Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2212/05-1
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: EXCESSO DE VELOCIDADE
CONTRA-ORDENAÇÃO LEVE
CULPA PRESUMIDA DO CONDUTOR
INIBIÇÃO DE CONDUZIR
Data do Acordão: 12/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
- Conhecendo o tribunal da 1º Instância, de facto e de direito, ao julgar a impugnação judicial fixou legalmente a matéria de facto
- É de presumir a culpa resultante da omissão de um dever geral de cuidado ínsito à violação de norma estradal, já que é exigível aos condutores de veículos automóveis que cumpram as disposições legais reguladoras do trânsito.
- Nas contra-ordenações leves, inexiste sanção acessória de inibição de conduzir
APHG
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Relação de Évora
Nos autos de recurso em processo de contra ordenação com o nº … da comarca de …, o arguido …, id. nos autos, impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa - De[egação de Viação de Beja -, que lhe aplicara coima de 120 € e, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias. por no dia …, pelas 17 horas e 55 minutos, o arguido conduzir o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula … na Auto-Estrada …, à velocidade de 158 km/h ou seja, excedendo o limite máximo permitido no local de 120 km/h em 38 km/h, o que constitui uma contra-ordenação grave punível com coima de 120 € a 600 € e, sanção acessória de inibição de conduzir de 1 mês a 1 ano, nos termos dos artigos 27°, n° 2, al. a), 146°, al. b) e 139°, n° 1 e 2, todos do Código da Estrada.
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Inconformados, recorreram:
-O Ministério Público, concluindo:
1. Na douta decisão judicial que ora se impugna, encontra-se omisso o elemento subjectivo por parte do arguido no cometimento da infracção;
2. Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência - o que é o caso;
3. Pelo exposto, tal como se encontra configurado pelos factos dados como provados, a conduta do arguido não se afigura punível;
4. Foi dado como provado que "(. . .) o arguido circulava à velocidade não inferior a 150 km/h no veículo ligeiro de passageiros (. . .)";
5. Encontrando-se provado que o arguido circulava a velocidade não inferior a 150 Km/h, tal significa que a velocidade excedida pode ser igual a 30 km/h, o que configura em si a prática de uma contra-ordenação leve e não grave, conforme o arguido vem condenado;
6. Enformando a conduta do arguido a prática de uma contra-ordenação leve, não é aplicável ao mesmo a sanção acessória de inibição de condução, conforme lhe foi aplicada
Termos em que, em face do exposto, deve ser concedido provimento ao recurso ora interposto, alterando-se o decidido.
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- O arguido, concluindo:
I- Nos termos do disposto no Art . 151º, n° 1, do C. E. , o auto de notícia deve mencionar os factos que constituem a infracção e, nos termos do disposto no Art. 101, n° 2, do Código de Procedimento Administrativo, a notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito.
II. O Tribunal "a quo", aplicando a margem de erro legalmente prevista para a velocidade registada pelo radar entre 140 Km/h e 160 Km/h, considerou que o veículo do arguido circulava a velocidade não inferior a 150 Km/h.
III. Ora, se assim é, então devia constar, e não consta, do auto de notícia a margem de erro legalmente prevista para tal velocidade e que o arguido, deduzida essa margem, circulava a velocidade não inferior a 150 Km/h, o que determina a nulidade do auto de contra-ordenação e, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa - Arts. 120°, nºs 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122°, n° 1, do C. P. P. e 410º, n° 1, do R.G.C.O. -,
IV. O Tribunal “a quo" , ao proceder à aplicação da margem de erro e ao dar como provado que o arguido circulava a uma velocidade não inferior a 150 Km/h, substitui-se às autoridades administrativas competentes em matéria de contra-ordenações estradais -Art. 34°, n° 1, do R.G.C.O. e 151°, n° 1, do C.E. , o que, consequentemente, gera a incompetência do Tribunal recorrido.
V .A douta sentença impugnada não faz um exame crítico das provas, pois limita-se a indicar o tipo de prova em que alicerçou a sua convicção para dar como provados os pontos da matéria de facto, e não indica a norma legal em que se fundamentou para considerar que, aplicando a margem de erro legalmente prevista para a velocidade registada pelo radar entre 140 Km/h e 160 Km/h, o veículo circulava a velocidade não inferior a 150 Km/h, o que determina a nulIdade da mesma ao abrigo das disposições conjugadas dos Arts. 374°, n° 2, e 379º, n° 1, al. a), do C.P.P..
VI. Só o excesso de velocidade superior a 30 Km/h sobre os limites legalmente impostos é que, nos termos do disposto no Art. 146°, al. b), do C.E., é classificado de contra-ordenação grave. Ora,
VII. Se a douta sentença recorrida considerou que o excesso de velocidade foi de 30 Km/h, então não poderia classificar e condenar o arguido pela prática daquela infracção, pois a mesma, face ao disposto no Art. 137°, n° 1, do C.E, teria de ser classificada de contra-ordenação leve, o que, consequentemente, levaria à absolvição do arguido da sanção acessória de inibição de conduzir e a ver reduzidos os montantes da coima.
VIII. A douta sentença violou, pois, o disposto nos Arts. 27°, n° 2, 137°, n° 1, 139º , nos 1 e 2, 146, al. b), e 151º, nº 1, do C.E., o Art. 101,nº 2, do C.P.A., o Art. 32°, n° 10, da C.R.P., os Arts. 34°, n° 1, e 50°do R.G.C.O. e o Art. 374, nº 2, do C.P.P..
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, consequentemente, a douta sentença recorrida, o que constitui uma decisão de justiça.
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Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer onde escreve:

(...)
O artigo 137° do Código da Estrada classifica as contra-ordenações da seguinte forma:
1- As contra-ordenações previstas neste Código e legislação complementar classificam-se em leves, graves e muito graves.
2 -São contra-ordenações leves as que não forem classificadas como graves ou muito graves.
Nos termos do disposto no artº 146°, al. b) do Código da Estrada constitui contra-ordenação grave o excesso de velocidade superior a 30 kms/hora.
Neste caso, na decisão judicial de que se recorreu, não se deu como provado que a velocidade a que o arguido circulava ultrapassasse em mais de 30 Kms/hora a velocidade máxima permitida (120 Kms/hora).
Assim, com base nos factos dados como provados na sentença recorrida têm razão os recorrentes, no sentido de que o arguido não cometeu uma infracção grave.
Além disso o arguido alega que foi violado o disposto no art°. 101º., nº.2 do Código de Procedimento Administrativo, segundo o qual a notificação fornece todos os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão da matéria de facto e de direito .
Não constando do auto de notícia a margem de erro do radar utilizado - considerada na sentença recorrida - o auto de notícia é nulo.
O tribunal " a quo" deu resposta cabal e correcta a esta questão a fls. 58, no sentido de que embora a sanção seja aplicada por entidades administrativas estas gozam dos mesmos direitos e; estão sujeitas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, nos termos do disposto nos art°s 410, n°. 1 e 42, n°. 1 do Reg. Geral das Contra Ordenações.
A questão da fiabilidade do radar constitui tema de prova. O arguido teve conhecimento oportuno da mesma, a qual é objecto de análise no seu recurso de impugnação. Ao arguido foram concedidos todos os direitos de defesa e utilizou-os.
Além disso no recurso de impugnação a questão da margem de erro do radar foi corrigida, não havendo qualquer prejuízo para o recorrente.
Por isso não foi cometida qualquer nulidade, designadamente a do art°. 120º , n°. 2, al. d) e 3, al. c) e 122, n.1, do Código de Processo Penal.
Por último, o arguido argumenta que a sentença impugnada não faz um exame critico das provas.
Não tem razão. A fls. 57 são indicadas todas as provas que fundamentam a decisão e quanto à questão controvertida da margem de erro do radar a sentença faz uma análise critica das provas a fls. 60 e 61.
Nos termos expostos, em virtude de a velocidade a que o arguido circulava não ser superior a 30 kms/hora em relação ao limite máximo permitido, não cometeu uma infracção grave e, por isso, deve ser absolvido da sanção de inibição de conduzir veículos com motor.”
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Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP.
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Foi o processo a vistos dos Exmos Adjuntos,
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Consta da sentença:
“II-FUNDAMENTAÇÃO
1 – FACTOS PROVADOS
Estão provados os seguintes factos:
1. No dia … pelas 17 horas e 55 minutos, o arguido circulava à velocidade não inferior a 150 km/h no veículo ligeiro de passageiros com a matrícula … na Auto-Estrada …;
2. A velocidade a que o arguido circulava foi controlada pelo aparelho de radar Speedofot nº110, aprovado pela D.G. V. - oficio nº 326/DGV de 11.01.96;
3. O arguido não tem averbada no seu registo individual de condutor a pratica de contra-ordenação grave ou muito grave ou crime rodoviário sancionados nos últimos 3 anos.
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2- FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
- O arguido circulava à velocidade de 158 km/h no veículo ligeiro de passageiros.
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3 - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados alicerçou-se nos documentos de fls. 6 (auto de contra-ordenação), 5 ("print" retirado do radar que controlou o veículo automóvel conduzido pelo arguido ), 7 a 10 ( documentos de exame do aparelho de fiscalização) 9 (Registo Individual de Condutor do arguido ).
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Cumpre apreciar e decidir
Tendo em conta o regime e âmbito do recurso de decisões judiciais, determina o artigo 74º nº 4 do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro, nesta parte intocado pelo D.L. 244/95 de 14 de Setembro, e pela Lei nº 109/2001 de 24 de Dezembro, que o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma.
E, também não sofreu alteração o disposto no artº 41º nº 1 do referido D.L. 433/82, quando diz que sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal
Nos termos do artigo 75º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro, inalterado pelos supra citados diplomas legais, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
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Conforme artigo 135º do Código da Estrada, - diploma aplicável in casu na redacção então vigente -, nas contra-ordenações previstas neste Código e legislação complementar a negligência é sempre sancionada.
Ainda que não conste da matéria de facto se o arguido agiu com dolo ou negligência, é de presumir esta, por a culpa resultar da omissão de um dever geral de cuidado ínsito à violação de norma estradal, já que é exigível aos condutores de veículos automóveis que cumpram as disposições legais reguladoras do trânsito. (v, pro ex. Ac do STJ de 28 de Janeiro de 1997, in Http/www.cidadevirtual.pt/stj/bol.7civ,html.)
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Vem provado que o arguido circulava à velocidade não inferior a 150 km/h no veículo ligeiro de passageiros com a matrícula … na Auto-Estrada …;
Conhecendo o tribunal da 1º Instância, de facto e de direito, ao julgar a impugnação judicial fixou legalmente a matéria de facto no âmbito dos seus poderes de cognição, e apontou a motivação da sua convicção de forma legalmente válida, já que se apoiou em prova documental clara e precisa, e, seria redundante vazar num raciocínio lógico-analítico o que a documentação probatória demonstra.
Improcede a nulidade suscitada
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Em auto-estrada a velocidade instantânea de veículo automóvel ligeiro de passageiros é permitida até 120 Km/h.- artº 27ºnº 1 do Código da Estrada.
Assim, o excesso de velocidade praticado pelo arguido foi de 30 Km/h
Logo, de harmonia com o disposto nos artigos 137º nº 2 e 146º al. b) do Código da Estrada, a contra-ordenação praticada pelo arguido, é leve e não grave.
Por isso, é punida apenas com coima de 60 € a 300 €, conforme artº 27º nº 2 a) 1º do Código da Estrada.
Nas contra-ordenações leves, inexiste sanção acessória de inibição de conduzir. – artº139º do C. Estrada.
Considerando o disposto no artº 140º do Código da Estrada e que o arguido não tem averbada no seu registo individual de condutor a pratica de contra-ordenação grave ou muito grave ou crime rodoviário sancionados nos últimos 3 anos., é de aplicar apenas coima, que se fixa em 60 € (sessenta euros).
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Termos em que, decidindo:
Dão parcial provimento a ambos os recursos, e, consequentemente, revogam a sentença, quanto à manutenção da decisão administrativa, e condenam o arguido pela contra-ordenação leve p. e p. no artigo 27º nº 2 nºs 1 e 2 . 1 a), e 140º, do Código da Estrada, na coima de 60 e (sessenta euros).
Tributam o recorrente em 2 Ucs de taxa de justiça

ÉVORA, 6 de Dezembro de 2005

Elaborado e revisto pelo Relator.

António Pires Henriques da Graça
Rui Hilário Maurício
Sérgio Gonçalves Poças