Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
206/07.1GCMMN.E1
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
INJÚRIA
RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
MEDIDA DA PENA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO
Sumário:
Perante as circunstâncias apuradas, teve o Tribunal a quo por adequadas as penas parcelares de 85 dias de multa, pela prática do crime de desobediência, 130 dias de multa, pela prática de cada um dos três crimes de injúrias agravadas, e 18 meses de prisão, pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, pena esta suspensa na sua execução, sob a condição de o arguido entregar ao Lar B, no prazo máximo de seis meses a contar do trânsito da sentença, a quantia de € 500,00.
2. Sem embargo, não merecendo crítica as circunstâncias sopesadas pelo Tribunal a quo, considerando a anterior conduta do arguido, tratando-se de pessoa inserida e respeitada no meio social e profissional, com boa integração familiar, não se afastando a hipótese de, perante o seu quadro de saúde, a ingestão de álcool (não obstante, em quantidade pouco significativa) poder, de alguma forma, ter potenciado as suas condutas, não se afigurando existirem, no caso, particulares exigências de prevenção especial de socialização, é mais adequado a aplicação das penas de 70 dias de multa pela prática do crime de desobediência, de 90 dias de multa pela prática de cada um dos três crimes de injúria agravada e de 14 meses de prisão pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário.
Operando o cúmulo jurídico de tais penas parcelares, considerando que todas as condutas ocorreram num mesmo quadro, num curto período temporal, surgindo sequencialmente, praticamente numa relação de causa a efeito, bem como a já aludida inserção do arguido, conceituado no meio em que se insere, sem antecedentes criminais, aspectos que não deixam de abonar positivamente sobre a sua personalidade, mostra-se adequada a aplicação da pena única de 14 meses de prisão e 205 dias de multa à taxa diária já fixada (€ 6,00, aquela suspensa na sua execução por idêntico período de tempo (14 meses).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora


I. Relatório

1. No âmbito do processo n.º 206/07.1GCMMN, do 1.º Juízo Tribunal Judicial de Montemor – O – Novo, mediante acusação do Ministério Público e dos assistentes, foi submetido a julgamento em processo comum, com a intervenção do tribunal singular [artigo 16.º, n.º 3 do CPP], o arguido AA, melhor identificado nos autos, pela prática, como autor material, em concurso real, de um crime de desobediência, três crimes de injúria agravada, um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. respectivamente pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1, al. c), do C. Penal com referência ao artigo 152.º, n.º 3 do Código da Estrada, 181.º, 184.º e 132.º, n.º 2, al. l) do C. Penal e 374.º, n.º 1, também, do Código Penal e, ainda, de uma contra – ordenação p. e p. pelo artigo 80.º, n.ºs 1 e 5 do Código da Estrada.

2. Realizado o julgamento, por sentença de 30.07.2009, foi decidido:
Condenar o arguido pela prática, em autoria material e em concurso real, de:
1. Um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 348º, n.º 1, al. a) do C. Penal e 152.º, n.º 1, al. a e n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa;
2. Três crimes de injúria agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 181º, n.º 1 e 184º, com referência ao art. 132.º, n.º 2, alínea j), todos do C. Penal (versão anterior à resultante da entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa por cada um deles;
3. Um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º do C. Penal (versão anterior à resultante da entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), na pena de 18 (dezoito) meses de prisão;
4. Proceder o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, condenando-o na pena única de 18 (dezoito) meses de pisão e 310 (trezentos e dez) dias de multa, à razão diária de € 6 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 1860;
5. Suspender a execução da pena, na parte atinente à pena de prisão, pelo período de 18 (dezoito) meses, subordinando a suspensão ao cumprimento, pelo arguido, da obrigação de entregar ao “Lar de Betânia”, em Vendas Novas a quantia de € 500 (quinhentos euros), o que deve fazer no prazo máximo de seis meses a contar da data do trânsito em julgado da sentença, juntando de imediato aos autos comprovativo de tal entrega – arts. 50º, nºs 1 e 5 e 51º, nº 1, alínea c), todos do C.. Penal;
6. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses – art. 69º, nº 1, alínea c) do C. Penal;
7. Condenar o arguido pela prática de uma contra – ordenação p. e p. pelo art. 80º, n.ºs 1 e 5, do C. da Estrada, na coima de € 60 (sessenta euros);
……
Quanto à matéria cível

Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes e, em consequência, condenar o arguido/demandado civil AA a pagar aos assistentes, a título de indemnização por danos não patrimoniais, as seguintes quantias:
- Ao assistente MF, a quantia de € 1500 (mil e quinhentos euros);
- Ao assistente VT, a quantia de € 750 (setecentos e cinquenta euros);
- Ao assistente MR, a quantia de € 500 (quinhentos euros).
A tais quantias acrescem juros de mora, calculada à taxa dos juros civis, contados desde a data da notificação para contestação do pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento.
….
3. Inconformado com o, assim, decidido recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1.º Nos presentes autos, o arguido foi condenado na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão e 310 (trezentos e dez) dias de multa, à razão diária de € 6 (seis euros), no montante global de € 1.860,00 (mil oitocentos e sessenta euros), pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada, três crimes de injúrias agravadas, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, com referência ao art. 132.º, n.º 2, alínea j), todos do Código Penal (versão anterior à resultante da entrada em vigor da Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro) e um crime de resistência e coacção a funcionário, p. e p. pelo art. 347.º do Código Penal (versão anterior à resultante da entrada em vigor da Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro).
A pena de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de 18 (dezoito) meses, subordinando a suspensão ao comprimento, pelo arguido, da obrigação de entregar ao “Lar Betânia”, em Vendas Novas a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) no prazo máximo de seis meses a contar do trânsito em julgado da sentença.
O arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses, nos termos do art. 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
E foi condenado pela prática de uma contra – ordenação p. e p. pelo artigo 80.º, n.ºs 1 e 5 do Código da Estrada, na coima de 60 (sessenta euros).
O arguido foi ainda condenado a pagar aos assistentes, os seguintes montantes a título de indemnização:
- ao assistente MF, o montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
- ao assistente VT, o montante de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
- ao assistente MR, o montante de € 500,00 (quinhentos euros).
2.º O recurso da matéria de facto tem que ver com o preenchimento do elemento subjectivo e a consciência da ilicitude e cinge-se aos factos provados em 14, 15 e 16 e ponto VIII dos factos não provados.
3.º O Tribunal “a quo” concluiu no que respeita a esta questão, que o arguido estava no pleno uso das suas faculdades, tendo agido com dolo directo em relação a todas as infracções e com consciência da ilicitude das suas condutas.
4.º O Tribunal fundamentos a sua decisão na informação junta aos autos pelo Infarmed, a qual descreve quais os efeitos dos medicamentos que o arguido se encontrava a tomar e ainda no conjunto de dados objectivos apurados, nomeadamente as declarações do arguido e das testemunhas IR, JR, PG e HR.
5.º O arguido entende que resulta de toda a prova produzida nos autos que não se encontrava no uso pleno das suas faculdades mentais, nem tinha capacidade de discernimento, faltando por esse motivo a capacidade de avaliar a ilicitude da sua actuação ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
6.º Tal situação foi causada pelo uso de vários medicamentos que lhe foram receitados para os problemas cardíacos de que padece, cujos efeitos poderão ter sido potenciados pelo consumo de álcool.
7.º Dos depoimentos ouvidos em sede de audiência de julgamento, decorre que efectivamente o arguido não estava no seu estado normal, mostrando-se confuso e anormalmente agitado.
8.º As testemunhas IR (depoimento gravado em CD de 25-06-2009, de 00:00:01 a 00:40:45), JC (depoimento gravado em CD de 25.-06-2009, de 00:0001 a 00:35:56), JR (depoimento gravado em CD de 25-06-2009, de 00:00:01 a 00:40:34) e HR (depoimento gravado em CD de 08-07-2009, de 00:00:01 a 00:49:40) referiram que o arguido estava muito exaltado, agitado, falando alto e não parecia ser a pessoa que conheciam.
9.º Os próprios assistentes referiram nos seus depoimentos (MF, depoimento gravado em CD de 11-05-2009, de 00:00:00 a 00:26:02, VT, depoimento gravado em CD de 18-05-2009 de 00:00:01 a 00:29:17 e MR, depoimento gravado em CD de 18-05-2009 de 00:00:01 a 00:37:34) que o arguido se mostrava embriagado, com um comportamento estranho, alterado e agitado, tendo o MR referido que “nunca tinha visto alguém com aquele ritmo”
10.º Resulta dos depoimentos das testemunhas que efectivamente o arguido não estava num estado de consciência normal, não tendo capacidade de avaliar a ilicitude do seu comportamento.
11.º Por conseguinte, o Tribunal não deveria ter dado como provado os factos 14, 15 e 16 e deveria ter dado como provado o facto VIII dos factos não provados.
12.º Impondo-se a absolvição do arguido da prática dos crimes de que vinha acusado, concluindo-se pela sua inimputabilidade nos termos do art. 20.º do Código Penal.
13.º E consequentemente, também dos pedidos de indemnização civil formulados pelos assistentes.
14.º Incluem-se na previsão do art. 20.º do Código Penal as incapacidades acidentais, tal como refere o Ilustre Maia Gonçalves, no Código Penal Português, Anotado e Comentado, 18.ª edição, 2007, fls. 123 e segs: “Esta conclusão de que toda a anomalia psíquica, de qualquer tipo, mesmo acidental, pode determinar a inimputabiliadde desde que produza o efeito psicológico requerido, além de resultar claramente do texto legal, resulta ainda iniludivelmente da discussão do ponto específico na Comissão Revisora (acta da 8.ª sessão, em 24 de Janeiro de 1964)”.
15.º Igualmente neste sentido, veja-se o referido pelo Ilustre Cavaleiro de Ferreira, em Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, 4.ª Edição, fls. 273.
16.º Cumpre ainda dizer que, conforme já referido, quanto a este aspecto o Tribunal “a quo” baseou a sua convicção no relatório da Infarmed acerca dos medicamentos ingeridos pelo arguido conjugados com os dados objectivos apurados.
17.º Cremos que teria sido essencial o recurso a prova pericial, nomeadamente a audição de um médico especialista, na medida em que teria permitido um esclarecimento cientifico acerca da influência dos medicamentos no comportamento de quem os toma e de qual o efeito dos mesmos se forem combinados com o álcool.
18.º Na sentença recorrida chega-se a determinadas conclusões, nomeadamente sobre a inexistência de um estado alucinatório, quanto aos quais entendemos que, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” não tem elementos probatórios que permitam essas conclusões.
19.º Conclui-se que efectivamente face à prova produzida nos autos o arguido deveria ter sido absolvido, porquanto não tinha capacidade de discernimento, tendo em conta os medicamentos que havia tomado e o álcool que havia ingerido.
20.º Ainda que assim não se entenda, o que se admite por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a medida concreta das penas aplicadas ao arguido se afiguram demasiado gravosas para o caso concreto dos autos.
21.º Na sentença recorrida, e quanto ao crime de desobediência é aplicada uma pena de 85 dias de multa, prevendo-se no artigo 348.º do Código Penal pena de multa até 120 dias.
22.º Quanto aos crimes de injúrias agravadas foi aplicada uma pena de 130 dias de multa em relação a cada um dos crimes, prevendo-se nos arts. 181.º e 184.º do Código penal pena de multa até 180 dias.
23.º Quanto ao crime de resistência e coacção sobre funcionário foi aplicada uma pena de 18 meses de prisão, prevendo-se no art. 347.º do Código Penal pena de prisão até 5 anos.
24.º Verifica-se que quanto a cada uma das penas de multa aplicadas, estas encontram-se acima do meio da pena prevista na lei.
25.º A pena de prisão é igualmente elevada, sendo ainda suspensa na sua execução, com a subordinação ao cumprimento pelo arguido da obrigação de entregar ao “Lar de Betânia” em Vendas Novas a quantia de € 500,00.
26.º Entendemos que as penas aplicadas são manifestamente elevadas, tendo em conta as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, e tendo em conta ainda a factualidade dada como provada, referente à condição de saúde do arguido, bem como da toma diária de vários medicamentos.
27.º Acresce ainda que o arguido não tem antecedentes criminais.
28.º Pelo exposto, justificam-se penas de multa menos severas, pelo que as mesmas devem ser reduzidas, nos termos dos artigos 70.º e seguintes do Código Penal, o mesmo se dizendo relativamente à pena de prisão.
29.º O mesmo se dirá relativamente à condenação do arguido no pagamento das indemnizações aos assistentes, respectivamente € 1.500,00 ao MF, € 750,00 a VT e € 500,00 a MR.
30.º Quanto a este aspecto, ficou provado que os assistentes MF e VT sofreram lesões que determinaram três dias de incapacidade para o trabalho, sendo que as lesões que MR sofreu não determinaram qualquer incapacidade para o trabalho.
31.º Devem, assim, as indemnizações ser reduzidas, nos termos dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil.
32.º Destarte, a douta decisão recorrida julgou incorrectamente os pontos de facto referidos, impondo-se a absolvição do arguido, concluindo-se pela sua inimputabilidade, nos termos do art. 20.º do Código Penal, concluindo-se também pela absolvição dos pedidos de indemnização civil formulados pelos assistentes.
Ou se assim não se entender, deverá ser reduzida a medida concreta das penas de multa por força da aplicação dos artigos 47.º e 70.º e seguintes do Código Penal, deve a pena de prisão ser igualmente reduzida e deve ser reduzido igualmente os montantes a título de indemnização.
Termos em que se deverá conceder provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
Com o que se fará a habitual justiça!

4. Na 1.ª instância, apenas, o Ilustre Procurador – Adjunto respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito foram os autos remetidos a este tribunal.

6. Na Relação, a Digna Procuradora – Geral Adjunta em douto parecer pronuncia-se no sentido da improcedência do recurso.

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP não foi apresentada qualquer resposta.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 412º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo licito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito - [cf. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR I – A Série, de 28.12.1995].
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403º, nº 1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões” – [cf. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, pág. 335].

Assim sendo, as questões sobre as quais tem este Tribunal de se pronunciar são:

a) A impugnação da matéria de facto;
b) A medida da pena;
c) Os montantes arbitrados a título de indemnização civil.

2. A decisão recorrida

São os seguintes os factos considerados provados na sentença recorrida:

1. No dia 22 de Agosto de 2007, pelas 23h45m, na cidade de Vendas Novas, área desta comarca de Montemor – o – Novo, o arguido AA conduziu o veículo automóvel com a matrícula … pela Rua General Humberto Delgado e, sem necessidade, repetidas vezes, aumentou e reduziu a velocidade de circulação do automóvel, através de aceleração e desacelerações bruscas das rotações do motor e do uso do sistema de travagem do automóvel;
2. Desse modo, fez os pneumáticos do automóvel derrapar várias vezes no pavimento da estrada, nos arranques e nas reduções de velocidade, e produzir intenso ruído, característico do funcionamento do motor a elevadas rotações com velocidade lenta engrenada e das derrapagens;
3. Ruídos que motivaram MF e VT – respectivamente cabo e soldado da GNR, que passavam no local em carro militar, no exercício das suas funções de fiscalização de trânsito e devidamente uniformizados – a fiscalizar o arguido;
4. Durante o acto de fiscalização, MF ordenou ao arguido a realização de exame de pesquisa de álcool no sangue por aparelho analisador qualitativo;
5. Uma vez que o arguido recusou peremptoriamente cumprir tal ordem, MF informou-o que a recusa o fazia incorrer na autoria de um crime de desobediência;
6. Na sequência do que, dirigindo-se a ambos os militares da GNR referidos, disse-lhes: “Vão para o caralho, seus chulos, seus filhos da puta; tenho aqui uma navalha, fodo-os a todos; vão trabalhar, o que é que querem de mim? Não me identifico, nem sopro balão nenhum; seus filhos da puta, eu mato-vos; vão à merda!”;
7. Logo de seguida, atirou-se para cima do soldado T e desferiu-lhe vários socos e pontapés em diversas zonas do corpo;
8. Devido à atitude do arguido, foi chamado e compareceu no local MR, soldado da GNR que estava no exercício das suas funções e devidamente uniformizado, o qual auxiliou os seus colegas a realizar a detenção do arguido e a conduzi-lo ao Posto Territorial da GNR de Vendas Novas;
9. Já no posto da GNR, o arguido, dirigindo-se aos três mencionados militares da GNR, disse-lhes várias vezes: “vão para o caralho, filhos da puta, vão à merda, vão trabalhar, são uns chulos, eu mato-vos”;
10. Face a tal comportamento do arguido e para assegurar a realização do expediente relativo à detenção e aos factos que a determinaram, os três militares da GNR referidos, bem como mais dois colegas seus que se encontravam no posto, conduziram o arguido para a zona de acesso às celas de detenção, para aí o encerrarem;
11. Já no corredor de acesso às celas, o arguido começou a fazer gestos com os pés e com as mãos na direcção dos militares da GNR, para os manter à distância e evitar que o agarrassem;
12. Desse modo, atingiu o soldado R com pontapés na zona torácica e no antebraço esquerdo e o cabo MF com um soco na região orbitária direita;
13. Do modo descrito, o arguido causou, directa e necessariamente:
- Contusões na região anterior do hemitorax esquerdo, no antebraço esquerdo e na região posterior de ambas as pernas de VT e ainda escoriações na base do primeiro dedo da mão esquerda do mesmo, lesões físicas que lhe determinaram doença durante oito dias, três dos quais com incapacidade para o exercício das suas funções de militar da GNR;
- Derrame conjuntival no olho direito e extenso hematoma periorbitário à direita em MF, lesões físicas que lhe determinaram doença durante quinze dias, três dos quais com incapacidade para o exercício das suas funções de militar da GNR;
- Contusão na região anterior e média do tórax e ferida superficial na parte inferior e anterior do antebraço esquerdo de MR, lesões físicas que lhe determinaram doença durante oito dias, sem incapacidade;
14. O arguido quis ofender a honra e diminuir a consideração, pessoal e profissional, de MF, VT e MR e sabia que as palavras e frases mencionadas nos precedentes pontos 6 e 9 dos factos provados, dados os seus significados objectivos e correntes, que conhecia, eram para tanto adequadas;
15. Praticou os demais factos para obstar a que os referidos militares da GNR praticassem os actos referidos nos precedentes pontos 3, 4, 8 e 10 dos factos provados, bem sabendo que os mesmos integravam as respectivas funções públicas e eram legítimos;
16. Agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e puníveis por lei;
17. Os assistentes sentiram-se desgostosos, humilhados e perturbados com as expressões que lhes foram dirigidas, bem como com as agressões sofridas;
18. Tais atitudes do arguido também lhes provocaram temor, intranquilidade e vergonha;
19. No dia 19 de Junho de 2007, o arguido havia sido internado no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, em virtude de ter sofrido enfarte agudo do miocárdio;
20. Foi na sequência sujeito a intervenção cirúrgica, consistente na realização de angioplastia com colocação de três “stents”;
21. Teve alta hospitalar no dia 26 de Junho de 2007, sendo que em consequência da sua patologia cardíaca passou a tomar diariamente os seguintes medicamentos: “Plavix 75 mg”; “Triatec 2,5 mg”; “Concor 5 mg”, “Tromalyt 150 mg” e “Pravastatina Alter 40 mg”;
22. No dia 22 de Agosto de 2007, antes dos factos relatados nos pontos 1 a 12 dos factos provados, o arguido jantou com a sua companheira, sendo que posteriormente foi ter com AS, com quem tinha combinado encontrar-se a fim de conversarem sobre a relação comercial que mantinham;
23. O arguido encontrou-se com AS no bar “As Escadinhas”, onde bebeu uma cerveja;
24. Posteriormente, veio a encontrar-se com um amigo no bar “O Trevo”, onde bebeu mais uma ou duas cervejas;
25. A dado passo, a sua companheira foi ter consigo ao bar “O Trevo”, sendo que quando dali saíram seguiram cada um na sua viatura;
26. Quando a companheira do arguido chegou ao local onde este se encontrava a ser fiscalizado, disse aos militares da GNR para o deixarem ir embora, pois o arguido era doente do coração;
27. Já no posto da GNR, a companheira do arguido, bem como os pais desta e amigos do casal que entretanto tinham chegado, pediram aos militares da GNR para que aquele fosse levado ao Centro de Saúde, ou que em alternativa fosse chamado um médico ao posto, por temerem que o arguido sofresse um novo enfarte;
28. Enquanto se encontrava no interior da cela, o arguido bateu por diversas vezes na porta daquela, gritando “soltem-me”;
29. Após recusas iniciais por parte dos militares da GNR, o comandante de posto acabou por solicitar a presença de uma ambulância, na qual o arguido foi conduzido ao Centro de Saúde de Vendas Novas, algemado e acompanhado por militares da referida corporação;
30. Do Centro de Saúde de Vendas Novas, o arguido foi conduzido ao Hospital do Espírito Santo de Évora;
31. O arguido deu entrada na referida unidade hospitalar às 02h25m do dia 23 de Agosto de 2007, tendo alta às 00h25m do dia 24 de Agosto de 2007;
32. Em tal unidade hospitalar foi-lhe efectuado diagnóstico de angina de peito e rabdomiólise;
33. O arguido é sócio – gerente de uma empresa de prestação de serviços na área agrícola, auferindo a remuneração mensal de € 450;
34. Vive com a companheira e um filho ainda bebé;
35. A sua companheira é técnica numa empresa de gestão de resíduos, auferindo a remuneração mensal de € 1000;
36. Vivem em casa própria, pagando a instituição bancária a quantia média mensal de € 250, decorrente da concessão de empréstimo para aquisição daquela habitação;
37. O arguido gasta em medicamentos a quantia média mensal de € 100, descontada já a comparticipação do Sistema Nacional de Saúde;
38. Tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade;
39. No seu meio social o arguido é considerado pessoa cumpridora e respeitadora;
40. Do seu certificado de registo criminal não consta qualquer averbamento.

No que respeita aos factos não provados ficou consignado:

Com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:

I. Na ocasião referida no ponto 9 dos factos provados, o arguido tentou constantemente ausentar-se do posto da GNR;
II. Na ocasião referida no ponto 23 dos factos provados, o arguido bebeu três a quatro imperiais;
III. No bar “O Trevo”, o arguido e a sua companheira combinaram seguir para o Centro de Saúde de Vendas Novas;
IV. Na ocasião referida no ponto 26 dos factos provados, a companheira do arguido informou os militares da GNR que no momento antecedente seguiam para o Centro de Saúde de Vendas Novas, precisamente devido àqueles problemas de saúde;
V. Aquando da fiscalização, o arguido limitou-se a dizer “merda” e “foda-se”, não dirigindo tais expressões a quem quer que fosse;
VI. Aquando da fiscalização, o arguido limitou-se a esbracejar;
VII. O arguido apenas foi conduzido ao Centro de Saúde depois de desfalecer, gritando de dor e colocando a mão no peito;
VIII. Nas ocasiões referidas nos pontos 1 a 12 dos factos provados, o arguido encontrava-se num estado de alucinação temporária, amnésico, não se encontrando no uso das suas capacidades mentais de lucidez e discernimento.

A demais matéria alegada é de natureza conclusiva, contém referência a elementos probatórios ou é simplesmente irrelevante para a decisão da causa (assim grande parte da contestação), razão pela qual não consta do elenco de factos provados ou não provados.

No que concerne à fundamentação da matéria de facto, consta da decisão recorrida:

Na formação da sua convicção o tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, acolhendo os dados objectivos fornecidos pelos documentos dos autos e fazendo uma análise dos depoimentos prestados. Buscaram-se os seus pontos de concludência, de coerência e de consistência. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica da prova.
Assim, quanto à análise dos factos respeitantes ao dia 22 de Agosto de 2007, há que efectuar uma distinção entre três períodos temporais/espaciais:
1 – O período que antecedeu os acontecimentos que conduziram à fiscalização do arguido;
2 – O período respeitante à fiscalização do arguido e aos motivos que conduziram a tal fiscalização;
3 – O período respeitante aos acontecimentos verificados no Posto Territorial da GNR de Vendas Novas.
Quanto ao primeiro dos períodos referidos, alegado facticamente em sede de contestação, o mesmo ficou vertido nos pontos 22 a 25 dos factos provados e II e III dos factos não provados.
Sobre esta matéria depuseram IR (companheira do arguido), JC (amigo do arguido) e AS (com quem o arguido mantinha relação comercial).
O arguido prestou declarações sobre esta matéria, mas as mesmas apenas podem ser atendidas até ao momento em que se encontrou com JC no bar “O Trevo”, pois o próprio afirmou que quando se encontrava já nesse estabelecimento se começou a sentir mal, não se recordando de nada do que se passou de seguida.
Assim, quanto à parte inicial do ponto 22 dos factos provados, atendeu-se às declarações do arguido e ao depoimento da sua companheira.
No que tange à parte final desse mesmo ponto 22, bem como quanto ao ponto 23, tomou-se em consideração as declarações do arguido, bem como o depoimento de AS. Note-se que na contestação encontra-se alegado que na companhia de António Silva o arguido teria bebido 3 ou 4 imperiais (art. 11º da contestação), o que é desmentido pelas declarações do próprio em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como pelo depoimento de AS (ambas referiram que o arguido terá bebido uma cerveja). Em consequência, resultou não provado o facto vertido sob o ponto II.
Quanto ao ponto 24 dos factos provados, atendeu-se às declarações do arguido, concordantes com o depoimento de JC. Contudo, quanto ao depoimento de JC, foi desatendida a sua asserção de que o após a ingestão das cervejas o arguido ficou alterado (expressão da testemunha), pois apenas após muita insistência do tribunal, a testemunha conseguiu explicar no que consistiria essa alteração, o que manifestamente fez sem espontaneidade.
Mas sobre esta matéria, cumpre também assinalar que a contestação relata factos que manifestamente não correspondem à verdade. Com efeito, é relatado nos arts. 25º e 26º da contestação que quando chegou ao bar “O Trevo” a companheira do arguido disse-lhe para irem de imediato para o Centro de Saúde de Vendas Novas, ao que o arguido concordou, bem como o referido fornecedor (AS) e o seu amigo J, que estranharam a mudança repentina de comportamento do arguido. Ora, para além de AS não ter estado presente no bar “O Trevo” (após se ter encontrado com o arguido no bar “As Escadinhas” foi para casa), não podendo por isso ter vislumbrado qualquer alteração no comportamento do arguido, ou concordado com o que quer que fosse quanto à ida deste para o Centro de Saúde, verifica-se igualmente que JC também nada concordou ou deixou de concordar quanto ao local para onde alegadamente seguiria o arguido de seguida, pois o próprio disse que não faz ideia para onde o arguido e a sua companheira se deslocaram.
Assim, muito embora tenha resultado provado que a companheira do arguido foi ter consigo ao bar “O Trevo” (tal resulta dos depoimentos da própria e da testemunha JC), não resultou provado que tenham combinado dirigir-se para o Centro de Saúde (o alegado é que tal combinação teria sido feita na presença de AS e de JC e com a sua concordância, o que manifestamente não aconteceu), o que de resto se mostra logicamente incompatível com a circunstância de cada um ter seguido na sua viatura – ponto 25 dos factos provados e ponto III dos factos não provados.
Quanto aos factos atinentes ao segundo dos momentos referidos, atendeu-se em exclusivo às declarações dos assistentes MF, VT e MR (este último, naturalmente, apenas quanto ao ponto 8 dos factos provados). Com efeito, quanto a esta matéria não seria possível atender às declarações do arguido (referiu que não se lembra de nada), nem tão pouco ao depoimento da sua companheira, que se mostrou eivado de parcialidade (de todo o modo natural, face à relação que mantém com o arguido).
Os aludidos militares da GNR prestaram declarações altamente circunstanciadas, mostrando grande segurança. Apesar da natural interesse que têm na decisão da causa, resultante da circunstância de serem assistentes e demandantes civis, as suas declarações mostraram-se desapaixonadas e pautadas pela lógica, pelo que foram valoradas positivamente.
Pelo contrário, o depoimento da companheira do arguido padece de parcialidade óbvia, bem como de incoerência nos seus próprios termos (incoerência essa, aliás, que acaba por encontrar reflexo na contestação).
Quanto à parcialidade, chama particularmente a atenção a circunstância de IR ter afirmado que muito embora a determinado altura o arguido a tenha despistado (devido a ter seguido por artéria que a própria não esperava), o que fez com que quando chegou ao local da fiscalização o arguido já se encontrasse fora da viatura e junto dos militares da GNR, ainda assim do interior do carro conseguiu ver tudo o que se passava. Acontece, porém, que conhecemos o local em questão, mostrando-se altamente inverosímil que a partir do local onde referiu ter efectuado a manobra de inversão de marcha (para seguir atrás do arguido) a testemunha conseguisse ver o que quer que fosse.
Aliás, a circunstância de se ter visto obrigada a fazer inversão de marcha acaba por reforçar a versão dos militares F e T, que mencionaram que a ordem de marcha das viaturas era a seguinte: Mercedes (viatura conduzida por IR), Peugeot (viatura conduzida pelo arguido) e viatura militar (conduzida pelo militar T). Mais mencionaram que ao chegar a uma rotunda, a viatura Mercedes continuou em frente, sendo que a viatura Peugeot se pôs às voltas na rotunda, voltando para trás.
Já IR referiu que a ordem dos veículos era a seguinte: veículo conduzido pelo arguido (Peugeot), veículo conduzido pela própria (Mercedes) e viatura da GNR. Ora, se a ordem das viaturas fosse esta, não se compreenderia porque razão quando o arguido voltou à esquerda na rotunda, como a testemunha referiu, esta não seguiu atrás dele, antes tendo seguido em frente, vendo-se obrigada a fazer uma manobra de inversão de marcha. Se assim tivesse acontecido, a viatura que seguia a viatura do arguido (a viatura conduzida pela testemunha, de acordo com a sua versão) não teria qualquer dificuldade em virar à esquerda no momento imediatamente posterior à viragem do arguido.
Independentemente de tal questão, que entendemos ilustrar a falta de credibilidade da testemunha, também não se vislumbra que após a inversão de marcha pudesse ver e ouvir com clareza o que faziam e diziam quer o seu companheiro, quer os militares da GNR.
A testemunha apenas poderia relatar sobre os factos que presenciou quando já se encontrava fora da sua viatura, junto do seu companheiro e dos militares da GNR. Ora, como dissemos, esse relato mostrou-se parcial e incongruente. Com efeito, a testemunha mencionou que o seu companheiro se limitou a esbracejar e a dizer determinados impropérios (“merda”, “foda-se”, “caralho”), não os dirigindo a quem quer que fosse, nomeadamente aos militares da GNR. A vontade de isentar o arguido de qualquer tipo de responsabilidade é óbvia e torna o depoimento imparcial. Por outro lado, a tese de acordo com a qual o arguido nada teria feito (não teria invectivado ou agredido os militares da GNR) mostra-se também incompatível com a tese da defesa vista no seu todo. Com efeito, se o arguido não tinha consciência do que estava a fazer (é esta a tese principal), porquê a insistência na tese acessória de que nada fez? Aliás, tal ilogicidade encontra-se também plasmada na contestação, sendo vários os pontos em que se diz que o arguido nunca praticaria os factos, se é que os praticou (art. 2º da contestação) ou que o arguido não se recorda dos factos pelos quais vem acusado, se é que os praticou nos moldes como vêm discriminados (art. 12º da contestação, a negrito e sublinhado no original).
Tal incongruência, indicadora da aludida parcialidade, acaba por desferir um rude golpe na credibilidade da testemunha, cujo depoimento nesta parte apenas foi atendido quanto à circunstância de ter pedido aos militares da GNR para deixarem o arguido ir embora, pois este era doente do coração (ponto 26 dos factos provados). Com efeito, o assistente MF confirmou tal facto (o assistente VT não se recorda de ter ouvido tal alusão, mas também é natural que não tenha ouvido, pois encontrava-se mais ocupado com o arguido, tendo sido o Cabo F quem durante mais tempo manteve diálogo com IR). Aliás, a admissão de tal facto por parte do assistente F apenas reforça a sua credibilidade, pois certamente ser-lhe-ia mais cómodo dizer que a companheira do arguido nunca fez tal referência.
Também as declarações do militar R se mostram extremamente importantes para classificar como altamente credíveis as declarações dos assistentes. Com efeito, referiu o militar R que enquanto seguia no interior da viatura militar em direcção ao posto da GNR, o arguido mostrava-se menos exaltado, não tentando agredir ou insultar os militares que o acompanhavam. Ora, não existindo possibilidade de serem contraditados (no interior do veículo apenas seguiam o arguido e militares da GNR) seria mais fácil para os militares da GNR dizerem que o arguido também os agrediu e insultou enquanto seguia naquele veículo. O facto de não o terem dito, apenas reforça a sua isenção e credibilidade.
Face ao que vem dito, resultaram provados os factos vertidos nos pontos 1 a 8 e 26 e não provados os pontos IV, V e VI (em especial no que respeita ao ponto IV, muito embora MF tenha referido que a companheira do arguido fez a menção referida no ponto 26 dos factos provados, não referiu que esta tenha dito que iam naquele momento para o Centro de Saúde. Aliás, como já dissemos anteriormente, não se vislumbra que assim fosse).
Quanto aos factos respeitantes ao terceiro dos momentos referidos, sobre eles prestaram declarações os já referidos assistentes, tendo ainda prestado depoimento as testemunhas IR, AP, JS (militares da GNR que se encontravam no posto e que ajudaram os seus colegas a conduzir o arguido à cela), JR, HR (pais de IR) e PG (amigo do casal).
Quanto ao depoimento de IR, o mesmo padece da parcialidade e incongruência a que já aludimos, consubstanciadas na circunstância de mais uma vez ter referido que enquanto se encontrava na zona pública do posto (à vista da testemunha), o arguido apenas proferiu asneiras, não as dirigindo a ninguém em particular.
Assim, quanto ao ponto 9 dos factos provados, atendeu-se em exclusivo às declarações dos assistentes, conjugadas com os depoimentos dos seus colegas P e S, que também se mostraram circunstanciados e coerentes com os demais elementos de prova.
No que diz respeito aos pontos 10, 11 e 12 dos factos provados, apenas os aludidos militares da GNR se encontravam em condições de descrever o que então se passou, o que decorre da conjugação de duas circunstâncias: a zona de acesso às celas não é acessível ao público (por isso a testemunha IR disse que não viu o que aí se passou, mas que no entanto escutou um tumulto); as demais testemunhas presentes (JR, HR e PG) apenas chegaram ao local quando o arguido já se encontrava encerrado na cela.
Quanto aos pontos 27, 28 e 29 dos factos provados, atendeu-se às declarações dos assistentes, conjugadas com os depoimentos dos militares P e S, de IR, de JR, de HR e de PG, no essencial coincidentes (apenas mostraram pequenas divergências quanto ao maior ou menor número de vezes em que estas pediram aos militares da GNR que o arguido fosse levado ao Centro de Saúde ou que fosse chamado um médico).
Contudo, não resultou provado o facto vertido no ponto VII, pois as testemunhas referidas não viam o interior da cela, não podendo saber se o arguido desfaleceu, se meteu a mão no peito ou se os seus gritos eram de dor (apenas a testemunha HR se deslocou àquele local por uma vez, nos termos que a seguir descreveremos).
Também não resultou provado o facto vertido sob o ponto I, pois os militares da GNR referiram que o arguido vocalizava querer ir embora, mas não disseram que o mesmo praticou qualquer acto nesse sentido.
Quanto às consequências lesivas resultantes da conduta do arguido (ponto 13 dos factos provados), a convicção do tribunal fundou-se nos certificados de incapacidade temporária de fls. 12 e 13, nas fichas de consulta de SAP de fls. 50 a 53, no relatório de urgência de fls. 55 – 56 e nos relatórios periciais de clínica médico – legal de fls. 20 a 22, 24 a 26 e 28 a 30, sendo certo que o teor probatório de tais relatórios se presume subtraído à livre apreciação do julgador, não havendo, in casu, qualquer razão para divergir do juízo científico neles contido (cfr. art. 163º do Cód. de Proc. Penal).
No que respeita à forma como os assistentes se sentiram perante aqueles factos (pontos 17 e 18 dos factos provados), não se tomou em consideração o que cada um disse a respeito de si próprio (entendemos que as declarações dos assistentes nas partes a si respeitantes equiparam-se ao depoimento de parte em processo civil, que apenas é atendido se for de natureza confessória), mas sim o que disseram sobre cada um dos outros, o que de todo o modo foi confirmado também pelos militares P e S.
Quanto aos pontos 19 a 21 dos factos provados, tomou-se em consideração as declarações do arguido, conjugadas com os depoimentos de IR, JR e HR. Nesta parte os seus depoimentos mostraram-se credíveis, já que respeitantes a dados objectivos, confirmados pelos documentos de fls. 219 a 222 e 226.
Os pontos 14, 15 e 16 dos factos provados e VIII dos factos não provados constituem o busílis da questão, dizendo respeito, grosso modo, aos factos respeitantes ao preenchimento do elemento subjectivo e à consciência da ilicitude.
Quanto a esta matéria, há que analisar o conjunto das circunstâncias exteriores que envolveram o comportamento do arguido, pois o elemento subjectivo é um elemento interno, “para cuja determinação restará ao juiz considerar as circunstâncias exteriores que de qualquer modo possam ser expressão da relação psicológica do agente com o facto, inferindo unicamente de tais circunstâncias a existência dos elementos representativos e volitivos, na base das comuns regras da experiência (artigo 127º do CPP)” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13 de Junho de 2006 – Proc. 963/05 – 1, in www.dgsi.pt).
Conforme já dissemos, a tese principal do arguido é a de que se encontrava num estado de alucinação temporária, amnésico, não se encontrando no uso das suas capacidades mentais de lucidez discernimento. Não obstante IR, JR e HR tenham mencionado dois episódios, posteriores à intervenção cirúrgica a que o arguido foi sujeito, em que este parecia não ter total recordação de determinado facto, o que importa descortinar é se no dia 22 de Agosto de 2007 (e não em qualquer outro) o arguido se encontrava nas condições que alega.
Para tanto, é preciso conjugar a informação prestada a fls. 282 a 354 pelo “Infarmed” (informação pericial, que também se presume subtraída à livre apreciação do julgador) com os dados objectivos apurados.
Quanto à informação do Infarmed, e atendendo apenas aos efeitos respeitantes a perturbações do foro psiquiátrico (são indiferentes as considerações respeitantes a tonturas, vertigens, arritmias e taquicardias, que o relatório não classifica como perturbações do foro psiquiátrico) relacionadas com a toma daqueles medicamentos, verifica-se o seguinte:
- Quanto ao medicamento “Plavix”, cuja substância activa é o Clopidogrel:
Estados confusionais e alucinações, classificados como muito raros;
Não há referência a interacção com o álcool;
- Quanto ao medicamento “Triatec”, cuja substância activa é o Ramipril:
Pode potenciar o efeito do álcool;
Podem ocorrer irritabilidade, agitação, tremores, confusão e ansiedade, pouco frequentes;
- Quanto ao medicamento “Pravastatina Alter”, cuja substância activa é a Pravastatina, apenas é referida a existência de tonturas pouco frequentes, bem como a associação do medicamento a aparecimentos de casos de rabdomiólise (matéria a que faremos menção mais adiante;
- Quanto ao medicamento “Concor”, cuja substância activa é o Brisoprolol:
Pesadelos e alucinações, classificados como muito raros;
- Quanto ao medicamento “Tromalyt”, cuja substância activa é o ácido acetelisalicílico, nada de relevante é referido.
O referido relatório faz menção a cinco níveis de ocorrência: muito frequentes, frequentes, pouco frequentes, raras e muito raras. Tendo resultado apurado que as referidas situações de alucinações e estados confusionais associados àqueles medicamentos (em especial ao “Plavix”) são considerados muito raros (portanto, não impossíveis), resta saber se no caso concreto os mesmos se verificaram. A resposta deve ser negativa, o que resulta da análise das seguintes circunstâncias:
- Não faz qualquer sentido que se o arguido estivesse em tal estado, a sua companheira o tivesse deixado conduzir o seu próprio carro. Face a um tal estado alucinatório, a reacção normal seria que fosse a sua companheira a conduzi-lo, seguindo o arguido no lugar ao seu lado;
- O arguido sabia perfeitamente o que queria. Dizia soltem-me, não mencionando qualquer frase desconexa com a situação pela qual estava a passar (o que certamente faria caso estivesse a ter alucinações);
- O arguido dirigiu as expressões e agressões físicas aos militares da GNR em concreto. Se estava a ter alucinações, porque não agrediu também a sua companheira?;
- A testemunha PG mencionou inicialmente no seu depoimento que foi chamado ao posto para ver se conhecia algum militar da GNR, para “safar” o arguido. Não foi por isso chamado para explicar que o arguido estaria a alucinar;
- A testemunha HR referiu que quando foi ver o arguido através do postigo da cela e lhe disse para ter calma, aquele cessou os impropérios. Tal demonstra que o arguido o reconheceu, demonstrando o respeito devido ao pai da sua companheira.
Curiosamente, sobre esta testemunha referiu a Ilustre mandatária do arguido que também HR tem problemas de memória devido a ter tido também um enfarte. Embora não saibamos como a testemunha é no dia a dia, no dia da audiência pareceu-nos perfeitamente normal, sem lapsos de memória assinaláveis;
- As últimas declarações do arguido, prestadas ao abrigo do disposto no art. 361º, nº 1, do Cód. de Proc. Penal, fazendo referência a factos concretos passados no posto, indiciam que afinal sempre se lembraria de mais do que aquilo que disse inicialmente.
Por tudo isto, conclui-se no sentido que o arguido se encontrava no pleno uso das suas faculdades, tendo agido com dolo directo (em relação a todas as infracções) e com consciência da ilicitude das suas condutas.
No que tange aos pontos 30 a 32 dos factos provados, verificou-se unanimidade de depoimentos, sendo certo que tal matéria também se encontra comprovada documentalmente – fls. 223 a 225.
De todo o modo, cumpre assinalar que a rabdomiólise não é uma doença do foro psiquiátrico, mas sim de natureza muscular, podendo encontrar-se associada à ingestão de estatinas (como é o caso da Pravastatina, como aliás é referido no relatório do “Infarmed”) ou ao consumo prolongado de álcool. De qualquer forma, não é doença que surja de um momento para o outro (como partir um osso), mas sim que tem uma evolução (sobre esta matéria, cfr. o estudo médico disponível no sítio electrónico http://www.actamedicaportuguesa.com/pdf/2005 - 18/4/271 - 282.pdf):
Quanto à situação pessoal do arguido, o tribunal atendeu às declarações que prestou, que se afiguraram credíveis, tanto mais que não têm correlação directa com o assacar da sua eventual responsabilidade criminal.
Quanto ao modo como gere a sua vida em sociedade (ponto 39 dos factos provados), tomou-se em consideração os depoimentos dos seus amigos e familiares, já referidos.
No que concerne à ausência de antecedentes criminais daquele, tomou-se em consideração o teor do CRC que consta dos autos.

3. Apreciando

Da impugnação da matéria de facto

Insurge-se o recorrente contra a circunstância de o tribunal a quo ter considerado provados os factos descritos em 14., 15. e 16 do seguinte teor:

14. O arguido quis ofender a honra e diminuir a consideração, pessoal e profissional, de MF, VT e MR e sabia que as palavras e frases mencionadas nos precedentes pontos 6 e 9 dos factos provados, dados os seus significados objectivos e correntes, que conhecia, eram para tanto adequadas;
15. Praticou os demais factos para obstar a que os referidos militares da GNR praticassem os actos referidos nos precedentes pontos 3, 4, 8 e 10 dos factos provados, bem sabendo que os mesmos integravam as respectivas funções públicas e eram legítimos;
16. Agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e puníveis por lei;

e não provada a factualidade consignada em VIII, a saber:

VIII. Nas ocasiões referidas nos pontos 1 a 12 dos factos provados, o arguido encontrava-se num estado de alucinação temporária, amnésico, não se encontrando no uso das suas capacidades mentais de lucidez e discernimento.

Do exposto resulta que a discordância se situa ao nível do elemento subjectivo dos crimes pelos quais sofreu condenação, retomando, agora, uma argumentação próxima da usada na contestação, que não logrou convencer o tribunal a quo.
Na verdade, grande parte da extensa, pormenorizada e, no essencial, bem concebida fundamentação da matéria de facto é dedicada a “desmontar”, com eficácia, de modo perceptível, seguindo um processo lógico racional e segundo critérios da experiência e senso comum, a tese de que o arguido teria agido num estado de alucinação temporária, amnésico e, como tal, sem capacidade de discernimento.
A prova indicada pelo recorrente, designadamente os depoimentos das testemunhas IR, JC, JR, HR e as declarações dos assistentes não impõem decisão diversa da acolhida nos pontos em referência, porquanto a prova tem de ser analisada no seu conjunto, de acordo com a livre convicção do julgador (artigo 127.º do CPP) à luz das regras da experiência, não se detectando qualquer violação de prova vinculada, tão pouco que tenha ocorrido erro de julgamento.
O tribunal a quo foi sensível quanto à questão mais controversa e para a dirimir socorreu-se quer da informação do Infarmed [mais do que suficiente sobre os efeitos dos medicamentos em questão], quer das circunstâncias que rodearam os factos e que, com lucidez, realçou na bem gizada fundamentação da matéria de facto [v.g. “Não faz qualquer sentido que se o arguido estivesse em tal estado, a sua companheira o tivesse deixado conduzir o seu próprio carro. Face a um tal estado alucinatório, a reacção normal seria que fosse a sua companheira a conduzi-lo, seguindo o arguido no lugar ao seu lado; O arguido sabia perfeitamente o que queria. Dizia soltem-me, não mencionando qualquer frase desconexa com a situação pela qual estava a passar (o que certamente faria caso estivesse a ter alucinações); O arguido dirigiu as expressões e agressões físicas aos militares da GNR em concreto. Se estava a ter alucinações, porque não agrediu também a sua companheira?; A testemunha PG mencionou inicialmente no seu depoimento que foi chamado ao posto para ver se conhecia algum militar da GNR, para “safar” o arguido. Não foi por isso chamado para explicar que o arguido estaria a alucinar; A testemunha HR referiu que quando foi ver o arguido através do postigo da cela e lhe disse para ter calma, aquele cessou os impropérios. Tal demonstra que o arguido o reconheceu, demonstrando o respeito devido ao pai da sua companheira], não se prefigurando, assim, a necessidade de proceder à audição de um profissional de medicina para, no fundo, vir esclarecer aquilo que se já se mostra esclarecido nos autos.
Sem embargo de tudo o que consta da decisão recorrida, que deixa claro o motivo pelo qual o julgador não considerou quanto aos pontos contra os quais o recorrente se insurge a prova, por si indicada, sempre diremos que um tal estado de alucinação e amnésia [tese do recorrente] não era de todo compatível com o exercício da condução, para além de que, no caso concreto, sempre seria, absolutamente, desnecessário dada a presença da companheira do recorrente. Só uma grande inconsciência poderia levar a que uma pessoa [adulta] muito próxima do recorrente, perante a gravidade do alegado estado e com os seus antecedentes de saúde, não interferisse, evitando, desde logo, que ele próprio conduzisse o veículo, seguindo ela ao volante doutro.
Em termos de normalidade e do senso comum diríamos mesmo que perante um quadro de tamanha gravidade, como o que vem preconizado pelo recorrente, não seria descabido solicitar a comparência de uma ambulância.
De resto, os dados objectivos que resultaram apurados [não impugnados] designadamente as palavras, expressões e frases verbalizadas pelo arguido [cf. o ponto 6] são esclarecedoras de que o mesmo se mostrava orientado, entendeu a ordem transmitida pelos agentes de autoridade, em suma tinha discernimento com capacidade de avaliação dos seus actos.
Perante tal quadro objectivo, as regras da experiência impõem que se afaste uma actuação em estado de alucinação, amnésico, sem capacidade de avaliação do sentido dos actos e, consequentemente o estatuto de inimputável com o reconhecimento da alegada incapacidade acidental, como pretendido.
O tipo de argumentação apresentada, as mais das vezes também corroborada por testemunhas [familiares e amigos] é frequente em casos similares onde estão em causa condutas de resistência, agressões e ofensas verbais a agentes de autoridade sempre “mais compreensíveis” num quadro de algum excesso de consumo de álcool, o que não deixa de ser substancialmente diferente de um estado de alucinação amnésico.
Nenhuma censura nos merece, pois, a valoração da prova que vem feita através de um procedimento, em tudo, escrupuloso pelo tribunal a quo, a qual corroboramos, concluindo no sentido de que as provas apresentadas pelo recorrente perante os factos objectivos apurados [não impugnados], vistos e interpretados à luz das regras de experiência comum, não impõem decisão diversa da recorrida.
Não se detectando qualquer omissão, contradição ou erro notório na apreciação da prova, sucumbindo os invocados erros de julgamento, têm-se por definitivamente fixada a matéria de facto.

A medida da pena

O recorrente mostra-se, ainda, inconformado quer com as penas parcelares, quer com a pena única em que foi condenado, considerando-as excessivas face às circunstâncias apuradas.
A propósito ficou consignado na decisão recorrida “Aos crimes em apreço são aplicáveis as seguintes penas:
- Crime de desobediência – pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias;
- Crimes de injúrias agravadas – pena de prisão até 4 meses e meio ou pena de multa até 180 dias (cada um);
- Crime de resistência e coacção sobre funcionário – pena de prisão até 5 anos.
(…)
Quanto à medida concreta das penas de prisão (em relação ao crime de resistência e coacção sobre funcionário) e de multa (em relação a cada um dos crimes restantes) a aplicar ao arguido, há que tomar em linha de conta:
O disposto no art. 40º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal, no que diz respeito aos fins das penas e aos limites impostos pela medida da culpa. Com efeito, a culpa é o fundamento último da pena, funcionando, na sua determinação concreta, como seu limite máximo. Já o limite mínimo será determinado em função dos fins de prevenção geral positiva (a protecção dos bens jurídicos), de modo a que a comunidade possa confiar na validade da norma violada. Por fim, será dentro desses limites que terão lugar as considerações de prevenção especial, isto é, as respeitantes à ressocialização do agente do crime (neste sentido, mas por outras palavras, Figueiredo Dias, Direito Penal Português: As consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, p. 227 e ss.). Também Adelino Robalo Cordeiro afina pelo mesmo diapasão, referindo que “a culpa posiciona-se como pressuposto e limite (não fim) da pena, cuja medida (e forma de execução ou cumprimento) há-de ser fixada em função das exigências de prevenção, concebidas como finalidades da punição; e a necessidade da pena (para realizar os fins que visa) assume-se como fundamento da sua legitimidade, a sobrepor-se à concepção retributiva da pena” (A Determinação da Pena, in Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal, Vol. II, CEJ, 1998, p. 45);
Os critérios de determinação da pena constantes do art. 71º do Cód. Penal;
O disposto no art. 47º, nº 2 do Cód. Penal, quanto à fixação do quantitativo diário da pena de multa.
(…)
Deste modo, no que respeita ao caso concreto, há que tomar em consideração as seguintes circunstâncias:
- Quanto ao crime de desobediência, a ilicitude é elevada. Com efeito, o arguido demonstrou total desrespeito pela ordem que lhe foi transmitida por agente da autoridade, o que acaba por configurar desrespeito pelo próprio Estado;
- No que concerne aos crimes de injúrias agravadas, a ilicitude é muito elevada, não sendo tolerável o tipo de comportamento que o arguido teve para com os aludidos militares da GNR;
- No que respeita ao crime de resistência e coacção, a ilicitude é também muito elevada. Com efeito, o arguido pôs seriamente em causa o bem jurídico protegido pela norma violada (a autonomia intencional do Estado), demonstrando total desrespeito pela função de autoridade exercida pelos militares da GNR. Quanto a este crime em específico, há ainda a acrescentar a grande intensidade criminosa revelada pelo arguido (o que levou à necessidade da intervenção, em determinada altura, de cinco militares da GNR), bem como as consequências físicas resultantes para os assistentes (matéria relacionada com a violência a que alude o tipo), em especial as mais extensas mazelas do Cabo F;
- O dolo directo, logo intenso, em relação a todos os crimes;
- A boa integração profissional do arguido, que é ainda pessoa bem quista no seu meio social;
- A sua boa integração familiar;
- A sua escolaridade e cultura de níveis médios;
- No que respeita à conduta anterior aos factos, assinala-se a circunstância de o arguido não registar antecedentes criminais, o que milita a seu favor;
- No que tange à conduta posterior aos factos, nada de relevante há a apontar”.

Ponderadas estas circunstâncias, teve o tribunal a quo por adequadas as penas parcelares de 85 (oitenta e cinco) dias de multa [pela prática do crime de desobediência], 130 (cento e trinta) dias de multa [pela prática de cada um dos três crimes de injúrias agravadas] e 18 (dezoito) meses de prisão [pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário], pena esta suspensa na sua execução, sob a condição de o arguido entregar ao “Lar Betânia”, no prazo máximo de seis meses a contar do trânsito da sentença, a quantia de € 500.
Não merecendo, embora, crítica as circunstâncias sopesadas pelo tribunal a quo, considerando a anterior conduta do arguido, tratando-se de pessoa inserida e respeitada no meio social e profissional, com boa integração familiar, não se afastando a hipótese de, perante o seu quadro de saúde, a ingestão de álcool [não obstante, em quantidade pouco significativa] poder, de alguma forma, ter potenciado as suas condutas, não se afigurando existirem, no caso, particulares exigências de prevenção especial de socialização, julga-se mais adequado a aplicação das seguintes penas:
- 70 (setenta) dias de multa pela prática do crime de desobediência;
- 90 (noventa) dias de multa pela prática de cada um dos três crimes de injúria agravada;
- 14 (catorze) meses de prisão pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário.
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, ora, encontradas considerando que todas as condutas ocorreram num mesmo quadro, num curto período temporal, surgindo sequencialmente, praticamente numa relação de causa a efeito, bem como a já aludida inserção do arguido, conceituado no meio em que se insere, sem antecedentes criminais, aspectos que não deixam de abonar positivamente sobre a sua personalidade, mostra-se adequada a aplicação da pena única de 14 [catorze] meses de prisão e 205 [duzentos e cinco] dias de multa à taxa diária já fixada [€ 6.00], aquela suspensa na sua execução por idêntico período de tempo [14 meses], mantendo-se no mais os termos e condição determinados na sentença recorrida – [cf. artigos 70.º, 71.º, 77.º, 50.º, 51.º, n.º 1, al. c) e 47.º todos do Código Penal].

Os montantes arbitrados a título de indemnização civil

Finalmente insurge-se o recorrente quanto aos montantes arbitrados a título de indemnização civil, considerando-os excessivos tendo em conta o tempo de incapacidade para o trabalho sofrido pelos demandantes em consequência das lesões, a saber: três dias no caso de MF e VT, sendo que para MR não resultou qualquer tempo de incapacidade.
Nesta sede entendeu o tribunal a quo, ponderadas as circunstâncias, designadamente os danos sofridos por cada um dos assistentes e a concreta situação económica do arguido, tendo em conta que a indemnização dos prejuízos de natureza não patrimonial corresponde ao ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psicológico e emocional, e com recurso à equidade (artigo 496.º do Código Civil), fixar as seguintes indemnizações:
- € 1500 (mil e quinhentos euros) em relação ao militar F;
- € 750 (setecentos e cinquenta euros) em relação ao militar T;
- € 500 (quinhentos euros) em relação ao militar R.

De facto, a indemnização arbitrada a cada um dos demandantes visa ressarci-los dos danos morais sofridos em consequência das condutas ilícitas e culposas do demandado, violadoras da honra, consideração e integridade física daqueles que suportaram humilhação, temor, intranquilidade e vergonha para além das dores decorrentes, naturalmente, das lesões físicas.
No que concerne às lesões, basta atentar na matéria de facto provada para concluir que não foram tão irrelevantes como o recorrente pretende fazer crer. Na verdade, o demandante MF sofreu doença por quinze dias, três dos quais com incapacidade para o trabalho [cf. a zona atingida e a extensão da lesão] e o demandante VT suportou oito dias de doença, sendo três com incapacidade para o trabalho. Apenas, o demandante MF não teve qualquer tempo de incapacidade para o trabalho, não obstante, também, ter suportado oito dias de doença.
Em conclusão, tendo em conta os danos que se visa ressarcir por meio das indemnizações arbitradas e o disposto nos artigos 483.º, 496.º e 494.º do C. Civil, não se revelam excessivos os montantes fixados pelo tribunal a quo, os quais, como tal, se mantém.

III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) do Código Penal e 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código da Estrada, de três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. j), todos do Código Penal e de um crime resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo artigo 347.º do Código Penal, nas penas parcelares de 70 (setenta) e 90 (noventa) dias de multa [por cada um dos três crimes de injúria] e 14 (catorze) meses de prisão, esta suspensa na sua execução pelo período de 14 (catorze) meses nos termos e mediante a obrigação que lhe foram impostos na sentença recorrida, respectivamente;
b) Condenar o arguido, operando o cúmulo jurídico das penas supra referidas em a) na pena única de 14 (catorze) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 14 (catorze) meses, nos termos e mediante a obrigação que lhe foram impostos na sentença recorrida, e em 205 (duzentos e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6.00 (seis euros);
c) Revogar na estrita medida do acima decidido a sentença recorrida, mantendo-a em tudo o mais;
d) Condenar o recorrente em 3 (três) UCs de taxa de justiça.

Évora, 4 de Maio de 2010 - Maria José Nogueira (relatora) - João Manuel Amaro (adjunto)