Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
239/07.8GCLGS.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: FURTO QUALIFICADO
PROVA PERICIAL
OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS ESSENCIAIS
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 01/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO UM DOS RECURSOS
Sumário:
1. A demonstração da correspondência entre um vestígio lofoscópico e uma impressão digital obtém-se através de perícia.

2. A prova pericial pressupõe a elaboração de um relatório, no qual os peritos mencionam e descrevem as suas respostas e conclusões devidamente fundamentadas (art. 157º do CPP).

3. Uma “informação de serviço”, em que autoridade de polícia criminal dá nota de que se verifica concordância entre a impressão digital de um dedo do arguido e um vestígio recolhido no local do crime, não é uma perícia e não pode, por si só, fundamentar a decisão de condenação.

4. Ao encerrar a audiência designando data para leitura da sentença no próprio dia em que ordenara a recolha de impressões digitais ao arguido, não permitindo a junção aos autos do correspondente relatório pericial e proferindo decisão condenatória assente exclusivamente numa “informação de serviço”, o tribunal cometeu a nulidade prevista no art. 120º, nº2, al. d) do Código de Processo Penal. [1]
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No Processo comum colectivo n.º 239/07.8GCLGS do 2º Juízo do Tribunal de Lagos foi proferido acórdão em que se decidiu condenar:

- A como autor de um crime de furto qualificado da alínea e) do nº 2 do art. 204º do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; como autor de um crime de aquisição de moeda falsa da alínea a) do n° 1 do art. 266º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; em cúmulo, na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão;

- B como autor de um crime de furto qualificado da alínea e) do n° 2 do art. 204º do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão;

- C, como autor de um crime de receptação do n° 1 do art. 231° do Código Penal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 5 euros.

Inconformados com o decidido, recorreram A e B concluindo:

O arguido A:

“1. Em conclusão e fase a todo o exposto, o Tribunal “a quo” violou o previsto no art. 50º, nº1, do C. Penal, ao não atender aos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, e ao art. 71º, nº2 alínea d), do C. Penal;

2. Devem ser considerados o grau de ilicitude do facto – que se afigura, atendendo ao modo de execução dos factos, aos instrumentos utilizados e às consequências da conduta do arguido – baixo devido à ausência de armas posteriormente verificada – a intensidade do dolo – que é directo – os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os motivos que o determinam e bem assim as consequências do crime – foram diminutas pois a tentativa dos objectos furtados eram de valor diminuto, tendo sido quase todos estes recuperados;

3. É propósito declarado da lei Substantiva Penal, traçar «um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização, objectivo que a existência da própria prisão parece comprometerr», conforme denotam Leal – Henriques e Simas Santos, em anotação ao Art. 50º, pág. 639, no seu Código Penal Anotado, I Volume, 3ª Edição.

4. Assim, nunca o Tribunal “a quo”, devia ter decidido como o fez, devendo terem sido consideradas as condições sociais, familiares e económicas do arguido com vista a melhor determinar se o arguido merecia um juízo de prognose favorável;

5. Pois apesar das condenações sofridas anteriormente, importa averiguar com rigor as actuais condições de vida do arguido;

6. No caso concreto o Tribunal “a quo”, atendeu que o arguido A. tendo em conta o seu passado criminal, sucessivamente censurados e sancionados com a reacção penal...”;

7. Haverá o arguido, pois, de ser punido com pena de prisão, ou seja, com pena efectiva e privativa da liberdade, põe não terem já cabimento outras quaisquer – apenas distintas em conformidade com o passado criminal;

8. As penas aplicadas ao arguido, severas, demonstram bem que tem o Tribunal vindo a dirigir àquele cada vez mais censura”.

9. Com efeito, salvo douta opinião, o arguido A. carece de um programa de reabilitação, que o obrigue a ter responsabilidades e a aprender a viver de forma honesta e poderá ser tarde para evitar que se torne num criminoso;

10. Só na posse desses elementos anteriormente referidos pode o Tribunal “a quo”, saber se o arguido é ou não merecedor de um juízo de prognose favorável;

11. O que realmente aconteceu foi, a decisão de um juízo de prognose negativo (apenas pelo seu passado criminal) ao se decidir pela não suspensão da execução da prisão preventiva, sem terem sido escrutinados todos os factores devidos;

12. Na verdade, se o arguido apresenta um processo de auto-crítica em relação à sua participação nos factos – confissão integral e sem reservas - a convivência com criminosos num ambiente prisional não é o mais adequado ao arguido, com frágeis modelos de integração social, colocá-lo em convivência integral com criminosos é a pior medida para a sua ressocialização, porquanto não é no estabelecimento prisional que irá encontrar modelos positivos, onde será sempre de alguma forma influenciado pelas experiências criminosas de outros reclusos;

13. A pena de prisão de três anos e dez meses de prisão efectiva é manifestamente excessiva;

14. Uma pena menos gravosa é, em face das circunstâncias e documentos acima descritos, mais ajustada e equilibrada, dando deste modo resposta ás necessidades de prevenção geral e ás exigências de prevenção especial e ressocializadora;

15. Daí que no humilde entendimento do ora recorrente, a condenação do arguido numa outra moldura penal, daria certamente ao arguido uma última oportunidade para este se recompor dignamente enquanto ainda é tempo (……” somos nós que podemos também escolher o nosso próprio destino, passageiros de um tempo igualmente por nós determinado”…….);

16. Daí que no humilde entendimento do ora recorrente, a condenação do arguido em pena de prisão efectiva, só por si não afirma a prognose negativa que fundamentou a não suspensão da execução da pena”.

O arguido B:

“A- O Douto Acórdão recorrido condenou o arguido, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pela alínea e) do n.º 2 do artº 204º do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão.

B- Para a condenação do arguido, o Tribunal “a quo” considerou determinante o documento intitulado de “Informação de Serviço”, a folhas 539 dos autos.

C- Todavia, com o devido respeito, que é muito, não andou bem o Tribunal “a quo”, pois, este documento não é um relatório de inspecção lofoscópica elaborado por entidade especializada e acreditada (como o Laboratório de Polícia Científica, a quem compete a realização de perícias, nos termos do disposto no artigo 40.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de Novembro), nele não são indicados os critérios científicos através dos quais se possa, objectivamente, aferir que as impressões digitais colhidas à ordem dos autos pertençam, efectivamente, ao arguido (designadamente, neste documento não é indicado o sistema de classificação datiloscópica, quais as figuras e pontos característicos, o grau de semelhança e/ou probabilidade evidenciado na confronto dos vestígios lofoscópicos existentes com as impressões digitais do arguido, etc.). Acresce que nesta “Informação de Serviço” é, expressamente, advertida a necessidade de ser complementada com aditamento que “demonstra graficamente a identificação do vestígio lofoscópico”, que não está nos autos.

D– Pelas razões aduzidas em C-, afigura-se ao arguido que tal “Informação de Serviço” não é documento apto a estabelecer, inequívoca e precisamente, a imputação dos vestígios lofoscópicos colhidos no local do crime.

E- Daí, que venha invocar a nulidade daquele documento – e da prova que ele pretende concretizar – vício que argui, para os devidos efeitos legais.

F- Por outro lado, ainda que V/Exas. assim não entendam, e sempre com a devida Vénia por V/Entendimento, mais Douto, vem o arguido dizer que o Tribunal “a quo” ao lhe ter aplicado pena de prisão efectiva de 5 anos, violou o disposto no artigo 42.º n.º 1 do Código Penal.

G- Artigo que estabelece que “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.”

H- A pena de prisão é aceite como pena principal para os casos mais graves. Ora, parece ao arguido, que o caso concreto não reveste gravidade que justifique a aplicação de uma pena de prisão efectiva.

I – Em primeiro lugar, porque, foram recuperados para o proprietário, parte dos objectos furtados (o computador de marca HP com o valor aproximado de € 750,00, uma pen – dispositivo de armazenamento de dados digitais – de marca Kingston com o valor aproximado de € 20,00, várias garrafas de bebidas alcoólicas no valor aproximado de € 30,00, velas, chocolates e vários outros artigos de minimercado, tudo no valor aproximado de € 60,00 - cfr. Auto de Apreensão dos objectos e Auto de Busca e Apreensão dos objectos, respectivamente, a fls. 10 e 11 dos autos e, ainda, folhas 8, 69, 71 e 72 dos autos);

J- Depois, porque, no que concerne à vida do arguido, desde há cerca de 3 anos, que de forma reiterada, tem vivido integrado social, familiar e profissionalmente, como resulta do teor do Relatório Social (e também é referido no Douto Acórdão), que aqui se dá, por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais. Vive com companheira, estabeleceu contactos com um irmão que vive em Lisboa e faz pintura, trabalhos indiferenciados na construção civil e biscates na lota (cfr. Relatório Social).

L- A final, sendo inegável que o arguido tem um certificado de registo criminal considerável, também é certo que, por cada crime praticado, cumpriu a pena respectiva, pelo que, cada efeito de retribuição estabelecido por aqueles crimes se encontra totalmente cumprido, não devendo o seu passado criminal pesar ao ponto de reforçar o cumprimento de uma pena de prisão efectiva.

M- Razões por que, a aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva de 5 anos é totalmente desprovida de sentido ressocializador (e, por conseguinte, inviabiliza, de facto, o processo socializante em curso), eliminando o equilíbrio entre necessidades de prevenção especial e as necessidades de prevenção geral, que a própria Lei faz vigorar, com carácter essencial e estruturante de todo o sistema processual português de penas.

N- Todavia, o entendimento do Tribunal “a quo” não foi este, pelo que, ao ter aplicado uma pena de prisão de 5 anos, violou o artigo 42.º n.º 1 do C.P., razão pela qual o Douto Acórdão recorrido é nulo, vício que é invocado, para todos os legais efeitos.

O- Por fim, ainda que V/Exas. assim não o entendam, sempre diz o arguido, no seu humilde parecer, que a aplicação de uma pena de prisão de 5 anos se afigura excessiva, face às circunstâncias que depõem a seu favor e que, o Douto Tribunal “a quo” não tomou na consideração devida, aquando da determinação da medida da pena concreta aplicada.

P- Defende o Recorrente que o douto Tribunal “a quo” fez errada aplicação do disposto no artigo 71.º do C.P, aplicando-lhe penas desproporcionadas, usando de uma severidade que os artigos 40.º e 71.º do Código Penal não consentem, pelo que tais preceitos legais se mostram violados.

Q- A decisão recorrida violou, o disposto nos artigos 40.º e 71.º do C. Penal, por ter feito prevalecer o elemento retributivo da pena em detrimento do elemento ressocializador.

R- Além de que, o douto Tribunal “a quo”, contrariando o disposto no artigo 71.º do Código Penal, na determinação concreta das penas não atendeu a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deporiam a favor do Recorrente, não tendo sido devidamente valorizadas as seguintes:

1) Desde há cerca de dois anos o arguido tomou a iniciativa de iniciar um tratamento terapêutico no IDT, sujeitando-se a terapêutica de substituição de metadona, que mantém actualmente;

2) encontra-se mais equilibrado, tendo conhecido há cerca de 2 anos, a actual companheira, vendedora de produtos de cosmética, com quem mantém um relacionamento marital desde há dois anos;

3) arguido e companheira residem num apartamento T0, arrendado, numa zona habitacional nos arredores de Portimão;

4) desde Maio de 2011 que o arguido é utente de RSI no valor mínimo atribuído;

5) em termos laborais, apesar de desempregado o arguido ocupa-se em biscates na lota, pintura e trabalhos indiferenciados na construção civil;

6) os rendimentos que o casal aufere não são suficientes para assegurar os encargos mínimos no presente, tendo apoio regular de familiares da companheira e ocasional de um dos irmãos do arguido, a residir em Lisboa;

7) esta aproximação do arguido à família de origem é um factor positivo novo e dependente deste comprovar ao irmão que mantém um modo de vida honesto sem comportamentos aditivos;

8) é um indivíduo de bom trato pessoal, disponível e esforçado no sentido de corresponder às expectativas e solicitações dos serviços de reinserção social;

9) revela capacidade de reflexão sobre o seu percurso de vida, reconhecendo como um dos factores potenciadores de risco de reincidência o consumo e dependência de estupefacientes;

10) o presente processo é analisado pelo arguido como mais uma inevitável consequência da sua toxicodependência, numa fase em que mantinha consumo activo de heroína e cocaína, a viver em condições precárias na rua ou numa barraca na zona degradada conhecida por “Palácio” em Portimão. Esta degradação do modo de vida, em período de tempo anterior às condenações mais recentes, consubstancia um argumento de vitimização e frustração, numa fase em que considera estar a recuperar um modo de vida minimamente organizado e gratificante. Teme uma nova prisão quando considera ter feito um esforço de recuperação do problema da toxicodependência, processo moroso, ainda em acompanhamento terapêutico;(...)”

11) os factos ilícitos dos autos remontam a 2007 e desde há cerca de 3 anos o arguido tem mantido um percurso de vida alheio a quaisquer práticas ilícitas (é de 02.12.2009 a prática do último ilícito registado, que é de condução sem habilitação legal);

12) É referido no Relatório Social a folhas 6/6, “Não tem sido referenciado pelas autoridades policiais por novos envolvimentos em situações idênticas às da presente acusação”.

13) Pugnando o Relatório Social pela existência de “condições para aplicação de uma pena em meio livre” – cfr. folhas 6/6.

14) Resulta dos autos a fls. 10 e 11 dos autos (cfr., ainda, folhas 8, 69, 71 e 72 dos autos), que houve recuperação de objectos furtados para o proprietário (o que este também confirmou no seu depoimento em audiência de julgamento, bem como algum ressarcimento/reparação monetárias (cfr. faixa de gravação respectiva).

15) No momento presente, o arguido encontra-se em cumprimento de pena de prisão de 3 anos e 3 meses suspensa na sua execução, como melhor referido em Douto Acórdão.

16) Segundo o Relatório Social, há mais de um ano que o arguido “apresentou sempre disponibilidade para comparecer e prestar informações, consciente das suas obrigações no âmbito das penas em curso.”- cfr. folhas 2/6.

S- Acresce que, foram recuperados para o proprietário, parte dos objectos furtados, como melhor referido em supra I-, o que o proprietário dos bens, MC, testemunha nos autos, confirmou em audiência de julgamento.

T- Nestes últimos cerca de 3 anos, está demonstrada a capacidade de integração social do arguido, com carácter de estabilidade, que importa acautelar, e a possibilidade de recuperação de uma vida criminógena que a pena de prisão pode, irreparavelmente e irremediavelmente, invalidar.

U - Actualmente, o arguido tem companheira, tem acompanhamento médico e psicológico em regime de liberdade, tem apoio de um irmão, realiza trabalhos de construção civil, pintura e biscates na lota. Se for chamado a cumprir uma pena de prisão efectiva de 5 anos, é quase certo que quando esta termine, não reste ao arguido, vida sequer semelhante, com a que agora conhece (e que, diga-se, oportunamente, nunca conheceu, atento o seu percurso de vida).

V- Atento o exposto, a aplicação ao Recorrente de uma pena de prisão inferior ao quantitativo fixado e suspensa na sua execução é mais ajustada, adequada e afigura-se suficiente para realizar as finalidades da punição e promover a continuação da sua ressocialização, assegurando as exigências de prevenção geral e especial que, “in casu”, se impõem.

X- Deste modo, a decisão condenatória recorrida deverá ser substituída por outra que aplique ao Recorrente uma pena de prisão inferior a 5 anos e suspensa na sua execução, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, atentas as circunstâncias mencionadas, o que se afigura mais ajustado e adequado.”.

O Ministério Público respondeu aos recursos, pugnando pela improcedência.

Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto pelo arguido B, atendendo à ocorrência da nulidade de prova nele suscitada.

Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. Com relevo para a decisão do recurso, consideraram-se no acórdão os seguintes factos provados:

“Os arguidos A e B, na madrugada de 12.11.2007, dirigiram-se ao parque de campismo da Ingrina, em Vila do Bispo, tal como haviam combinado e com o propósito de aí se apropriarem dos bens e valores que pudessem;

Ali chegados entraram por uma das janelas da recepção que para tanto arrancaram, deitando mão e dali trazendo aparelhos de informática (entre eles um computador que valia cerca de 750 euros), dinheiro e artigos de minimercado, com o valor total aproximado de 1.075 euros;

Depois, dirigiram-se a um posto de abastecimento de combustível em Lagos onde contactaram o arguido C, funcionário daquele posto que, sabendo que o computador havia sido retirado ao dono contra a sua vontade, ficou com o mesmo em troca do abastecimento de gasóleo (com o valor de 10 euros) para o veículo em que os dois outros arguidos se faziam transportar;

Ainda na mesma madrugada, o arguido A. tinha consigo uma imitação de nota de 50 euros e três imitações de nota de 5 euros, fabricadas com impressão por jacto de tinta, que o arguido sabia serem falsas e pretendia fazer circular como se verdadeiras fossem;

Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo as suas condutas proibidas, querendo ainda os dois primeiros tirar os bens e valores que tiraram e o terceiro ficar com um bem alheio que lhe não pertencia, nem aos restantes arguidos, por valor irrisório;

O arguido A. reconheceu em audiência os factos que praticou.

Foi condenado em 11.6.2007, em pena de multa, pela prática de crime de furto, cometido em 16.1.2007. Foi condenado em 30.6.2009, em pena de multa, pela prática de crime de furto, cometido em 6.5.2008. Foi condenado em 10.3.2010, em pena de multa, pela prática de crime de abuso de cartão de crédito, cometido em 26.10.2007. Foi condenado em 5.11.2010, em pena de multa, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, cometido em 3.10.2009;

O seu processo de crescimento decorreu no seio da família de origem (pais e um irmão), oriundos de um meio rural da Moldávia. Os pais eram professores no país de origem. O arguido frequentou o sistema escolar em idade própria, completando 11 anos de ensino;

A situação socio-económica da família após a dissolução da União Soviética, atingiu um nível inaceitável, pelo que os pais e o irmão, decidiram emigrar para Portugal no final da década de 90. O arguido juntou-se à restante família em Janeiro de 2002, abandonando a escola quando frequentava o 12° ano. Radicaram-se na cidade de Lagos, onde ainda residem os pais e o irmão que já tem família constituída;

O pai do arguido, no nosso país, passou a desenvolver actividade laboral na construção civil, mais tarde estabeleceu-se por conta própria actividade que mantém juntamente com o irmão do arguido. A mãe integrou o mercado de trabalho nas áreas de limpeza e restauração. O arguido exerceu actividade laboral na construção civil, junto do pai até 2008;

À data dos factos o arguido integrava o agregado familiar de origem, a residir em Lagos, mantinha-se laboralmente activo junto da empresa do pai. Por esta altura experimenta consumos de estupefacientes (cocaína, heroína, cannabis, etc.), inicialmente circunscritos a momentos de lazer e de diversão nocturna, em contexto de pares com a mesma problemática, mas de forma galopante desencadeou dependência compulsiva das mesmas, com repercussões negativas para a sua estabilidade emocional e comportamental, quer em contexto de família, quer ao nível do seu desempenho laboral, apesar das várias tentativas de desintoxicação efectuadas no domicilio, bem como com recurso a terapêutica especializada no CRI/Portimão, para o qual beneficiava de acompanhamento da progenitora;

Apesar da sua toxicomania, o arguido era descrito no meio social de inserção como um indivíduo generoso e sociável. Em Lagos estabeleceu relacionamentos quer com estrangeiros, sobretudo provenientes de Leste, quer com os nacionais, em contexto de diversão nocturna;

No início do ano de 2010, optou por deslocar-se e fixar residência no norte do país, por questões de maior oportunidade de trabalho, mantendo essencialmente contactos telefónicos com os pais. O arguido foi para a zona do grande Porto, juntamente com outros indivíduos de quem se tornara amigo no sul do país;

Em período anterior à sua reclusão no E.P. Porto em 24.6.2011 passou a residir em casa dum indivíduo de quem se tomara próximo, aquando das suas deslocações ao bairro do Aleixo, no Porto, onde o arguido adquiria estupefacientes para seu consumo, situação que mantinha aquando da sua detenção;

As relações de proximidade à família têm sido mantidas com recurso a visitas da mãe, com a periodicidade de dois em dois meses, elemento familiar que manifesta uma atitude de maior proteccionismo e apoio ao arguido, enviando-lhe dinheiro e encomendas em géneros alimentícios, para além de ter pago parte do valor dos objectos retirados e estragados do parque de campismo ao respectivo dono, mais concretamente, dando-lhe 250 euros. O pai apenas o visitou uma vez;

Recai sobre o arguido uma pena de expulsão do território nacional, fixada em cinco anos o período de interdição de entrada, condenação proferida no âmbito do processo à ordem do qual cumpre pena de 6 anos e 6 meses de prisão (proc. N° ---/08.1GALGS do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Lagos) pela autoria de crimes de furto. Tem ainda a cumprir 7 meses de prisão (incumprimento de 210 horas de trabalho a favor da comunidade) pela prática dum crime de furto, à ordem do proc. nº --/08.4P ALGS do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Lagos;

Na Moldávia beneficiará de apoio de alguns familiares, designadamente a avó materna, dispondo ainda de habitação pertencente à família. Por este facto não tem ainda determinado um projecto laboral. Não obstante, são salientados constrangimentos relacionados com a falta de suporte familiar consistente, uma vez que a avó é pessoa idosa e os pais pretendem permanecer em Portugal e nesse sentido a mãe já obteve nacionalidade portuguesa e o pai já a requereu também; Aquando da sua entrada no E.P. Porto e na sequência da sua condição de toxicodependente, foi-lhe proposta a sua integração em programa terapêutico especializado no âmbito do projecto de "Observação e Acolhimento a Toxicodependentes Entrados" designado por "OBS", ao qual aderiu e se manteve de 27.6.2011 a 17.10.2011, programa que cumpriu com sucesso. Desde então e até ao momento integra grupo de abstinentes;

Tem evidenciado um comportamento na generalidade conforme as regras prisionais, à excepção de uma sanção de que foi alvo em 12.12.2011, punido com a permanência obrigatória no alojamento por posse de 20 euros, sabendo que tal conduta não era permitida;

Apesar de ter já solicitado enquadramento laboral, ainda aguarda decisão dos serviços competentes do E.P. Porto. Mantém-se ocupado no sector do desporto e frequenta curso de português para estrangeiros. O actual período de reclusão permitiu-lhe recuperar a sua condição física e emocional, há algum tempo condicionada pela sua toxicodependência, factor que elege como criminógeno na sua trajectória de vida;

Quanto à natureza dos delitos pelos quais está acusado nos presentes autos, o arguido consegue perceber a ilicitude e gravidade dos mesmos, mostrando-se preocupado com a decisão que vier a ser proferida, atenta a sua actual situação jurídico-penal por si só já constrangedora, segundo refere o próprio;

Os progenitores foram surpreendidos com a reclusão do arguido, desconhecendo a prática criminal em causa, percepcionando-se algum pudor sobre o assunto, reconhecendo contudo o seu envolvimento, quando residia em Lagos, com delitos estradais;

O arguido B em audiência negou os factos que praticou.
(…)”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são as seguintes:

3.1.Recurso do arguido A: medida e espécie da pena
3.2. Recurso do arguido B: nulidade da prova e medida e espécie da pena.

3.1.Recurso do arguido A.: espécie da pena

Este arguido encontra-se condenado em 3 anos e 10 meses de prisão, pena cuja medida não questiona em recurso (nem na motivação, nem nas conclusões). Pugna, tão só, pela suspensão na execução.

Assim, os poderes de cognição da Relação encontram-se circunscritos à decisão sobre a efectividade da prisão, uma vez que, relativamente a este arguido, inexistem outras questões de que cumpra conhecer oficiosamente.

No acórdão fundamentou-se a efectividade da pena aplicada ao recorrente, do modo seguinte:

“Os antecedentes criminais e as vivências dos arguidos A e B tomam impossível concluir que a ameaça de pena e a censura do facto serão bastantes para os afastar da criminalidade, pelo que a execução das penas não deverá ser suspensa, nos termos do art. 50º do Código Penal.

Não é possível fazer um juízo positivo de prognose quanto ao arguido A. pois apenas a sua prisão se mostrou apta a fazer parar a sua escalada no crime. A consolidação da sua vontade de inserção terá de ser efectuada pela mesma forma, que se mostrou adequada a semelhante fim, O contrário, nestas circunstâncias, apenas serviria para reforçar a tendência criminal do arguido Serghei Levcovici, em total desarmonia com o fins legais das penas.”

A actividade de determinação da pena é uma actividade judicialmente vinculada e do art. 50º, nº1 do Código Penal resulta que a decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos deve merecer especial fundamentação (Ac. TC n.º61/2006 , D.R., II série, de 28-02-2006, e Acs STJ 07-11-2007, TRP 25-03-2009, TRC 16-07-2008, TRE 10-07-2007, todos em www.dgsi.pt, entre muitos outros).

O tribunal só pode afastar a pena de substituição na ausência de factos indiciantes de um juízo de prognose favorável à ressocialização em liberdade.

A decisão sobre a pena assenta sempre em juízos de prognose, configurando necessariamente “uma estrutura probabilística” e não podendo “senão concretizar-se por aproximações” (assim, Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 27).

Há, por isso, que dotar a sentença de todos os factos necessários e possíveis à formulação dessa prognose. Tais factos, que incluem os que respeitam à culpabilidade bem como os que se relacionam com a personalidade do arguido e com o seu comportamento anterior e posterior à prática do crime, incluem os antecedentes criminais, as penas anteriormente experimentadas.

Os juízos de prognose, que não podem resultar de uma mera “intuição” assente na “experiência da profissão”, pressupõem “um trabalho teórico-prático de recolha e valoração de dados e informações acerca da pessoa e dos factos em causa”, o que implica um “alargamento da base da decisão” de modo a incluir os factos relativos ao condenado e aos seus antecedentes criminais (assim, Anabela Rodrigues, loc. cit., p. 28-30).

No acórdão encontram-se esses factos necessários à decisão sobre a pena, mais precisamente, e ao que ora releva, à decisão sobre a efectividade/suspensão da pena. Nestes, não podem deixar de relevar especialmente os antecedentes criminais do arguido, como dá nota a jurisprudência e, como se vê, a melhor doutrina.

Na verdade, o juízo sobre a pena compreende a identificação casuística das exigências de prevenção especial, à qual não pode ser alheia a avaliação sobre a pessoa do condenado, os efeitos ou resultados das condenações anteriores no comportamento dele.

Em casos de arguidos não primários, cumpre saber das concretas sanções criminais anteriormente experimentadas, aquilatar do seu maior ou menor sucesso, da resposta que ainda possam ou não oferecer para o caso concreto, sobretudo quando a nova pena, a proferir, é a de prisão, o que no acórdão também se cumpriu.

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em que nos revemos, “a suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos (STJ 07.11.2007, Henriques Gaspar).

Contudo, o juízo formulado pelo tribunal de julgamento sobre a insuficiência de pena de substituição mostra-se acertado. A suspensão da execução da prisão não garantiria, no caso, as finalidades da punição. Os factos apurados – particularmente a ineficácia das penas de substituição anteriormente experimentadas – não permitem concluir que o tribunal se devesse ter fidelizado, de novo, a esse poder-dever vinculado, de substituição da pena de prisão.

Também a circunstância de o arguido se encontrar detido em cumprimento de pena de prisão (de seis anos e seis meses) aponta no mesmo sentido.

Por tudo, é de concluir que a suspensão (da execução da pena), “medida de conteúdo reeducativo e pedagógico de forte exigência no plano individual” não asseguraria a resposta às exigências de socialização diagnosticadas no caso.

Os factos provados relativos à personalidade do arguido, nos quais se incluem a problemática da dependência do consumo de estupefacientes, que o arguido parece estar finalmente a resolver em meio prisional, revelam especiais necessidades de socialização a que só a efectividade da pena poderá dar resposta.

Dito de outro modo, os factos provados não levam a concluir que a simples ameaça da pena e a censura do facto constituam garante das finalidades da punição, sendo ainda certo que a prevenção especial assume neste momento do processo aplicativo da pena um papel dominante, mas não exclusivo. E a prevenção geral, no presente contexto, aponta no mesmo sentido (a colectividade dificilmente compreenderia a suspensão da pena num caso como o presente).

Justifica-se, por tudo, o juízo de afastamento da suspensão da pena, feito no acórdão.

3.2. Recurso do arguido B: nulidade da prova e medida e espécie da pena.

O recorrente começa por invocar uma “nulidade de prova”.

Argumenta, para tal, que o tribunal considerou determinante para a sua condenação o documento intitulado de “Informação de Serviço” (a folhas 539 dos autos) e que este documento não é um relatório de inspecção lofoscópica elaborado por entidade especializada e acreditada.

No acórdão, consideraram-se provados os factos imputados ao recorrente, tendo-se motivado a matéria de facto, ao que ora interessa, da forma seguinte:

“A convicção do tribunal quanto aos factos provados relativamente à forma como foi levado a cabo o assalto e valor dos bens levados formou-se com base nas declarações do arguido A, que reconheceu tais factos de forma sincera e credível. Os mesmos estão devidamente comprovados pelas fotos tiradas ao local, autos de busca e apreensão e declarações do dono, inquirido também em audiência e que ainda esclareceu ter recebido 250 euros da mãe do arguido A. A participação do arguido A. é portanto uma certeza absoluta.

Pretendeu este arguido, tal como o arguido B, nada ter este a ver com o sucedido. Contudo, a prova lofoscópica ordenada pelo tribunal no dia da audiência não deixa margem para dúvida acerca da participação do arguido B. naquele mesmo furto.”

Como se vê, relativamente à pessoa do arguido B., a prova dos factos que respeitam à imputação objectiva (e, consequentemente, também à imputação subjectiva) assentou exclusivamente no documento agora posto em crise.

Este documento é uma “informação de serviço” em que a autoridade de polícia criminal (a Polícia Judiciária) dá nota de que se “verifica uma total concordância entre a impressão digital do dedo indicador da mão esquerda “ do recorrente “e um dos vestígios recolhidos no local do furto”. Mais se consigna que “seguirá em aditamento a informação pericial onde se demonstra graficamente a identificação do vestígio lofoscópico”.

Só que tal “informação pericial” não chegou a integrar o processo, não constando dos autos.

Na verdade, as impressões digitais instrumentais da perícia foram recolhidas ao arguido já no decurso do julgamento, cuja audiência foi suspensa, para esse efeito, pelas 12h55m do dia 18.10.2012 e retomada logo às 15h55m do mesmo dia.

Foram, então, “notificados todos os presentes do teor da perícia”, tudo conforme acta de fls. 543.

A 26.11.2012 foi lido o acórdão condenatório.

Embora tenha ficado a constar da acta de julgamento que “os presentes foram notificados da perícia”, o certo é que a menção só pode pretender aludir ao documento de fls 539, que a precede, já que inexiste qualquer perícia no processo.

O documento em causa, como dele consta, é uma “informação de serviço”, na qual se consigna expressamente que “a informação pericial seguirá em aditamento, assim que for tecnicamente possível”.

As provas são (ou visam) a demonstração da realidade dos factos (art. 341º do Código Civil). Mas, no processo penal moderno, a função das provas não se esvazia nesta finalidade mais essencial e imediata, já que elas representam também a garantia de realização do processo justo. A demonstração dos factos opera-se através de meios lícitos e num quadro legalmente conformado, processual e constitucionalmente.

A liberdade dos meios de prova (são admissíveis para a prova de quaisquer factos todos os meios de prova admitidos em direito, ou seja, os que não forem proibidos por lei - art. 125 do Código de Processo Penal), apreciadas à luz de um princípio de livre apreciação, não representa irrestrita e ilimitada autonomia do juiz no tratamento das provas (na aquisição, na produção ou na valoração).

A demonstração da correspondência entre um vestígio lofoscópico e uma impressão digital obtém-se através de perícia. E assim sucede porque o juiz não consegue valorar directa e livremente os vestígios (que são objecto da perícia). A perícia surge como uma interpretação de factos imprescindível, feita por pessoas com especiais conhecimentos técnicos, científicos e artísticos (art. 151º do Código de Processo Penal). Ela passa, então a ser, de per si, “fonte de convencimento”, embora não consubstancie, verdadeiramente, um meio de prova, nem real nem pessoal (assim, Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, p. 345-351). O perito intervém na prova, mas não é prova. A perícia é um meio de apreciação da prova pois o perito contribui para a averiguação e apreciação de uma prova pre-existente, retirando dos vestígios as ilações que eles consentem, e submetendo as suas conclusões periciais à autoridade judiciária, para apreciação (assim, Cavaleiro de Ferreira, loc. cit.).

O art. 157º nº 1 do Código de Processo Penal trata do “relatório pericial”, preceituando que “finda a perícia, os peritos procedem à elaboração de um relatório, no qual mencionam e descrevem as suas respostas e conclusões devidamente fundamentadas”.

Relativamente à oportunidade da junção aos autos, à elaboração-regra “logo de seguida à realização da perícia”, adita a lei a possibilidade de apresentação do relatório “até à abertura da audiência”, se o conhecimento dos resultados da perícia não for indispensável para o juízo sobre a acusação ou sobre a pronúncia” (nº 4 do art. 157º do Código de Processo Penal).

Do lado da apreciação, o juízo inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, (art.163º, nº 1 do Código de Processo Penal), embora a lei não consagre uma verdadeira presunção, pretendendo apenas dizer que “salvo com fundamento numa crítica material da mesma natureza – científica, técnica ou artística – o relatório pericial impõe-se ao julgador” (assim, Germano Marques da Silva, Processo Penal, II, p. 177-179).

De tudo se conclui que esta prova está sujeita a um regime peculiar, quer do lado da aquisição e produção, quer do lado da apreciação.

Sem relatório pericial inexiste perícia. Os autos não contêm as “conclusões a submeter à apreciação do julgador”

A perícia deve integrar logo o inquérito – o tempo processual da investigação – excepcionalmente, pode ser junta até ao início do julgamento, mas, seguramente, nunca o poderá ser após o encerramento da audiência (mais precisamente, da fase de produção da prova).

A perícia é, tal como as outras, uma prova sujeita ao contraditório. Os meios de prova apresentados no processo são submetidos ao contraditório (art. 327º do Código de Processo Penal), princípio com assento constitucional no que respeita à audiência de julgamento (art. 32º, nº5 da Constituição da República Portuguesa).

A contraditoriedade na produção e na valoração das provas significa que a acusação e a defesa possam oferecer as suas provas, mas também que possam controlar as provas contra si oferecidas e discutir o valor e resultado de todas elas.

Todas as provas que serão objecto de apreciação na sentença têm de se mostrar discutidas no contraditório da audiência de julgamento (art. 355º do Código de Processo Penal). Uma “perícia” sem relatório pericial (passe-se a contradição), ou seja, uma perícia sem “conclusões devidamente fundamentadas” não permite o contraditório da discussão, não pode fundamentar uma decisão de direito definitiva, maxime a decisão de condenação.

O tribunal constitucional tem, precisamente, chamado a atenção para o facto de não serem “uniformes as exigências constitucionais de fundamentação de todo o tipo de decisões em matéria penal, (…) que as decisões condenatórias devem ser objecto de um dever de fundamentar de especial intensidade” (Ana Luísa Pinto, A Celeridade no Processo Penal: O Direito à Decisão em Prazo Razoável, p. 75 e Acs TC 680/98, 281/2005 e 63/2005 aí cits.).

O arguido tem razão quando refere que “a Informação de Serviço não é documento apto a estabelecer, inequívoca e precisamente, a imputação dos vestígios lofoscópicos colhidos no local do crime, nele não são indicados os critérios científicos através dos quais se possa, objectivamente, aferir que as impressões digitais colhidas à ordem dos autos pertençam, efectivamente, ao arguido (designadamente, neste documento não é indicado o sistema de classificação datiloscópica, quais as figuras e pontos característicos, o grau de semelhança e/ou probabilidade evidenciado na confronto dos vestígios lofoscópicos existentes com as impressões digitais do arguido, etc.) ”, arguição em que é acompanhado pela Sra. Procuradora-geral Adjunta nesta Relação.

O encerramento da audiência com designação de data para leitura do acórdão, no próprio dia/sessão em que se procedeu à recolha de impressões digitais, não permitiu a junção aos autos do correspondente relatório pericial. Sendo certo que, como dá nota Ana Luísa Pinto, “a celeridade não afasta a necessidade de o processo se conformar de modo adequado a assegurar, designadamente, o contraditório, a igualdade de armas, a produção de prova e a fundamentação da decisão. De igual modo, não pode a celeridade prejudicar a averiguação da verdade material nem a ponderação da decisão. (…) A celeridade processual, sendo um valor positivo, não constitui um objectivo, por si só, do processo. Ela só é desejável na medida em que traz eficácia ao processo, permitindo-lhe cumprir plenamente o seu objectivo de realização da justiça. (…) A celeridade tem que ser perspectivada em função de outros valores fundamentais, designadamente a defesa do arguido. (…) Quando a Constituição determina que o arguido deve ser julgado “no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa” está a impor a compatibilização entre a celeridade e os direitos de defesa do arguido.” (loc. cit., p. 70).

No caso, a discussão da causa não podia/devia ter sido encerrada sem que se encontrasse junto ao processo o relatório pericial ainda em elaboração, como constava aliás da “informação de serviço” da Polícia Judiciária.

Ao encerrar a audiência sem se encontrar dotado de uma prova que veio, a final, a considerar essencial para condenar o arguido B, o tribunal cometeu a nulidade prevista no art. 120º, nº2, al. d) do Código de Processo Penal – omissão (posterior) de diligências essenciais para a descoberta da verdade.

Esta nulidade comprometeu, quanto ao recorrente, todo o processado posterior ao seu cometimento, especialmente o acórdão, invalidando-o nessa parte.

É arguível em recurso da sentença, pois só nesta resulta detectável em toda a sua extensão. Pode ainda ser sanada, mediante a reabertura da audiência relativamente a este arguido, para junção (discussão e apreciação da perícia), com prolação de novo acórdão em conformidade com a (nova) prova (art. 122º, nº 2 do Código de Processo Penal). E em nada afecta a decisão na parte respeitante aos co-arguidos A. e C. (art. 122º, nº 3 do Código de Processo Penal).

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A.;

- Julgar procedente o recurso interposto pelo arguido B, anulando-se o acórdão na parte a ele referente;

- Ordenar a reabertura de audiência relativamente a este arguido, para junção, discussão e apreciação da perícia e prolação de novo acórdão em conformidade também com esta prova.

- Confirmar o acórdão na parte restante (ou seja, quanto aos arguidos A. e C).

Custas pelo recorrente A., que se fixam em 4 UC.

Évora, 28.01.2014

(Ana Maria Barata de Brito)

(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)

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[1] - Sumariado pela relatora