Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3910/16.0T8LLE.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
DISPENSA DE PENA
ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - O instituto da “dispensa de pena” é privativo das infrações de natureza criminal, não sendo extensivo às contraordenações.

II - São requisitos cumulativos da aplicação da admoestação, a reduzida gravidade da contraordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente.

III - A gravidade da contraordenação depende, por um lado, do bem jurídico tutelado, do benefício do agente ou do prejuízo causado, mas, por outro lado, depende também, diretamente, da própria lei (na medida em que, por exemplo, a lei qualifique as contraordenações como leves, graves ou muito graves).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

No recurso de contraordenação nº 3910/16.0T8LLE, que corre termos no Juízo Local Criminal de Loulé (Juiz 3), por sentença, datada de 13 de junho de 2017, o tribunal decidiu o seguinte:

“a) Julga improcedente a nulidade invocada, ao abrigo do disposto no art. 121.º n.º 1 al. c) CPP aplicável ex vi art. 41.º n.º 1 RGCOC;

b) Condena a arguida A…, Lda. pela prática de uma contraordenação grave p. p. pelo art. 18.º n.º 1 al. h) do D.L. 35/2004, de 21.02, na redação dada pela L. 38/2008, de 08.08, alterado pelo DL 135/2010, de 27.12, por referência à al. a) do n.º 2 do art. 33.º e art. 33.º n.º 8, na coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), mantendo a decisão da autoridade administrativa;

c) Mais condena a arguida no pagamento das custas devidas pelo recurso judicial, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’ s”.
*
Inconformada, a arguida recorreu da sentença em causa, apresentando as seguintes conclusões:

1ª - Ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, já que, aquando da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, e subsidiariamente, a recorrente pediu a redução da coima para metade do valor mínimo da coima abstratamente aplicável, atenta a diminuta gravidade do comportamento da recorrente.

2ª - A recorrente agiu sem culpa, porquanto convicta de estar a atuar em conformidade com a lei, pelo que deve ser absolvida (artigos 8º, nº 1, e 9º do RGCO).

3ª - Caso assim não se entenda, a coima aplicada à recorrente deve ser reduzida para metade, ou, então, deve haver dispensa de pena, ou, mesmo, deve proceder-se à aplicação de uma pena de admoestação.
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Na sequência do alegado pela arguida na motivação do seu recurso (da invocação de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia), a Exmª Juíza, em 21-11-2017, proferiu despacho do seguinte teor:

Veio a recorrente interpor recurso da sentença proferida, pugnando entre o mais pela nulidade da mesma por omissão de pronúncia no que respeita ao pedido de redução da coima para metade do valor mínimo da coima aplicável ex vi art. 33.º n.º9 do DL 35/2004, de 21.02.

Admitido o recurso, veio o Digno Magistrado do Ministério Público apresentar resposta, na qual se pronunciou também pela verificação - nesta parte - da nulidade apontada.

Ora, nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos arts. 379.º n.º1 al. c), n.º2, 414.º n.º4 todos do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCOC, é nula a sentença quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nulidade a ser arguida ou conhecida em recurso, devendo o Tribunal supri-la, podendo o Tribunal, antes de ordenar a remessa do processo ao Tribunal Superior, sustentar ou reparar a decisão.
Ora, no caso concreto, analisados os autos e a sentença proferida é manifesto que a mesma padece da apontada nulidade, por omissão, por manifesto lapso, pelo qual, desde já nos penitenciamos, pois, não obstante a recorrente ter em alegações pugnado subsidiariamente pela redução para metade do valor mínimo da coima aplicável ex vi art. 33.º n.º 9 do DL 35/2004, de 21.02, o que impunha a pronúncia judicial sobre tal matéria, o certo é que a dita sentença é omissa nesse particular, cumprindo, assim ao abrigo das disposições citadas, mormente n.º4 do art. 414.º CPP ex vi art. 379.º n.º2 do mesmo diploma, reparar neste particular a sentença proferida.

Assim:
DA APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 33º Nº 9 DO DL 35/2004, DE 21.02 - REDUÇÃO DOS LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO DA COIMA PARA METADE

Estatui o disposto no art. 33.º n.º9 do DL 35/2004, de 21.02 que “nos casos de cumplicidade e de tentativa, bem como nas demais situações em que houver lugar à atenuação especial da sanção, os limites mínimo e máximo da coima são reduzidos para metade”.

No caso concreto, não se tratando de tentativa ou cumplicidade, apenas será admissível em abstrato a aplicação do instituto se o caso concreto se subsumir às “demais situações em que houver lugar à atenuação especial da sanção”.

Não prevendo o diploma em especial quais as outras situações em que haja lugar à atenuação especial da sanção, cumpre socorrermo-nos do disposto no art. 18.º, n.º3. do RGCO: “quando houver lugar à atenuação especial da punição por contraordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos a metade”, por força da remissão 36.º do DL 35/2004 e por sua vez do disposto no art. 72.º do CP, por força do disposto no art. 32.º do RGCOC.

Nos termos do disposto no art. 72.º do CP “1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, elencando o nº2 algumas dessas circunstâncias.

Tem vindo a entender a doutrina e no mesmo sentido a jurisprudência que, em princípio, mostra-se ínsita na moldura abstrata das penas/coimas a valoração que o legislador teve por adequada aos tipos penais ou contraordenacionais, valorando o grau máximo e mínimo da ilicitude desses tipos, considerando-se assim que a atenuação especial da pena/coima tem carácter extraordinário/excecional, pois que, para a generalidade das situações valem as molduras previstas em abstrato nos tipos penais/contraordenacionais.

Neste sentido, cfr. Acórdão de 17/10/02, do S.T.J., Processo n.º 3210/02, da 5.ª Secção (Relator: Conselheiro Pereira Madeira): «Como instituto, a atenuação especial da pena surgiu em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade. Surgiu da necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais - quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva - a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa» - citado no Ac. TRP de 17.09.2014, P.656/13.4TBPNF.P2, in www.dgsi.pt.

Vejamos pois o caso concreto, considerando designadamente a factualidade dada por provada.

Atalhando caminho não se vê razões para aplicar a norma em apreço e em consequência considerar os limites máximo e mínimo da coima reduzidos a metade.

Com efeito, desde logo não pode perder-se de vista o objeto social da recorrente, visando a mesma a prestação de serviços de segurança privada, sendo que precisamente a contra ordenação em apreço nos autos se prende especificamente com a atividade que configura objeto social da recorrente, pelo que a aplicação do instituto importará que possa ter-se por verificada situação, como se referiu supra, precisamente extraordinária/excecional que assim o justifique - o que não se vê suceda.

Por outro lado, não pode igualmente esquecer-se que a recorrente é uma pessoa coletiva, ademais com capital social substancial no valor de €250.000,00.

Sem prejuízo do que já ficou vertido na sentença, mormente quanto à subsunção da conduta da recorrente a comportamento negligente, certo é que não pode ter-se a prática da contraordenação como simples incumprimento de formalismo.

Não é, tanto assim que o legislador o tipifica a título contraordenacional, mais a mais qualificando tal contraordenação como grave (cfr. art. 33.º n.º2 al. a) do DL 35/2004), sendo que ao prever a moldura abstrata para as situações de comunicação fora de prazo, fica logo abrangida mesmo a comunicação operada no dia imediatamente a seguir ao termo do prazo para o efeito, pelo que não configura facto que possa ser ponderado para efeitos de atenuação especial a circunstância de a recorrente ter comunicado (como sempre continuaria a caber-lhe…) logo no dia imediatamente a seguir ou, como no caso, ao 4.º dia subsequente ao termo do prazo.

Com efeito, não pode afastar-se a gravidade da contraordenação em apreço, pois que, a comunicação, em tempo, exigida pelo legislador, tendo em conta a atividade em apreço - segurança privada - não tem cariz meramente burocrático, antes de controlo da Administração relativamente à identidade de quem se encontra a exercer, e onde, a atividade de segurança privada, tanto mais necessária quanto nos termos do DL 35/2004 tal atividade possui uma função subsidiária e complementar da atividade das forças e dos serviços de segurança pública do Estado - cfr. art. 1.º n.º 2 do diploma citado.

Assim, como já referido, não obstante a negligência da atuação da recorrente e as circunstâncias chamadas à colação na determinação concreta da medida da coima na sentença proferida, entende-se que a matéria de facto provada não comporta factualidade que permita a aplicação do instituto, sendo a moldura abstrata prevista no tipo contraordenacional claramente ajustada e o efeito preventivo que o caso reclama apenas pode ser alcançado com a coima nos termos em que foi aplicada e que se mantém.

O presente despacho, proferido ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos arts. 379.º n.º 1 al. c), n.º 2, 414.º n.º 4 todos do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCOC, supre assim a nulidade arguida em sede de recurso, conhecendo de matéria não apreciada na sentença proferida nestes autos, passando assim a fazer parte integrante dessa sentença.

Em face do exposto, determina-se que se faça constar da referida sentença a prolação do presente despacho”.
*
Notificada do antecedente despacho judicial, a arguida apresentou o que designou por “complemento às alegações de recurso”, terminando com a formulação das seguintes (transcritas) “conclusões”:

A) Por decisão da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública - Departamento de Segurança Privada, foi aplicada ao ora Recorrente uma coima de EUR 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) pela alegada prática de contraordenação prevista e punida pelo artigo 18.º, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei 35/2004, de 21 de Fevereiro, na redação dada pela Lei 38/2008, de 8 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei 135/20010, de 27 de Dezembro.

B) Inconformada, a ora Recorrente impugnou judicialmente tal decisão junto do Tribunal a quo, que realizada a audiência de discussão e julgamento proferiu a sentença constante dos autos, nos termos da qual decidiu manter a decisão da PSP, que condenou o arguido nos termos supra indicados, ou seja, “condenando-o na coima de € 7.500,00”.

C) A Recorrente peticionou, a título subsidiário e como reduto último, a redução da coima para metade do valor mínimo da coima aplicável, considerando a diminuta gravidade do comportamento da Recorrente e, não tendo tal pedido sido analisado por parte do Tribunal a quo em sede de decisão, e tendo sido suscitada a nulidade da sentença por tal via, veio agora o tribunal a quo pronunciar-se relativamente à redução da coima para metade do valor mínimo da coima aplicável, decidindo pela sua não aplicação, em despacho datado de 21 de novembro de 2017.

D) Consequentemente, vem a ora Recorrente apresentar o seu Complemento às Alegações de Recurso, por não se conformar com tal decisão, proferida em complemento da sentença. Com efeito,

E) Considera a Recorrente que o Tribunal a quo, na sua decisão, errou na aferição da culpabilidade do agente, dado que considerou a conduta da Recorrente integrável na modalidade da negligência inconsciente, tendo sido a conduta da arguida típica (quanto aos elementos objetivo e subjetivo) e ilícita. Tal, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não corresponde à verdade.

F) Dispõe o n.º 3 do art. 18.º do RGCO, que são reduzidos a metade os limites máximo e mínimo, quando houver lugar à atenuação especial da punição por contraordenação.

G) Acrescendo o estatuído no art. 72.º do CP onde se diz que a pena é especialmente atenuada quando existirem circunstâncias anteriores, posteriores ou contemporâneas ao crime, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

H) Pretendendo a Requerente demonstrar, não a licitude do facto, mas, apenas, que a culpa e necessidade da pena são, no caso em apreço, diminutas. De facto,

I) A Recorrente procedeu voluntariamente à comunicação a que estava obrigada, estando em crer que o fazia em tempo, dado que procedeu a uma errada interpretação da lei (o que, não sendo jurista, é um erro desculpável);

J) Pese embora só se tenha “atrasado” na referida comunicação em 2 dias úteis;

K) E não auferiu qualquer vantagem de índole económica ou outra com o atraso com que voluntária - e espontaneamente - fez a comunicação a que estava obrigada.

L) Não tendo, aliás, nunca e ao longo dos mais de 25 anos de atividade na prestação de serviços de segurança sido condenada em contraordenação semelhante.

M) Resultando claro que a Recorrente não agiu com culpa, uma vez que “age com culpa quem atuar sem a consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável”, conforme disposto no artigo 9.º do RGCOC.

N) De facto, não pode o montante do capital social da Requerente, ser fundamento na ponderação da possibilidade de aplicação do instituto de redução dos limites mínimo e máximo da coima para metade, considerando que tal ordem de razão não resulta das disposições legais pelas quais este instituto se rege.

O) Contudo, não pode a prática da contraordenação ser tida como se apenas da violação de um mero formalismo se tratasse, devendo sim, e assim o fazendo a Requerente, ser considerada como de extrema responsabilidade, pois que a atividade de segurança privada é um complemento da atividade das forças e dos serviços de segurança pública do Estado, sendo a prática da mencionada contraordenação punida com coima de elevado valor.

P) Não obstante, para casos em que existe, de facto, diminuição elevada do grau de culpabilidade do agente e bem assim da consequente necessidade da pena, está previsto o instituto de redução dos limites mínimo e máximo da coima para metade.

Q) Atento o supra exposto, requer-se a V. Exas. que decidam pela redução do limite mínimo da coima para metade do seu valor (ou seja, para EUR 3.750,00), sendo tal montante a aplicar à Recorrente, atenta a sua culpa diminuta e a diminuta necessidade da pena.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá dar-se provimento ao presente complemento ao recurso e, em consequência:

a) Declarar a nulidade da sentença de que se recorre por omissão de pronúncia, nos termos da al. c), do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, aplicando-se esta disposição por força do artigo 41.º do RGCOC; e ainda;

c) Ser a Recorrente absolvida da contraordenação de que vem acusada, nos termos supra expostos;

Caso assim não se entenda,
d) Deverá ser apenas aplicada à Recorrente uma admoestação, com dispensa de pena, ou, por último;

e) Deverá o valor da coima ser reduzido para metade do valor mínimo da coima aplicável (ou seja, EUR 3.750,00) nos termos supra expostos”.
*
A Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, onde concluiu que deve ser negado provimento ao mesmo.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, aquando da vista a que alude o artigo 416º do C. P. Penal, apôs “visto”.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Como é jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da respetiva motivação (artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal).

Assim, e seguindo as “conclusões” apresentadas pela recorrente, as questões a apreciar por este tribunal são as seguintes (em breve síntese):

1ª - Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (o tribunal a quo não se pronunciou sobre a redução da coima para metade do valor mínimo abstratamente aplicável - pretensão que havia sido formulada na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa -).

2ª - Atuação da recorrente sem culpa, o que implica a sua absolvição.

3ª - Atenuação especial da coima, com redução para metade da coima aplicada, dispensa de pena, ou aplicação de uma pena de admoestação.

2 - A decisão recorrida.

A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica):

“FACTOS PROVADOS
Com interesse para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. A arguida é uma sociedade por quotas, inscrita na conservatória do registo comercial sob o nº de matrícula 502---- e mesmo NIPC, com sede …, Almancil, a qual tem por objeto social a prestação de serviços de segurança privada.

2. V. era em 2013 trabalhador da arguida, exercendo as funções de vigilante.

3. Teve lugar procedimento disciplinar ao vigilante id. em 2., sendo decidido pela arguida, a 25.01.2013, aplicar ao mesmo sanção de despedimento com justa causa.

4. A decisão referida em 3. foi comunicada ao vigilante por carta registada com aviso de receção.

5. A comunicação referida em 4. foi recebida a 29.01.2013.

6. A 06.02.2013 o vigilante referido em 2. foi proceder ao acerto das contas finais.

7. No dia 19.02.2013 a arguida comunicou à Divisão de Licenciamento e de Regulação do Departamento de Segurança Privada a cessação do contrato de trabalho do vigilante referido em 2.

8. Ao proceder à comunicação referida em 7. na data ali referida a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.

Mais se provou que:

9. A arguida está matriculada na C. R. Comercial desde 1991, tem um capital social no valor de €250.000,00, divididos por duas quotas, uma no valor de €247.500,00 pertença da A. - Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. e outra de €2.500,00 pertença de C. – Exploração e Gestão de Restaurantes, Lda, cuja gerência está a cargo de J e S, obrigando-se mediante a assinatura de dois gerentes, pela assinatura de um gerente com poderes delegados de outro gerente, pela assinatura de um gerente e um mandatário ou pela assinatura de um ou mais mandatários, nos precisos termos dos respectivos instrumentos de mandato.

10. A carta referida em 4. e 5. foi enviada para a morada do trabalhador.

11. Da carta que acompanhou a decisão referida em 3. resulta, entre o mais que se dá por integrado e reproduzido “(…) junto remetemos a V. Exa. cópia da decisão proferida no processo disciplinar em epígrafe, a qual produzirá os seus efeitos na data em que a receber” - cfr. doc. fls. 19 que no mais se dá por integrado e reproduzido.

12. O AR referido em 4 e 5 mostra-se assinado por terceira pessoa.

13. A cessação referida de 3. a 6. foi a primeira que, nas condições ali referidas, a arguida comunicou à entidade referida em 7.

14. Na comunicação referida em 7. a arguida fez constar, entre o mais que se dá por integrado e reproduzido: “Em anexo segue informação, referente ao Vigilante V. que deixou de fazer parte dos quadros desta Empresa A. – Prevenção e Segurança, Lda., no dia 30 de Janeiro de 2013” - cfr. doc. fls. 3 que se dá por integrado e reproduzido.

15. Aquando do referido em 6. foi elaborado documento denominado “Remissão de débitos”, em papel com o timbre da arguida nele se mostrando aposta assinatura com o dizer “V” do qual, entre o mais que se dá por reproduzido resulta: “ENTIDADE PATRONAL: A. - prevenção e Segurança, Lda.” TRABALHADOR: V. CATEGORIA PROFISSIONAL DO TRABALHADOR: vigilante DATA DO INÍCIO DO CONTRATO DE TRABALHO: 01/08/2008 DATA DE CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO: 31.01.2013 DATA DE CELEBRAÇÃO DESTE CONTRATO DE REMISSÃO: 06/02/2013” – cfr. doc. fls. 26 que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais.

FACTOS NÃO PROVADOS
a) Em momento algum a arguida questionou a legalidade da sua conduta.

b) A arguida agiu com a diligência necessária e cuidado que lhe eram exigidos.

c) A arguida acreditava qua a comunicação havia sido efetuada no prazo legalmente previsto.

d) O AR referido em 4. e 5. foi recebido pela arguida a 01.02.2013.

O mais constante da acusação e da defesa integra matéria genérica, conclusiva, de direito ou desprovida de interesse para a boa decisão da causa, razão pela qual não foi atendida da decisão sobre a matéria de facto.

MOTIVAÇÃO

O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada de toda a prova documental junta aos autos e ainda atendendo e aos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de julgamento.

Concretizando, dir-se-á que, o Tribunal formou a sua convicção por apelo ao auto de notícia, o qual faz fé em juízo, e que foi igualmente corroborado pela testemunha TR. O depoimento desta testemunha mostrou-se credível ao Tribunal, atenta a função pelo mesmo exercida e bem assim, porquanto, descreveu os factos de forma espontânea e circunstanciada.

O facto sob 1. e 9. resultou provado em face da certidão permanente da arguida.

Quanto aos factos respeitantes à relação contratual entre a arguida e o vigilante (2. a 6.) o Tribunal atendeu essencialmente aos elementos de prova documental juntos aos autos pela própria arguida, mormente constantes de fls. 19 a 26, conjugados com os depoimentos das testemunhas MF, T, L e P, os quais se corroboram mutuamente. O Tribunal não esquece que se trata de testemunhas com relação funcional com a arguida e nessa medida o seu depoimento poderia mostrar-se pouco credível. Contudo, quanto à matéria dada por provada e apenas neste particular, mostraram-se credíveis, não só porque, como referido, se corroboraram mutuamente, atenta também a razão de ciência invocada por cada um deles (necessariamente nem todos concorreram com a mesma força para a convicção do Tribunal, mas apenas na medida precisamente da respetiva razão de ciência invocada e na medida exata do que os respetivos depoimentos se mostraram coincidentes entre si) e sobretudo na exata medida em que se encontram suportados pela prova documental referida junta.

Para prova do facto 7. o Tribunal socorreu-se do documento de fls. 3 e 4, conjugado com o depoimento da testemunha MF, na qual, neste particular e na exata medida do facto provado, se fez fé, atenta a razão de ciência invocada pela mesma, reveladora de conhecimento direto do facto em questão.

O facto 10. Resultou provado por apelo ao doc. de fls. 19, conjugado com o depoimento da testemunha MF, que neste circunspecto se mostrou credível.
Para provado dos factos 11., 12., 14. e 15. o Tribunal socorreu-se da prova documental, designadamente de fls. 19, 25, 3, 4 e 26.

O facto 13. resultou provado por apelo aos depoimentos das testemunhas arroladas pela arguida que neste particular igualmente mereceram credibilidade.

O elemento subjetivo resultou provado por apelo ao depoimento da testemunha MF e ainda às regras da experiência e de acordo com a livre convicção do Tribunal. Com efeito, atentas as funções desempenhadas pela testemunha, resulta à saciedade que a arguida conhecia a obrigação legal, não tendo, no entanto logrado convencer o Tribunal quanto à razão pela qual não procedeu em momento anterior à comunicação referida em 7., nem sequer convenceu a razão alegada pela qual não o fez antes, tanto mais que é visível a simplicidade da comunicação em causa. De resto, neste particular a testemunha prestou depoimento contraditório, designadamente quanto ao que deve entender-se por data de cessação do contrato com o vigilante, devendo e podendo a arguida ter sido mais prudente quanto à data em que operou a comunicação.

Ora, a atuação da arguida, ao comunicar na data em que o fez, traduz a violação de um dever de cuidado que a mesma devia ter cumprido, apesar de não o ter feito - e por isso estar errada ao ter referido estar convencida de ter agido como agiu (sendo que nesta parte do seu convencimento o seu depoimento não se mostrou crível…). De facto era obrigação da arguida adotar todos os procedimentos necessários com vista ao apuramento das obrigações que lhe cabiam, designadamente apurando do prazo para o cumprimento do dever de comunicação na situação específica dos autos, informações que não se vê que a mesma não fosse capaz de obter.

Os factos não provados resultaram assim em face de insuficiência da prova produzida que lograsse o convencimento do Tribunal e mesmo prova produzida em sentido contrário.

Diga-se a este propósito que a arguida tentou trazer aos autos uma versão dos factos que não encontra corroboração em qualquer elemento de prova documental que suportasse os depoimentos das testemunhas por si arroladas. Aliás, a própria prova documental produzida pela própria arguida revela o inverso: desleixo quanto ao teor das comunicações por si própria remetida aos trabalhadores, absoluta confusão nas datas comunicadas à entidade por contraposição com os demais elementos documentais que constam dos autos (designadamente AR, teor da comunicação remetida ao trabalhador, remissão de débitos, cadastro de fls. 27). De facto e considerando essencialmente o depoimento da testemunha MF (pois que as demais quanto aos factos concretos à data imputados à arguida, mormente quanto aos procedimentos adotados em concreto no caso dos autos quanto às comunicações do despedimento, documento de remissão e comunicação à autoridade administrativa nada sabiam) o mesmo mostrou-se nesta parte incongruente, eivado de imprecisões, sendo que a tentativa de explicação da mesma para o sucedido quanto à data e teor da comunicação feita à autoridade administrativa não logrou o convencimento do Tribunal”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da nulidade da sentença.

A recorrente argui a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c), do C. P. Penal (aplicável ex vi artigo 41º do RGCOC), por omissão de pronúncia no que respeita ao pedido de redução da coima para metade do valor mínimo abstratamente aplicável.

Cumpre decidir.
A sentença revidenda foi alterada/corrigida pelo despacho proferido em 21-11-2017 (cfr. fls. 196 e 197 dos autos), sendo que, como é expressamente assinalado em tal despacho, o mesmo passou a ser “parte integrante” da dita sentença.

Assim sendo, a nulidade invocada na motivação do recurso foi legal e devidamente suprida/reparada pelo tribunal de primeira instância, antes de os autos subirem a esta instância recursiva.

Consequentemente, e como se nos afigura evidente, está prejudicado o conhecimento da invocada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, porquanto essa existente nulidade se mostra suprida.

Em conclusão: é de improceder o recurso nesta primeira vertente.

b) Da absolvição da arguida por ausência de culpa.

Entende a recorrente que o tribunal de primeira instância errou na decisão relativa à culpa do agente, porquanto tal tribunal considerou, erradamente, que a recorrente atuou com culpa (com negligência), quando é certo que a recorrente procedeu apenas a uma errada interpretação da lei (o que, não sendo a recorrente jurista, constitui um erro desculpável).

Alega a recorrente, pois, que agiu sem culpa, uma vez que atuou sem consciência da ilicitude do facto e o erro não lhe é censurável (cfr. o disposto no artigo 9º, nº 1, do RGCOC).

Cabe decidir.
O regime dos recursos de decisões proferidas em primeira instância, em processo de contraordenação, está definido nos artigos 73º a 75º do RGCO, mormente seguindo a tramitação dos recursos em processo penal (cfr. nº 4 do seu artigo 74º), decorrente do princípio da subsidiariedade a que alude o seu artigo 41º.

No âmbito dos recursos em apreço, e constituindo desvio ao princípio geral segundo o qual as Relações conhecem de facto e de direito (cfr. o preceituado no artigo 428º do C. P. Penal), apenas se conhece, em regra, da matéria de Direito, sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida ou de anulação e devolução do processo ao mesmo tribunal, conforme dispõe o artigo 75º do RGCO.

Feitos os antecedentes esclarecimentos, e voltando ao caso sub judice, a recorrente alega que procedeu, tão-só, a uma errada interpretação da lei (o que, não sendo a recorrente jurista, é um erro desculpável), e que, por isso, agiu sem culpa, uma vez que atuou sem consciência da ilicitude do facto e o erro não lhe é censurável.

Com o devido respeito, a recorrente, com tais alegações e pretensões, não atentou no disposto no artigo 75º, nº 1, do RGCO.

Com efeito, e neste caso, o Tribunal da Relação só conhece de Direito, funcionando como tribunal de revista, face aos factos que foram apurados em primeira instância.

Por outras palavras: a matéria de facto dada como provada na sentença proferida em primeira instância tem de considerar-se fixada, salvo se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, se verificar algum dos vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal, cujo conhecimento é oficioso.

Na sentença recorrida deu-se como provado (sob o nº 8 da factualidade tida por assente) que, “ao proceder à comunicação referida em 7, na data ali referida, a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz”.

Por sua vez, na mesma sentença teve-se como não provado (sob as alíneas a) a c) da matéria de facto não provada): “em momento algum a arguida questionou a legalidade da sua conduta; a arguida agiu com a diligência necessária e cuidado que lhe eram exigidos; a arguida acreditava qua a comunicação havia sido efetuada no prazo legalmente previsto”.

A fundamentar tais opões decisórias, expendeu-se na sentença revidenda: “o elemento subjetivo resultou provado por apelo ao depoimento da testemunha MF e ainda às regras da experiência e de acordo com a livre convicção do Tribunal. Com efeito, atentas as funções desempenhadas pela testemunha, resulta à saciedade que a arguida conhecia a obrigação legal, não tendo, no entanto, logrado convencer o Tribunal quanto à razão pela qual não procedeu em momento anterior à comunicação referida em 7., nem sequer convenceu a razão alegada pela qual não o fez antes, tanto mais que é visível a simplicidade da comunicação em causa. De resto, neste particular a testemunha prestou depoimento contraditório, designadamente quanto ao que deve entender-se por data de cessação do contrato com o vigilante, devendo e podendo a arguida ter sido mais prudente quanto à data em que operou a comunicação. Ora, a atuação da arguida, ao comunicar na data em que o fez, traduz a violação de um dever de cuidado que a mesma devia ter cumprido, apesar de não o ter feito - e por isso estar errada ao ter referido estar convencida de ter agido como agiu (sendo que nesta parte do seu convencimento o seu depoimento não se mostrou crível…). De facto, era obrigação da arguida adotar todos os procedimentos necessários com vista ao apuramento das obrigações que lhe cabiam, designadamente apurando do prazo para o cumprimento do dever de comunicação na situação específica dos autos, informações que não se vê que a mesma não fosse capaz de obter”.

Perante a apontada factualidade (tida por provada e por não provada) e olhando a esta fundamentação da decisão fáctica tomada, afigura-se-nos óbvio que não ocorre qualquer dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal.

Mais: a recorrente, na motivação do seu recurso, nem sequer submete à apreciação deste tribunal ad quem qualquer questão atinente a saber se, in casu, ocorre (ou não) qualquer um dos vícios previstos no nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal.

Perante o que fica dito, não se prefigura, então, a existência de qualquer vício relativo à chamada impugnação restrita da matéria de facto (impugnação no âmbito da verificação dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal).

Na impugnação que faz, em todo este segmento recursivo, a recorrente questiona, isso sim, a existência de culpa sua, configurando tal questionamento uma verdadeira impugnação alargada da matéria de facto.

No fundo, e dito de outro modo, a recorrente, na motivação do recurso, expõe uma divergência entre a convicção alcançada pela própria recorrente sobre a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e aquela convicção que, nos termos do disposto no artigo 127º do C. P. Penal, e com respeito, designadamente, pelo estabelecido no artigo 125º do C. P. Penal, o tribunal a quo alcançou sobre os factos atinentes à culpa.

Ao alegar o que consta da sua motivação quanto à questão da culpa (da consciência da ilicitude, do erro desculpável, etc.), a recorrente está apenas a impugnar, em substância, a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que, sobre os mesmos, a própria adquiriu em audiência de discussão e julgamento.

Ou seja, e concluindo, da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não decorre a existência de qualquer um dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal.

Impugna a recorrente a sua atuação com culpa (com negligência - como foi decidido na sentença revidenda -).

A questão que logo se coloca, perante tal impugnação, é saber se estão questionados os factos, ou se, ao invocar-se uma atuação sem culpa, está em discussão matéria de Direito.

A culpa da arguida é questão de facto ou questão de Direito?

Como salientam Simas Santos e Leal Henriques (in “Recursos em Processo Penal”, 7ª ed., 2008, Rei dos Livros, pág. 136), “matéria de facto ou questão de facto e matéria de Direito ou questão de Direito são temáticas de melindrosa caracterização, que não têm logrado consenso sólido quer na Doutrina quer na Jurisprudência”.

O Prof. Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, III, págs. 206 e 207) refere que “é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; é questão de Direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”.

Sobre esta matéria escrevem ainda Simas Santos e Leal Henriques (ob. citada, pág. 141): “poderemos assentar em que haverá uma questão de facto quando procuramos reconstituir uma situação concreta, um evento do mundo real; e uma questão de Direito quando submetemos a tratamento jurídico a situação concreta reconstituída”.

Ora, partindo destas considerações, entendemos que a culpa (o dolo, a negligência, a consciência da ilicitude, o erro sobre as circunstâncias do facto e o erro sobre a ilicitude) assenta, naquilo que é determinante, em matéria de facto.

Saber se, in casu, a arguida agiu ou não negligentemente, determinar se a arguida procedeu ou não a uma errada interpretação da lei, apurar se a arguida atuou ou não com consciência da ilicitude do facto, averiguar se ocorreu ou não erro da arguida e se tal erro é ou não censurável, configura, tudo isso, questão de facto (já assunto diferente é a prova dos factos respeitantes aos elementos integrantes do tipo de culpa, pois que, pertencendo ao foro interno do agente, muitos desses elementos são insuscetíveis de imediata e direta apreensão, apenas sendo possível captar a sua existência através de factos materiais que lhe deem expressão plástica, segundo as regras da lógica e da experiência comum).

O tribunal a quo, a propósito da matéria em causa, e em breve resumo, deu como provado, por um lado, que a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, e, por outro lado, deu como não provada a existência de um qualquer erro da arguida (censurável ou não censurável).

Esses factos, repete-se, constituem matéria de facto (configurando uma atuação negligente da arguida - face aos factos, outra não podia ser a conclusão obtida pelo tribunal a quo relativamente à conduta negligente da arguida -).

Assim sendo, e conforme acima dito (olhando ao disposto no artigo 75º, nº 1, do RGCO), estando em discussão matéria de facto, está vedado a este Tribunal da Relação o conhecimento de tal matéria, e, por isso, toda a presente pretensão recursiva é, manifestamente, de desatender.

c) Das sanções a aplicar.
Alega a recorrente que deve ser dispensada de pena, ou que deve ser punida com admoestação, ou que a coima deve ser reduzida a metade (por “atenuação especial”).

Há que decidir.

Sob a epígrafe “dispensa de pena”, estabelece o artigo 74º, nº 1, do Código Penal:

Quando o crime for punível com pena de prisão não superior a seis meses, ou só com multa não superior a 120 dias, pode o tribunal declarar o réu culpado mas não aplicar qualquer pena se:
a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;
b) O dano tiver sido reparado; e
c) À dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção”.

No RGCO não existe normativo que preveja providência equivalente à prevista na disposição legal acabada de transcrever, pelo que a aplicação de tal previsão legal às contraordenações fica dependente da existência de uma norma de extensão que a declare aplicável a essa categoria de infrações.

Sob a epígrafe “do direito subsidiário”, dispõe o artigo 32º do RGCO: “em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal”.

Face ao preceituado neste artigo 32º do RGCO, importa, pois, saber se a “dispensa de pena”, prevista no citado artigo 74º do Código Penal, pode, ou não, ser considerada aplicável às contraordenações e às coimas que lhe são cominadas.

A nosso ver, não pode, sendo o instituto da “dispensa de pena” privativo das infrações de natureza criminal e não extensivo às contraordenações.

Com efeito, o RGCO, sem prejuízo daquilo que está previsto no regime específico de certas classes de contraordenações, regula, de modo exaustivo, o leque de sanções aplicáveis às infrações de natureza contraordenacional, sem que seja necessário lançar mão, nessa matéria, da aplicação subsidiária das normas de direito criminal.

Dito de outro modo, e usando as palavras constantes do Ac. do T.R.C. de 15-05-2013 (relator Luís Coimbra, disponível in www.dgsi.pt): “estabelecendo-se nos artigos 17º a 20º do RGCO o regime sancionatório das contraordenações, esse inculca a ideia de esgotamento dos tipos de sanções com que pretende punir aquelas.

Ou, também por outras palavras, assertivamente usadas no Ac. do T.R.P. de 30-03-2011 (relator Araújo Barros, disponível in www.dgsi.pt): “é de todo desajustado pretender aplicar o preceito do nº 1 do artigo 74º do Código Penal, que prevê a dispensa da pena (...). Anote-se, em reforço de tal, que, se o legislador pretendesse incluir aquele tipo de sanção no D.L. nº 433/82, tê-lo-ia disposto expressamente. Como fez no RGIT, em cujo artigo 22º previu a dispensa da pena mediante a verificação de pressupostos idênticos aos constantes do nº 1 do artigo 74º do Código Penal, não obstante na alínea a) do seu artigo 3º também se erigir um direito subsidiário.

Face ao exposto, é inviável a aplicação à recorrente, no lugar da coima em que foi condenada, da pretendida dispensa de pena.

Por isso, e neste aspeto, o recurso não merece provimento.
*
Entende a recorrente que lhe deve ser aplicada admoestação.

Nos termos do disposto no artigo 51º, nº 1, do RGCO, quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.”

São, pois, requisitos cumulativos da aplicação da admoestação, a nosso ver, a reduzida gravidade da contraordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente.

A gravidade da contraordenação depende, por um lado, do bem jurídico tutelado, do benefício do agente ou do prejuízo causado, mas, por outro lado, depende também, diretamente, da própria lei (na medida em que, por exemplo, a lei qualifique as contraordenações como leves, graves ou muito graves).

Ora, a lei, na presente situação, qualifica a contraordenação em questão como contraordenação grave (cfr. artigo 33º do D.L. nº 35/2004, de 21/02), sendo que, mesmo tendo em conta as circunstâncias atenuativas resultantes dos factos apurados, de modo algum se pode considerar a concreta infração cometida pela recorrente de “reduzida gravidade”.

Aliás, e neste ponto, tem de atender-se aos fins visados com a norma que foi infringida pela atuação da arguida, claramente fins de ordem pública, respeitantes à necessidade de conhecimento e controlo dos agentes adstritos ao exercício das funções de segurança privada.

Ponderando, por um lado, os fins visados com o estabelecimento da norma violada pela recorrente, e olhando, por outro lado, a que estamos face a uma contraordenação que a lei qualifica como grave, é de excluir, a nosso ver, a aplicação da admoestação.

Na verdade, e como bem refere Sérgio Passos (in “Contraordenações”, Almedina, 2006, pág. 365), a admoestação só será de aplicar às infrações qualificadas como leves ou simples, em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente àquelas em que há atuação por negligência ou, noutros casos, em que hajam circunstâncias que atenuem a culpa.

No presente caso, é certo, a arguida praticou a contraordenação em análise a título de negligência.

Também é certo que, no presente caso, a arguida não omitiu em absoluto a comunicação legalmente imposta, tendo-a realizado apenas com atraso (fazendo-a ao 4º dia subsequente ao termo do prazo).

Assim, a atuação da arguida, além de negligente, não configura um elevado grau de ilicitude.

Só que, tudo isso foi devidamente sopesado pelo tribunal a quo, ao fixar a coima pelo mínimo legal (7.500 euros), podendo, legitimamente, afirmar-se que tal tribunal foi tão longe quanto lhe era possível no abrandamento da reação sancionatória à conduta da arguida.

Pelo que vem de dizer-se, não merece provimento o recurso também neste ponto (aplicação de admoestação).
*
Por último, a recorrente pede a redução da coima aplicada (7.500 euros) para metade, ponderando, sobretudo, a diminuta gravidade da sua culpa, ou seja, entendendo que há razões que justificam uma “atenuação especial” da moldura sancionatória prevista para a infração praticada.

Esta questão foi decidida pelo tribunal a quo, pelo despacho judicial de 21-11-2017 (acima transcrito na íntegra), despacho que, conforme já se disse, ficou a fazer parte integrante da sentença revidenda.

Adiantando razões, começamos por manifestar a nossa total adesão ao decidido em tal despacho, cujos fundamentos, no essencial, subscrevemos.

Senão vejamos.

Estabelece o artigo 18º, nº 3, do RGCO, que “quando houver lugar à atenuação especial da punição por contraordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos a metade”.

Quanto à atenuação especial da pena, dispõe o artigo 72º, nº 1, do Código Penal, que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, enumerando-se, no nº 2 do mesmo preceito legal, diversas dessas circunstâncias.

Deste modo, foi criada pelo legislador uma válvula de segurança para situações particulares, que se justifica de acordo com o seguinte, seguindo a exposição do Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, § 444, pág. 302): “quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respetiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena. Hipóteses que, em muitos casos, o próprio legislador prevê, mas que a apontada incapacidade de previsão leva ainda a suprir com uma cláusula geral de atenuação especial.

O funcionamento de uma tal válvula de segurança obedece a dois pressupostos essenciais, a saber:

- Diminuição acentuada da ilicitude e da culpa, ou da necessidade da pena, e, em geral, das exigências de prevenção;

- A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito (isto é, só poderá ter-se como acentuada), quando a imagem global do facto, resultante da atuação das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo.

O que, por outras palavras, significa que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, § 444, § 451 e § 454).

No caso sub judice, invoca a recorrente, em breve síntese, que a coima deve ser especialmente atenuada, atendendo à diminuta gravidade dos factos e ao diminuto grau de culpa.

Contudo, colocada a questão à luz dos antecedentes considerandos, o que é determinante para decidir sobre a atenuação especial da coima é, em resumo, analisar a conduta (global) da arguida, de modo a verificar se ocorrem circunstâncias que diminuam, de forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima, apresentando-se a infração com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tal hipótese quando estatuiu os limites normais da moldura abstrata da coima.

Ora, a infração em apreço não se traduziu na preterição de um mero formalismo, nem o grau de ilicitude e o grau de culpa deixam de se enquadrar nas hipóteses “normais” previstas pelo legislador, e, por isso, a aplicação de uma coima dentro de moldura sancionatória normal não resulta, a nosso ver, desproporcionada.

Dito de outro modo: sendo certo que o grau de ilicitude do facto e o grau de culpa da arguida não são elevados, não é menos certo que a atuação da arguida se reconduz a um padrão de “normalidade”, padrão em função do qual a moldura sancionatória abstratamente aplicável foi pensada.

Nesta conformidade, entendemos que a moldura abstrata prevista para a coima em análise é adequada à situação posta nestes autos, não sendo caso de aplicação do instituto da “atenuação especial da coima”.

Conforme bem assinala o tribunal a quo, ao decidir não atenuar especialmente a coima, “não obstante a negligência da atuação da recorrente e as circunstâncias chamadas à colação na determinação concreta da medida da coima (…), a matéria de facto provada não comporta factualidade que permita a aplicação do instituto, sendo a moldura abstrata prevista no tipo contraordenacional claramente ajustada, e o efeito preventivo que o caso reclama apenas pode ser alcançado com a coima nos termos em que foi aplicada”.

Em conclusão: o recurso não merece provimento neste ponto (redução da coima aplicada para metade, por “atenuação especial”).

Posto tudo o que precede, o recurso interposto pela arguida é totalmente de improceder.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 06 de fevereiro de 2018

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Maria Filomena de Paula Soares)