ser como mero cúmplice, da prática de três crimes de roubo, p. e p. pelo 210.º, n.º 1, do CP, e de três crimes de ofensas à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal (CP), cometidos contra T, Bram e Giele e como autor apenas de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e sendo aplicada uma pena de prisão, deverá a mesma em cúmulo jurídico ser inferior a 5 (cinco) anos, a qual deverá ficar suspensa na sua execução.

Subsidiariamente, deverá ser apreciado e dado provimento ao recurso dos despachos interlocutórios, com consequente anulação da acusação e da audiência de julgamento.”

O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da confirmação da sentença, e concluindo:

“1. Os argumentos invocados pelo recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, salvo o devido respeito, decisão diversa da proferida pelos Mmos. Juízes “a quo”;

2. O douto acórdão não padece de qualquer erro, vício ou nulidade;

3. A finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, não se olvidando a especial;

4. O que determina a medida da pena concreta são a culpa e as exigências de prevenção;

5. As exigências de prevenção especial in casu são prementes;

6. Atente-se nas “consequências da conduta dos arguidos nos ofendidos que foram manifestamente relevantes, fazendo os mesmos temer pela sua vida, face às circunstâncias em que ocorreram;

7. Todas as circunstâncias pessoais do arguido e respectiva actuação e postura foram tidas em conta na escolha e medida da medida da pena;

8. Pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida;

9. Não foram, por isso, violados quaisquer preceitos legais.”

No recurso intercalar cujo interesse revelou manter, o arguido concluiu:

“A) É o JIC que tem competência para apreciar a nulidade do inquérito, na medida em que foram restringidos os mais elementares direitos de defesa constitucional e legalmente garantidos ao Arguido.

B) Assim impõe-se concluir que o Mm.º Juiz de Instrução Criminal decidiu mal ao eximir-se à apreciação daquela nulidade, implicando que os seus doutos despachos sejam revogados.

C) O disposto no art.º 97.º, n.º 5 do C.P.P., impõe que os atos decisórios sejam sempre fundamentados, devendo especificar os motivos de facto e de direito, permitindo aos seus destinatários aquilatar a razão pela qual a decisão se orientou num sentido e não noutro, expondo, para esse efeito, os critérios lógicos que constituíram o seu substrato racional.

D) Trata-se, portanto, de uma garantia que tem consagração constitucional (cfr. art.º 205.º, n° 1 da CRP).

E) Destarte, e não contendo os doutos Despachos os motivos de facto e de direito porque se entende que o Ministério Público é a autoridade judiciária competente para apreciar a nulidade invocada, são os mesmos irregulares por violação do disposto no art.º 97.-º, n.º 5 do C.P.P., vício que se subsume à previsão legal prevista no artigo 123.º, n.º 2 do CPP, o qual se invocou tempestivamente por requerimento a fls. 932-934.

F) Não tendo sido apreciado nos doutos Despachos a questão invocada – nulidade do inquérito – ocorreu uma omissão de pronúncia, fazendo com que os mesmos sejam atos irregulares, vício que se subsume ao disposto no art.º 123.º, n.º 2 do CPP, o qual foi igualmente invocado no requerimento anteriormente identificado.

G) Em todo o caso, o Arguido não pode deixar de alegar, desde já, para os devidos efeitos, a inconstitucionalidade da interpretação normativa retirada do art.º 123.º, n.º 2, conjugado com os art.ºs 61.º, n.º 1, alínea b) e 272.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que não compete ao Juiz de Instrução Criminal apreciar as nulidades e irregularidades cometidas pelo Ministério Público em sede de inquérito, por preterição de atos obrigatórios, por violação do disposto nos art. 2.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 32.º, n.ºs 1 e 5 e 205.º todos da Constituição da República Portuguesa.

H) O Arguido após a sua detenção foi sujeito ao primeiro interrogatório, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 141.º do C.P.P, no âmbito do qual lhe foi imputada a prática de 3 (três) crimes de roubo agravado, 3 (três) crimes de sequestro e um crime de detenção de arma proibida, imputação esta que se baseou única e exclusivamente com base na alegada posse dos bens reclamados pelos ofendidos e bem assim de acordo com as declarações destes.

I) Sucede que durante a fase de inquérito o Arguido não mais foi ouvido, ficando, assim, impossibilitado de se pronunciar quanto a novos factos e quanto às novas imputações.

J) Na realidade a Acusação Pública, para além de articular factos que constituíram o objeto daquele primeiro interrogatório judicial, com imputação idêntica, articula novos factos que importam uma alteração substancial daqueles, levando a que agora imputem ao Arguido a alegada prática de 3 (três) novos crimes, concretamente, 3 (três) crimes de ofensa à integridade física simples.

K) Face a esta nova imputação mostrava-se obrigatória a sua audição nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 61.º, n.º 1, alínea b) e 272.º, n.º 1 do C.P.P, omissão que é sancionada com nulidade.

L) Este dever de ouvir o Arguido por parte do Ministério Público na fase do inquérito constitui um direito que é atribuído àquele cuja consagração genérica se encontra plasmada no art.º 61.º, n.º 1, alínea b) do C.P.P..

M) Aqui chegados, podemos concluir que o direito de o Arguido ser ouvido na fase do inquérito foi completamente coartado, uma vez que da Acusação Pública resulta a imputação de mais 3 (três) novos crimes, diversos daqueles que indiciariamente se lhe imputava, impedindo-o de sobre eles se pronunciar.

N) Destarte, sendo obrigatória a realização do interrogatório previsto no artigo 272.º, n.º 1, a sua omissão quanto a alguns dos crimes de que o Arguido vem a ser acusado, constitui a nulidade relativa de insuficiência do inquérito, prevista no artigo 120.º, n.º2, alínea d), do C.P.P., posto que a lei não prevê para aquela omissão tratamento diverso, nulidade que já se arguiu para todos os devidos e legais efeitos, nos termos do art.º 120.º, n.º 3, alínea c) do C.P.P..

O) Em todo o caso, o Arguido não pode deixar de alegar, desde já, para os devidos efeitos, a inconstitucionalidade da interpretação normativa retirada do art.º 141.º conjugado com os art.ºs 61.º, n.º 1, alínea b) e 272.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que não constitui diligência obrigatória na fase do inquérito a realização de novo interrogatório do Arguido, após a sua audição em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, quando os factos indiciados venham a fundar a imputação pelo Ministério Público de crimes diversos, em acréscimo aos crimes que foram considerados indiciados pelo Juiz de Instrução Criminal, por violação do disposto nos art. 2.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 32.º, n.ºs 1 e 5, todos da Constituição da República Portuguesa.”

O Ministério Público respondeu ao recurso intercalar, concluindo:
“1. Pode ler-se no Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 24/09/2019, no proc. nº 248113.8JACBR-A.C3, relatado por Jorge Dias e disponível in www.dgsi.pt, que "A nulidade da acusação deve ser deduzida perante quem a subscreveu ou, perante o seu superior hierárquico e, não o sendo perante a entidade dominus do inquérito, só poderá ser conhecida nos termos do disposto no art. 311° do CPP.

2."Uma consequência da estrutura acusatória do processo é a independência do Ministério Público em relação ao juiz na formulação da acusação. Da consagração da estrutura acusatória resulta inadmissível que o juiz possa ordenar ao Ministério Público os termos em que deve formular a acusação. Por maioria de razão, não pode também o juiz suprir os vícios de que a acusação padeça" - Ac. desta Relação, de 22-05-2003, no proc. 368/07.8TALRA.C1.

4. No caso concreto e, não tendo sido requerida instrução (o arguido poderia sempre requerê-la – art. 287°, n° 1 al. a), do CPP), a nulidade arguida só seria de conhecer no despacho a que se reporta o art. 311º do CPP".

5. Pretendendo o Recorrente reagir contra o despacho de acusação, impunha-se que requeresse a fase de instrução, nos termos e no prazo do art. 287º do CPP, única via processual adequada à impugnação do aludido despacho. Pode ler-se, ainda, no Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 24/05/2011, no proc. n° 1566/08.2T ACSC.L 1-5,relatado por Jorge Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt. que .. O juiz de instrução, no domínio do inquérito, é, sobretudo, um juiz de garantias e de liberdades, não tendo qualquer intervenção de tipo hierárquico ou de supervisão jurisdicional dos actos do Ministério Público, para além dos consagrados nos artigos 268º e 269º do C.P.P.

6. A arguição de nulidades do inquérito deve ser suscitada perante o Ministério Público, entidade que preside a essa fase processual, com eventual reclamação para o superior hierárquico. Do despacho do Ministério Público (seja do inicial, seja do despacho do superior hierárquico) não cabe reclamação para o juiz, nem recurso para o tribunal superior.

7. As nulidades do inquérito só podem ser conhecida pelo juiz de instrução se requerida a abertura da fase processual da instrução ou, na ausência de instrução, pelo juiz da causa no momento de recebimento dos autos (artigo 311º, n. °1 do C.P.P.), pois, nessa fase, compete-lhe fazer o saneamento do processo e como tal conhecer das nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito (e de que possa, então, conhecer, entenda-se)".

8. Bem andou o Juiz de Instrução ao não conhecer da nulidade alegada, por tal não caber nas suas competências, não podendo, salvo melhor opinião, os despachos proferidos, em 16/02/2016 e 02/03/2016, ser revogados, conforme pretende o Recorrente.

9. O dever de fundamentação destina-se a permitir perceber porque é que a decisão se orientou num sentido e não noutro. O despacho deve explanar os critérios lógicos que constituíram o substrato racional da decisão. Trata-se, como refere o recorrente, de uma garantia que tem consagração constitucional- art. 205°, n° 1 do CPP.

10. O Juiz de Instrução, por despacho proferido em 02/03/2016, ao referir que "não cabia nas suas funções apreciar a nulidade de actos levados a cabo (ou omitidos) pelo Ministério Público durante a fase de inquérito", indefere a arguida irregularidade.

11. Este despacho não significa que se reconhece ao Juiz de Instrução o poder de decidir de forma arbitrária, de deferir ou indeferir sem fundamentar. Tem apenas o alcance duma declaração no sentido de que, não sendo este a entidade com legitimidade para conhecer da nulidade de inquérito invocada pelo Recorrente, não lhe caberá, consequentemente, fundamentar as razões de facto e de direito pelas quais o inquérito não padece de nulidade ou porque é o Ministério Público a autoridade judiciária competente para conhecer de tal nulidade.

12. Sem prejuízo, ainda que alguma irregularidade tivesse ocorrido, por falta de fundamentação, o que se não aceita nem se concede, a verdade é que nunca se poderá falar de omissão de pronúncia.

13. Conforme pode ler-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 21/11/2012, relatado por Maria José Nogueira, no processo n° 352/01.5TACBR.C2, disponível in www.dgsi.pt, citando o Acórdão do STJ de 11/12/2008 (proc. n° 08P3850), "Como tem entendido o STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença. E não tem de se pronunciar sobre questões que ficam prejudicadas pela solução que deu a outra questão que apreciou".

14. Também no que concerne à invocada falta de fundamentação e omissão de pronúncia não poderá, salvo melhor opinião, proceder o recurso ora interposto, por as mesmas não se verificarem e, consequentemente, não se verificar qualquer irregularidade.

15. Do cotejo dos factos imputados em sede de 1° interrogatório judicial com os factos imputados em sede de acusação não se verifica, em nenhum momento, a imputação de novos factos ao arguido que importem uma alteração substancial aos factos de que teve conhecimento em sede de 1° interrogatório.

16. Foi-lhe imputada, em sede indiciária, a prática de 3 (três) cnmes de roubo agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 210.°, n. Os 1 e 2 al. b), 204°, n° 2, aI. f) e 4° do Preâmbulo todos do CP; 3 (três) crimes de sequestro, p. e p. pelo art. 158°, n° 1, do CP; e 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86°, n." 1, a!. c), da Lei n." 5/2006, de 23 de Fevereiro.

17. Já em sede de acusação pública foi-lhe imputada a prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso real de 3 (três) crimes de roubo agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 210.°, n.os 1 e 2 al. b), 204°, n° 2, al. f), todos do CP; 3 (três) crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143°, n.OI do CP; 3 (três) crimes de sequestro, p. e p. pelo art. 158°, n° 1, do CP; e 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86°, n." 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

18. Assiste razão ao Recorrente quando refere que correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la - cfr. arts. 61°, n° 1, aI. b) e 272°, n" 1, do CPP.

19. Sucede que já não lhe assiste razão quando se vem arrogar de que tal não foi feito porque da acusação pública resultam imputados três novos crimes, diversos dos indiciariamente imputados, resultando tal na "nulidade relativa de insuficiência do inquérito, prevista no art. 120°, n° 3, al. d), do CPP".

20. Na verdade, o arguido foi interrogado, em sede de 1 ° interrogatório, optando por não prestar declarações sobre os factos que lhe foram imputados e que são, mutatis mutandis, os mesmos que constam da acusação pública deduzida.

21. Seguindo de perto o Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 12/1112014, relatado por Luís Teixeira, no proc. nº 248/13.8JACBR-RC1, disponível in www.dgsi.pt: •• Conforme resulta do processo, o arguido teve conhecimento, foi confrontado com os factos e elementos que constam dos autos. Teve a oportunidade de sobre eles de pronunciar e defender-se. Usou do seu legítimo direito ao silêncio. Ora, deste direito - direito ao silêncio -, afirma o recorrente que é ilegítimo retirar ilações. Não se trata de ser ilegítimo retirar ilações. Trata-se outrossim de, não podendo o arguido ser prejudicado pelo não exercício de um direito - no caso remetendo-se ao silêncio -, também dele não poder retirar beneficios, sem mais.

22. Sempre se pode acrescentar que, mesmo após o interrogatório do arguido no qual se remeteu ao silêncio, sempre o mesmo tinha o direito de intervir no inquérito, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurassem necessárias, incluindo a sua audição - assim o entendemos -, ao abrigo dos seus direitos do artigo 61º, n° 1, alíneas b) e g), do CPP.

23. Mais se esclarece que, pese embora a não audição (interrogatório) do arguido, na fase final ou prévia à dedução da acusação, os seus direitos de defesa, nomeadamente de ser ouvido e contraditar os factos que lhe são imputados, está longe de se mostrar precludido, pois pode não só requerer a abertura da instrução e aqui ser ouvido (para além de alegar os factos e indicar a prova que entender), como estar presente no julgamento onde será inevitavelmente ouvido e poder contraditar todos os elementos da acusação e por fim exercer o seu direito ao recurso.

24.Pelo que o invocado artigo 3r, na 1, da CRP[ não foi preterido ou violado, tendo o mesmo um teor e uma garantia para o arguido muito mais abrangente, como se anotou, do que a pretendida por aquele, no caso concreto ".

25. Não obstante a imputação de mais três crimes de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143°, n" 1, do CP, a verdade é que tal se prende, exclusivamente, com a qualificação jurídica dos factos imputados e não com estes em si mesmos.

26. Foi cumprido o disposto no art. 272°, n° 1, do CPP não se verificando a preterição de nenhuma garantia constitucional e, muito menos, a nulidade prevista no art. 1200, n" 3, a!. c) do CPP, por insuficiência de inquérito, não merecendo, também nesta parte, provimento o alegado.

27. Não se verifica a "inconstitucionalidade da interpretação normativa retirada do art. 123.°, n.º 2, conjugado com os art.s 61.°, n.º 1, alínea b) e 272º, nº 11° 1, todos do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que não compete ao Juiz de Instrução Criminal apreciar as nulidades e irregularidades cometidas pelo Ministério Público em sede de inquérito, por preterição de actos obrigatórios, por violação do disposto nos art.s todos da Constituição da República Portuguesa ", pelos fundamentos já expostos.

28. Não se verifica" a inconstitucionalidade da interpretação normativa retirada do art. 141º, conjugado com os arts 61º, 11º, 1, alínea b) e 272º, 11º 1, todos do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que não constitui diligência obrigatória na fase do inquérito a realização de novo interrogatório do Arguido, após a sua audição em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, quando os factos indiciados venham a fundar a imputação pelo Ministério Público de crimes diversos, em acréscimo aos crimes que foram considerados indiciados pelo Juiz de Instrução Criminal, por violação do disposto nos arts 2º, 18º, n°s 2 e 3, 20º n.°s 1,4 e 5 e 32.°, n.°s 1 e 5, todos da Constituição da República Portuguesa ", considerando os argumentos já expedidos e o explanado no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 72/2012 que decidiu: "Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 272º nº 1, 120º. n.2, alínea d), 141º, n. ° 4, alínea c) e 144.°, todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida".

Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido, não merece provimento, pugnando-se pela manutenção dos despachos recorridos e pelo indeferimento das inconstitucionalidades invocadas.”

Neste Tribunal, e em desenvolvido parecer, a Sra. Procuradora-geral Adjunta pronunciou-se no sentido da confirmação do acórdão, à excepção da parte relativa à pena, aceitando aqui a aplicação de uma multa pelo crime de detenção de arma proibida e uma redução das demais penas aplicadas (parcelares e única). Pronunciou-se ainda pela improcedência do recurso intercalar.

O arguido respondeu ao parecer, reiterando as posições defendidas nos dois recursos.

Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. No acórdão, na parte que interessa ao recurso, consideraram-se os seguintes factos provados:

“1. No dia 4 de Setembro de 2015, entre as 23h00m e as 00h00m, os Arguidos F, D, A e P, abordaram o ofendido T, na Praça de Táxis, nas proximidades do Centro Comercial Continente, sito nesta cidade de Albufeira.

2. Fizeram-no após acordarem entre si que o iriam assaltar e que se iriam apropriar de todos os valores e bens que aquele tivesse consigo.

3. Na concretização de tal plano, agindo sempre em comunhão de esforços, desferiram-lhe um muro no estômago, agarraram-no e colocaram-no à força no interior do veículo automóvel (Audi A3) de matrícula IC, onde se faziam transportar.

4. No interior do veículo, os Arguidos desferiram ao Ofendido diversos socos, dentadas e cabeçadas, apertaram-lhe o pescoço, tentando estrangulá-lo, e introduziram-lhe um pé-de-cabra na boca.

5. O Ofendido foi transportado para local ermo, junto à rotunda das Descobertas, em Albufeira, onde lhe retiraram um telemóvel (IPhone), no valor de, pelo menos, 250 Euros e a carteira, contendo 15€ e diversos documentos, fazendo-os seus.

6.Após lhe retirarem os referidos objectos, fizeram, ainda, uso de um machado, atingindo-o no pé, tendo o ofendido, apesar disso, conseguido colocar-se em fuga.

7. Após a fuga do ofendido, os Arguidos abandonaram o local.

8. Na sequência das descritas condutas, o Ofendido, T sofreu múltiplos ferimentos, designadamente:

- “Dentadas humanas no membro superior, várias feridas no 1º dedo da mão direita e no braço esquerdo, e perna esquerda, escoriações, hematoma no lábio superior, ferida incisa de 6 cm no membro inferior esquerdo, Múltiplos traumatismos, nomeadamente traumatismo craneo-encefálico; fractura do osso metatarso exposta e lesão do tendão de um dos pés; várias outras lesões na face e no corpo com características corto contundentes”.

9. Foi transportado para Lisboa (Hospital de Santa Maria), onde foi sujeito a acto cirúrgico.

10. No dia 5 de Setembro de 2015, cerca das 00h00m, os Arguidos deram boleia aos Ofendidos, Giele e Bram, perto do parque de campismo de Albufeira.

11. Fizeram-no após acordarem entre si que os iriam assaltar e que se iriam apropriar de todos os valores e bens que aqueles tivessem consigo.

12. Na concretização de tal plano e já no interior daquela viatura, agindo sempre em comunhão de esforços, desferiram várias cotoveladas, chapadas, cabeçadas e murros na zona da cabeça de ambos os Ofendidos.

13. Retiraram ao Ofendido Bram a sua carteira, que continha diversos documentos, nomeadamente uma carta de condução, o cartão de cidadão e dois cartões de débito, bem como 100€ em numerário e, ainda, o seu telemóvel (iPhone5), de valor não inferior a 250 Euros.

14. Retiraram ao Ofendido Giele a sua carteira, que continha diversos documentos e um cartão de débito, bem como 30€ em numerário e o seu telemóvel (HTC, modelo EV03D), de valor não inferior a 100 Euros.

15. Depois de circularem alguns minutos, vieram a imobilizar o veículo junto a uma pizzaria, nesta cidade, obrigando os Ofendidos a sair da viatura e continuando a agredi-los, já no seu exterior, nas pernas e nos braços, fazendo uso de um pé-de-cabra.

16. Tais condutas causaram lesões no ofendido Giele, nomeadamente, edema da hemiface esquerda, escoriações, provocando 10 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.

17. Tais condutas causaram lesões no ofendido Bram, nomeadamente, equimoses no pescoço e membro inferior direito, escoriações no abdómen, membro superior esquerdo membro inferior direito e esquerdo, provocando 10 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.

18. Nessas circunstâncias de tempo e lugar passou um veículo que precipitou a fuga dos Arguidos para parte incerta, ficando os Ofendidos no local onde se encontravam.

19. Os Arguidos foram interceptados e detidos posteriormente, cerca das 01h10m, na V6, em Portimão, pela PSP desta cidade, na posse, entre outros, dos objectos subtraídos aos Ofendidos, que foram recuperados, bem como de um machado e de um pé-de-cabra, que se encontravam no interior da mala do veículo já referido.

20. Nessa ocasião, para além do mais, o arguido A. tinha consigo a espingarda caçadeira, de tiro a tiro, com canos basculantes, de calibre 12, da marca ZABALA HERMANOS, n.º de série 183302.

21. Agiram os arguidos em comunhão e conjunção de esforços, em execução de um plano previamente combinado entre todos, exercendo sobre todos os ofendidos, supra identificados, acções que sabiam serem particularmente violentas e insusceptíveis de resistência, manietando-os, constrangendo-os e intimidando-os, com intenção de fazerem seus o dinheiro e valores que aquelas pessoas tivessem consigo, o que fizeram nas circunstâncias descritas, apesar de saberem que tais bens não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos respectivos donos.

22. Intimidados, manietados e completamente subjugados com as condutas ameaçadoras e violentas dos arguidos, nomeadamente por se tratar de um grupo de 4 sujeitos que os agarraram e manietaram, em superioridade física total, aos ofendidos foram retirados todos os supra referidos objectos, que os arguidos integraram no seu património, contra a vontade dos donos e sem que a tal tivessem direito.

23. Bem sabiam ainda os arguidos que tais condutas eram adequadas a fazer os ofendidos temerem pelas suas vidas e integridade física e que os encerrando no interior dos veículos automóveis, assim os privavam da sua liberdade ambulatória, de movimentação e de circulação bem como de liberdade de acção, o que quiseram e lograram fazer.

24. Ao actuar da forma descrita, sempre em comunhão de esforços e já após terem dominado, manietado e roubado os ofendidos, quiseram os arguidos atingir e atingiram os corpos dos mesmos, o que conseguiram, bem sabendo que ao actuarem daquela forma os iriam molestar fisicamente.

25. O arguido A. não era nem é titular de licença de uso e porte de armas e tinha perfeito conhecimento da natureza e características da referida espingarda, agindo com o propósito deliberado e concretizado de a ter na sua posse, bem sabendo que tal conduta lhe estava vedada por lei.

26. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.

Mais se apurou, (…)
30. O arguido A. não possui antecedentes criminais registados; (…)

34. Antes de ser determinada a sua prisão preventiva neste processo em Setembro/2015, A. encontrava-se a residir na companhia da namorada, S, de 19 anos, num apartamento T2 na zona do Cacém pertencente ao seu progenitor, que mora noutra habitação nas proximidades.

O arguido tinha cessado nessa altura um contrato de trabalho no Supermercado Aldi do Cacém e estava à espera de entrar para auxiliar de Saúde no Hospital Amadora Sintra, contando com o apoio económico do pai para as suas despesas quotidianas.

A altura dos factos o arguido encontrava-se provisoriamente no algarve com uns amigos, coarguidos no processo, em lazer.

Segundo filho de um casal de profissionais que trabalhavam na área da saúde (pai enfermeiro e a mãe auxiliar administrativa), A. cresceu num contexto sócio sócio-económico equilibrado, embora marcado pelo precoce falecimento do seu irmão por problemas de toxicodependência quando o arguido tinha apenas 6 anos.

O seu percurso escolar iniciou-se no ensino privado, no Colégio Vasco da Gama, em Rio de Mouro, que o arguido frequentou do 1º ao 7º ano de escolaridade, sendo depois transferido para a Escola Secundária Matias Aires no 8º ano, onde acabou por reprovar por faltas. Com o objetivo de afastar o filho de influências negativas em ambiente escolar, a família de A. mudou-se em 2005 para a vila de Almeida, na Beira Alta.

O agregado do arguido permaneceu em Almeida durante cerca de 5 anos para este prosseguir os estudos até ao 11º ano, mas não evitou que A. criasse hábitos de consumo regular de canábis junto dos novos colegas e amigos, tendo mesmo sido condenado em 2006 no âmbito de um processo por tráfico de menor gravidade. Após o regresso ao Cacém o arguido terminou o 12º ano na Escola Secundária Casimiro Matias, mas a sua estabilidade emocional foi abalada pelo falecimento da mãe em 2010, acentuando-se nesta fase os seus pluriconsumos.

No plano laboral e depois de mais de um ano sem trabalho, A. obteve em 2012 um emprego como operador de caixa no supermercado Aldi perto da sua residência no Cacém, onde trabalhou cerca de 3 anos.

No que respeita a ocupação dos tempos livres, é assumido pelo arguido a sua preferência pela companhia de pares problemáticos na zona de residência, sendo regulares os consumos de canábis e bebidas alcoólicas em contexto de grupo.

Durante os últimos 8 meses no estabelecimento prisional A. frequenta as aulas de inglês e desporto, as sessões de apoio psicológico e trabalha na biblioteca do EP desde Janeiro deste ano, mantendo-se abstinente dos consumos e com boa conduta institucional.

Mantêm o apoio no exterior por parte de elementos da família alargada e teve algumas visitas do progenitor e de amigos, bem como da namorada S, com quem iniciou uma ligação afetiva em 2013 e com quem vivia antes de ser detido.

No decurso das entrevistas realizadas em meio prisional o arguido verbalizou ter consciência da gravidade dos factos mencionados no despacho de acusação e revelou ter noção do desvalor da sua conduta, que associou aos seus consumos de álcool num contexto de diversão no Algarve junto dos co-arguidos.

(…)
37. A factura do Centro hospitalar devida pelos cuidados prestados ao ofendido não foi liquidada.

38. Na sequência das lesões do pé do ofendido T, o assistente ficou incapacitado de trabalhar até 1 de Dezembro de 2015, estando sujeito ao uso de canadianas durante algum tempo.

39. O assistente ficou mais calado e nervoso, deixando de sair à noite e de praticar desporto.”

Foram considerados os seguintes factos não provados:
“Que os restantes arguidos que não A. estivessem na posse da caçadeira de canos serrados.

Os demais factos dos pedidos de indemnização civil que acima não foram considerados provados.

Os demais factos constantes da contestação do arguido A. que acima não se encontram provados.”

E a motivação da matéria de facto foi a seguinte:
“Dispõe o art. 374º, nº 2 do CPP, na parte em que estabelece os requisitos da fundamentação da decisão da matéria de facto, que “a fundamentação” deve conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos (…) que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Deste modo, passamos a fazer uma exposição concisa, mas completa, dos motivos que levaram o Tribunal a dar como provados e como não provados os factos supra referidos, indicando os meios de prova que serviram para formar a convicção dos colectivo de julgadores e fazendo o seu exame crítico, cabendo neste, a razão de ciência das testemunhas (em que o Tribunal se baseou), a forma como depuseram e a sua relação com o litígio, os tipos de documentos em que o Tribunal se baseou, seu valor e origem, bem como o valor, origem e credibilidade da demais prova que acudiu à formação da convicção dos julgadores, sem esquecer o recurso às regras da experiência comum.

Evitaremos reproduzir com exaustão o teor da prova, uma vez que tal não constitui requisito legal para a fundamentação da decisão da matéria de facto, sendo o seu conteúdo sindicável, não por via da motivação da decisão da matéria de facto, sim pela leitura dos documentos e relatórios periciais e pela audição dos depoimentos prestados.

Quanto aos factos provados:
O Tribunal fundou a sua convicção, em geral, a partir da análise crítica das declarações dos arguidos, das testemunhas inquiridas em sede de julgamento e dos documentos juntos aos autos, em conjugação com as regras da experiência comum e da lógica.

Em particular:
No que concerne às declarações dos arguidos, ouvidos separadamente, retirou-se que,
O arguido F admite parte da prática dos factos, nomeadamente coloca-se no local referindo que juntamente com o co-arguido D, perguntou ao ofendido T onde poderiam comprar haxixe e o T terá dito ter um amigo que vendia, pelo que entrou no carro deles para os levar a um ‘bolina/bolinha’. Já teriam bebido os quatro arguidos – cerca de uma garrafa e meia de whisky- e admite que o próprio deu uns socos ao T e tentou estrangulá-lo. Porém, não viu ninguém a roubá-lo, nem a dar-lhe dentadas, nem mesmo com um pé de cabra. Nessa primeira situação, o arguido colocou-se na parte traseira do veículo com o D, sendo que o T estava no meio deles e na parte da frente estava o A e o P. Acrescentou que o A. sempre conduziu o carro e até terá dito para eles pararem de bater ao ofendido, o que eles não acataram e que quando saíram do carro o D foi buscar um machado mas não chegou a bater com ele porque o A. ou lhe pegou na mão ou lhe tirou o machado, pelo que pensa que o ofendido se terá magoado num ferro quando fugiu. Já na 2ª situação, começa por referir que não se lembra muito bem pois já iria no banco da frente do pendura. Lembra-se de darem boleia a duas pessoas belgas e que um deles queria vomitar, pelos que os amigos que estavam no banco de trás (P e D) os retiraram do carro de uma maneira brusca, sendo que igualmente lhes retiraram as carteiras. Questionando uma segunda vez, referiu já não ter visto qualquer agressão aos belgas fora do carro. Por fim, referiu que não sabia da existência da caçadeira.

O arguido D confirmou ter abordado o T para comprar haxixe porque este estaria a consumir, sendo que este terá dito que sabia onde comprar. Entraram para o carro, sendo que o arguido e o F iam atras e no meio ia o ofendido e na frente, o A. a conduzir e o P sentado a seu lado. Terão começado a discutir no carro e o A. terá parado o carro. Nessa altura quando o T saiu do carro terá ferido o arguido com uma navalha, pelo que lhe deu um soco e ele caiu, sendo que aí deve-se ter magoado no separador central que aí estava. Ainda pegou no machado que estaria no carro mas não bateu com ele porque não quis e não porque alguém lhe tenha dito para não o fazer ou lhe retirou o machado. Admite igualmente ter sido o próprio a retirar a carteira e o telemóvel ao T. e ter-lhe batido com o pé de cabra no joelho, porém não se lembra de terem colocado o pé de cabra na boca do ofendido nem desferido dentadas. Nessa situação, e quando começaram a discutir dentro do carro, os dois arguidos que estaria nos bancos da frente não terão dado por isso pois tinham a musica alta e já teriam ingerido – os quatro – cerca de 2 garrafas de whisky. O que se reporta à segunda situação, sabe que o F passou para a parte da frente do carro e o P para a parte de trás. Deram boleia a dois belgas, sendo que só lhes bateram para eles saírem com murros e chapadas. Cá fora, ainda lhe deu uns pontapés, depois de ter puxado o belga para fora do carro. O P terá retirado o outro belga do carro. O A. nunca disse para pararem em nenhuma das duas situações. Este arguido reconheceu igualmente que para além de ter tirado a carteira e o telemóvel ao T, retirou a carteira e o telemóvel a um dos belgas. Porém não sabia da existência de uma caçadeira no carro.

O arguido A. (depois de ter sido feita uma interrupção, tendo em conta que o Ilustre Mandatário do arguido referiu ter uma necessidade premente de conferenciar com o seu constituinte antes de este prestar declarações, gorando assim o objectivo da lei de os arguidos serem ouvidos separadamente, alias conforme havia sido ordenado) referiu que nesse dia estavam todos juntos, sendo que era o próprio que conduzia o carro do seu pai. Nesse dia, parou o carro nas imediações do supermercado continente e foi levantar dinheiro ao multibanco. Quando entrou no carro, já o T. estava lá dentro, sendo que após questionar foi-lhe dito que o T. os guiaria a uma pessoa para comprar haxixe. Quem iniciou a condução foi o P, porém passados poucos metros quem voltou à condução foi o ora depoente. O T. começou por indicar o caminho mas logo ficou hesitante, pelo que o D perguntou que ele estaria a gozar com eles. O T. começou então a falar mal com o D. e este e o F. começaram a discutir com o T. O depoente parou o carro para o T. sair, sendo que no carro ainda existiram agressões. Também viu que o T. terá batido no D., porque no momento em que saiu do carro o T. terá desferido uma facada ao D. Porém, nesta primeira situação, o depoente não saiu do carro apenas tendo dito para parar, estando dentro do carro. O D. saiu, o F. saiu e o P. também acabou para sair. Apercebeu-se que o D. foi à mala do carro e viu o T. no chão. Admitiu a posse do machado e do pé de cabra que seriam utilizados pelo pai e sua madrasta para ir a uma horta que possuía. Já no que se reporta à caçadeira, admite igualmente a sua posse e propriedade desde há cerca de um ano e meio porque o seu pai havia sido vítima de um roubo violento do seu veículo automóvel, pelo que ficou com medo e por isso a adquiriu no bairro 6 de Maio mas sabe que não a poderia deter. Mais acrescentou que a caçadeira estaria enrolada nas calças na bagageira.

Já na segunda situação (Belgas), lembra-se que o F. terá passado para o banco da frente e o P. para o banco de trás. Como já tinha bebido e queriam era esquecer aquilo e divertirem-se iam para a zona dos bares quando viram dois estrangeiros a pedir boleia. Por ideia própria, pararam para saber para onde iam e como disseram que iam para Albufeira Velha para a zona dos bares, eles disseram para entrar para irem com eles. Como um dos belgas queria vomitar, os que estavam atras começaram a bater e a discutir e o depoente parou o carro, dizendo para eles pararem com isso. Quando pararam o carro, o D e o P também saíram do carro e começaram-lhe a bater. Não se lembra se o F também terá batido mas sabe que o depoente não bateu em nenhuma das situações, sendo que gritou para eles pararem. Porém, apenas o fez após sair do carro e ter ido urinar. Não reparou que os amigos tivessem tirado as carteiras ou os telemóveis aos ofendidos. Sabe que os belgas foram-se embora a correr. Depois decidiram ir a Portimão para continuar a beber.

Acrescentou ainda que a caçadeira não estava municiada e costumava estar colocada por baixo do banco do condutor.

Por fim, o arguido P referiu que o T entrou no carro de sua livre vontade e que se começou a desentender com o D sendo que este lhe terá dado uns socos ainda dentro do carro. O A. disse para pararem com a confusão e parou o carro para o T sair, sendo que o A. ficou no carro. Os outros três (o próprio, o D e o F) saíram do carro e bateram no T com socos. Na chapeleira do carro existia um pé de cabra e também foi utilizado, porém não viu qualquer caçadeira nem machado. Sabe que o T tinha uma faca e nunca viu o T no chão. No que se reporta à segunda situação, deram boleia a dois belgas, até foi o próprio que falou com eles porque sabe falar inglês. Admite que bateu num belga mas só para se defender. Os dois arguidos que se encontravam na frente (D e F) não chegaram a sair do carro mas disseram para parar. Acabou por ficar com a carteira e o telemóvel de um dos belgas pois ao puxar-lhe pelas bermudas para ele sair do carro, devem ter caído no carro. No que se reporta ao outro belga não sabe o que aconteceu. Entretanto apareceu um carro, pelo que se foram embora e os belgas ficaram no local. Acrescenta ainda que nenhum deles chegou a tirar nada da bagageira.

O assistente T, relatou os factos referindo que teria ido deixar a namorada à paragem de autocarros e que, de seguida, ia apanhar um táxi junto ao supermercado continente de Albufeira quando viu dois dos arguidos a circular. Na altura não viu qualquer outro carro e não viu mais ninguém na rua. Ainda passou para o outro lado da rua mas dois dos arguidos dirigiram-se a ele para perguntar onde se comprava haxixe. Disse que não sabia e que nem sequer fumava. Acto contínuo agarraram-no pelo braço e puseram-no dentro do carro na parte de trás no meio dos dois que o abordaram (que entretanto vira que estava estacionado com dois indivíduos lá dentro). Começaram logo a circular (primeiro um deles estava a conduzir mas como deixou o carro ir abaixo algumas vezes, o arguido de raça branca passou para a condução). Nessa altura eles queriam ir para casa do depoente e perguntaram-lhe onde morava, pelo que o mesmo dava indicações erradas (pois que tinha apenas a mãe, a irmã e a sobrinha pequena em casa). Enquanto estava dentro do carro, às voltas por Albufeira, um dos arguidos que estava a seu lado, retirou um pé de cabra que estaria no lado da porta lateral esquerda, colocou em cima dos joelhos e disse-lhe «passa para cá a carteira e o telemóvel», ao que o ofendido acedeu. Nessa altura, começaram a agredi-lo, o do seu lado esquerdo bateu-lhe com o pé de cabra na cabeça e introduziu-o na boca, fez uso de um alicate de corte, cortando-o na perna e cortando o dedo mindinho da mão direita e desferiu-lhe diversas dentadas no corpo, nomeadamente nos membros superiores. Por seu turno, o arguido que estava à sua direita, tentou enforca-lo e deu-lhe socos na cara. O arguido que estava no lugar do pendura também lhe deu uns socos na cara. Tudo isto ainda dentro do carro e enquanto estava a dar indicações ao condutor A. que as estava a acatar, seguindo nessa mesma direcção. Na altura, ameaçaram-no de morte se reagisse. Como perceberam que o ofendido não lhes estava a dar as indicações correctas, o arguido A. parou o carro num sítio ermo, numa estrada sem luz em frente ao parque de campismo de Albufeira. Nessa altura, ‘jogaram-no’ para fora do carro e ele caiu. O branco que ia a conduzir o carro também saiu do carro e enquanto estava no chão, deu-lhe um pontapé na zona da omoplata. Nessa altura, todos lhe bateram, sendo que um foi buscar um martelo – não sabe quem – mas tentaram acertar-lhe com o mesmo o que conseguiram no pé. Foi nesse momento quando o tentavam acertar com o machado que o branco disse para pararem ao que ele conseguiu fugir.

No que se reporta aos danos tidos em consequência da conduta dos arguidos, referiu que não trabalhou até 1 de Dezembro, sendo que depois foi despedido (era jardineiro) porque não conseguia subir às árvores pois não tem sensibilidade num dedo de um pé. Deixou igualmente de fazer desporto, deixou de sair de casa e quando sai vai acompanhado do cão. Ficou igualmente com perturbação na visão do lado esquerdo. Acrescentou ainda que não possuía qualquer faca ou navalha e que ficou sem carteira, sem os 15 euros que continha e sem o telemóvel que valeria cerca de €300,00. Esse telemóvel foi-lhe entretanto devolvido.

Este depoimento foi claro, concreto e credível logrando convencer o Tribunal. Na verdade, o ofendido descreveu com pormenor os factos (como bem referiu o mandatário do arguido A. nos seus esclarecimentos), não exacerbando os mesmos e com humildade suficiente para referir quando não sabia quem tinha feito o quê.

O ofendido Giele, ouvido em memórias futuras, referiu que nessa noite tinham bebido um bocadinho (cerca de meia garrafa de vinho) e como estavam no parque de campismo e queriam ir para Albufeira começaram a pedir boleia. Um carro parou e perguntou para onde queriam ir, como disseram que era para o centro de Albufeira, ele disse para irem com eles. Eram quatro pessoas no veículo, três de raça negra e um de raça branca. Entraram no carro, na parte de trás e ficaram espremidos, pois que eram quatro. Vinham em direcção a Albufeira, mas na rotunda viraram à direita em direcção a um descampado. Começaram a abrandar a marcha do carro e começaram a dar chapadas dentro do carro e a apalpar os bolsos para tirar o telefone. Como o depoente agarrou no telefone, o que estava ao lado dele começou-lhe a dar socos. O que estava à frente conseguiu tirar o telemóvel e mordeu-lhe no braço direito quando tentou tirar a carteira. Quando começaram a dar murros ainda tentou chegar à manete da porta mas um agarrou-o pelo pescoço e mandou-o para trás (o que estava ao lado dele). Continuaram a dar-lhe murros e o depoente disse para levarem tudo. Entretanto, pararam o carro, abriram a porta e puxaram-no para o exterior. O depoente caiu mas queira levantar-se para lutar mas como viu um deles a colocar as mãos nos bolsos, pensou que tinha alguma coisa e não se levantou. Deitado, deram-lhe murros e pontapés na cara e na barriga. O que estava ao volante estava a fazer um telefonema, enquanto os outros estavam a bater. Viu as luzes de um carro a chegar e o que lhe estava a bater, devido à chegada do carro, arrastou cerca de 20 metros e disse-lhe levanta-te e foge. Entretanto, o outro do outro lado do carro (aquele que tinha uma cabelo em rastas até meio das costas) estava abater com um pé de cabra no sobrinho (Bram). Tiraram-lhe o telemóvel e a carteira com cartões de crédito e de débito e cerca de 10-30 euros. Eles tentaram parar os carros para pedir ajuda, mas apenas um opel de cor branca parou.

O ofendido Bram, referiu terem apanhado boleia de um veículo escuro e que iam atras com dois indivíduos de raça negra, sendo que o condutor era branco e o que estava no lugar do pendura era negro. Quando o carro estava a andar eles começaram a bater. O ofendido disse para levarem tudo o que quiserem e quando os tiraram do carro – depois de já não ter a carteira e o telefone – continuaram a bater com pontapés na barriga e cabeça. Só o rapaz que estava à sua direita no carro é que lhe bateu já fora do carro mas foi o que estava sentado à frente que lhe passou o pé de cabra para o agredir, sendo que aí protegeu a cabeça com os braços. Dentro do carro, o que estava no banco da frente também lhe deu murros na cara. Quando viram um carro a passar os três negros entraram no carro e foram-se embora, conseguindo eles escapar. Sabe que passaram duas rotundas e viraram à direita para um sítio escuro. Mais acrescentou que havia bebido cervejas e um shot.

A testemunha AM, pessoa que encontrou os dois cidadãos belgas na estrada, referiu que já era noite e ia para casa quando viu dois jovens na estrada a pedir ajuda. Um deles tinha ferimentos nas pernas pois que tinha as calças todas manchadas de sangue e estavam em pânico. Pediram para ir à GNR e aí contaram os factos que tinham ocorrido. A testemunha não viu os agressores.

A testemunha DS, Inspetor da PJ referiu como localizou os arguidos em Portimão com a ajuda do localizador do Iphone de um dos cidadãos belgas.

A testemunha AS, agente da PSP, referiu que aquando da detenção as roupas dos arguidos estavam com sangue e o machado também tinha sangue, sendo que foram apreendidos telemóveis pertencentes às vítimas, assim como cartões e dinheiro, conforme autos de apreensão junto aos autos. Mais referiu que abordaram o veículo dos arguidos como uma abordagem de alto risco sem colaboração.

A testemunha NL, agente da PSP, colaborou na detenção e revista a um dos arguidos. Sabe que os arguidos apresentavam sangue e que no porta-bagagens existia uma caçadeira e um machado também com vestígios de sangue.

A testemunha do demandante, MF, mãe do ofendido, referiu que o filho ficou 3 meses sem trabalhar e que ficou com um problema na vista e no pé. Antes saia pouco à noite e agora não sai. Desde aí ficou muito nervoso e diferente.

A testemunha do demandante, MS, padrasto do ofendido, referiu que antes o T andou de canadianas durante muito tempo, gostava de ginásio e de trabalhar, agora anda sempre muito nervoso, não gosta de sair de casa e está sempre em casa, nem sequer sai à noite e ele tem 24 anos.

A testemunha do demandante, JA, irmã do ofendido, referiu que o irmão deixou de sair de casa, tem medo do escuro e ficou muito nervoso desde a situação, sendo que nunca mais trabalhou.

No que se reporta às testemunha de defesa do arguido A., o Tribunal ouviu,
As testemunhas R, MI e PP, todos eles amigos de infância do arguido David, que referiram que o mesmo é trabalhador, pessoa impecável, pessoa um pouco medricas e que não gosta de arranjar problemas, pessoa serena e tranquila.

A testemunha AC, superior hierárquica do arguido enquanto trabalhou nos supermercados Aldi, referiu que o arguido é pessoa trabalhadora e idónea, ingénua e pura, medrosa e não violenta.

Nos que concerne aos factos provados constantes dos pontos 33 a 36 baseou-se o Tribunal nos relatórios sociais dos respectivos arguidos, que pelas respectivas suas fontes, metodologia e isenção da entidade que os elaborou, nos mereceram credibilidade.

Para prova dos antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se nos certificados de registo criminal de cada um dos arguidos.

O Tribunal teve ainda em consideração os documentos juntos aos autos, a saber,
- Informação de serviço de fls. 2 e 4;
- Auto de notícia de fls. 9;
- Informação de serviço de fls. 21;
- Auto de apreensão de fls. 23 (arguido F)
- Auto de apreensão de fls. 25 (arguido D);
- Auto de apreensão de fls. 26 (arguido A);
- Auto de apreensão de fls. 28 (arguido P);
- Relato de diligência externa de fls. 45;
- Auto de apreensão de fls. 47 (ao interior do veiculo automóvel Audi A3);
- Relatório de urgência do ofendido T de fls. 50;
-Termos de entrega ao ofendido de fls. 163 e seguintes;
-Auto de exame directo de fls. 227;
- Autos de reconhecimento de fls. 232 (do ofendido Giele ao arguido D);
- Autos de reconhecimento de fls. 235 (do ofendido Giele ao arguido F);
- Autos de reconhecimento de fls. 238 (do ofendido Giele ao arguido A.);
- Auto de reconhecimento fotográfico de fls. 241;
- Auto de reconhecimento pessoal de fls. 243 do ofendido Bram ao arguido P;
- Informação de serviço de fls. 255 e informação pericial de fls. 264;
- Guia de entrega de vestígios recolhidos no local do crime de fls. 269;
-Cota de fls. 291;
-Auto de apreensão de fls. 292;
-Auto de exame directo de fls. 293 e 295;
- Reportagem fotográfica de fls. 342 e 505 dos ofendidos Bram e Giele, da Viatura Audi A3, e o dos arguidos);
- Reportagem fotográfica do ofendido T de fls. 371 e seguintes;
-Auto de exame do veículo Audi A3 e respectivo relatório fotográfico de fls. 383;
- Relatório de exame perícia à arma de fls. 413;
- Termo de entrega do veículo de fls. 479;
- Relatório de exame pericial de avaliação do dano corporal em direito penal de fls. 493 do ofendido Giele;
- Relatório de exame pericial de avaliação do dano corporal em direito penal de fls. 497 do ofendido Bram
- Auto de reconhecimento presencial do ofendido T ao arguido F de fls. 563;
- Auto de reconhecimento presencial do ofendido T ao arguido P de fls. 566;
- Auto de reconhecimento presencial do ofendido T ao arguido D de fls. 569;
- Auto de reconhecimento presencial do ofendido T ao arguido A. de fls. 573;
- Termo de entrega e devolução de fls. 709;
- Relatório de exame pericial de fls. 713.

Perante tal prova documental e testemunhal, o Tribunal não ficou com dúvidas que os factos se passaram como os ofendidos referiram e como consta da acusação.

Na verdade, todos os arguidos se colocaram no local e três deles (conforme supra referido) tiveram a hombridade de admitir a quase totalidade dos factos, mormente no que se reporta a parte das agressões, admitindo de uma forma lata o furto das carteiras e dos telemóveis. Justificaram com o facto de estarem embriagados e de terem discutido com a primeira vitima que uma das segundas vítimas queria vomitar dentro do carro, como se fosse alguma justificação. Porém, o que é um facto é que admitiram os mesmos.

Já não aconteceu o mesmo com o arguido A. que assumiu uma posição de vitimização e de desresponsabilização face aos factos, negando a sua prática como co-autor e tentando justificar que disse para pararem de bater. Porém, o arguido A. era o condutor, era ele quem estava a acatar as indicações do ofendido T, em nenhum momento foi referido que ele tivesse dito para parar. Acresce que foi o arguido A. que conduziu o carro até um local ermo (face às declarações do T) e foi o arguido A. que também lhe deu um pontapé enquanto o ofendido estava no chão. Apenas é referido pelo ofendido que não lhe bateram mais com o machado porque o «branco» disse para pararem naquele momento e por isso conseguiu fugir.

Também nos factos que tem como ofendidos os cidadãos belgas, foi o próprio arguido A. que, estando a conduzir, parou o veículo para dar boleia aos mesmos e conduziu-os para um sítio onde quis e parou quando quis. Sitio esse que era um descampado sem iluminação pública, conforme declarações dos ofendidos. Quando os mesmos foram retirados do carro, o arguido A. até pode não ter batido nos cidadãos belgas mas o Tribunal ficou com a convicção que tinha o seu papel nas ofensas, até porque saiu do carro falou ao telefone e depois disse para entrarem no carro (segundo a versão dos ofendidos) ou mesmo a sua versão, saiu no carro, ainda foi urinar e depois disse para pararem, demonstrando em qualquer das situações novamente uma liderança sobre os mesmos. Podendo concluir o Tribunal que o arguido A. até tinha uma superioridade sobre os demais.

Em suma, o Colectivo de juízes não fica com quaisquer dívidas que cada um dos arguidos teve a sua participação nos factos, mas todos eles os praticaram em co-autoria.

Já no que se reporta aos factos que se subsumem ao crime de detenção de arma proibida, apenas existe prova suficiente de que a arma pertencia ao arguido A., sendo que o próprio assumiu, os demais arguidos disseram não ter conhecimento de tal arma o que foi corroborado pelo arguido A. acrescentando o facto de o veículo ser propriedade do mesmo.

Já no que se reporta aos factos que se subsumem ao pedido de indemnização civil, o Tribunal fundou a sua convicção das declarações das testemunhas arroladas que foram claras e convincentes, porem no que se reporta a parte dos danos os mesmos careciam de prova documental o que não foi junta.”

3. Do recurso intercalar
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar são, aqui, a nulidade de inquérito prevista na al. d), do nº 2 do art. 120º do CPP, a determinação da autoridade judiciária competente para dela conhecer, e a omissão de pronúncia e falta de fundamentação dos despachos impugnados.

3.1. Da nulidade de inquérito prevista na al. d), do nº 2 do art. 120º do CPP

O recorrente defende que, no decurso do inquérito, foi cometida uma nulidade. A nulidade resultaria da ausência (ou omissão) de um interrogatório subsequente ao primeiro interrogatório judicial que teve lugar quando o arguido foi detido, o qual seria, in casu, legalmente obrigatório.

A obrigatoriedade do interrogatório subsequente derivaria, por seu turno, da circunstância de, na acusação, terem sido imputados ao arguido mais três (novos) crimes (de ofensa à integridade física simples), para além daqueles que lhe haviam sido devidamente comunicados no único interrogatório judicial a que fora sujeito nos termos do art.º 141.º do CPP (três crimes de roubo agravado, três crimes de sequestro e um crime de detenção de arma proibida).

Refere concomitantemente o recorrente que, na acusação, se articularam novos factos, que importaram uma alteração substancial de factos, e que esta imputação tornaria obrigatória a audição prévia do acusado, nos termos dos artºs 61.º, n.º 1, al. b) e 272º, n.º 1 do CPP, omissão que consubstancia a nulidade invocada.

Mostrando-se cerceado, sempre na sua alegação, o direito a ser ouvido na fase do inquérito sobre os novos crimes, diversos daqueles que indiciariamente lhe haviam sido comunicados, impedindo-o de sobre eles se pronunciar em momento anterior à acusação, teria sido cometida a nulidade, que suscitou em tempo.

Arguiu, por último, “a inconstitucionalidade da interpretação normativa retirada do art. 141º, conjugado com os art.ºs 61.º, n.º 1, al. b) e 272º, n.º 1, todos do CPP, quando interpretados no sentido de que não constitui diligência obrigatória na fase do inquérito a realização de novo interrogatório do arguido, após a sua audição em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, quando os factos indiciados venham a fundar a imputação pelo Ministério Público de crimes diversos, em acréscimo aos crimes considerados indiciados pelo Juiz de Instrução Criminal, por violação do disposto nos art. 2.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 32.º, n.ºs 1 e 5, todos da CRP.”

A questão suscitada no recurso intercalar não é nova. Sobre ela se tem pronunciado a jurisprudência, podendo ainda contar-se com alguma reflexão doutrinária, e havendo já pronúncia expressa do Tribunal Constitucional.

Importa, porém, começar por precisar que a concreta situação objecto de apreciação não é exactamente aquela que o recorrente quer enunciar.

É certo que, durante o inquérito, teve apenas lugar um primeiro interrogatório judicial de arguido detido (o qual não está colocado em crise no recurso) e é certo que o arguido não voltou a ser ouvido previamente à formulação da acusação. Corresponde igualmente à verdade processual que, na acusação, foram imputados ao arguido mais três crimes (de ofensa à integridade física), para além dos (tipos e número de) crimes já comunicados pelo juiz de instrução que o ouviu em declarações.

Mas é incorrecta a afirmação de que terão sido aditados factos novos na acusação, factos sobre os quais o arguido não teria tido a oportunidade de se pronunciar, no decurso do inquérito.

Na verdade, como o Ministério Público bem concretiza na resposta ao recurso, do confronto da factualidade comunicada ao arguido em primeiro interrogatório judicial com a factualidade descrita na acusação resulta exactamente o contrário, ou seja, a inexistência de factos novos, pretensamente não comunicados.

Do que se tratou, sim, foi de uma diferente qualificação jurídica das condutas imputadas, no sentido de se ter entendido, na acusação, que uma mesma descrição da realidade já comunicada ao arguido realizava os crimes também já anteriormente comunicados e ainda três crimes de ofensa à integridade física.

Ou seja, tratar-se-ia sempre de uma mera alteração da qualificação jurídica (e, não, de uma alteração de factos) a que a lei, em determinadas fases do processo, atribui relevância jurídica, equiparando-a, no seu regime, é certo, a uma alteração não substancial de factos.

Assim sucede quanto ao julgamento - art. 358º, nº 3 do CPP: “O disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”, sendo que o nº 1 se trata da alteração não substancial de factos –, e assim sucede na instrução – art. 303º, nº 1 do CPP.

Não tem, pois, razão o arguido quando propala ter ocorrido uma alteração substancial de factos, que é aquela alteração de factos que tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (art. 1º, al. f) do CPP).

A simples alteração da qualificação jurídica (consistente num enquadramento jurídico diverso para os mesmos factos) é resolúvel, em julgamento e na instrução, por via do art. 358º do CPP, e tratada sempre como alteração não substancial de factos. Mas mesmo a introdução de determinados factos novos (o que não ocorreu no presente caso, repete-se) pode, em determinadas situações, nem implicar sequer uma alteração de factos juridicamente relevante (e pode não exigir mesmo qualquer comunicação, ou seja, o cumprimento de nenhum dos dois artigos, 358º ou 359º do CPP).

Do que se trata aqui em recurso é de saber se, no decurso do inquérito, a lei impõe a audição de arguido em interrogatório subsequente, para o efeito de lhe ser comunicada uma alteração da qualificação jurídica de factos que lhe foram já anteriormente comunicados e sobre os quais teve uma oportunidade anterior de se pronunciar, em primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

A responder-se afirmativamente, tratar-se-ia de um “acto legalmente obrigatório”, cuja omissão integraria, então, uma “insuficiência de inquérito”, ou seja, a nulidade prevista no art. 120º, nº 2, al. b) do CPP.

Sucede que a lei, nem directa nem indirectamente, determina tal obrigatoriedade (de audição em interrogatório subsequente, nem mesmo impondo a audição através do defensor), obrigatoriedade que também não decorre da Constituição, como o recorrente pretende.

Na verdade, sobre a conformidade constitucional da interpretação que se acaba de enunciar e que se considera como correcta, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional no acórdão nº 72/2012 (que o Ministério Público também refere na resposta), cujo sumário é o seguinte:

Não julga inconstitucionais as normas constantes da al. d) do nº 2 do art. 120º, al. c) do nº 4 do art. 141º, art. 144º e nº 1 do art. 272º do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida.

Note-se que, no caso em análise no Tribunal Constitucional, tratava-se de aditamento de factos na acusação e não apenas de uma alteração da qualificação jurídica dos mesmos factos anteriores.

Por manterem interesse na decisão do caso presente, transcreve-se o excerto que se considera mais significativo:

“No caso sub judicio e como se deu conta, importa apurar se a Constituição exige - ou não - que, no decurso do inquérito, sejam dados a conhecer ao arguido, em sede de interrogatório, todos os factos posteriormente referidos na acusação do Ministério Público.

De acordo com o nosso figurino do processo penal, o inquérito é uma fase processual que compreende a realização de um conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem a decidir sobre a acusação, ou seja, sobre a submissão - ou não submissão - de alguém a julgamento (cf. artigo 267.º, n.º 1, do CPP).

Como tal, este momento do processo, predominantemente orientado pelo inquisitório, encontra a sua disciplina legislativa modelada tendo em conta o cumprimento desse desiderato, e, et pour cause, também a estruturação das garantias de defesa dos arguidos acaba por ser conformada tendo em conta a fase processual circunstancialmente em causa.

Nessa medida, ao perscrutar-se o sentido normativo da prescrição constitucional segundo a qual se afirma que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa», deve tomar-se em consideração que tais garantias assumem uma geometria variável ao nível dos diversos momentos que integram o processo, tendo em conta a fase em que o processo se encontra e os direitos que aí possam ser atingidos.

Tal realidade é assaz percetível ao nível do princípio do contraditório, considerando a diferente intensidade com que o mesmo é projetado nos diversos estádios do processo.
(…)

A lei adjetiva penal inclui o interrogatório no âmbito do inquérito como um momento obrigatório, independentemente da detenção do arguido, permitindo, assim que o arguido, ainda nessa fase, seja confrontado com factos e elementos colhidos no âmbito da investigação relevantes para a decisão de acusação ou de arquivamento do inquérito, para que sobre eles possa pronunciar-se, em conformidade, necessariamente, com o princípio constitucional consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição.

Existindo detenção do arguido, a exigência constitucional, ao nível das garantias de defesa, é bem mais rigorista, porquanto impõe, desde logo, a apresentação do detido à autoridade judicial competente para que este seja interrogado como arguido, interrogatório esse que visa reduzir ao mínimo possível os riscos de uma privação ilegal de liberdade, exigindo-se, logo nesse momento, a obtenção de um juízo judicial sobre a legalidade/ilegalidade da detenção e a definição da situação processual futura do arguido - artigos 27.º, n.º 4, 28.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição.

Nesse contexto específico e como se afirma no Acórdão 607/2003, «o interrogatório está [aqui] predestinado essencialmente para o arguido apresentar, de viva voz ou por escrito, a sua defesa», reconhecendo a Constituição ao detido esse específico direito relativamente aos factos e razões que determinam a sua detenção.

Trata-se, neste caso, de um interrogatório essencialmente garantístico, conformado de modo a garantir ao arguido detido uma defesa efetiva perante as razões que justificam a detenção, impondo-se, nessa medida, que lhe sejam dados a conhecer os elementos suficientemente indiciadores da responsabilidade penal já existentes no inquérito e, obviamente, os pressupostos da aplicação da medida de coação promovida pelo Ministério Público (cf. Germano Marques da Silva, «Sobre a liberdade no processo penal ou do culto da liberdade como componente essencial da prática democrática», em Liber discipulorum para Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, p. 1372).

Ainda assim, mesmo neste âmbito, não será exigível que ao arguido seja dado um conhecimento total e irrestrito dos factos previamente recolhidos e dos respetivos meios de prova, devendo ponderar-se concretamente se a divulgação dos factos em causa é, ou não, passível de afetar gravemente a investigação e impossibilitar a descoberta da verdade material ou de criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime.

Como se compreenderá, a realização deste «primeiro» interrogatório - ou de outros, submetidos ao mesmo regime (cf. Fábio Loureiro, «O primeiro interrogatório judicial do arguido detido», em Prova Criminal e Direito de Defesa - Estudos sobre teoria da prova e garantias de defesa em processo penal, Coimbra, 2011, p. 73) - não preclude que outros sejam realizados ainda no âmbito do inquérito, como se prevê no artigo 144.º do CPP, os quais, no entanto, por não terem a mesma funcionalidade constitucional e não se destinarem à defesa de uma privação de liberdade, não gozam do mesmo regime garantístico, não existindo, v. g., obrigatoriedade quanto à sua realização, nem definição de momento em que tal deva ocorrer.

Desde logo, não é constitucionalmente imposto que o arguido seja ouvido sempre que um novo facto ou elemento probatório seja incorporado no inquérito ou que tenha de existir um interrogatório no encerramento do inquérito que, a título de «audiência pré-final» (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4.ª edição, Lisboa, 2007, p. 733), dê previamente a conhecer ao arguido todo o conteúdo fáctico da acusação.

Obviamente que, no âmbito de uma estrutura acusatória e numa fase em que o arguido detém alguns direitos de intervenção/participação processual (cf. artigo 61.º, n.º 1 do CPP), quanto mais alargado for o conhecimento que este detiver dos factos e meios de prova já existentes, melhor poderá defender-se, exercer os seus direitos processuais e, inclusivamente, contribuir para a descoberta da verdade material, fazendo uso do direito de intervir no inquérito através quer do oferecimento de provas quer do requerimento de diligências que se lhe afigurem necessárias (cf. artigo 61.º, n.º 1, alínea g) do CPP).

Todavia, se é certo que da Constituição não resulta a exigibilidade do conhecimento preciso de todos os factos que venham a ser inseridos na acusação e em momento anterior à formulação desta, não é menos certo que, no pleno respeito das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, tal conhecimento não poderá nunca ficar aquém dos factos essenciais a verter ou vertidos em tal peça processual (acusação), sob pena de violação das enunciadas garantias.

De qualquer modo, refira-se, ainda, que, tendo em conta o desenho do processo penal recortado no nosso sistema jurídico, não pode deixar de considerar-se a acusação como constituindo ainda um momento de instrução (conquanto inserida no seu encerramento) e a sua notificação ao arguido como consubstanciando também a sua audição sobre os factos da mesma, até porque este, no exercício dos seus direitos de defesa e de contraditório, pode sempre lançar mão do pedido de instrução e de audição sobre a factualidade sobre a qual, porventura, não tenha já sido ouvido.

Ter-se-á, assim, como acabou de dizer-se, que o processo penal prevê igualmente a existência de uma fase prévia ao julgamento em que o arguido, perante prévio conhecimento de todos os factos e meios de prova constantes da acusação, pode exercer na plenitude o seu direito de defesa, sem os constrangimentos impostos durante a fase do inquérito, sendo-lhe possibilitado, entre o mais, o pleno contraditório quanto aos factos pelos quais se encontra acusado e a produção de provas indiciárias complementares, e, consequentemente, ver até afastada a fase de julgamento, momento este que não pode deixar de ser considerado gravoso para o arguido, ao que tudo não será estranho, naturalmente, o princípio de presunção de inocência de que o mesmo beneficia, princípio este consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição.

Num tal quadro normativo, não se vê que saiam postergados os direitos de defesa do arguido, quando se não verifique, por parte deste, um conhecimento prévio à formulação da acusação de todos os factos que nela venham a ser inseridos, desde que naquele conhecimento venham a ser incluídos os factos essenciais que daquela venham a constar.”

Em suma, o art. 272º, n.º 1, do CPP determina que “correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la”.

O interrogatório do arguido é um acto de natureza obrigatória a praticar no inquérito e, segundo Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, “a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP” (AFJ nº1/2006).

No caso presente, o interrogatório teve lugar e ao arguido foram comunicados todos os factos que, depois, vieram a ser descritos na acusação, embora tenham sido ali sujeitos a qualificação jurídica não totalmente coincidente com a previamente comunicada.

Como nota Isabel Oneto (As Declarações do Arguido e a Estrutura Acusatória do Processo Penal Português, http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/3484/3253-11233-1-PB.pdf?sequence=1), “a dinâmica do processo penal implica (…) que o primeiro interrogatório do arguido possa ocorrer em circunstâncias diversas, quer por iniciativa do Ministério Público – ou do Órgão de Polícia Criminal a quem a competência foi delegada – como por circunstâncias de investigação surgidas no decurso da mesma, v.g., a precipitação do interrogatório por necessidade de aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial. Nestas circunstâncias, o interrogatório é orientado para a sua finalidade. E se nele está subjacente o pedido de aplicação de medida de coacção tendo por base o disposto na alínea b) do artigo 204.º – perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova –, torna-se evidente que não estão esgotados todos os meios de prova que o Ministério Público pretende obter no momento em que o arguido é confrontado com o primeiro interrogatório judicial.

O direito de defesa do arguido está, verdadeiramente, limitado pelos factos e pelos meios de prova existentes no momento em que presta declarações. Nesse sentido, poderemos considerar que ao arguido apenas é dada a possibilidade de exercer um direito de defesa parcial, condicionado pelo facto de a investigação criminal não ter estabilizado ainda todos os elementos do objecto do processo.

Daqui decorre que é em função da acusação, assim fixando o thema probandum, que o arguido organiza a sua defesa. Nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA14, a acusação é, pois, “condição e limite do julgamento”.

No decurso do inquérito, o objecto do processo, tendo por referência o auto de notícia ou de denúncia, está em definição. As declarações do arguido nesta fase processual reportam-se, em regra, a uma parte de um “pedaço da vida” que se pretende reconstituir. Em bom rigor, o próprio Ministério Público pode encontrar-se, no momento da tomada de declarações ao arguido, numa fase de investigação cujo desfecho ele próprio desconhece.”

Inexistindo uma obrigatoriedade legal de proceder a interrogatório subsequente de arguido já interrogado no inquérito, inexistindo uma obrigatoriedade legal de comunicação ao arguido de uma alteração da qualificação jurídica dos factos previamente comunicados em primeiro interrogatório judicial, não ocorrendo ainda, em concreto, qualquer violação de norma ou princípio legal e constitucional, considera-se como não verificada a nulidade invocada, no caso em análise.

E não tendo sido cometida nulidade, fica prejudicado o conhecimento das duas questões sobrantes trazidas ao recurso intercalar, designadamente a de saber a quem competiria declará-la.

4. Do recurso principal
Das conclusões deste recurso retira-se que as questões a tratar respeitam à impugnação da matéria de facto, sendo aqui também suscitado o vício do erro notório na apreciação da prova e a nulidade do acórdão por falta de exame crítico das provas, e à impugnação em matéria de direito, sendo aqui invocado o erro de subsunção decorrente duma indevida integração dos factos na “co-autoria”, que não na cumplicidade, e peticionada a redução da(s) pena(s) e da indemnização arbitradas.

No âmbito do recurso em matéria de direito deixa-se consignado que a invocação do erro de subsunção, alegadamente consistente no enquadramento jurídico dos factos na figura da co-autoria e não da cumplicidade, se encontra problematizado na decorrência da impugnação da matéria de facto.

Com efeito, na pretensão formulada pelo recorrente, do que se trata não é de aferir se os factos dados como provados no acórdão viabilizam e permitem a decisão de direito que ali foi proferida (na parte agora em crise, ou seja, se os factos provados serão suficientes para condenar o arguido como co-autor), mas tão só de punir antes o arguido como cúmplice, atenta a pretendida procedência da impugnação da decisão de facto.

Ou seja, o recorrente absteve-se de problematizar o erro de subsunção a se, pelo que da improcedência do recurso da matéria de facto decorre a improcedência do recurso em matéria de direito nesta parte, sem necessidade de grandes considerandos (atenta a problematização apresentada pelo recorrente, repete-se).

4.1. Da impugnação em matéria de facto
No questionamento da factualidade, embora invoque também o vício do erro notório na apreciação da prova e a nulidade do acórdão por deficiente exame crítico das provas, o arguido pretende impugnar a matéria de facto por via do recurso amplo, e assim procede ao abrigo do disposto no art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP.

Individualiza os pontos de facto que considera incorrectamente julgados - e que são os pontos 1 a 9, 11 a 19, 21 a 24, 26 e 37 a 39 da matéria de facto dada como provada, e os pontos 3 a 10 da contestação, dados como não provados – e procede à indicação das provas em que funda a impugnação, por referência à prova gravada, que transcreve nas partes que interessam ao recurso (destacando-se essencialmente os excertos das declarações dos arguidos e das declarações dos ofendidos).

Sendo assim de considerar como cumpridos os ónus legais de especificação da impugnação da matéria de facto, procedeu a Relação à análise dos excertos de prova especificados e transcritos no processo. E tendo-se depois procedido à sindicância do “acórdão de facto” (consistente nos factos provados, factos não provados e exame crítico das provas) no confronto das razões da discordância do recorrente sustentadas nas concretas provas que suportaram a sua argumentação, adianta-se ser de concluir que a justificação da convicção do colectivo de juízas, relativamente a todos os factos considerados como provados e como não provados, permanece compreensível e suficientemente justificada.

Lembra-se que o recurso da matéria de facto visa a reparação de erros de facto, como se tem afirmado sem dissensão na jurisprudência e na doutrina, e não é um segundo julgamento.

A Relação não procede à reapreciação das provas na exacta medida em que o fez o juiz de julgamento, o que sucede porque o objecto do recurso não coincide com o objecto da decisão do tribunal de julgamento (este decide sobre a acusação, aquele decide sobre a sentença) e porque a segunda instância não se encontra na mesma posição perante as provas – não dispõe de uma imediação total (embora tenha imediação parcial: relativamente a provas reais e à componente voz da prova pessoal) e não tem a possibilidade de interagir com a prova pessoal, estando impedida de intervir na orientação da produção da prova e de questionar directamente.

Há, por tudo, que reconhecer a ocorrência de uma impressão causada no julgador, pelo prestador da prova oral, que só a imediação em primeira instância possibilita ao nível mais elevado, e há que aceitar que, no modelo de recurso plasmado no Código de Processo Penal em interpretação conforme à Constituição, existirá sempre uma margem de insindicabilidade da decisão do juiz de primeira instância sobre a matéria de facto.

Na ausência de identificação e consequente detecção/demonstração de um verdadeiro erro de facto, inútil se torna, pois, procurar a reapreciação de todas as provas produzidas em julgamento, de modo a conseguir fazer vingar a visão do recorrente e a alteração da factualidade.

Regressando à concreta matéria objecto de apreciação, do confronto das razões do recurso com o acórdão (restrito agora à parte relativa aos factos provados, aos não provados e à sua explicação de acordo com as provas examinadas em julgamento), resulta que o recurso não tem condições para proceder.

Assim sucede, porque o acórdão, num exame crítico de prova bastante cuidado, continua a dar resposta a todas as objecções suscitadas no recurso, como se passa a explicar.

Em julgamento, pelos arguidos e pelos ofendidos (dois destes ouvidos em declarações para memória futura) foram apresentadas versões dos factos não absolutamente coincidentes quanto à totalidade dos factos provados, ou seja, quanto á descrição do desenrolar dos acontecimentos.

Mas essas declarações, prestadas por todos os arguidos e pelos ofendidos, mostraram-se também congruentes, integralmente congruentes até, quanto a muitos aspectos importantes do desenrolar dos factos. Como sucede, por exemplo, com a colocação de todos os arguidos, incluindo do recorrente, nos momentos e nos locais dos factos delituosos, nas posições que ocuparam no veículo e nos “papéis” que ali desempenharam, nas iniciativas que cada um desenvolveu na interacção com as vítimas. Importante também o sentido das declarações dos três ofendidos, confirmativas de todos os factos dados como provados.

Da leitura atenta do exame crítico das provas, já transcrito em 2., tudo isto resulta, e duas conclusões se podem retirar de imediato: inexistem divergências entre as percepções do tribunal colectivo (as suas apreensões da prova) e as provas realmente produzidas (de acordo com as especificações do recurso). E a reconstrução do episódio de vida nos factos do acórdão, sempre com base nas provas que ali se especificam e examinam detalhadamente, assume uma coerência e uma lógica ditadas pelas regras da vida e do normal acontecer.

Das pontuais desarmonias existentes na prova oral, das dissonâncias destacadas no recurso (como seja a negação do arguido quanto a alguns dos factos considerados como provados) e de todas as outras, se dá também conta, com suficiente minúcia, no exame crítico das provas. Ou seja, o tribunal ouviu aquilo que foi dito, não ignorou as provas pontual e aparentemente dissonantes com as conclusões que retirou, mas avaliou-as individualmente e no conjunto das restantes, como sempre se impõe.

A problematização da oposição de versões apresentadas em julgamento (quanto a aspectos circunstanciais e não quanto à globalidade dos factos) não é nova, particularmente em casos de criminalidade não presenciada nem testemunhada por terceiros “desinteressados”, em que tudo se passa entre a(s) vítima e o(s) agressor(es). No âmbito dos delitos não presenciados nem testemunhados, a prova assenta no depoimento das vítimas e este surge, naturalmente no processo, como a principal fonte de conhecimento. Trata-se de um meio de prova particularmente importante.

Da constatação desta circunstância não derivam regras especiais de valoração de prova que conduzam a uma sobreavaliação injustificada desse depoimento, por contraposição a uma negação dos factos pelo arguido. Inexistem regras processuais penais especiais que confiram, só por isso e por si só, um “estatuto” especial às declarações da vítima, e no confronto de prova oral de sinal contrário – como sucede com as declarações do arguido versus as declarações da vítima – o tribunal não fica desobrigado de justificar a maior credibilidade que estas tenham eventualmente merecido, em detrimento daquelas. Sob pena de, não o logrando, dever fazer operar o princípio do in dubio pro reo.

Mas a prova dos factos da acusação pode assentar nas declarações do ofendido, como se disse, mesmo quando opostas à versão do acusado e desacompanhadas de provas corroborantes. A prova por depoimento de vítima é livremente valorada no confronto com a prova por declarações de arguido. A lei não proíbe que possa, por si só, conduzir à condenação, e não o reconhecer (o que seria contra legem) inviabilizaria a perseguição de muitos crimes que ocorrem na privacidade.

É certo que as declarações do arguido não são, em abstracto, menos credíveis do que as declarações da vítima. Consideradas como um meio de defesa, corolário do direito a ser ouvido, a falar e/ou a não falar, são também um meio de prova. Foi esta a opção do legislador, na disciplina do art. 344º do CPP, por via do qual atribuiu à confissão efeitos de prova plena.

E aceitando-se que o arguido tem um interesse no desenrolar do processo, há que reconhecer que tal interesse também se encontra do lado da vítima. Seria juridicamente errado retirar um eventual menor peso probatório das declarações de arguido (versus declarações do ofendido) da ausência de juramento ou do interesse pessoal no desfecho do processo.

As declarações de arguido e as declarações de ofendido são, pois, valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova que significa ausência de critérios legais pré-fixados e, simultaneamente, “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 2004, p. 202-3), não podendo tratar-se de uma convicção puramente subjectiva ou emocional, curando-se sempre de uma convicção pessoal, mas necessariamente objectivável e motivável. E do princípio do in dubio pro reo decorre que ao arguido basta fragilizar a prova da acusação, já que, no enfoque probatório, acusação e defesa não se encontram em situação de igualdade, inexistindo uma repartição de ónus de prova em processo penal.

No presente caso, não é visível que o julgador se tenha afastado do cumprimento de qualquer uma das regras e dos princípios de prova que se deixaram enunciados, particularmente dos relativos à apreciação, e que tenha sido atribuído um peso injustificado às declarações dos ofendidos (confirmativas dos factos provados, como se disse). Ou seja, que o tribunal tenha chegado às conclusões de “provado” infundada ou injustificadamente.

Do acórdão resulta que o tribunal se deparou com provas de sinal contrário relativamente a aspectos pontuais do desenrolar dos acontecimentos, provas que correctamente apreendeu e percebeu. O sentido das declarações dos arguidos e dos ofendidos foi sempre correctamente apreendido pelo colectivo de juízas. Tudo isto resulta do exame crítico do acórdão. Todas as especificações de declarações em recurso vão ao encontro das percepções de prova tidas pelo julgador. Repeti-las nada acrescenta nem retira às valorações de prova patentes no acórdão, se essas valorações se mostram efectuadas de acordo com regras de racionalidade e de lógica, e de experiência comum e normal acontecer.

O exame crítico da prova revela que tribunal se socorreu também de outros importantes elementos probatórios, corroborantes das declarações de todos os ofendidos, como seja a prova por exames médicos, por depoimento de testemunhas que estiveram em contacto com as vítimas imediatamente após os factos. Existem, assim, elementos “externos” (outras provas indirectas ou circunstanciais) suficientemente corroborantes da versão dos ofendidos, e que justifica amplamente a total verosimilhança e a maior credibilidade que mereceram estes relatos dos ofendidos. Note-se que das declarações dos co-arguidos resultou também alguma corroboração.

Dispensamo-nos de repetir o percurso de análise das provas, que se mostra racional, claro e coerente, sem saltos ou incongruências, e que se encontra transcrito em 2.. Não deixam de se destacar os aspectos que mais interessam ao recurso.

Contrariamente ao que o recorrente pretende, da prova produzida em audiência (e é só desta que se trata, não relevando as alusões feitas no recurso a declarações prestadas em inquérito) não resulta que o arguido (A) se tenha “limitado a conduzir” o veículo, e que tenha até dado indicações aos co-arguidos para que parassem as agressões.

Pelo contrário. Da prova examinada em julgamento resulta que nem sempre foi o recorrente o condutor do veículo (na primeira situação, o assistente referiu que no início dos factos o recorrente não era o condutor do veículo, passando a sê-lo depois, o que o próprio arguido também admitiu) e que, enquanto condutor, conduziu o veículo para lugares ermos. Resulta também que o recorrente tomou parte directa nas agressões.

De acordo com a prova e o exame crítico do acórdão, o arguido D. referiu queo A. nunca disse para pararem em nenhuma das duas situações”. O assistente, por seu turno, referiu “Na altura, ameaçaram-no de morte se reagisse. Como perceberam que o ofendido não lhes estava a dar as indicações correctas, o arguido A. parou o carro num sítio ermo, numa estrada sem luz em frente ao parque de campismo de Albufeira. Nessa altura, ‘jogaram-no’ para fora do carro e ele caiu. O branco que ia a conduzir o carro também saiu do carro e enquanto estava no chão, deu-lhe um pontapé na zona da omoplata. Nessa altura, todos lhe bateram, sendo que um foi buscar um martelo – não sabe quem – mas tentaram acertar-lhe com o mesmo o que conseguiram no pé. Foi nesse momento quando o tentavam acertar com o machado que o branco disse para pararem ao que ele conseguiu fugir.”

A desvalorização do papel de condutor do veículo no desenrolar dos acontecimentos, pretendida no recurso, é totalmente destituída de justificação. Como sem sentido é também a alegação de que o recorrente, por ir ao volante da viatura, não se poderia aperceber do que sucedia no banco de trás. Nem o veículo utilizado na prática dos crimes é um veículo de transporte de muitos passageiros, nem os factos praticados se esgotaram num acto fugaz e único, dificilmente perceptível por um condutor distante.

A avaliação do papel do recorrente enquanto condutor do veículo (e este arguido foi mais do que o mero condutor do veículo, como se disse) encontra-se devidamente explicado no acórdão. Assim resulta, designadamente, do excerto que segue: …Perante tal prova documental e testemunhal, o Tribunal não ficou com dúvidas que os factos se passaram como os ofendidos referiram e como consta da acusação.

Na verdade, todos os arguidos se colocaram no local e três deles (conforme supra referido) tiveram a hombridade de admitir a quase totalidade dos factos, mormente no que se reporta a parte das agressões, admitindo de uma forma lata o furto das carteiras e dos telemóveis. Justificaram com o facto de estarem embriagados e de terem discutido com a primeira vitima que uma das segundas vítimas queria vomitar dentro do carro, como se fosse alguma justificação. Porém, o que é um facto é que admitiram os mesmos.

Já não aconteceu o mesmo com o arguido A. que assumiu uma posição de vitimização e de desresponsabilização face aos factos, negando a sua prática como co-autor e tentando justificar que disse para pararem de bater. Porém, o arguido A. era o condutor, era ele quem estava a acatar as indicações do ofendido T, em nenhum momento foi referido que ele tivesse dito para parar. Acresce que foi o arguido A. que conduziu o carro até um local ermo (face às declarações do T) e foi o arguido A. que também lhe deu um pontapé enquanto o ofendido estava no chão. Apenas é referido pelo ofendido que não lhe bateram mais com o machado porque o «branco» disse para pararem naquele momento e por isso conseguiu fugir.

Também nos factos que tem como ofendidos os cidadãos belgas, foi o próprio arguido A. que, estando a conduzir, parou o veículo para dar boleia aos mesmos e conduziu-os para um sítio onde quis e parou quando quis. Sitio esse que era um descampado sem iluminação pública, conforme declarações dos ofendidos. Quando os mesmos foram retirados do carro, o arguido A. até pode não ter batido nos cidadãos belgas mas o Tribunal ficou com a convicção que tinha o seu papel nas ofensas, até porque saiu do carro falou ao telefone e depois disse para entrarem no carro (segundo a versão dos ofendidos) ou mesmo a sua versão, saiu no carro, ainda foi urinar e depois disse para pararem, demonstrando em qualquer das situações novamente uma liderança sobre os mesmos. Podendo concluir o Tribunal que o arguido A. até tinha uma superioridade sobre os demais.

Em suma, o Colectivo de juízes não fica com quaisquer dívidas que cada um dos arguidos teve a sua participação nos factos”.

O exame crítico da prova materializa as preocupações que se enunciaram como devendo estar presentes, revela um particular cuidado na apreciação das declarações do assistente, dos ofendidos e de todos os arguidos, avaliadas ainda no contexto de toda a prova produzida, dos exames físicos, das testemunhas ouvidas, estas com um maior ou menor conhecimento dos factos, designadamente de factos circunstanciais que eram também importantes para a demonstração dos factos principais, como tudo se trata em detalhe no acórdão.

Do conjunto da prova, como se explica na motivação, resulta efectivamente que os factos provados estão suficientemente justificados com base nas provas, devendo aceitar-se que a apreensão do episódio de vida em apreciação foi a correcta, tal como é descrito nos factos do acórdão sentença e se mostra justificado na motivação.

Mas também relativamente aos factos não provados impugnados o recurso improcede.

Pretendia o recorrente que se considerassem provados alguns enunciados pessoais descritos na contestação, relativos à sua personalidade, como sejam o tratar-se de pessoa não violenta nem hostil, o ser calmo, humilde, estimado por amigos e colegas de trabalho, estar familiarmente integrado, ter promessa de emprego e bom comportamento prisional. A demonstração destes “factos” resultaria dos depoimentos das testemunhas de defesa, que o tribunal pretensamente não valorou, o que integraria também nulidade de acórdão por deficiências de fundamentação da matéria de facto.

Sucede que o recorrente, também aqui, carece de razão.

É certo que estes enunciados se encontram na contestação e é também verdade que as testemunhas de defesa abonaram o comportamento e a personalidade do arguido.

Mas, mais uma vez, o acórdão revela que o tribunal atentou devidamente na prova produzida, como se constata no seguinte excerto:

“No que se reporta às testemunha de defesa do arguido A., o Tribunal ouviu,
As testemunhas R, MI e PP, todos eles amigos de infância do arguido A., que referiram que o mesmo é trabalhador, pessoa impecável, pessoa um pouco medricas e que não gosta de arranjar problemas, pessoa serena e tranquila.

A testemunha AC, superior hierárquica do arguido enquanto trabalhou nos supermercados Aldi, referiu que o arguido é pessoa trabalhadora e idónea, ingénua e pura, medrosa e não violenta.”

Sucede que o tribunal não está obrigado a reproduzir toda a contestação, devendo selecionar apenas “factos” e não “conclusões ou opiniões”. Não se encontra também “amarrado” à redacção das expressões escritas pelo arguido, devendo ainda dispensar-se da reprodução/tratamento, na sentença, dos factos negativos dos já considerados como provados.

Por último, olhando o acórdão, constata-se que a matéria de facto provada inclui abundante tratamento dos factos relativos à personalidade do arguido (incluindo, por exemplo, o alegado bom comportamento prisional) retirados do relatório social feito à sua personalidade e condições de vida. Explica também o tribunal a credibilidade merecida por esta fonte de convencimento.

Refere: “No que concerne aos factos provados constantes dos pontos 33 a 36 baseou-se o Tribunal nos relatórios sociais dos respectivos arguidos, que pelas respectivas suas fontes, metodologia e isenção da entidade que os elaborou, nos mereceram credibilidade.”.

De tudo se conclui que a decisão da matéria de facto do acórdão resiste, na totalidade, à impugnação do recurso.

E constatando-se que não são detectáveis desconformidades entre a prova produzida e a percepção que dela foi feita, que inexistem provas proibidas ou produzidas fora dos procedimentos legais, tendo o tribunal justificado suficientemente as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo valor positivo ou negativo às provas de modo sempre racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo, resta à Relação confirmar a decisão da matéria de facto.

De tudo o que se sindicou e disse, resulta prejudicado o conhecimento mais detalhado dos também invocados erro notório na apreciação da prova e nulidade do acórdão por deficiências do exame crítico.

Na verdade, a opção dos recorrentes, ao peticionarem um exame da decisão de facto por via do recurso amplo ou efectivo que exige da Relação um controlo da sentença para lá do seu texto, retira utilidade ao conhecimento de vícios que resultariam de um mero exame do texto do acórdão. E tendo a Relação concluído pela inexistência de um “erro de facto”, perde sentido a fiscalização (quer prévia, quer subsequente) a um nível mais superficial e formal, o que seria um contra-senso.

Pela mesma ordem de razões é identicamente de consignar a ausência de nulidade de acórdão por deficiências de fundamentação da matéria de facto. O tribunal motivou a decisão de facto de forma suficiente e completa também nos pontos acabados de assinalar, explicitando a convicção de modo totalmente perceptível, objectivado e correcto, como se impunha e era possível.

4.2. Da impugnação em matéria de direito

4.2.1. Do erro de subsunção
O recorrente invocou aqui o erro de subsunção, que decorreria duma indevida integração jurídica dos únicos factos que, na sua visão, poderiam ter resultado provados em julgamento. Assim, da impugnação da matéria de facto resultaria a demonstração de um diferente grau de participação do arguido no desenrolar dos acontecimentos e a subsequente (sua) punição como cúmplice e não como co-autor. Consequentemente, peticiona também a redução da(s) pena(s) e da indemnização fixadas, e fá-lo mesmo sendo mantida a sua condenação como co-autor.

A invocação do erro de subsunção consistente no enquadramento dos factos na figura da co-autoria que não da cumplicidade encontra-se problematizado na simples decorrência da impugnação da matéria de facto.

Com efeito, na pretensão formulada pelo recorrente, do que se trata não é de aferir se os factos logo dados como provados no acórdão viabilizam e permitem a decisão de direito ali proferida, na parte agora em crise – ou seja, se os factos provados serão suficientes para condenar o arguido como co-autor. Trata-se, tão só, de corrigir a decisão condenando o arguido como cúmplice no caso de procedência da impugnação da decisão de facto.

Ou seja, o recorrente absteve-se de problematizar o erro de subsunção a se, pelo que da improcedência do recurso da matéria de facto decorre a improcedência do recurso em matéria de direito nesta parte.

Não deixa, no entanto, de se consignar a correcção do acórdão também nesta parte, o que resulta do excerto seguinte:

“Face à factualidade provada, dúvidas não restam de que, os arguidos, ao praticarem os factos acima provados, agindo em comunhão de esforços, preencheram, com as respectivas condutas, todos os elementos objectivos e subjectivos de um crime roubo consumado, cometido em co-autoria e previsto e punido pelos arts 210º, nº 2, al. b), e 204º, nº 2, al. f) do Código Penal, tendo actuado com dolo directo.

Nos termos do artº 26º do Código Penal, para a verificação de co-autoria, são necessários dois requisitos, como atras se referiu: - acordo com outro ou outros, que tanto pode ser expresso como tácito, mas exigindo sempre uma consciência de colaboração - participação directa na execução do facto conjuntamente com outro ou outros, num exercício conjunto no domínio do facto.

Por conseguinte, há co-autoria material quando, mesmo não havendo acordo expresso prévio, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, baseado na consciência e vontade de colaboração, segundo as regras de experiência comum (Cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, ob. cit. vol. I, pág. 258 e Ac. do S.T.J. de 18/3/93, C.J., tomo II, pág. 195).

A componente subjectiva basta-se com o simples acordo tácito, com a simples consciência bilateral reputado ao facto global, com o conhecimento pelos agentes da recíproca cooperação.

A exigência objectiva requer, por sua vez, a participação na execução do facto criminoso. Cada interveniente deve efectuar uma contribuição objectiva essencial para a consumação do tipo legal de crime visado.

De resto, a nossa jurisprudência é unânime no entendimento de que a comparticipação criminosa responsabiliza um e todos pelos factos, bastando um acordo tácito para a sua realização.

Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-12-2005, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos daquele tribunal, 2007, III-224, expendeu-se que, uma vez que cada co-autor age com e através de outros, são de imputar a cada co-autor, como próprios, os contributos do outro para o facto, como se ele próprio os tivesse prestado.

Também o acórdão do STJ de 10-1-2008, proferido no processo 07P4277, acessível em www.dgsi.pt, considera que verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum.

E o acórdão do STJ de 7-5-2009, CJ dos acórdãos do Supremo, 2009, II-193, expende que na co-autoria (…) não é necessário que o comparticipante pratique todos os actos conducentes à realização do facto típico; basta que a sua participação, segundo o acordo entre todos eles (acordo que pode ser tácito) se ajuste à dos restantes, de forma co-decisiva, para produzir o evento que a lei incriminadora quer evitar. O comparticipante a título autoral torna-se, desse modo, co-responsável por todos os actos que levam ao resultado do crime.

No mesmo sentido: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-3-98, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos daquele tribunal, 1998, I-220; e ainda, disponível em www.dgsi.pt: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-10-99, com o n.º convencional JSTJ00039067; e, agora em www.pgdlisboa.pt, acórdãos do STJ, de 8-3-2007, Proc. n.º 447/07 - 5.ª Secção; e de 18-10-2006, Proc. n.º 2812/06 - 3.ª.

Também este é o caso dos autos tendo em atenção os factos provados que constam acima. Na verdade, enquanto uns batiam e retiravam os pertences, o arguido David conduzia a viatura tendo o pleno domínio funcional dos factos, contrariamente ao alegado pela sua defesa, demonstrando um pleno acordo ainda que tácito da pratica de todos os crimes.”

O tribunal interpretou o art. 26º do CP (que trata da autoria) segundo a teoria do domínio do facto, desenvolvida por Roxin (em Täterschaft und Tatherrschaft) e no direito nacional (entre outros autores) por Figueiredo Dias (em Direito Penal, Parte Geral - Tomo I, 2ª ed.,pp 757-854).

A teoria do domínio do facto tem sido acolhida pelos tribunais portugueses, constituindo jurisprudência consolidada, que também se segue. Não deixa, no entanto, de ser objecto de reflexão crítica, por parte de doutrina estrangeira (assim, Günther Jakobs, Crítica à Teoria do Domínio do Facto, 2003) e nacional (assim, Helena Morão, Autoria e Execução Comparticipadas, 2014).

O tribunal procedeu a desenvolvida justificação do juízo subsuntivo dos factos na figura da co-autoria, seguindo a teoria do domínio do facto de modo a não merecer reparo tal decisão.

Na verdade, contrariamente ao que o recorrente afirma em recurso, não pode considerar-se que a sua actividade se esgotou em actos de mero “auxílio” à actividade pretensamente desenvolvida pelos restantes arguidos.

Como resulta dos factos provados, à sua “parcela de actuação” – que consistiu não só na condução do veículo como em actos de agressão à integridade física – juntou-se a actividade dos restantes.

Os actos praticados pessoalmente pelo recorrente são já actos de execução, que se interligam com outros e se integram numa actividade global, sendo manifesta a essencialidade do papel do recorrente.

Demonstrados ficaram também os factos do tipo subjectivo, na vertente da co-autoria.

O arguido sabia e quis, não só os actos que directamente praticou, como os actos dos restantes arguidos no seu conjunto. Conhecia a essencialidade do seu papel no âmbito dessa actuação conjunta. Ou seja, actuou consciente da sua colaboração no seio de uma actividade conjunta.

Na lógica Roxiniana, é de reconhecer que a tarefa executada pelo arguido se inseriu num plano global executado por todos, e em que cada um desempenhou a sua parte. Pode afirmar-se, sempre com Roxin, o domínio do facto conjunto, no sentido de que o “acontecimento global” pode ser imputado a cada um dos autores, incluindo o recorrente, em que cada acção que cada um deles, segundo o plano do facto, realiza, é, simultaneamente, uma acção de execução de todos.

Os factos (objectivos) provados, praticados pelo recorrente, não são pois meros actos de auxílio, mas sim, claramente, actos de execução do crime, também na definição do art. 22º do CP (única norma penal onde se encontra uma definição de “actos de execução”). Mesmo que se considerasse como discutível o seu enquadramento na al. a) do nº 1 (“são actos de execução os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime”), sempre se enquadrariam, aí mais claramente, na al. c) do mesmo nº 1 (“são actos de execução os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”).

Falece, por tudo, a pretensão do recorrente e improcede o recurso, também nesta parte.

4.2.2. Da pena e da indemnização
O recorrente foi condenado, na pena de 5 anos de prisão pelo crime de roubo do art. 210º, n.º1 do CP, de que foi vítima o assistente, na pena de 4 anos de prisão por cada um de dois crimes de roubo do art. 210º, n.º1 do CP, de que foram vítimas os dois ofendidos, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão e em duas penas de 1 ano e 6 meses de prisão pelos crimes de ofensas à integridade física do artigo 143º, n.º 1, do CP, cometidos sobre os mesmos, e na pena de 2 anos de prisão por um crime de detenção de arma proibida do art. 86º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. Em cúmulo jurídico, está condenado na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.

Foi ainda condenado (em conjunto com os restantes arguidos/demandados) no pagamento da quantia de €3.264,05 a CH do Algarve, e no pagamento da quantia de €6.000,00 ao ofendido/demandante T, quantias acrescidas de juros de mora contados desde o trânsito em julgado do acórdão até ao pagamento.

Na impugnação da decisão sobre a pena, argumenta o arguido que “o tribunal coletivo decidiu mal considerando que o arguido só pode ser considerado mero cúmplice”, que “os factos ocorreram numa situação momentânea, de consumo de bebidas alcoólicas”, que o recorrente nesses episódios “não revelou qualquer personalidade violenta, bem pelo contrário”, que não tem quaisquer antecedentes criminais e tem tido boa conduta institucional no Estabelecimento Prisional onde se encontra detido. Dos factos provados resulta que “o Arguido sempre teve um percurso normal e conforme ao direito, tem emprego prometido no Hospital Fernando Fonseca (designado de Amadora-Sintra) e tem apenas 27 anos de idade.” Pugna, por tudo, pela redução das penas, pela fixação da pena única em 5 anos de prisão e pela sua suspensão na execução.

Reitera-se que os recursos (em matéria de facto e em matéria de direito) não são re-julgamentos da causa, mas sempre “remédios jurídicos”. E também em matéria de pena, o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.

Daqui resulta que a Relação intervém na pena, alterando-a, apenas quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação ou aplicação das normas e princípios legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância, pois o recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal a quo enquanto componente individual do acto de julgar.

Dentro desta margem de actuação, adianta-se que é de reconhecer o acerto no processo aplicativo da pena desenvolvido em primeira instância.

Assim, não só o recorrente não invocou, em recurso, argumentos que, em concreto, se revelem aptos a prosseguir o resultado pretendido - não foi condenado como cúmplice e sim como autor, é infundada a pretendida desvalorização do concretos factos que praticou, e todos os factos pessoais provados mereceram já devida valoração no acórdão -, como a fundamentação da pena se mostra correcta.

A determinação da pena é uma actividade judicialmente vinculada e observa-se que no acórdão foram percorridos os passos legalmente impostos.

Assim, reveja-se:
“Os crimes de roubo são punidos, cada um, nos termos do disposto no artigo 210º, n.º1, do Código penal, com pena de prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos.

Os crimes de ofensas à integridade física simples são punidos, cada um, nos termos do disposto no artigo 143º, n.º 1, do Código Penal, com pena de prisão até 3 anos ou com pela de multa.

O crime de detenção de arma proibida é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou multa até 600 dias.

Nos termos do disposto no artigo 70º do Código Penal, quanto ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o Tribunal dará preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

De acordo com o artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, essas finalidades consistirão na prevenção geral, isto é, a estabilização das expectativas comunitárias da validade da norma violada, e na prevenção especial, ou seja, a necessidade de socialização que os arguidos demonstram.

No presente caso, as finalidades da punição não permitem que se aplique aos arguidos uma pena não privativa de liberdade. Na verdade, tendo em atenção a prática dos crimes, o seu circunstancialismo e o objectivo dos mesmos a gratuitidade doa seus actos, o Tribunal considera que a pena de prisão é a única suficiente censura e adequada às finalidades da punição.

Na determinação da medida concreta da pena, importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artº 71º do Código Penal).

Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (in “As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o artº 71º, nº 2, al. a) do Código Penal.

A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (artº 40º, nº 2 do Código Penal). A prevenção geral positiva (“protecção de bens jurídicos”), fornecerá o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada. Por último, é dentro daqueles limites que devem actuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (F. Dias, ob. cit., págs. 227 e segs.; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e segs.; e Ac. S.T.J. de 9/11/94, B.M.J. nº 441, pág. 145).

No caso fazem-se sentir particulares necessidades de prevenção geral, pelo crescente número de ilícitos desta natureza que têm ocorrido, bem como, pela elevada insegurança que os mesmos geram na comunidade.

Ponderando o modo de execução dos factos, a falta de arrependimento de alguns dos arguidos, a violência empregue, os objectos subtraídos, a justificação apresentada por alguns dos arguidos de estarem embriagados, as consequências que a conduta dos arguidos tiveram nos ofendidos, importa concluir que, dentro da moldura abstracta deste crime, é manifestamente elevado o grau de ilicitude dos factos.

Os arguidos actuaram com dolo directo.

O arguido A. não possui antecedentes criminais, sendo que o arguido F já possui antecedentes criminais pelo mesmo crime de roubo, tendo sido condenado pela prática de seis crimes (para além de outros de natureza diversa). Os demais arguidos possuem igualmente antecedentes criminais, ainda que em menor número que o arguido F.

Os arguidos parecem estar socialmente inseridos. As consequências da conduta dos arguidos nos ofendidos foram manifestamente relevantes, fazendo os mesmos temer pela sua vida, face ao número elevado de arguidos, à hora, ao local ermo para onde forma levados e aos instrumentos utilizados. Não olvidemos igualmente que sopesa na medida da pena o sequestro aparente de que os ofendidos foram vítimas e bem assim a prática do crime de ofensas à integridade física por mais de duas pessoas e as suas consequências.

Fazem-se, assim, sentir particulares exigências de prevenção especial positiva.

Nestes termos, sopesando os factos acima referidos, entende este Coletivo de Juízes aplicar:

Ao arguido A.
- a pena de 5 (cinco) anos de prisão, pelo crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º1 do Código Penal (ofendido T);
- a pena de 4 (quatro) anos de prisão, pelo crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º1 do Código Penal (ofendido Bram);
- a pena de 4 (quatro) anos de prisão, pelo crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º1 do Código Penal (ofendido Giele);
- a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão pelo crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal (ofendido T);
- a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal (ofendido Bram);
- a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal (ofendido Giele);
- a pena de 2 (dois) anos de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Determinadas as penas (parcelares) dos sete crimes cometidos pelo arguido, importa determinar a pena do concurso, em ordem a condenar este arguido numa pena única, em conformidade com o disposto no artº 77º, nº 1 do C.P. (cfr. Ac. do S.T.J. de 24/03/99, in C.J., tomo I, pág. 255).

Nos termos do artº 77º, nº 2 do C.P., “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (...); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretas aplicadas aos vários crimes.

No caso sub judice temos que a moldura abstracta da pena única tem como limite mínimo 5 (cinco) anos e como limite máximo 18 (dezoito) anos e 10 (meses) de prisão.

Dentro da moldura encontrada, é determinada a pena concreta do concurso, tomando em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artº 77º, nº 1 do C.P.).

Assim, e à luz dos critérios supra expostos, tendo em consideração, no seu conjunto, os factos praticados pelo arguido e a personalidade revelada pelo mesmo (patenteada no facto de estar socialmente inserido, parece tratar-se de acto isolado, não ter interiorizado a gravidade das suas condutas, nem ter demonstrado arrependimento), entendemos adequado e proporcional fixar a pena única em 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.”

Como se vê, a determinação concreta da pena partiu dos dispositivos nucleares que são os arts 40º e 71º, nº1 do CP e que impõem a adequada relacionação dos princípios da culpa e da prevenção, no quadro constitucional da proibição do excesso (art. 18º, nº 2, da CRP).

Ensina a melhor doutrina que “a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral”, devendo a pena “ser medida basicamente com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto” e o limite mínimo da moldura de prevenção geral será em concreto definido “pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode estender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica”. A pena deve ser medida pelo juiz “em função das exigências de protecção das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e que têm no processo um papel primordial”. E, “os limites de pena assim definida pela necessidade de protecção de bens jurídicos não podem ser desrespeitados em nome da realização da finalidade de prevenção especial, outra finalidade em nome da qual a pena é medida”, sendo aqui o “desvalor do facto valorado à luz das necessidades individuais e concretas de socialização” do agente. À culpa fica reservado o papel de “incontestável limite de medida da pena assim encontrada” (Anabela Rodrigues, A determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, pp. 570-576).

Tudo ali se considerou.

Diagnosticam-se efectivamente, no caso, fortíssimas exigências de prevenção geral, as exigências de prevenção especial, se bem que de inferior intensidade, não são também de desconsiderar.

Olhando as circunstâncias referidas no art. 71º, nº 2 do CP, a que se deve atender obrigatoriamente na determinação concreta das penas, é de reputar elevadíssimo o grau da ilicitude dos factos, em todas as situações, que integraram os tipos de crime (de roubo e de ofensa à integridade física) nas suas formas simples. Assim sucede também relativamente ao crime de detenção de arma proibida. O arguido detinha a espingarda caçadeira, não em casa, mas transportava-a consigo no veículo e na ocasião em que praticou os restantes factos criminosos.

Essa gravidade global (muito elevada) resulta da expressão e do grau das próprias ofensas causadas, do modo de execução de todos os factos, da modalidade e intensidade do dolo, sempre directo e persistente. Tudo isto se detalha no acórdão.

O arguido é primário e encontra-se familiarmente integrado, é certo, mas as suas circunstâncias pessoais também mereceram ponderação. E deve reconhecer-se que as circunstâncias de peso agravante superam em muito as de sentido mais atenuante, considerando-se perfeitamente adequadas às exigências de prevenção e respeitadoras da culpa do arguido todas as penas fixadas. Justifica-se também o afastamento da multa no caso do crime punível com pena compósita alternativa.

Na fixação da pena única, procedeu depois o colectivo de juízas à reavaliação dos factos em conjunto com a personalidade do arguido, exigindo o art. 77º, nº1 do CP uma especial fundamentação no acórdão, a fixar “em função das exigências gerais de culpa e de prevenção (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 2005, p. 291), o que também foi cumprido.

As considerações que se fizeram sobre a personalidade do arguido cingiram-se, também correctamente, à personalidade revelada no facto - “O agente deve ser punido pelo que fez, não por aquilo que é como pessoa, ou aquilo em que se tornou por sua culpa” (Vaz Patto, Os Fins das Penas e a Prática Judiciária, www.tre.pt). Respeitando à culpa, tais considerações podem já estar incluídas no processo de determinação das penas parcelares. Mas a sua reponderação na determinação da pena única respeita o princípio da proibição da dupla valoração, extensível a todas as operações de determinação da pena. Mas aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles” (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 292, itálico nosso).

Ainda a propósito da proibição da dupla valoração (art. 72º, nº2 do CP) que se repercute ao longo de todo o processo aplicativo da pena, contrariamente ao que o recorrente alega em recurso, este princípio não foi posto em causa com a referência feita no acórdão ao “sequestro aparente” das vítimas, circunstância que relevou desfavoravelmente na medida da pena, como se impunha.

Tendo decidido absolver o arguido da prática dos três crimes de sequestro do art. 158º, nº 1 do CP de que estava também acusado, absolvição resultante de um diferente enquadramento jurídico face à problemática do concurso de normas e de crimes (considerou-se existir uma situação de concurso aparente e não efectivo, entre os crimes de roubo e de sequestro), nada impediria que o tribunal valorasse então os factos como circunstâncias agravantes gerais, nos crimes de roubo. Obstaria, sim, a essa (então dupla) valoração se tivesse vingado a condenação pelos dois tipos de crime, em concurso efectivo. O que não sucedeu.

Por último, também as indemnizações arbitradas se encontram devidamente mensuradas.

Note-se que, mais uma vez aqui, o arguido argumentou essencialmente na base da sua pretensa participação como cúmplice. Mas “por mero dever de patrocínio” referiu também que “deverá a indemnização ser reduzida, por se mostrar desproporcional à reduzida gravidade dos factos por si praticados, injusta e desadequada, em conformidade com o disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil, considerando que o Recorrente deverá ser considerado como cúmplice, não lhe sendo aqui aplicável o regime da solidariedade na obrigação de indemnizar” e que “tratando-se de uma questão de direito entende que o Tribunal violou o disposto nos art.ºs 483º, n.º 1, 562º, 563º, 564º, n.º 1 e 566º, n.ºs 1 e 3, todos do Código Civil, uma vez que o Arguido não ofendeu o corpo de nenhum dos ofendidos, naturalmente, não poderá ser obrigado a indemnizá-los por factos que não praticou, e consequentemente, não deverá liquidar o que quer seja ao Hospital Demandante.”

Da claudicação da pretensão de alteração da factualidade, resulta em grande medida a improcedência do recurso em matéria cível. Fica para sindicar apenas o valor da indemnização por danos não patrimoniais arbitrado ao demandante assistente.

Decidiu-se quanto a isso no acórdão, na parte que releva agora:
“O ofendido T formulou pedido de indemnização civil contra os arguidos, peticionando uma indemnização de € 16.000,00, relativa aos danos não patrimoniais sofridos.

(…) No que se refere aos danos, invoca o demandante civil que teria sofrido danos não patrimoniais.

Quanto aos danos não patrimoniais, e são estes que o ofendido peticiona, preceitua o artigo 496º do Código Civil, que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo-se em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

A gravidade mede-se por um padrão objectivo tendo em linha de conta as circunstâncias concretas e, por outro lado, em função da tutela do direito. “O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.” (Prof. Dr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 7ª Edição, pág. 600).

Conforme já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em vários arestos (entre outros o acórdão de 12 de Outubro de 1973; BMJ, 230º, pág. 107), os simples incómodos não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.

No que diz respeito à tutela do direito, a integridade, quer física, quer moral, são protegidas constitucionalmente, sendo considerada pela constituição um direito inviolável (artigos 25º e 26º, da C.R.P.). Assim sendo, não poderá afirmar-se que o facto de o ofendido se ter sentido atemorizado e humilhado e bem assim com fortes dores em face da conduta dos arguidos constitua um simples incómodo não tutelado pelo direito.

Como referido, na fixação da indemnização a atribuir pelo tribunal deve tomar-se em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, cfr. art.º 496º n.º 1 do Código Civil.

“A indemnização, tendo especialmente em conta a situação do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização (...) A circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório. A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista, por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar no plano civilístico, a conduta do agente” (Prof. Dr. Antunes Varela, ob. cit., pág. 600 e 602).

Afigura-se-nos justo e equilibrado, face aos elementos supra expostos e à matéria de facto dada como provada, nomeadamente, o permaneceu até Dezembro em casa, usou canadianas, deixou de sair à noite, perdeu o emprego, deixou de fazer as coisas que gostava como praticar ginásio, fixar tal indemnização no quantitativo de € 6.000 (seis mil euros).

Pelo exposto, e em suma, procede parcialmente o pedido formulado pelo demandante cível, T, no valor de €6000,00 (seis mil euros), sendo os arguidos condenados solidariamente a pagá-lo.”

Pouco resta acrescentar.

A avaliação do dano não patrimonial mostra-se correcta, foi feita adequadamente à luz do direito aplicável, e não evidencia afronta ao referente jurisprudencial, a que é sempre de atender.

O tribunal ponderou devidamente (mas não apenas) as dores, o medo, a aflição e o sofrimento sofridos pelo demandante, retirados dos factos provados do acórdão.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

Julgar improcedentes os recursos, confirmando-se o acórdão.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 6UC na parte crime, e na proporção do decaimento, na parte cível (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/5 e Tab. III RCP).

Évora, 29.11. 2016

Ana Maria Barata de Brito

Maria Leonor Vasconcelos Esteves

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[1] - Acórdão sumariado pela relatora