Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7986/11.8TDLSB.E1
Relator: PROENÇA DA COSTA
Descritores: FRUSTRAÇÃO DE CRÉDITO
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I – No crime de frustração de créditos, o tipo objectivo, consiste na destruição, danificação, ocultação ou sonegação de parte do património, após a prolação de sentença condenatória que possa ser dada à execução. O desaparecimento do património também é relevante, quando o devedor não saiba responder pelo seu paradeiro sendo-lhe exigível esse reconhecimento.

II – O crime consuma-se com os actos de diminuição do património, sendo irrelevante a efectiva frustração do crédito alheio para a consumação do crime.

III - A instauração de uma acção executiva, com o resultado final de não serem interinamente satisfeitos os direitos do credor, é uma condição objectiva de punibilidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

Nos autos de inquérito que correram termos pelos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Portalegre investigaram-se factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 227.º-A do Cód. Pen.

Findo o inquérito, o Ministério Público veio proferir despacho de arquivamento, nos termos previstos no art.º 277.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, por entender, em síntese, que não resultava dos factos indiciados a condição objectiva de punibilidade, pelo que não se encontrava preenchido o tipo objectivo de ilícito.

Inconformado com o despacho de arquivamento, veio a assistente C, S.A., requerer a abertura de instrução, aduzindo, em síntese, que:

- As diligências probatórias realizadas em sede de inquérito foram insuficientes;

- A conduta praticada pelo arguido preenche os elementos dos tipo, devendo, quanto à condição de punibilidade, equiparar-se, por analogia, o arresto a acção executiva.

Pede, ainda, o arresto preventivo de bens do arguido.

Foi declarada aberta a instrução, vindo-se a indeferir a realização das diligências requeridas.

Teve lugar a realização de debate instrutório, com observância de todas as formalidades legais.

Finda a Instrução veio a M.ma Juiz de Instrução, ao abrigo do disposto no artigo 308º, nº 1 do Código de Processo Penal, a não pronunciar o arguido CJ pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 227.º-A, n.º 1 do Cód. Pen.

Porquanto, (…) atenta a factualidade apurada, não resulta suficientemente indiciada a prática pelo arguido do crime de frustração de créditos p. e p. pelo art.º 227.º-A do Código penal, pelo que deverá ser proferida decisão de não pronúncia.

E fundamentando, como segue:

Em primeiro lugar, não dispõe a assistente (alegada credora) de uma sentença condenatória exequível. Trata-se efectivamente de um elemento do tipo.

Não se diga que, analogicamente, é possível equiparar uma decisão proferida num procedimento cautelar com uma sentença condenatória exequível. Na verdade, o legislador faz depender a conduta típica da verificação desse elemento.

Ainda que o arguido tenha dissipado património, a verdade é que não o fez após a prolação de sentença condenatória exequível.

Acresce que, nos termos do disposto no art.º 1.º, n.º 3 do Código Penal não é permitido o recurso à analogia para tipificar condutas que estão “fora” da previsão legal.

Ora, não estando preenchido este elemento do tipo, conclui-se que não pode ser o arguido indiciado da prática do crime em causa.

Por último, ainda que a assistente dispusesse de uma sentença condenatória exequível teria que percorrer toda a tramitação da acção executiva e só no caso de não ver o ser crédito satisfeito, a conduta do arguido poderia ser punível, caso o acto de dissipação fosse praticado após a prolação dessa sentença. O arresto não é equiparável a uma acção executiva. Na verdade, o arresto é apenas uma medida cautelar, onde a prova produzida é meramente indiciária. A lei exige uma certeza quanto à existência do crédito e ainda quanto à sua exigibilidade, daí que tenha que existir um título executivo (sentença condenatória exequível) e a instauração de acção executiva, na qual o credor não tenha visto o seu crédito satisfeito, pois só nessa altura se pode concluir que o credor viu o ressarcimento do seu crédito frustrado, por acção do devedor.

Inconformada, com o assim decidido, traz a Assistente CONVIDA, S.A., o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:

A) Conhecedor de decisão proferida no âmbito de providência cautelar de arresto promovida contra si pela Assistente, o Arguido praticou, consciente e deliberadamente, actos de sonegação patrimonial destinados frustrar intencionalmente o crédito sobre si titulado por aquela, assim praticando um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo artigo 227.º do C.P., pelo qual deverá ser pronunciado;

B) A lei penal prevê como condição objectiva de punibilidade do crime em apreço, a instauração de uma acção executiva, com o resultado final de, nela, não serem interinamente satisfeitos os direitos do credor;

C) Em matéria de condição objectiva de punibilidade, pode a lei penal ser objecto de interpretação extensiva ou de analogia, pois que tais regimes de interpretação das normas penais não são abrangidos pela proibição do n.º 3 do art. 1.º do C.P., nem da sua ratio;

D) A norma especial sobre a interpretação da norma (penal) incriminadora (art. 1.º do CP) não é uma consequência de natureza excepcional da legislação penal mas, outrossim, do princípio da legalidade;

E) Fora da delimitação dos elementos essenciais do tipo de crime, são sempre admissíveis, porque decorrentes daquele princípio geral de direito, a interpretação extensiva ou a aplicação analógica das normas que estatuem quer condições objectivas de punibilidade quer condições objectivas de não-punibilidade;

F) In casu não foi intentada e tramitada uma acção executiva, mas foi requerido, decretado e executado um arresto e, no seu âmbito, não foi possível satisfazer os direitos do credor, por actuação culposa do devedor, o aqui Arguido;

G) Fora do núcleo essencial da definição da norma incriminadora, a restrição legal constante do n.º 3 do artigo 1.º do C.P. não opera;

H) As razões que levam à incriminação do agente por crime de frustração de créditos são as mesmas quando o crédito é frustrado pela acção conscientemente fraudulenta do arguido numa execução ou num arresto, onde, por identidade de razão, foram promovidos judicialmente termos de cobrança que são dolosamente frustrados;

I) Há e deve ser reconhecida uma analogia total entre a medida decretada pelo arresto e a penhora executiva: no caso que nos ocupa, o Tribunal ordenou o arresto de quantias em dinheiro e valores depositados nas contas bancárias do arrestado e este, sabedor da medida, transferiu os valores da sua conta antes da efectivação do arresto e (pior!) pediu à entidade que lhe paga a sua pensão para passar a pagá-la na conta bancária da sua mulher, assim frustrando os efeitos do arresto e o crédito da Assistente; no caso da acção executiva, passa-se exactamente o mesmo - ordenada a penhora de bens do devedor, esta não se vem a efectivar porque, de forma fraudulenta, o devedor fez isto e aquilo para o impedir.

J) Não se justifica, sob pena de impossibilidade de realização de justiça no caso concreto, que um credor cujo respectivo devedor, depois de interpelado judicialmente para a cobrança da sua dívida, pratica actos de sonegação patrimonial para frustrar o crédito, se veja na contingência de precisar de tramitar anos a fio uma execução para ver preenchida a condição objectiva de punibilidade do crime aqui em causa, pois que isso seria conceder ao prevaricador uma protecção inaceitável, permitindo-lhe socorrer-se de expedientes para frustrar a satisfação do direito do seu credor;

K) Em termos materiais, a conduta de quem frustra os efeitos de um arresto judicialmente decretado é exactamente igual à conduta do executado que sonega os seus bens para impedir a satisfação do crédito do exequente, ambas merecendo tutela penal;

L) Da factualidade constantes destes autos, há que concluir que, de forma intencional, o Arguido cometeu um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo artigo 227º A do C.P., devendo ser pronunciado em conformidade.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo por outra que pronuncie o Arguido pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo artigo 227.º do CP, e que determine o arresto preventivo requerido pela Assistente no seu requerimento de abertura da Instrução, pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público, dizendo:

1º - A recorrente, não se conformando com o despacho de não pronúncia do arguido pela prática do crime de frustração de crédito previsto e punível pelo artigo 227º-A do Código Penal, dele vem interpor recurso.

2º - Alega em síntese de que, apesar de não se verificar a condição objectiva de punibilidade – a de existir a instauração de uma acção executiva, com o resultado final de, nela, não serem interinamente satisfeitos os direitos do credor,

3º - Por ela, foi intentado um arresto o qual teve provimento,

4º - Afirmando a recorrente que os efeitos do arresto e da acção executiva são semelhantes.

5º - Pois, afirma que aquela condição objectiva de punibilidade não faz parte do núcleo essencial da norma incriminadora,

6º - Pelo que, no seu entender, é admissível o recurso à analogia entre as duas, e,

7º - Assim sendo, devia ter a M.ma Juiz a quo pronunciado o arguido pelo crime que a recorrente lhe imputa.

8º - Cremos, salvo o devido respeito, que não assiste razão à recorrente, não merecendo censura o despacho de não pronuncia proferido nos presentes autos, e, consequentemente, o recurso condenado à improcedência.

9º - Para além dos elementos do tipo objectivo do crime de frustração de créditos, previsto e punível pelo artigo 227º-A do Código Penal, que são:

i) O desaparecimento, destruição, danificação, ocultação ou sonegação de parte ou totalidade do património,

ii) Levado a cabo pelo devedor (..),

iii) Após a prolação de sentença condenatória que possa ser dada à execução, existe uma condição objectiva de punibilidade.

10º - Tem de existir a instauração de uma acção executiva, com o resultado final de, nela, não serem interinamente satisfeitos os direitos do credor.

11º - Ora, in casu, não foi instaurada acção executiva, mas sim um procedimento cautelar especificado: o arresto,

12º - No qual, a recorrente demonstrou indiciariamente o seu crédito e provou o seu justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito – vide artigo 406º do Código de Processo Civil.

13º - Mais ficou indiciado que o referido arresto foi apenso à acção ordinária que corre termos neste Tribunal, na qual ainda não foi proferida sentença.

14º - Assim sendo, longe está a recorrente de instaurar a acção executiva – pois se não tem ainda a decisão da acção declarativa transitada em julgado, não pode instaurar a respectiva acção executiva.

15º - Pelo que, andou muito a M.ma Juiz a quo, em considerar que a condição objectiva de punibilidade não se verifica, não se preenchendo assim os elementos do tipo objectivo do crime em apreço.

16º - O nosso código penal proíbe a analogia no artigo 1º/3.

17º - Contudo, o nosso ordenamento admite o recurso à analogia quando, o caso omisso está “fora” do núcleo essencial da norma incriminadora.

18º - Ora conforme já acima referimos, a condição objectiva de punibilidade faz parte do núcleo essencial da norma incriminadora.

19º - Pelo que o argumento da recorrente em afirmar que a condição objectiva de punibilidade está fora da previsão legal não colhe.

20º - Por todas as razões ora aduzidas, entendemos que a Despacho de não-pronuncia proferido pela M.ma Juiz a quo não deverá merecer censura, pelo que, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo o referido despacho nos seus precisos termos.

Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmado o Despacho de não pronuncia, nos seus precisos termos.

Também o arguido veio responder ao recurso, dizendo:

A) A lei penal prevê como condição objectiva da punibilidade do crime de frustração de créditos, a instauração de uma acção executiva, tendo como título uma sentença condenatória exequível com o resultado final de, nela, não sendo inteiramente satisfeitos os direitos do credor;

B) Na lei penal, não é possível a interpretação extensiva ou analógica para tipificar condutas que não estão previstas na norma incriminadora;

C) In casu, não só não foi intentada a acção executiva, como não existe sentença condenatória exequível, sendo o direito reclamado pela recorrente um direito litigioso, impugnado pelo recorrido, correndo a acção declarativa para conhecimento do mesmo;

D) Independentemente das condutas que o recorrido tomou ou não, o tipo de crime não está preenchido por inexistência de sentença condenatória exequível e, em consequência, não existir nenhuma execução com base em tal título - sentença condenatória exequível;

E) Por muito que se considere o tempo como factor essencial à realização da justiça, valor superior é o da observância das garantias de defesa dos sujeitos;

F) Do que antes se indicou, é forçoso concluir que bem andou a M.ma Juiz a quo ao não pronunciar o recorrido pela prática do crime de frustração de créditos, porquanto a factualidade apurada o não permite.

Pelo exposto, deve ser considerado improcedente o recurso interposto pela recorrente, mantendo-se a decisão recorrida para que se faça a costumada JUSTIÇA!

Nesta Instância, o Exmo. Procurador Geral-Adjunto veio emitir douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O Despacho recorrido considerou indiciados os seguintes factos:

1. A ora assistente intentou contra o aqui arguido e a sociedade “F..., S.A.” procedimento cautelar de arresto, o qual correu termos neste 1º Juízo sob o n.º ---/11.1TVLSB, no âmbito do qual alegou ser credora da quantia de €589.922,37;

2. O procedimento cautelar foi julgado procedente, tendo-se reconhecido, indiciariamente, o crédito reclamado e decretou-se o arresto de bens dos aí requeridos;

3. O dito procedimento cautelar foi apensado à acção ordinária que corre termos no 2º Juízo deste Tribunal sob o n.º ---/11.4TBPTG, na qual ainda não foi proferida sentença;

4. A assistente não intentou acção executiva contra o aqui arguido para cobrança coerciva do crédito alegado no procedimento cautelar.

Como consabido, são as conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que definem o objecto do recurso.

A aqui recorrente veio reagir contra o despacho de não pronuncia prolatado trazendo o presente recurso, por entender haver nos autos elementos fácticos bastantes para que se conclua no sentido de que o arguido, de forma intencional, cometeu o crime de frustração de créditos, p. e p., pelo art.º 227.º-A, do Cód. Pen., e, por tal, dever ser pronunciado.

Tudo, por em seu entender, a conduta de quem frustra os efeitos de um arresto judicialmente decretado é exactamente igual à conduta do executado que sonega os seus bens para impedir a satisfação do crédito do exequente, ambas merecendo tutela penal.

Como consabido, a instrução é formada pelo conjunto de actos de instrução (art.º 289.º,n.º1, do Cód. Proc. Pen.) tendentes á comprovação judicial da decisão de deduzir a acusação ou arquivar o inquérito, conforme decorre do disposto no art.º 268.º, do mesmo diploma adjectivo.

Só sendo de proferir despacho de pronúncia caso se tenham recolhido indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, cfr. art.º 308.ºn.º1, do Cód. Proc. Pen.

A lei define o que se deve considerar por indícios suficientes, considerando-se, como tal, aqueles de que resulte “uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, uma pena ou uma medida de segurança”, ver art.º 283.º, n.º2, do Cód. Proc. Pen.

No ensinamento do Prof. Germano Marques da Silva, a respeito, refere-se que nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos e antes e tão só indícios, sinais de que um crime foi eventualmente cometido por determinado arguido.

Na pronúncia o Juiz não julga a causa; verifica se se justifica, com as provas recolhidas no inquérito e na instrução, que o arguido seja submetido a julgamento (…).

A lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulta uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força delas, uma pena ou uma medida de segurança (art.º 283.º, n.º2), não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgador a final[1].

No mesmo sentido, vemos o Ac. Relação do Porto[2], de 20.01.1993, onde se escreveu que para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige que a prova, no sentido de certeza moral, da existência do crime, bastando-se com a exigência de indícios, de sinais, dessa ocorrência.

Isto, porém, não significa que a lei confira aos mencionados despachos um estatuto de ligeireza.

E prossegue o dito aresto, a simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final se salde pela absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências, morais, quer jurídicas; submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo se não mesmo um vexame.

É por isso que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, vêm entendendo que aquela possibilidade razoável de “condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa”: o Juiz só deve pronunciar quando, por elementos de prova recolhidos nos autos, forma a convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido ou “os indícios são suficientes quando haja uma lata probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”.

Como refere a Prof. Fernanda Palma, a relação entre os indícios e a possibilidade de condenação é que caracteriza os indícios.

Com efeito, os indícios de que resulta a possibilidade de condenação são indícios suficientes para a condenação, o que significa que revelam uma espécie de causalidade para aquele resultado, mas tal qualificação não se refere directamente á natureza dos indícios, nomeadamente a sua caracterização como fortes, fracos ou de média intensidade. Na lógica do Código de Processo Penal, os indícios que justificam a acusação (ou a pronúncia) são, segundo me parece, necessariamente graves ou fortes, no sentido de serem factos que permitem uma inferência do tipo probabilístico da prática do crime (enquanto facto) de elevada intensidade, permitindo estabelecer uma conexão com aquela prática altamente provável.

E é, assim, porque só os indícios de elevada intensidade são suficientes, isto é, justificam um juízo normativo de “possibilidade razoável” da condenação[3].

No ensinamento de Jorge Noronha e Silveira, para a suficiência dos indícios não deve bastar uma maior possibilidade de condenação do que de absolvição. Só uma forte ou alta possibilidade pode justificar a dedução da acusação ou a prolação de um despacho de pronúncia. Não apenas por ser esta a solução que melhor se adapta á particular estrutura do processo penal, como também por ser a única que consegue a imprescindível harmonização entre o critério normativo presente no juízo de afirmação da suficiência dos indícios e as exigências do principio da presunção de inocência do arguido.

E prossegue, por todas estas razões, afirmar a suficiência dos indícios de pressupor a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de futura condenação. Não logrando atingir essa convicção o M.P. deve arquivar o inquérito e o Juiz de Instrução deve lavrar despacho de não pronúncia[4].

No fundo, a indicação suficiente é, no dizer do Supremo Tribunal, a verificação suficiente de um conjunto de fatos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em julgamento, se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos do crime/da infracção porque os agentes virão a responder.[5]

Ou como referia Luís Osório, por indícios suficientes se devem ter aqueles que fazem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado.[6]

Com base nos ensinamentos expostos vejamos, pois, se é, ou não, de manter o despacho de não pronúncia prolatado e aqui posto em crise com o presente recurso.

Como decorre das conclusões formuladas pela recorrente, vemos que várias são as questões que coloca a decisão deste Tribunal de recurso.

Diz-se no art.º 227.º-A, do Cód. Pen., que versa sobre o crime de frustração de créditos, no seu n.º1, que o devedor que, após prolação de sentença condenatória exequível, destruir, danificar, fizer desaparecer, ocultar ou sonegar parte do seu património, para dessa forma intencionalmente frustrar, total ou parcialmente, a satisfação de um crédito de outrem, é punido, se, instaurada a acção executiva, nela não se conseguir satisfazer inteiramente os direitos do credor, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

E no seu n.º2 que é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior.

No ensinamento do Prof.º Pinto de Albuquerque, o crime de frustração de créditos, o tipo objectivo, consiste na destruição, danificação, ocultação ou sonegação de parte do património, após a prolação de sentença condenatória que possa ser dada à execução. O desaparecimento do património também é relevante, quando o devedor não saiba responder pelo seu paradeiro sendo-lhe exigível esse reconhecimento.

Sendo que o bem jurídico protegido pela incriminação seja o património de outra pessoa; património entendido como o conjunto de direitos, posições jurídicas e expectativas com valor económico compatíveis com a ordem jurídica.

Consumando-se o crime com os actos de diminuição do património, sendo irrelevante a efectiva frustração do crédito alheio para a consumação do crime.

A instauração de uma acção executiva, com o resultado final de não serem interinamente satisfeitos os direitos do credor, é uma condição objectiva de punibilidade.

Do lado subjectivo admite-se qualquer modalidade do dolo. O tipo inclui ainda um outro elemento subjectivo. A intenção de frustrar, total ou parcialmente, a satisfação do crédito de outrem.

Acrescentando o predito Autor, que este credor tem de ser um dos que viu reconhecido o seu crédito na sentença condenatória.[7]

Sobre a necessidade de se obter sentença condenatória de reconhecimento do crédito do ofendido, nos dão nota Sá Pereira e Alexandre Lafayette, ao referirem que a propósito do predito crime de frustração de créditos, a versão de 1982 reportava-se ao “devedor sujeito a uma execução instaurada”, em nome de declarado intuito de limitar o tipo e dum efectivo escopo de assegurar intervenção parcimoniosa na vertente penal, encarada no seu confronto com a dimensão cível. Agora, para lá de ter desaparecido a condição objectiva de punibilidade “se a insolvência vier a ser declarada”, a lei vai mais longe e chamada a capítulo um tempo anterior à instauração da execução, que começa com a “prolação de sentença condenatória exequível”. Reconheceu-se a necessidade de se garantir um efectivo respeito pelas decisões judiciais, impondo-se a punição daqueles que procedam em contrário- e parece ainda serem muitos-, a retirarem, no seu todo ou em parte, eficácia prática à actuação judiciária.[8]

Pressupondo, desta via, o crime de frustração de créditos a existência de sentença exequível e a posterior instauração de acção executiva, além da existência de actos dolosos de diminuição do património com o fim de frustrar a satisfação do crédito, mas já não a efectiva frustração do crédito, para a sua consumação, sendo irrelevante que o mesmo se venha a frustrar por circunstâncias exteriores ao acto de desaparecimento de bens pelo agente[9].

No caso vertente temos, e como bem decorre dos autos, que a aqui recorrente intentou contra a sociedade “F...., S.A.” procedimento cautelar de arresto, o qual correu termos neste 1º Juízo sob o n.º ---/11.1TVLSB, no âmbito do qual alegou ser credora da quantia de €589.922,37;

O procedimento cautelar foi julgado procedente, tendo-se reconhecido, indiciariamente, o crédito reclamado e decretou-se o arresto de bens dos aí requeridos.

O dito procedimento cautelar foi apensado à acção ordinária que corre termos no 2º Juízo deste Tribunal sob o n.º ---/11.4TBPTG, na qual ainda não foi proferida sentença.

A assistente não intentou acção executiva contra o aqui arguido para cobrança coerciva do crédito alegado no procedimento cautelar.

Face a esta facticidade, concluiu a M.ma Juiz a quo não estar preenchido um dos elementos do tipo legal de crime- a existência de sentença condenatória exequível-, e, por tal, não poder ser o arguido pronunciado pela prática do crime de frustração de créditos.

Ainda segundo o despacho recorrido, aqui se elencando uma outra razão, nunca poderia ter lugar a pronúncia do aqui arguido, é que mesmo que dispusesse de uma sentença condenatória exequível teria que percorrer toda a tramitação da acção executiva e só no caso de não ver o seu crédito satisfeito, a conduta do arguido poderia ser punível, caso o acto de dissipação fosse praticado após a prolação dessa sentença.

Para lá de considerar que o arresto não é equiparável a uma acção executiva. Na verdade, o arresto é apenas uma medida cautelar, onde a prova produzida é meramente indiciária. A lei exige uma certeza quanto à existência do crédito e ainda quanto à sua exigibilidade, daí que tenha que existir um título executivo (sentença condenatória exequível) e a instauração de acção executiva, na qual o credor não tenha visto o seu crédito satisfeito, pois só nessa altura se pode concluir que o credor viu o ressarcimento do seu crédito frustrado, por acção do devedor.

O ataque que o aqui recorrente desfere ao despacho sob censura esquece a essencialidade do mesmo, ou seja, atenta a factualidade que acolheu, a conclusão que dela retirou no sentido da não verificação de um dos elementos objectivos do tipo legal de crime de frustração de créditos- a existência de sentença condenatória exequível.

E analisando os autos é de subscrever o tecido nesse despacho, o qual não é merecedor de qualquer reparo ou censura, sendo, por tal, de confirmar.

Sendo despiciendo analisar todo o tecido no recurso trazido a pretório quanto à condição objectiva de punibilidade- a necessidade, ou não, da instauração da acção executiva ou mesmo a sua substituição pela providência cautelar de arresto.

Sendo nestes vectores que o recorrente funda o seu recurso, importa concluir, sem necessidade de outros quaisquer considerandos ou delongas, pela sua total improcedência.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 ucs, a taxa de justiça devida.

(texto elaborado e revisto pelo relator).


Évora, 4 de Junho de 2013.

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(José Proença da Costa)

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(Sénio Alves)
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[1] Ver, Curso de Processo Penal, Vol. II, págs. 182 e segs..

[2] Na C.J., ano XXIII, tomo IV, págs. 261.

[3] Cfr. Da Acusação e Pronúncia num Direito Processual Penal de conflito entre presunção de inocência e a realização da Justiça punitiva, págs. 121-123, in I Congresso de Processo Penal.

[4] Ver, o Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, págs.171.

[5] Ver, Ac. de 10.12.92, no Processo n.º 427747.

[6] Ver, Comentário ao Código de Processo Penal Português, Vol. IV, págs. 411.

[7] Ver, Comentário do Código Penal, págs. 598-599 e 628-629.

[8] Ver, Código Penal, Anotado e Comentado, págs. 609.

[9] Ver, Ac. Relação de Guimarães, de 19-11-2012, no Processo n.º 1582/10.4TABRG).