Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
894/98-3
Relator: RODRIGUES DOS SANTOS
Descritores: IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 03/23/1999
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO CÍVEL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - As causas de impedimento dum Juiz, taxativamente enumeradas no artigo 122º, do Código de Processo Civil, originam uma incapacidade absoluta do Juiz para o exercício da função judicial no processo a que respeitam.
II - É requisito fundamental o recebimento da acusação, para depararmos com o impedimento previsto no artigo 122º, nº 1, g), do Código de Processo Civil.
III - A avaliação dos casos de impedimento terá que ser feita com rigor para ser afastada a hipótese de facilmente ser removido do processo o Juiz Natural.
Decisão Texto Integral:
PROCESSO Nº 894/98
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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1. Nos autos de acção especial de restituição de Posse nº221/94 do 3º Juízo do Tribunal Judicial de .... em que é A. "A" e RR "B" a A. agravou do despacho naquele proferido em 25.2.98 que indeferiu o seu pedido para que a Exmª Juíza se declarasse impedida de intervir no referido processo, nos termos do artº 122º g) e 123º do Código Processo Civil.
Alegou e concluiu:
1) Vem o recurso da decisão que entendeu não haver lugar a impedimento de intervir uns autos, apesar de contra a juiz existir processo deduzido pelo gerente de A;
2) A razão foi de que não foi ainda recebida acusação;
3) Porém a alínea g), no art. 122º, que a acusação terá que estar recebida no caso de se tratar não da parte mas de familiar da parte dos autos - o que não é o caso;
4) Violou assim o douto despacho o art. 122º g) pelo que deve ser revogado.
Não houve contra-alegações.
A Mmª Juíza manteve o seu despacho.
2. Corridos os vistos legais cumpre decidir.
Para decisão do recurso importa reter a seguinte matéria fáctica relevante:
1) A agravante é A. nos autos de acção especial de restituição de posse nº 221/94.
2) "D", gerente da A. dirigiu ao Exmº Procurador junto do Tribunal da Relação de Évora a queixa escrita que constitui fl. 9 deste autos contra o "D" pela ocorrência de facto - diz- em actos referentes ao processo cível 42/90 do 3º Juízo em Novembro de 1997 que toma como difamatórios e injuriosos, requerendo o seguimento da queixa.
3) A referida magistrada é a que tem a seu cargo o processamento da referida acção de restituição de posse.
O que está em causa neste recurso é saber se se verifica o invocado caso de impedimento da magistrada judicial de exercer as suas funções no processamento dos autos de acção especial de restituição de posse nº 221/94. Que existe, diz a agravante; que não existe, diz a Mmª Juiz “ a quo”.
No art. 122º, 1 alínea g) do CPCivil estipula-se que:
“Nenhum juiz pode exercer as suas funções em jurisdição contenciosa ... quando seja parte na causa pessoa que contra ele propôs acção civil para indemnização de danos, ou que contra ele deduziu acção penal, em consequência de factos praticados no exercício das suas funções ou por causa delas, ou quando seja parte o cônjuge dessa pessoa ou um parente dela ou afim, em linha recta ou no segundo grau da linha colateral, desde que a acção ou a acusação já tenha sido admitida”.
Invoca, pois, a agravante um caso de impedimento derivado “das relações do juiz com as partes da causa“ que, no caso, poderiam determinar uma “predisposição desfavorável” na expressão referida por Alberto dos Reis (Comentário, I, 1960, pag. 395).
Estamos no campo das garantias de imparcialidade em que se visa a criação de condições para que o órgão de jurisdição exerça a sua função com independência, rigor e imparcialidade.
As garantias de imparcialidade são levadas a efeito pelo sistema dos impedimentos e das suspeições, os primeiros taxativamente enumerados no artº 122º do CPCivil.
As causas de impedimento originam uma incapacidade absoluta para o exercício da função judicial no processo a que respeitam (cfr. Rodrigues Bastos, Notas, I, pag. 280).
Atenta a relevância desta questão e a importância e influência na boa administração da justiça não pode ela deixar de ser avaliada, ponderada e interpretada dentro dos seus exactos limites. Um extremo rigor na avaliação dos casos de impedimento poderia conduzir à perturbação da má imagem da justiça e uma desusada flexibilidade, poderia conduzir à fácil “remoção” do juiz natural do processo.
Quanto ao caso dos autos e do concreto temos apenas que o sócio gerente da agravante - A. na acção especial já referida , a cargo da Mmª Juíza, minutou a queixa que constitui fls. 9 destes autos, dirigida ao Exmº Procurador junto do Tribunal da Relação de Évora em que acusa a mesma Mmª Juíza da prática de actos difamatórios e injuriosos na sua pessoa, ocorridos estes no âmbito de inquirição daquele mesmo sócio - gerente no processo cível 42/90 do 3º juízo do T.J. de ...
Desconhece-se o posterior andamento da queixa e, designadamente se a acusação foi admitida, sendo certo que este é um requisito fundamental para que se verifique o caso de impedimento suscitado, do nº1 al. g) do art. 122º do C.P.Civil).
E quando a lei fala em acusação, trata-se, mesmo de acusação e não de simples recebimento da queixa, já que outro entendimento não é incompatível com a expressão usada no segmento normativo referido ”... que contra ele deduziu acusação penal”.-
Por outro lado, não se pode acolher a tese da agravante quando diz que aquele requisito se reporta apenas aos casos em que “ ... seja parte o cônjuge dessa pessoa [ no caso, do gerente da agravante] ou um parente dele ou afim, em linha recta ou no segundo grau da linha colateral...” .
A Lei não distingue e “ ubi lex non distiguit nec nos distinguere debemus”, além de que não faria sentido exigir que a acusação tivesse sido admitida apenas quando fosse parte na causa o cônjuge e não no caso, também, de ser parte na causa e próprio denunciante aos autos da acção civil para indemnização de danos.
Como assim, não se verificando que a acusação tenha sido admitida, não se verifica, também, o caso de impedimento do nº1 al. g) do art. 122º do CPCivil.-
Poderemos, pois, concluir.
a) a previsão legal dos casos de impedimento, taxativamente, enumerada no art. 122º do CPCivil visa garantir a imparcialidade do exercício da função jurisdicional;
b) a avaliação dos casos e seu adequado enquadramento legal terá de ser feita com rigor para que se afaste a possibilidade de, eventualmente, e com facilidade a remova de processo o juiz natural.
c) No caso previsto no nº1 al. g) do art. 122º Código de Processo Civil é condição essencial para que se verifique esse caso de impedimento que a acção ou a acusação já tenha sido admitida, condição que se reporta a todo o referido segmento de norma.

3- Face ao exposto, negando-se provimento ao agravo, confirma-se a douta decisão recorrida.
Custas pela agravante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Évora, 23.3.99