Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2267/04-2
Relator: MARIA ALEXANDRA MOURA
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ARRESTO
Data do Acordão: 02/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO CÍVEL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
São pressupostos para a procedência do arresto, que o requerente alegue e prove:
    - Probabilidade séria da existência do crédito;
    - Que o requerente seja titular do crédito;
    - Fundamentado receio de perda da garantia patrimonial.
Decisão Texto Integral:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A”, alegando o que consta do requerimento inicial corrigido a fls. 61 e segs., intentou contra “B” a presente providência cautelar pedindo que seja decretado o arresto dos prédios rústicos e urbanos que identifica, dos bens móveis que se mantenham no património do requerido e constituem o recheio da sua residência e das contas bancárias de que seja titular.
Produzida a prova testemunhal oferecida, o Exmº juiz julgou o procedimento cautelar improcedente e, em consequência, não decretou o arresto requerido.
Inconformada, agravou a requerente, alegando e formulando as seguintes conclusões:
A - O tribunal “a quo” entende ser necessário para o decretamento da providência cautelar de arresto que o receio justificado de perca de garantia patrimonial exigido nos termos do artº 407 nº 1 do CPC seja demonstrado através de factos concretos.
B - Refere este tribunal que “ (...) em abstracto, há sempre o receio de que o devedor inadimplente dissipe o seu património. Mas, para o decretamento do arresto, torna-se necessário que o receio seja demonstrado em concreto”.
C - No entanto, salvo melhor consideração, não pode a ora recorrente deixar de discordar com os juízos feitos por este tribunal e supra referidos em 5º e 6º onde considera que não está preenchido o requisito da existência de um receio de perca de garantia patrimonial por parte do credor.
D - De facto, não é necessário que o receio justificado assente em factos concretos como este tribunal pretende fazer crer.
E - Os procedimentos cautelares de uma forma geral assentam em pressupostos de probabilidade como seja a aparência da existência de um direito, o “fumus boni juris”.
F - Quem é possuidor de uma “certeza” é porque tem factos que lhe permitam afirmar essa mesma “certeza” e nesse sentido dever-lhe-á caber o ónus de apresentar factos concretos.
G - Por seu turno, quem é detentor de um “receio” é porque tem dúvidas sobre algo, é porque não tem factos concretos que lhe permitam provar os seus receios.
H - Assim, à ora recorrente não cabia o ónus de apresentar factos que concretamente comprovem o seu receio pois a lei no seu artº 407 nº 1 do CPC apenas exige que se deduzam os factos que justificam o receio invocado e esses receios foram devidamente justificados.
I - Neste sentido determinou o Tribunal da Relação de Évora o seguinte:
“I - O requerente de arresto não tem de alegar e provar quais os bens que integram a totalidade do património do requerido, nem alegar e provar factos concretos que permitam concluir estar este a praticar actos de dissipação do seu património. II - O requerente não tem de demonstrar o perigo do dano invocado, bastando-lhe demonstrar ser compreensível ou justificado o receio da sua lesão” Ac. Rel. Évora (Flávio do Casal), de 04/11/97, BMJ 471,482.
J - O tribunal “a quo” tinha todos os factos que lhe permitiam concluir que existe de facto um receio justificado na perca da garantia patrimonial por parte do credor e assim decretar a providência cautelar de arresto designadamente porque o requerido vem dissipando o seu património de forma célere, descuidada e preocupante.
K - O ora recorrido vende os seus bens a valores muito inferiores aos valores reais.
L - “Há fundamento para o arresto uma vez provado que o devedor de elevada quantia se furta ao contacto com o credor e diligencia a vender a farmácia, único património conhecido” - Ac. STJ de 24/11/1988 (P.77019) BMJ 381,603.
M - “I - O arresto, integrado na figura genérica do processo cautelar, propõe-se afastar o perigo da demora na decisão a proferir na acção da dívida e, por tal, tem de ser necessariamente sumário. II - O perigo de insatisfação do direito existe sempre que o tribunal se convença tornar-se consideravelmente difícil a realização do crédito” - Ac. R.P. de 21/07/1987 (R.6190) CJ, 1987, 4, 216.
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e o decretamento do arresto.

O Exmº Juiz sustentou a decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como é sabido, são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o âmbito do recurso, que só abrange as questões aí contidas (artº 690 nº 1 do CPC).
Do que delas decorre verifica-se que a única questão a decidir é a de se saber se, in casu, se verifica o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial exigido pelo artº 406 nº 1 do CPC.
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Na 1ª instância foram tidos por indiciariamente provados os seguintes factos:
A - A requerente ajustou com o requerido comprar-lhe pela quantia de € 100.000, duas fracções autónomas designadas pelas letras “C” e “D”, do prédio urbano, situado na Rua …, nº … e Rua …, Nºs …, da freguesia de …, concelho de … e inscrito na respectiva matriz sob o artº 1759, destinadas a escritório e habitação, respectivamente, livre de quaisquer ónus ou encargos.
B - Fracções autónomas estas que o requerido se comprometeu vender à requerente por contrato promessa realizado em 02/10/2002.
C - Como sinal e princípio de pagamento do preço de compra desses prédios, a ora requerente entregou ao promitente vendedor a quantia de € 15.000,00.
D - Do contrato promessa realizado ficou ainda estipulado que a marcação da escritura pública de compra e venda não deveria exceder o prazo de três anos a contar da data do referido contrato.
E - O requerido sempre se intitulou como “dono e legítimo possuidor com exclusão de outrém” das prometidas fracções autónomas.
F - A pedido do requerido, a requerente entregou a este como reforço de sinal, em 10/09/2002 a quantia de € 5000 e em 24/10/2002 a quantia de € 2.500,00.
G - Apesar das quantias entregues, a requerente verificou que os ónus e encargos se mantinham, como uma das fracções prometidas estava registada em nome de terceiro, que não o do requerido.
H - Instado o requerido a explicar tal facto, por este foi referido que o titular inscrito na fracção “C” era seu pai, entretanto falecido, mas que já estava a tratar das partilhas com seus irmãos, de sorte a que tal prédio lhe fosse adjudicado.
I - Pelo que, os ónus e encargos iriam consequentemente ser levantados.
J - Passados, porém, alguns meses sem que os ónus fossem levantados e a escritura pública marcada, e tendo em conta que os contactos com o requerido se tornavam cada vez mais difíceis, não só porque este mudava constantemente de telemóvel, sem avisar a requerente,
K - Como não aparecia nos prédios prometidos, local onde se situa o escritório profissional do requerido, o anterior mandatário da requerida, Sr. Dr. …, o contactou por escrito, por diversas vezes, sem qualquer resultado.
L - Em 04/03/2003, após inúmeras tentativas frustradas para contactar o requerido, a requerente, uma vez mais através do seu anterior mandatário e de acordo com o contratualmente estabelecido, enviou àquele carta registada com aviso de recepção, notificando-o da data da escritura pública de compra e venda que havia marcado na Secretaria Notarial de …
M - Carta essa que o requerido não levantou, não obstante para tal ter sido avisado.
N - O anterior mandatário da requerente, que entretanto conseguira chegar à fala com o requerido, notificou-o da data da escritura - 17/12/2003 - sem que o requerido a esta comparecesse.
O - Em 12/02/2004, o requerido celebrou escritura pública de compra e venda das fracções autónomas subjudice no 1º Cartório da Secretaria Notarial de … constando como comprador …
P - Pela compra e venda das referidas fracções autónomas recebeu o requerido do comprador … a quantia de € 117.217,50 (cento e dezassete mil duzentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos).
Q - O requerido recebeu de herança enquanto cabeça de casal por óbito de …, diversas quantias.

Em face da descrita factualidade entendeu o Exmº juiz que a requerente, ora agravante, tendo provado a probabilidade séria da existência do alegado crédito, não logrou, contudo, provar o justo receio de perda de garantia patrimonial.

Entre os meios vocacionados à conservação da garantia patrimonial do credor, conta-se o arresto que nos termos do nº 2 do artº 406 do C.P.C. consiste numa apreensão judicial de bens com valor suficiente para assegurar o cumprimento da obrigação e pode ser requerido pelo credor que tenha justo receio da perda dessa garantia (artº 619 nº 1 do C. C. e 406 nº 1 do C.P.C.).
Constituem, pois, requisitos do arresto, para além da existência (ou probabilidade de existência ou aparência) do direito de crédito da titularidade do requerente - fummus boni juris -, o fundado receio de perda de garantia patrimonial do mesmo “como é o caso de ele temer uma próxima insolvência do devedor, ou uma sonegação ou ocultação de bens que impossibilite ou dificulte a realização coactiva do crédito (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed. p. 734) ou que “com a expectativa da alienação de determinados bens ou a sua transferência para o estrangeiro, o devedor torne consideravelmente difícil a realização coactiva do crédito, ficando no seu património só com bens que, pela sua própria natureza, dificilmente encontrem comprador ou cujo valor seja acentuadamente inferior ao do crédito” (cfr. P. de Lima e A. Varela, C. Civil Anot.º, Vol. I, 3ª ed. p. 605).
Como refere A. Varela “para que se prove o justo receio (como quem diz o receio justificado e não apenas o receio) de perda da garantia patrimonial, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular” (cfr. Das Obrigações em Geral, vol.II, 4 ed., p. 453 e nota 1).
O receio justificativo do arresto deve fundar-se, por conseguinte, em factos objectivos e concretos e ser avaliado de um ponto de vista objectivo e em relação ao valor, quer do crédito, quer dos bens exequíveis (património) do devedor, quer do comportamento deste relativamente ao respeito pelos compromissos assumidos, tudo segundo critérios racionais de um credor medianamente cauteloso e prudente, por forma a criar neste o temor de ver insatisfeito o seu crédito, se o tribunal não intervier imediatamente e com urgência, prevenindo não só a morosidade inerente à máquina judiciária e o possível comportamento lesivo do devedor (cfr. Acs. do STJ de 28/5/97 e de 30/1/97 acessíveis via INTERNET em http://www.dgsi.pt)
O “justificado receio” identifica-se com o chamado “periculum in mora” inerente a todo o procedimento cautelar - evitar a lesão grave e dificilmente reparável (artº 381 nº 1 do C.P.C.) proveniente da demora na tutela da situação jurídica. O direito só será justificado, fundado ou justo quando cria o perigo da insatisfação do direito de crédito, colocando o credor perante a ameaça de lesão daquilo que lho garante - o património do devedor.
Não se trata, pois, de qualquer receio, escreve A. dos Reis - é necessário que este receio seja justo/justificado, ou seja, traduzido em factos positivos e concretos que apreciados no seu verdadeiro valor, façam admitir como razoável a ameaça de insolvência próxima (C.P.C. Anot. vol. II, p. 19)
Como também se decidiu no Ac. da R.P. de 8/4/97 para efeitos de decretamento do arresto, o justo receio há-de aferir-se por critérios objectivos, não bastando meras conjecturas ou a mera convicção subjectiva do credor (cfr. sumário na INTERNET no endereço indicado).
Com o decretamento do arresto pretende-se, pois, evitar que o direito de crédito fique insatisfeito por não se encontrarem no património do devedor bens suficientes para o respectivo pagamento.
Na esteira da doutrina e jurisprudência citadas acompanha-se a decisão recorrida ao exigir a alegação e prova de factos concretos que consubstanciem o receio justificado de perda de garantia patrimonial.
Feitos estes considerandos, vejamos então se os factos apurados preenchem os apontados requisitos da providência solicitada.
Não está em causa, como se referiu, a existência (ou probabilidade de existência ou aparência) do crédito da requerente com base no incumprimento contratual por parte do requerido, ora agravado.
É relativamente ao segundo requisito - perigo de insatisfação do direito de crédito - considerado não verificado na decisão recorrida, que a agravante pretende ter alegado e provado factos suficientes ao seu preenchimento.
Afigura-se-nos, todavia, que não tem razão a agravante.
Com efeito, compulsada factualidade assente, verifica-se que nenhum facto se mostra provado donde se possa concluir que o agravado está a desfazer-se de todo o seu património seja bens materiais ou dinheiro (património, aliás, que se desconhece qual seja, salvo o que resulta dos factos assentes nas alíneas P) e Q)), por forma a furtar-se ou a pôr em risco a satisfação do crédito da requerente.
Pretende a agravante, que do depoimento das duas testemunhas ouvidas em audiência, designadamente da testemunha …, resultou provado que “o ora recorrido vem dissipando o seu património de forma célere, descuidada e preocupante”.
Ora, como bem refere o Exmº juiz, na sua fundamentação, a agravante nada alegou sobre os negócios referidos pela testemunha …, nem juntou os documentos indicados nos artºs 26 e 27 da sua p.i. corrigida, para prova das vendas neles alegadas.
Assim, num caso por falta de alegação e noutro por falta de prova, não poderia o Exmº juiz atender a tal matéria com vista à prova de que “o requerido está a vender o seu património todo” e “a preços inferiores ao seu valor de mercado” e, por conseguinte, à prova do justo receio de perda da sua garantia patrimonial.
Por outro lado, além de nada se ter provado relativamente aos alegados elevados gastos do requerido, também nada permite concluir nos factos provados que o requerido não tem património suficiente para garantir o direito de crédito de que a requerente se arroga titular.
Improcedem, pois, nos termos expostos, as conclusões da alegação da agravante, impondo-se a confirmação da decisão recorrida.
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DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao agravo e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela agravante.

Évora, 3 de Fevereiro de 2005