Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO JOÃO LATAS | ||
Descritores: | ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO CRIME DE TRATO SUCESSIVO AUTORIAS PARALELAS CUMPLICIDADE | ||
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Data do Acordão: | 06/14/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSOS PENAIS | ||
Decisão: | PROVIDOS EM PARTE | ||
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Sumário: | I - Permanece válida a jurisprudência fixada no AFJ 4/95, segundo a qual «O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus.». II - Independentemente dos contornos precisos das categorias de crime habitual, de crime prolongado, crime de atentado ou empreendimento, crime exaurido e crime de trato sucessivo, é essencial que a unificação da multiplicidade de atos que os integram assente na própria descrição do tipo legal, o que não se verifica relativamente ao tipo legal de Abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171.º do C.Penal. III - Assim, só de acordo com os critérios gerais de distinção entre unidade e pluralidade de crimes é que hipóteses de multiplicidade de atos homogéneos, praticados contra a mesma vítima, numa mesma ocasião e local, poderão enquadrar-se num único crime de abuso sexual de crianças. IV - A conduta do arguido não se integra no conceito de coautoria tal como estabelecido no art. 26.º do C. Penal, pois não decorre da factualidade provada que o arguido e o seu irmão, por acordo ou juntamente com o outro, tenham tomado parte direta na execução de um único crime, nem que ambos tenham participado na execução de cada um dos crimes perpetrados pelo outro contra o menor. Encontramo-nos, antes, perante caso de autorias paralelas. V - Contrariamente ao que parece entender a recorrente ao pretender que o tribunal a quo explicasse por que motivo considerou o depoimento sério, sustentando tal conclusão em outra prova ou prova mais concreta, o dever do tribunal “a quo” apreciar criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção, não pode confundir-se com a explanação exaustiva do processo psicológico que conduz à convicção pois, em boa verdade, para além das dificuldades e limitações ao nível da sua expressão verbal, não pode sequer considerar-se sindicável o processo de formação da convicção em toda a sua extensão e profundidade, desde logo por falta de parâmetros lógicos e científicos que o permitam. VI - O vício de contradição insanável da fundamentação, previsto na al. b) do art. 410.º do CPP, só se verifica quando a contradição é insanável, ou seja, quando do texto da decisão recorrida não decorre qual das afirmações contraditórias entre si corresponde ao juízo efetivo do tribunal recorrido. Quando o texto da decisão o permite, cabe ao tribunal ad quem esclarecer e enunciar a afirmação prevalecente (diga-se assim), em vez de reenviar o processo para novo julgamento nos termos do art. 426.º do CPP. VII - A participação do cúmplice só se verifica mediante a prestação de um contributo relevante para a prática do crime por outrem, sem o que não pode falar-se do auxílio material ou moral a que se reporta o art. 27.º do C.Penal. Se se concebe a prestação de auxílio material à prática do crime mesmo sem o conhecimento do autor do facto ("cumplicidade clandestina"), relevando apenas a atitude do cúmplice (cf Ac STJ de 31 de Março de 2004, relator Henriques Gaspar), tal não pode suceder relativamente à cumplicidade moral ou psicológica, pois só na medida em que o autor do facto se aperceba da atitude favorável do terceiro pode falar-se de auxílio (moral) à prática do facto. VIII - São manifestas as necessidades de prevenção geral positiva decorrentes da grande danosidade dos factos para as crianças vítimas de abusos sexuais e da frequência com que vêm sendo praticados crimes desta natureza, nomeadamente no seu meio familiar, que apelam a respostas contrafácticas capazes de afastar outros potenciais delinquentes da prática de atos desta natureza e de gerar na generalidade dos cidadãos a convicção de que é efetiva a tutela penal dos bens jurídicos violados. Sumariado pelo relator | ||
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Decisão Texto Integral: | Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO 1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo que corre termos no juízo Central Cível e Criminal de Évora, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o MP deduziu acusação contra: - DD, solteiro, caseiro, nascido a 5 de Julho de 1986, atualmente em prisão preventiva, imputando-lhe a prática, em concurso real e sob a forma consumada de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n. 1, e 177.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal e de quatro crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171º, n. 1 e n. 2, e 177.º, n. 1, alínea a), do Código Penal, e como co-autor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º1 e n.º 2, e 177.º, n.º1, alínea a), do Código Penal. - AA, divorciada, doméstica, nascida a 14 de Julho de 1985, imputando-lhe, em concurso real e sob a forma consumada, a autoria de dois crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e a prática, como cúmplice, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177º , n. 1, alínea a), do Código Penal. - BB, solteiro, desempregado, nascido a 3 de Fevereiro de 1990,imputando-lhe a prática, em concurso real e sob a forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n. 1, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal e de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n. 1 e n. 2, e 177.º, n. 1, alínea b), do Código Penal. 2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo decidiu: - Convolar os crimes de que os arguidos DD e AA se encontram acusados por forma a que os mesmos encontrem previsão e estatuição também no artigo 179.° alínea a) do Código Penal (na redacção anterior à Lei n. ° 103/2015 de 24 de Agosto); - Condenar o arguido DD pela prática: a. Como autor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.º 1, 177.°, n.º1, alínea a), e179.º. alínea a) do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão (ponto 4) dos factos provados); b. Como autor de quatro crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.°, n.º1 e n. 2, 177.°, n.º 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal nas penas de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão (pontos 5) a 7) dos factos provados), de 8 (oito) anos de prisão (ponto 9) dos factos provados), de 8 (oito) anos de prisão (ponto 10) dos factos provados) e de 7 (sete) anos de prisão (ponto 11) dos factos provados); e c. Como co-autor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n. 1 e n. 2, 177.°, n.º 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão (pontos 12) a 16) dos factos provados). Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 21 (vinte e um) anos de prisão e, bem assim, na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao seu filho CC pelo período de 11 (onze) anos; - Absolver a arguida AA da prática, como autora, de um dos crimes de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.º1, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal, de que vinha acusada; - Condenar a arguida AA pela prática, em concurso real e sob a forma consumada: a. Como autora, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.º1, 177.°, n.º 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (ponto 8) dos factos provados); e b. Como cúmplice, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, n.ºs 1 e 2, 177º, n.º 1, alínea a), e 179º, alínea a), do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos de prisão (pontos 12) a 16) dos factos provados). Condenar a arguida, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos de prisão e, bem assim, na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao seu filho CC pelo período de 11 (onze) anos; - Absolver o arguido BB da prática do crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171., n. 1 e n." 2, e 177.0, n. 1, alínea b), do Código Penal de que vinha acusado; - Condenar o arguido BB pela prática, sob a forma consumada, como autor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n. 1, e 177º, n.1, alínea b), do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a Regime de Prova e ao dever de o arguido se sujeitar, durante tal período, a consultas da especialidade de Psiquiatria e/ou Psicologia, se possível em subespecialidade preferencialmente direcionada para o seguimento de perturbações sexuais. 3. – Inconformados, recorreram os arguidos DD e AA. 3.1. - O arguido recorrente, DD, extrai da sua motivação as seguintes conclusões, tal como completadas na sequência de despacho proferido nos termos do art. 417º nº3 do CPP: - «CONCLUSÕES I. A audiência de discussão e julgamento, na 1ª Instância, decorreu perante Tribunal Coletivo e a prova ali produzida foi devidamente documentada, mediante gravação digital da audiência, pelo que o Venerando Tribunal da Relação de Évora, como instância de recurso, conhece de facto e de direito – Art.ºs 363.º e 428.º, n.º 1 do C.P.P. II. Assim, o presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, e de direito do Acórdão proferido nos presentes autos. III. Não obstante o respeito que as decisões judiciais, sempre e em qualquer circunstância merecem, vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido a fls. … e seguintes dos autos, por não se conformar o Arguido, ora Recorrente, com a mesma, e que o condenou, como autor material sob a forma consumada em concurso real efetivo: a. como autor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, alínea a), e179.º alínea a) do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão (ponto 4)dos factos provados); b. como autor de quatro crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e n.º 2, 177.º, n.º 1, alínea a), e 179.º,alínea a), do Código Penal nas penas de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão (pontos 5) a 7) dos factos provados), de 8 (oito) anos de prisão (ponto 9) dos factos provados), de 8 (oito) anos de prisão (ponto 10) dos factos provados) e de 7 (sete) anos de prisão (ponto 11) dos factos provados); e c. como coautor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1 e n.º 2, 177.º, n.º 1, alínea a), e 179.º, alínea a), do Código Penal na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão(pontos 12) a 16) dos factos provados). Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 21 (vinte e um) anos de prisão e, bem assim, na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao seu filho CC pelo período de 11 (onze) anos. IV. Não pode o arguido, ora recorrente, conformar-se de todo com a decisão proferida, salvo o devido respeito e consideração. V. Produzida a prova em audiência de discussão e julgamento, entende o ora recorrente que as: Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 22.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0035.mp3; Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 28.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0037.mp3; Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781; Declarações do arguido DD gravadas no áudio20170913103317_1428042_2870779; Declarações da arguida AA gravadas no áudio 20170913113917_1428042_2870779 20170913141828_1428042_2870779; Declarações do arguido BB gravadas no áudio 20170913144519_1428042_2870779; Depoimento da testemunha MC gravada no áudio 20170918101056_1428042_2870779; Depoimento da testemunha MF 20170918104538_1428042_2879779; Depoimento da testemunha MB gravado no áudio 20170918111053_1428042_2870779; Impunham uma decisão diversa da proferida. VI. Salvo o devido respeito, não perfilhamos do entendimento do Tribunal a quo, nem com ele nos podemos conformar, por contrário entendemos que a posição sufragada pelo acórdão proferido não poderá proceder. VII. Entende o ora recorrente que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento deverá ser reapreciada, pois os factos foram incorretamente dados como provados ou erradamente imputados ao arguido DD, face aos depoimentos prestados, nos termos no disposto no artigo 412º n.º3. VIII. Entende o ora recorrente, que estamos perante o vício de erro notório na apreciação da prova nos termos do artigo 410º n.2 c) CPP., pois o tribunal deu como provados factos que contrariam toda a evidência, quer da prova produzida, quer do ponto de vista do homem médio. IX. O arguido negou a prática dos factos. X. O tribunal a quo condenou o arguido conforme se alcança da fundamentação do douto acórdão tendo em conta o depoimento do menor, alicerçado nos exames médicos constantes dos autos. XI. “No caso em apreço, a convicção do Tribunal quanto à prova da factualidade supra exposta, baseou-se na análise crítica e conjugada das declarações dos arguidos, do ofendido CC, bem como das demais testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e, bem assim, na prova pericial e documental junta aos autos, tendo sempre como fio condutor as regras da vida e da experiência comum.” Fundamentação de facto do tribunal a quo a fls…do douto acórdão ora recorrido. XII. Inicialmente em todos os elementos de prova, fruto do acompanhamento técnico e médico especializado, com períodos de institucionalização, em momento algum o menor CC afirma qualquer abuso perpetrado pelo seu pai DD. XIII. Isto mesmo se alcança do Relatório de Sinalização do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância e auto de inquirição do menor CC pela Polícia Judiciária. XIV. Ao longo de todo o processo de Promoção e Proteção com início em Abril de 2016, com vários Relatórios sociais de avaliação pelos técnicos da EMAT de Évora, acolhimento institucional no Centro de Acolhimento Temporário “O C..” desde 22 de Abril de 2016, com Relatórios de Acompanhamento do Centro Social Paroquial Alandroal, com informações da situação do menor, e contactos com a família datado de 15 de Julho de 2016, não houve qualquer indicador ou verbalização por parte do menor de abuso sexual perpetrado pelo pai DD. XV. Em Outubro 2016 iniciou o menor a verbalização dos abusos, eventualmente praticados pelo pai. XVI. Posteriormente a essa situação o menor foi ouvido mais duas vezes, uma perante a Magistrada do Ministério Público e em declarações para memória futura. XVII. Em ambas as situações, conforme se consegue alcançar pela audição da sua globalidade, a tenra idade do menor não lhe permite especificar factos, datas ou locais. XVIII. O menor, a determinada altura, só já responde “sim” e “não” e, é visível o seu cansaço. XIX. A Meritíssima Juíza a quo deu como provado que: XX. “3. Em datas não concretamente apuradas mas tendo CC menos de 6 (seis) anos de idade, no Monte do …, no interior e exterior da residência onde habitavam, DD e AA começaram a procurar o menor para satisfazerem os seus desejos sexuais, não obstante saberem que o mesmo é filho deles, que tinha menos de 6 (seis) anos de idade e que se encontrava às suas guarda e cuidados e sob as suas assistência e proteção.” XXI. Estes factos não poderiam ter sido dados como provados, face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conforme se passará a expor: XXII. O menor foi ouvido em fase de inquérito pela digna Magistrada do Ministério Público no dia 22.11.2016 com a duração de uma hora e vinte e cinco minutos, que consta na gravação áudio DR0000-0035.mp3. XXIII. Foi ouvido ainda no dia 28.11. 2011 no dia 28.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0037.mp3. XXIV. O menor contraria muitas vezes o que diz, o que é próprio da idade, mas exige da nossa parte um cuidado adicional, pois tais declarações terão de ser conjugadas com outras informações, de forma a melhor aferir os factos. XXV. O tribunal a quo valorou da seguinte forma as declarações do menor: Já no que respeita à factualidade inserta nos pontos 3) a 19), o Tribunal valorou, essencialmente, o depoimento apresentado pelo ofendido CC, que – recorrendo a linguagem própria da sua faixa etária – apresentou um depoimento espontâneo, sincero, imparcial e desinteressado e, por conseguinte, convenceu e mereceu a credibilidade do Tribunal, infirmando o relato apresentado pelos arguidos.” Fls…do acórdão recorrido. XXVI. Relativamente aos pontos “4. Nesse quadro, em data não concretamente apurada, DD exigiu ao seu filho menor, CC, que agarrasse o seu pénis erecto e que fizesse com as mãos movimentos ascendentes e descendentes.”, “8. Em data não determinada, encontrando-se DD e AA no interior do quarto do menor CC, AA exigiu que o filho lhe lambesse a vagina, o que este fez; 9. Nesse mesmo circunstancialismo, DD inseriu o pénis erecto no ânus de seu filho menor, CC, e fez com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual.”e “11. No referido quadro, em data não concretamente apurada, no interior da residência, DD introduziu o pénis erecto na boca do filho menor, AA, aí o friccionando em movimentos de vai e vem.”, XXVII. Foi o arguido condenado nos seguintes termos: a. como autor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, alínea a), e179.º alínea a) do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão (ponto 4)dos factos provados); b. como autor de crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e n.º 2, 177.º, n.º 1, alínea a), e 179.º,alínea a), do Código Penal (…) de 8 (oito) anos de prisão (ponto 9) dos factos provados), (…) e de 7 (sete) anos de prisão (ponto 11) dos factos provados); XXVIII. Em audição perante a Digna Magistrada do Ministério Público no dia 22.11.2016 refere o menor: XXIX.“MP: Oh CC, tu sabes o que é um segredo? CC: Sim! É não contar. M.P.É não contar. Pronto! E tu tinhas um segredo com o pai não tinhas? CC: Sim! M.P: Pronto! E esse segredo com o pai tinha a ver com uma história de uns picos? CC: Sim. Tirava-me picos com a pilinha. M.P: O pai tirava-te picos com a pilinha da onde? CC: Do rabo. M.P: Do rabo. Pronto. Olha.. e doía-te? CC: Doía. M.P: Ficavas com sangue? CC: Sim. M.P: Sabes se o pai fez isso muitas vezes? CC: Sim. M.P: Fez? CC: E fazia. M.P: Olha… e o tio BB fazia isso também com o pai? CC: Fazia. M.P: Também tirava picos ou só via o pai tirar? CC: O tio BB também tirava picos. M.P: O tio BB também tirava picos? CC: Hum Hum. (Assentimento) M.P: E o tio D não? CC: Não. M.P. E o tio BB nunca tirou picos? CC: Sim. M.P: O tio BB e o pai alguma vez tiraram picos os dois ao mesmo tempo? CC: Sim M.P: Foi um dia em que entrou lá quem? Que ralhou muito com o tio BB e com o pai? CC: Correram bué… Correram muito. M.P: Correram muito?... O pai e o tio BB foi? Correram muito? Mas porquê? Alguém viu tirar picos? CC: Sim… foi a mãe! A mãe viu. Sim a mãe ria-se. M.P: A mãe ria-se? CC: Sim. M.P: Olha e o avô não viu? CC: Viu M.P: O avô ralhou? CC: Ralhou. Também guerreou. M.P: Guerreou com quem? Com o pai e o tio BB. CC: Sim… M.P. E o tio BB tirava os picos com a pilinha ou com a mão? CC: Com a pilinha. M.P: E o pai também, com a pilinha? CC: Sim. M.P: E o pai tirava só picos dentro de casa ou era noutro sítio? CC: Dentro de casa e na casa do Doutor. M.P: Na casa do Doutor? E o Doutor estava lá? CC: Não. M.P. Não! CC: Não…Ia para a missa! M.P: E ao pé do trator? CC: Também tirava? M.P: Tirava? CC: Tirava dentro do trator. M.P: Tirava dentro do trator e tu choravas? CC: Chorava. M.P: E o pai dizia o quê? CC: Dizia que já não fazia mais. M.P: Que já não fazia mais! E fazia ou não? CC: Sim. M.P: E fez muitas vezes? CC: Sim. M.P: Tens ideia de quantas? CC: Muitas.” (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 22.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0035.mp3 do minuto 23:40 ao minuto 26:43) XXX. Estas declarações do menor irão ser contrariadas, em outros momentos do seu depoimento. XXXI. Mais refere o menor: “M.P: Olha… o pai fez aquela história de tirar picos com a pilinha assim mais que duas vezes? CC: Muitas vezes. M.P: Muitas vezes? Mas muitas é mais que duas, não é? CC: Sim. M.P: E o tio BB? CC: Também. M.P: E o tio BB? CC: Também. M.P: E a mãe viu quantas vezes? CC: Poucas vezes. M.P: E a mãe nunca ralhou com eles? CC. Não… Sim… M.P: Não ou Sim? Agora fiquei baralhada. CC: Ralhava muitas vezes. M.P: E o pai dizia o quê? CC: Dizia que já não fazia mais. M.P: Olha e para além dessa brincadeira tola de tirar picos do rabo com a pilinha, dar beijinhos na pilinha? CC: Também dava. M.P. Mas tu davas beijinhos na pilinha de quem? CC: De ninguém. M.P: De ninguém? CC: Não M.P: Tu tás com medo de alguma coisa? CC: Não. M.P: Não? CC: Não. M.P: Olha… E quando o pai e o tio tiravam os picos do rabo com a pilinha, eles tiravam a tua roupa? CC: Não. M.P: Então? CC: Tiravam. M.P: Não ou sim? CC: Sim. M.P: Então… agora não estou a perceber? CC: Tiravam. M.P: Tiravam como? CC: A minha roupa. M.P: Sim. CC: E ficava com o rabo à mostra. M.P: Ficavas com o rabo à mostra! E eles tiravam a roupa deles ou não? CC: Não. M.P: Não? CC: Só tiravam a minha. M.P: Só tiravam a tua!” (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 22.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0035.mp3 do minuto 28:10 ao minuto 30:00) XXXII. O menor neste momento afirma que lhe tiravam a roupa, mas afirma igualmente que “eles” não tiravam a deles, o que não pode deixar de nos suscitar dúvidas quanto à prática dos fatos. XXXIV. Em mais uma tentativa de apuramento dos factos infere a digna Magistrada do Ministério Público: “M.P: Olha CC diz-me uma coisa que ainda não disseste e depois não consigo dizer aos senhores polícias… CC: O quê? M.P: A história dos beijinhos? CC: Sim…era verdade! M.P: Era verdade que te davam beijinhos aonde? CC: (impercetível) M.P: Tem de ser mais alto. CC: Na pilinha. M.P: E quem é que te dava beijinhos na pilinha? CC: O pai. M.P: E mais? Era só o pai ou era mais alguém? CC: Não…era só o pai. M.P: Era só o pai? Olha e para tu dares beijinhos na pilinha deles? Alguém pedia? CC: Não. Não pedia. M.P: Não pedia? O pai não pedia? CC: Não… eu é que não pedia. M.P: Tu não fazias… mas alguém, pedia? CC: Não. M.P: E para dar festinhas na pilinha? Alguém pedia? CC: Pedia. M.P: Pedia? CC: Era o pai que pedia. M.P: O pai também pedia? E o tio nunca pediu? O tio BB? CC. Não. M.P: E o tio BB também não? CC: Não.” (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 22.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0035.mp3 do minuto 1:08.20 ao minuto 1:09.20) XXXV. Continua o menor: “M.P: E mexer na tua pilinha? CC: Também mexiam. M.P: Também mexiam? O pai e o tio? Ou era só o pai ou era o tio? CC: Era só o pai. M.P: O tio BB não mexia na tua pilinha? CC: Não M.P: Não? Nem quando estavam a tirar picos? CC: Sim. M.P: Sim ou não? Agora não fiquei a perceber. CC: Sim. M.P: Mexia na tua pilinha? CC: Sim” (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 22.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0035.mp3 do minuto 1:10:50 ao minuto 1:11:13) XXXVI. Na sua audição de dia 28.11. 2016 afirma o menor: MP: “Olha e davam-te beijinhos? CC: Sim. MP: Aonde? CC: Na boca. MP: Na boca? E mais CC? CC: Na pilinha e no rabo. MP: Na pilinha e no rabo. CC: Sim MP: E pediam para tu dares beijinhos? CC: Sim. MP: Aonde? CC: No rabo e na pilinha. MP: Olha…E alguma vez algum deles te pediu para tu chupares a pilinha deles? CC: Sim…o pai. MP: E mais? Foi só o pai? Ou foi mais alguém? CC: Foi só o pai. MP: E foi uma vez ou foram mais? CC: Foi só uma vez. MP: Foi uma vez? CC: Sim. MP: Olha CC tu sabes o que é que é a verdade não sabes? CC: Sim. MP: O que é que é mentira? E sabes que os meninos não podem mentir. CC: Pois. MP: Diz. CC: Sim. MP: Isso é tudo verdade? CC: Isso é importante. A tia já me disse. MP: É muito importante para nós podermos ajudar. CC: Sim.” (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 28.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0037.mp3 do minuto 07:28 ao minuto 08:30) XXXVII. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, as declarações do menor neste dia, apresentam uma linguagem diferente, nunca antes ouvida, nem o menor o repete novamente. XXXIX. Inclusivamente e mais uma vez, a digna Magistrada do Ministério Público, volta a questionar o menor quanto à necessidade de dizer a verdade. XL Continua o menor: CC: ”Também estava despido o pai. MP: Também estava despido o pai. CC: O pai também estava meio despido. MP: Estava meio? CC: Sim. MP: Então o que é que tinha ainda vestido? Lembras-te? Lembras-te que é que o pai ainda tinha vestido? CC: Sim. MP: Era o quê? CC: Só tinha as cuecas vestidas MP: Só tinha as cuecas vestidas! Depois quando te tirava os picos estava de cuecas vestidas ou já não? CC: Sim. MP: Tinha? CC: Tinha. (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 28.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0037.mp3 do minuto 12:10 ao minuto 12:43) XLI. Ora, estas declarações suscitam sérias dúvidas quanto à veracidade dos factos. XLII. Perante a Meritíssima Juíza do TIC diz o menor: Juíza: “CC… CC… Olha agora o que eu te vou dizer… Agora que estamos aqui a falar mais baixinho não me queres falar mais sobre o segredo? Dar umas pistas? Disseste à bocadinho que era coisas que o CC tinha de estar sem uma parte da roupa… (Tás a fazer o telhado não é?) Qual era a parte da roupa que o CC não tinha que ter? (Encolhe… Pois encolhe… às vezes encolhe). Lembras-te qual era a parte da roupa que tu não podias ter? Era as calças? Era? E tinha a ver com picos? Então conta lá o que é que eles faziam com os picos? CC: Tiravam. Juíza: Tiravam como? Tinhas picos no rabo. E como é que era? Como é que eles faziam para tirar os picos? CC: Tiravam com a mão! Juíza: Só com a mão? CC: Sim Juíza: Não era com a pilinha? CC: Também era com a pilinha. Juíza: Também? Mas quem é que tirava os picos? Era a mãe? CC: Não. Juíza: Era… então? CC: Era o pai. Juíza: Era só o pai? Ou o tio também? CC: Era só o pai. Juíza: O tio nunca tirou picos? CC: Não. Juíza: E o pai tirava picos muitas vezes? CC: sim Juíza: Muitas? Quantas é que são muitas? Mais que uma? CC: Vinte. Juíza: Vinte? Vinte não é muito? Então? Olha e esses picos tu como é que ficavas quanto te tirava os picos? Doía-te? Doía muito? Mas tu choravas? CC: Sim Juíza: Sim? Choravas? E quando tu começavas a chorar o pai parava ou tinha de continuar a tirar picos? CC: Tinha de continuar.” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 33:55 ao minuto 35:58) XLIII. O menor chega mesmo a afirmar perentoriamente: “Juíza: E tirar picos? Quem é que tirava os picos? CC: O meu pai só.” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 41:17 ao minuto 41:22) XLIV. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, valorar estas declarações e imputá-las ao arguido DD, com a certeza necessária, é francamente impossível. XLV. Por um lado estas declarações invalidam, todos os factos em que se colocam todos os arguidos e outros na mesma ação. XLVI. De salientar que estas foram as declarações para memória futura do menor e as que serão válidas em tribunal. XLVII. Perante estas declarações, de que apenas o pai tirava picos, não nos pode deixar de suscitar dúvidas, quanto à credibilidade e coerência deste depoimento, pois em muitos outros momentos o menor refere o contrário. XLVIII. Mesmo sendo uma criança de tenra idade. XLIX. A condenação do arguido é sustentada pela prova médico legal, que confirma os abusos, contudo, face ao exposto, não é possível aferir com a certeza necessária, que terá sido o pai o autor da prática dos factos. L. Continua o menor: LI. “Juíza: E olha…o pai quando te tirava os picos com a pilinha como é que era a pilinha do pai? Lembras-te? CC: Grande. Juíza: Grande? E estava para cima ou estava para baixo? CC: Para cima. Juíza: Para cima? CC: Para baixo. Juíza: Tu já alguma vez tocaste? Sabes por exemplo se era dura? Se era mole? CC: Dura. Juíza: Era dura? Mas ele pedia-te para tu tocares? CC: Sim. Juíza: E como é que tu fazias quando tocavas? Fazias festinhas? CC: Não. Não fazia nada. Juíza: Mas tu disseste agora que tocavas? E que era duro? CC: Tocava. Só tocava. Juíza: Mas não fazias assim movimentos com as mãos? CC: Não. Juíza: E alguma vez deste beijinhos na pilinha? CC: Sim. Juíza: De quem? CC: Do pai. Juíza: Só do pai, ou também deste a alguns dos tios? CC: (Impercetível) ” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 36:58 ao minuto 38:05) LII. De salientar que o menor afirma ter tocado na pilinha, mas nega ter feito qualquer movimento com as mãos, conforme resulta provado no ponto dos factos provados em apreciação. LIII. A insistência da Meritíssima Juíza do TIC afirma o menor: “Juiza: Oh CC…Mas tu há bocadinho, quando a gente falou nos segredos, tu disseste que os tios também entravam nos segredos! Então e entram como? Tiravam picos ou não? CC: Sim. Juíza: Os dois tios? CC: Sim. Juíza: O BB e o D? CC: Sim. Juíza: Mas tiraram tantas vezes como o pai ou foi menos vezes? CC: Foi menos. Juíza: Foi menos?” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 46:13 ao minuto 46:50) LIV. Ainda na sequência destas declarações diz o menor: Juíza: “Então quando tu disseste que os tios também entravam nos segredos era isso? Também tiravam picos? CC: Sim. Juíza: Ou tinha a ver também com beijinhos? CC: Também tinha a ver com beijinhos. Juíza: E com o meter na boca? Tinha a ver? CC: Sim Juíza. Mas eles alguma vez meteram a tua pilinha na boca deles? CC: Sim. Juíza: Também?” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 47:08 ao minuto 47:30) LV. Mais uma vez e sem qualquer sombra de dúvida, que estas declarações nos suscitam grandes dúvidas, no que concerne à veracidade das mesmas. LVI. A Meritíssima Juíza do TIC teve essa mesma dúvida, pois sentiu necessidade de referir: ”Juíza: Mas eles alguma vez meteram a tua pilinha na boca deles? Menor: Sim. Juíza: Também? Ou já tás a dizer que sim a tudo para te ires embora? (Risos) Não vale batotar… CC! Olha CC…Não podes dizer que sim a tudo para te ires embora. Não podes batotar…Isso é batota. Quando se conta um segredo, tem de se contar a verdade, tá bem?” (Declarações do menor para memória futura gravadas no áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 47:25 ao minuto 47:55) LVII. Ora, como dar como provado os pontos ora em apreciação? LVIII. O menor afirma não ter feito qualquer movimento com as mãos, admitindo apenas e tão só, ter tocado. LIX. Afirma o menor ter dado beijinhos quando anteriormente teria afirmado que beijinhos não. LX. Mais uma vez retirando todos os demais arguidos, focando as suas declarações no pai. LXI. Apenas e após insistência acaba por referir os tios, mas a sua veracidade é colocada em causa, mesmo pelo tribunal. LXII. Demonstrativo da confusão evidente do menor são as seguintes declarações: “Juíza: Mas davam, beijinhos na deles ou na tua? CC: Na deles. Juíza: E na tua alguma vez deram beijinhos? Quem é que dava beijinhos? CC: O tio BB… Juíza: O tio BB dava beijinhos… CC: Não…Não era o tio BB…Era o pai! Juíza: Olha…Mas tu há bocadinho disseste que as pilinhas dos tios também eram grandes, como é que tu as vistes? Lembras-te? CC: (Impercetível). Juíza: Mas como é que viste? Viste quando eles estavam na casa de banho? Ou viste por exemplo no quarto? CC: Quando eles estavam na casa de banho. Juíza: E no quarto? Não viste? CC: Não!” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 39:00 ao minuto 39:44) LXIII. Procurando concretizar os factos questiona a Magistrada do Ministério Público: “MP: O tio BB tirou picos do rabo só na tua casa ou também na casa dele? CC: Sim. MP: Tirou picos do rabo na tua casa ou na casa dele? Menor: Na casa dele. MP: E o tio BB? Tirou picos do rabo? CC: Não! MP: Não tirou picos do rabo? CC: Não! MP: E deu beijinhos na tua pilinha? Menor: Sim.” MP: O tio BB deu de certeza? Menor: Sim.” (Declarações do menor para memória futura gravadas no áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 1:00:45 ao minuto 1:01:20) LXIV. Ora, não nos resta outra opção serão concluir que só por si, estas declarações do menor, não podem ser suficientes para a condenação do arguido DD, pela contradição e por colocar ora o pai isoladamente, ora os tios. LXV. Foi igualmente dado como provado que: “5. No quadro do descrito comportamento, em data não concretamente apurada, no Monte …, junto ao trator agrícola, DD inseriu o seu pénis erecto do interior do ânus de seu filho menor, CC 6. Acto contínuo, DD começou a fazer com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual, enquanto seu filho menor, CC, chorava e gritava e; 7. Então, DD dirigiu-se a seu filho menor e disse ao mesmo para se calar porque estava a fazer barulhos como os porcos.” LXVI. Por estes factos foi o arguido condenado, b. como autor de quatro crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e n.º 2, 177.º, n.º 1, alínea a), e 179.º,alínea a), do Código Penal nas penas de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão (pontos 5) a 7) dos factos provados), LXVII. Se salientar desde já, conforme supra exposto, que o menor referiu que “tirar picos” era apenas dentro de casa. LXVIII. Relativamente a estes pontos dados como provados, referiu o menor em sede de inquérito, perante a digna Magistrada do Ministério Público. “M.P: E ao pé do trator? CC: Também tirava? M.P: Tirava? CC: Tirava dentro do trator. M.P: Tirava dentro do trator e tu choravas? CC: Chorava. M.P: E o pai dizia o quê? CC: Dizia que já não fazia mais. M.P: Que já não fazia mais! E fazia ou não? CC: Sim. M.P: E fez muitas vezes? CC: Sim. M.P: Tens ideia de quantas? CC: Muitas.” (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 22.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0035.mp3 do minuto 26:17 ao minuto 26:44) LXIX. Após uma conversa sobre um cão que o CC tinha: “MP: Tu tinhas medo do pai? CC: Não… o meu pai não me fazia mal. MP: Não? Olha… e quando ele tirava picos do rabo tu ficavas triste? CC: Ficava. Não ficava a chorar. MP: Não ficavas a chorar? CC: Ficava. (…) Psicóloga: Quando o pai tirava picos e tu choravas, o pai dizia para tu não fazeres barulho que parecias o quê? CC: Um porco.” (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 22.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0035.mp3 do minuto 39:47 ao minuto 40:32) LXX. Pese embora estas declarações do menor, em sede de declarações para memória futura, diz o menor: “Procuradora: Olha… diz-me uma coisa… alguma vez o pai quando estava a tirar picos ao pé do trator tu estavas a chorar e o pai disse para tu não fazeres o quê? Que, quem fazia isso eram os? Lembras-te? Disse o quê? Lembras-te? CC: Disse que já não fazia mais. Procuradora: Sim… e disse para tu não gritares… como é que o pai disse? CC: Sim… não grites. Procuradora: Sim… não grites! Olha mas disse para tu não fazeres um barulho que faz quem? Quem é que faz o barulho? Lembras-te? CC: Sim. Procuradora: Então diz-me lá! (pausa) Não te lembras pois não? CC: Sim. Procuradora: Lembras-te? (Vá… vamos lá fazer outro faísca- criança estava a desenhar) E disse o quê? Hum? CC. Disse… Procuradora: Que era um barulho que fazia um…? Um quê? Não te lembras! Não faz mal!” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 56:18 ao minuto 57:25) LXXI. Mais à frente nas suas declarações afirma o menor: “Juíza: Olha…diz-me uma coisa…Agora estava aqui a pensar… Isso dos picos onde é que o teu pai tirava os picos? Onde é que o pai te tirava os picos? Era dentro de casa? CC: Era no trator. Juíza: Era sempre no trator? CC. Sim. Juíza: Mas quê? Dentro do trator ou encostado ao trator? CC: Dentro.” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 43:38 ao minuto 43:58) LXXII. Ora, como foi possível ao tribunal a quo, aferir qual a versão credível? LXXIII. A tomada de posição por uma em detrimento de outra, sem consubstanciar qualquer outro meio de prova, concretamente associado ao arguido DD, vem violar claramente o princípio do in dúbio pro reo. LXXIV. O menor refere que tirar picos era só dentro de casa e noutras ocasiões refere o trator. LXXV. Como dar este facto como provado com as certezas necessárias, tendo em conta a contradição visível nos depoimentos. LXXVI. Outro facto dado como provado: “10. Igualmente em data não apurada, junto ao galinheiro existente no Monte…, DD inseriu o pénis erecto no ânus de seu filho menor, CC, e fez com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual.” LXXVII. Foi o arguido condenado em 8 (oito) anos de prisão pelo (ponto 10) dos factos provados. LXXVIII. Em sede de declarações no Tribunal de Instrução Criminal, para memória futura refere o menor: “Juíza: Então e animais? Não havia lá animais? CC: Havia lá a Josefina. Juíza: Quem era a Josefina? CC: Era uma porca. Juíza: (Risos) E quem é que arranjou o nome à porca? A Josefina. CC: Foi o meu pai. Juíza: Ah! Tá bem. E por exemplo galinhas? Não havia? CC: Não! Juíza: Não? Não havia lá um galinheiro? CC: Não. Só havia lá ovelhas. Juíza: Então e diz-me uma coisa. Aqueles segredos que tu falaste há bocadinho…Aqueles segredos eram sempre em casa ou às vezes era lá ao pé dos animais? CC: Era sempre em casa. Juíza: Era? Não havia por exemplo ao pé do carro, ou do trator? CC. Não.” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 24:58 ao minuto 25:53) LXXIX. Na sequência de questões relacionadas com a “história” de tirar picos no rabo, em sede de inquérito, refere o menor à digna Magistrada do MP: “MP: Só tiravam a tua! Olha… e no galinheiro isso aconteceu? CC: Não. MP: Não.?” (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 22.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0035.mp3 do minuto 30:00 ao minuto 30:08) LXXX. Foi o arguido condenado por um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1 e n.º 2, 177.º, n.º 1, alínea a), e 179.º, alínea a), do Código Penal na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão (pontos 12) a 16) dos factos provados). LXXXI. Foi dado como provado que: “12. No mencionado quadro, em data não determinada mas anterior a 8 de Outubro de 2015, no Monte …, no interior da residência, DD acompanhado de BB procuraram o menor CC para com ele satisfazerem os seus desejos sexuais. 13. Nesse contexto, DD inseriu o pénis erecto no ânus do filho e fez com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual. 16. DD e BB foram, então, surpreendidos pelo pai, MM.” LXXXII. Estamos mais uma vez, perante um vício de erro notório na apreciação da prova nos termos do artigo 410º n.2 c) CPP., entendendo o ora recorrente que o tribunal deu como provado um facto que contraria toda a evidência, quer da prova produzida, quer do ponto de vista do homem médio. LXXXIII. Diz este facto respeito ao crime alegadamente praticado com o tio BB e que o avô MM terá surpreendido os mesmos e que se terá suicidado. LXXXIV. Não entende o ora recorrente como poderá ser dado como provado este facto, tendo em conta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. LXXXV. Face à prova produzida e que não poderia ter sido ignorada pelo tribunal, tal facto não ocorreu, pois não era habitual a frequência do avô do menor no Monte e quando tal ocorria tratavam-se de visitas rápidas e de passagem e nem tão pouco BB era visita habitual no Monte, muito menos quando o patrão MB lá se encontrava. LXXXVI. Colocar o menor, o pai e o tio BB numa situação de serem surpreendidos pelo avô MM a abusar do menor no Monte onde o menor e o pai residiam, contraria toda a prova produzida, onde apenas e tão só o menor afirma tal situação. LXXXVII. E mesmo o menor quando questionado sobre essa questão é demasiado vago, conforme já supra transcrito. LXXXVIII. Em sede de inquérito perante a digna Magistrada do Ministério Público que questiona o menor: “MP: Olha tu lembras-te quando o avô morreu se aconteceu alguma coisa? O Avô MM?” A criança não responde. (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 22.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0035.mp3 do minuto 1.09:20 ao minuto 1:09:28) LXXXIX. Afirma ainda o menor: MP:” Olha CC…Então e não houve uma vez que o avô viu e ralhou com o pai e com o tio? CC: Sim. MP: Então e isso foi aonde? CC: Impercetível. MP: Isso foi aonde? CC: No trator. MP: No trator? CC: Sim. MP: E o avô ralhou com o pai? CC: Sim. MP: E disse ao pai o quê? Lembras-te? CC: Sim. O avô disse assim: Isso não se faz! MP: Sim. CC: Disse o avô. MP: E o pai disse o quê? CC: Disse assim: Eu não faço mais. Disse ele. MP: E depois? CC: Depois o pai já não fez mais. MP: E o avô disse alguma coisa? Fez alguma coisa? CC: Sim. MP: Foi o quê? CC: O quê? MP: O avô depois fez o quê? CC: Não. Não fez nada. E não me disse nada. (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 28.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0037.mp3 do minuto 14:07 ao minuto 14:57) XC. Chegando mesmo a referir que nunca viu os avós zangados: “Juíza: Nunca viste os avós zangados CC? CC: Não. Juíza: Nem a avó? CC: Não Juíza: Nem o avô? CC: Não. Juíza: E assim sem serem zangados contigo mas zangados por exemplo com o pai, ou com os tios, ou com a mãe? CC: Não. Juíza: Nunca viste? CC: Não. Juíza: Não viste, ou não te lembras? CC: Lembro-me!” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 21:14 ao minuto 21:38) XCI. No que concerne a esta mesma situação refere ainda o menor: “Juíza: E o avô viu alguma vez? CC: Viu. Juíza: Viu? E como é que o avô reagiu? CC: Disse assim: Isso não se faz! Disse assim: Isso não se faz! Juíza: Disse para quem? Gritou com quem? CC: Com o tio D e com o tio BB e pó meu pai e pá minha mãe. Juíza: Eles estavam lá os quatro, dessa vez que eles estavam a tirar picos? Pensa lá bem se quando o avô se chateou se foi com todos? CC: Foi com todos. Juíza: Foi? E eles o que é que disseram? CC: E a avó. (impercetível) Juíza: A avó? Mas a avó viu foi? CC. Sim. Juíza: Ou também te pediu para fazeres alguma coisa? CC: Não. Juíza: Não? CC: Só sabia e via. Juíza: Via o quê? Via os picos ou via os beijinhos? CC: Via os picos.” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 52:03 ao minuto 53:09) XCII. Em resposta à digna Magistrada do Ministério Público, refere o menor, no que a este assunto diz respeito: “Procuradora: Olha… alguma vez o pai e o tio BB tiraram picos do rabo ao mesmo tempo e o avô disse uma coisa? Que ia fazer? O avô ralhou? CC: Sim. Procuradora: E o avô a seguir foi fazer o quê? (pausa para falar do desenho) O que é que o avô a seguir foi fazer? Recordas-te? CC: Não. Procuradora: Não?” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 59:19 ao minuto 59:50) XCIII. Ora, concluir que teria sido esse o motivo pelo qual o avô MM se suicidou, contraria a prova produzida, até pelas declarações do menor, que em nenhuma circunstância referiu tal situação. XCIV. Ora, tal facto é contrariado pelo depoimento dos arguidos e de várias testemunhas, que vieram relatar que MM era uma pessoa depressiva por natureza e, que por várias vezes, já teria referido que se iria suicidar. XCV. Refere o arguido DD: “Juíza: “O senhor já referiu que o seu pai se suicidou…Tinha estado com o seu pai nesse dia? Arguido: “Nesse dia não… no dia antes tinha estado com ele… tinha estado com o meu pai no dia antes.” Juíza: “Aconteceu alguma coisa?” Arguido: “Não… Fui ter com ele ao Monte onde ele trabalhava.” Declarações do arguido DD gravadas no áudio 20170913103317_1428042_2870779 do minuto 28:32 ao minuto 29:08) XCVI.“Juíza: Porque é que ele se terá suicidado? Arguido: Não… O meu pai suicidou-se por outra coisa não foi por…foi por causa da minha mãe…O meu pai suicidou-se porque descobriu que a minha mãe andava a trair e com quem era… era com uma pessoa que trabalhava ao lado do meu pai.” Declarações do arguido DD gravadas no áudio20170913103317_1428042_2870779 do minuto 29:25 ao minuto 29:46) XCVII. Relativamente a este assunto, do suicídio do avô do menor, refere a arguida AA: XCVIII. “Arguida: O meu sogro… era uma pessoa fechada… não era… como é que eu hei-de dizer… às vezes vinha do Monte e passava lá em casa para ver o CC… como é que o CC estava…” (Declarações da arguida AA gravadas no áudio20170913113917_1428042_2870779 do minuto 16:40 ao minuto 17:00) XCIX. “Juíza: O seu sogro já não é vivo… não é verdade?... Ele suicidou-se! A senhora sabe o motivo pelo qual terá acontecido essa situação? Para ele tomar essa decisão? Arguida: Não… ele… desde que eu fui para casa dos meus sogros… desde que conheci o DD que ele sempre dizia que se matava… sempre… estava constantemente a dizer a mesma coisa… Juíza: Mas ele indicava o motivo ou associava isso a alguma coisa? Arguida: Por causa da minha sogra… a minha sogra era infiel…” (Declarações da arguida AA gravadas no áudio 0170913113917_1428042_2870779 do minuto 38:57 ao minuto 39:28) C. “Juíza: Esteve com ele? Arguida: Estive no dia antes. Juíza: Onde? Arguida: À porta da casa dele. A minha sogra foi buscar roupa para o CC que lhe tinham dado e ele só disse: então neto tás bom?... eu e o CC depois voltamos para a nossa casa. Juíza: Quem é que lá esteve? Arguida: “Eu e o CC. Tivemos com a minha sogra e o DD estava no café. Juíza: E no dia a seguir? Arguida: No dia a seguir… hummmm… isso foi no mesmo dia… foi no mesmo dia sim… foi nesse dia à noite… eu estive com a minha sogra à tarde e ele fez isso à noite. Juíza: O senhor DD também esteve com o pai nesse dia? Arguida: Ele estava no café. Juíza: Não chegou a falar com ele? Arguida: Não… não… não… Juíza: Não foi lá a casa do seu sogro? Da sua sogra? Arguida: Não, não, não. O DD não foi. Juíza: E nesse dia o CC esteve onde? Esteve na escola? Esteve lá em casa com os seus sogros? Onde é que ele esteve? Arguida: Não…O CC esteve sempre connosco na nossa casa… não foi dia de escola. Juíza: E nesse dia o BB foi lá a casa? Arguida: Não… nesse dia não… no dia em que o meu sogro se matou não… não. Juíza: Tinha estado na véspera? Arguida: Não.” (Declarações da arguida AA gravadas no áudio20170913113917_1428042_2870779 do minuto 40:00 ao minuto 41:32) CI. Os arguidos tinham como medida de coação a proibição de contactos e foram ouvidos em audiência de discussão e julgamento individualmente, contudo as suas declarações em alguns aspetos foram coincidentes entre si e credíveis, mais concretamente nesta questão do suicido do pai dos arguidos DD e BB CII. O arguido BB prestou um depoimento espontâneo e credível no que concerne a esta questão, colocando em causa a prática dos factos dados como provados, no ponto que concretamente se visa colocar em causa: “Juíza: O seu pai já tinha falecido? Arguido: Já…isso foi o dia mais triste da minha vida! Juíza: Então?... Além de ter perdido o pai houve assim mais alguma coisa? Fora do normal? Arguido: Eu adorava o meu pai…Posso dizer que adorava e adoro embora ele já não esteja entre mim… adorava mais o meu pai do que a minha mãe porque… Juíza: Sabe porque é que o seu pai se suicidou? Não?… O senhor está a dizer que não com a cabeça…tem que dizer, porque o julgamento está a ser gravado. O senhor esteve com ele nesse dia? Arguido: Com quem? Juíza: Com o seu pai. Arguido: Sim… as últimas palavras que o meu pai deu, disse para mim… que disse… foi para mim… Juíza: E o que é que ele lhe disse? Arguido: Amanhã ligas para o meu patrão… assim a contar isto… foi a única palavra que ele disse. Juíza: E o senhor não perguntou… Oh pai a contar o que? Arguido: Ele acabou de dizer isso e saiu logo porta fora.” (Declarações do arguido BB gravadas no áudio 20170913144519_1428042_2870779 do minuto 25:18 ao minuto 26:16) CIII. Continua o arguido: CIV. “Arguido: Eu desde que me lembro o meu pai sempre dizia… ele não dizia… ele só dizia assim… eu um dia destes mato-me… um dia mato-me.” (Declarações do arguido BB gravadas no áudio 20170913144519_1428042_2870779 do minuto 27:25 ao minuto 27:37) CV. Mais esclarece: “Arguido: O meu pai sempre foi uma pessoa fechada… nunca falava… Juíza: Chegou a entender (impercetível) nunca percebeu? Arguido: Nunca percebi. Juíza: O seu pai bebia? Arguido: Sim… bebia muito. Juíza: E o relacionamento com a sua mãe como é que era? Arguido: “Epá…Às vezes estava sempre zangado com ela…muitas vezes estava zangado. Juíza: E era nessas alturas que ele dizia isso ou não? Arguido: Algumas vezes dizia. Mas algumas vezes dizia… eu mato-me a mim… antes de me matar a mim mato a tua mãe... depois mato-me a mim.”(Declarações do arguido BB gravadas no áudio 20170913144519_1428042_2870779 do minuto 27:55 ao minuto 28:34) CVI. Relativamente ao facto de o avô do menor se ter suicidado porque viu o seu neto a ser abusado pelo pai e tio, refere a testemunha MB, patrão dos arguidos DD e AA: CVII. “Testemunha: “Isso é totalmente mentira… Porque nesse dia… nesse dia em que ele morreu eu estava lá no Monte e eu estava lá por isso… não pode ser verdade… Advogada: O pai não esteve lá? O avô da criança não esteve lá? Testemunha: O pai e a mãe estavam no Monte comigo. Advogada: Sim… mas o avô do CC esteve no Monte? Testemunha: Não… que eu saiba não. Advogada: Mas o senhor esteve lá… Pode testemunhar porque o senhor esteve lá? Testemunha: Repare… isto passa-se em princípio… em princípio… não tenho bem a data… mas penso que o pai do DD e do BB se enforcou numa quinta-feira… quinta ou sexta-feira… não tenho a certeza… sei que eu estava lá nesse dia… porque depois fui falar com a mãe do DD e do BB.” (Depoimento da testemunha MB gravado no áudio 20170918111053_1428042_2870779 do minuto 07:00 ao minuto 07:48) CVIII. O depoimento desta testemunha foi descredibilizado pelo tribunal, pois o mesmo emitiu muitas opiniões sobre a sua perceção de todo o processo, quando no nosso entendimento, salvo o devido respeito por melhor opinião, foi isento e imparcial. CIX. Refere o tribunal a quo na sua fundamentação: “A este propósito importa referir que apesar de pretender fazer crer ao Tribunal da impossibilidade da ocorrência dos factos em discussão, a testemunha MB não convenceu o Tribunal, não só porque prestou um depoimento pouco isento e parcial, como revelou um conhecimento meramente superficial do quotidiano vivenciado pelo menor.” CX. Pese embora tenha sido uma testemunha arrolada pela defesa, não deixou de prestar o seu depoimento de forma credível e sem qualquer interesse para a causa. CXI. Foi inclusivamente inquirido sobre a eventual negligência por parte dos pais ao menor, no que concerne aos seus cuidados de higiene, respondendo afirmativamente a essa questão, pois segundo o mesmo, muitas vezes comprovou que o menor não se encontrava limpo. CXII. “Testemunha: Não estar limpo… não estar muito limpo. É verdade.” (Depoimento da testemunha MB gravado no áudio 20170918111053_1428042_2870779 do minuto 23:38 ao minuto 23:42) CXIII. Sem qualquer tipo de interesse quanto aos factos, mas apenas a título de exemplificação do que alegamos, no que concerne à dificuldade de aferição da prova, referir a seguinte passagem das declarações do menor em sede de inquérito perante a digna Magistrada do MP: “MP: Olha CC tu lembras-te de ir falar com uns senhores polícias? CC: Sim. MP: Sim! E os Senhores polícias eram daqueles que tinham chapéu? CC: Sim. MP: Tinham chapéu? E era só senhores ou era uma senhora? CC: Não. Era uma senhora. MP: Era uma senhora… CC: Não era. MP: Então? CC: Não era. MP: Estamos a brincar? Não era uma senhora? CC: Não. MP: Não? CC: Não.” (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 22.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0035.mp3 do minuto 35:30 ao minuto 36:00) CXIV. De salientar que em diversas ocasiões, sentiu o tribunal a necessidade de relembrar o menor que teria de dizer a verdade. CXV. Foi mesmo questionado se estaria a ser induzido por alguém a contar estes factos: MP: “Olha querido…alguém te disse para tu contares estas coisas ou estas coisas aconteceram mesmo? CC: Estas coisas aconteceram mesmo. MP: Ninguém disse para u mentires, pois não? CC: Não. (Olha lá o que é que achei?) (Declarações do menor CC, em fase de inquérito no dia 28.11.2016 perante a Magistrada do Ministério Público – DR0000_0037.mp3 do minuto 35:28 ao minuto 35:40) CXVI. Face ao supra exposto, não se pode concordar com a fundamentação do tribunal a a quo quando se refere:“Logrou, ainda, o menor concretizar e autonomizar as cinco situações descritas na factualidade em análise, por recurso não só ao local onde os actos sexuais ocorreram (tractor, galinheiro e casa), mas também às demais circunstâncias que rodearam a sua prática, destacando-se, neste particular, o relato relativo ao facto de o pai persistir no seu propósito mesmo perante o seu choro e gritos, mandando-o calar por estar a fazer barulhos semelhantes ao de um porco e a descrição efectuada a propósito de o seu avô paterno, entretanto falecido, ter assistido à actuação, conjunta do pai e do tio, factos melhor enunciados nos pontos 12) a 14). Atestou, igualmente, o menor como o pai também lhe chegou a introduzir o pénis na boca e como lhe disse para proceder da forma descrita no ponto 4).” CXVII. Sendo um processo de difícil julgamento face à necessidade de proteção desta criança, e de outras potenciais vitimas, e da obrigatoriedade de condenação dos efetivos abusadores de menores, não podemos deixar de analisar cuidadosamente a tramitação dos presentes autos e a analise efetiva da prova, que tendo em conta os factos em apreciação, não podiam os mesmos ser dados como provados. CXVIII. Ora, face a tudo isto, no mínimo, o tribunal teria de se ter pronunciado sobre a dúvida quanto à prática deste facto, fundamentando porque deu credibilidade às declarações do menor em detrimento de tantas outras, que indicaram que tal não aconteceu. CXIX. Não podemos igualmente deixar de reforçar que o “historial familiar” do arguido DD, expressão que diz respeito ao processo em que o arguido DD foi julgado e absolvido pelo eventual abuso dos irmãos, esteve sempre presente na fase de inquérito e julgamento a que o arguido foi submetido. CXX. No decurso do julgamento foi o arguido DD confrontado por esta situação pela Meritíssima Juíza: “Juíza: Agora vou-lhe fazer uma última pergunta… pelo menos nesta fase e relativamente a esta o senhor não é obrigado a responder… e tem que ver precisamente com esses seus dois irmãos. E eu quero que o senhor me diga se se recorda mas só responde se quiser… se se recorda se já alguma vez esteve preso? Numa outra situação e porquê? Arguido: Sim! Juíza: “Então explique! Se quiser dizer… isto só fala se quiser. Arguido: Já estive preso em 2005 por tentativa de abuso sexual dos meus irmãos. Juíza: Que se chamam? Arguido: BB e D. Juíza: Obrigada. Por mim estou esclarecida.” (Declarações do arguido DD gravadas no áudio20170913103317_1428042_2870779 do minuto 35:06 ao minuto 35:43) CXXI. Quanto a este assunto, esclarece o arguido BB: “Juíza: Olhe…o seu irmão DD que está aí, alguma vez abusou sexualmente de si, ou do seu irmão D? Sim ou não? Arguido: De mim não. Juíza: E do D? Arguido: Do D não sei. Juíza: Porque é que ele esteve preso preventivamente à 14 ou 15 anos atrás? Arguido: Sim foi por causa … Juíza: Foi por causa do quê? Arguido: Tinha sido acusado que tinha abusado dos irmãos mas de mim não fez nada disso… Juíza: Mas era essa a suspeita que havia? Arguido: Sim. Juíza: O senhor diz que de si não, do D não sabe? Arguido: Não…não sei.” (Declarações do arguido BB gravadas no áudio 20170913144519_1428042_2870779 do minuto 35:40 ao minuto 36:18) CXXII. Na sequência do depoimento da testemunha MFC, em que a mesma relatava o seu conhecimento dos factos, e ao referir que os médicos não suscitavam qualquer preocupação quanto ao sangramento e que teriam colocado de parte a hipótese de abuso, o Senhor Procurador questiona: “Procurador: Mas há uma altura em que surgem efetivamente factos ou suspeitas de factos efetivos, como é que isso surge? Testemunha: Os factos surgem porque nós enquanto serviço também conhecemos o historial da família não é?! E Sabíamos dos antecedentes do pai…e perante isso a determinada altura e perante algumas situações destas que se iam verificando, não no comportamento do CC, porque isso em termos de Jardim de Infância não se verificava, não havia comportamentos da parte dele que indicasse alguma suspeita de abuso, no entanto estas questões relacionadas com os esfíncteres de facto alertavam. E o atraso de desenvolvimento sem etiologia conhecida ainda mais nos preocupava. Porque não havia nada no desenvolvimento dele que justificasse o atraso que ele tinha. E portanto alguma coisa se estaria aqui a passar.” (Depoimento da testemunha MFC gravada no áudio 20170918101056_1428042_2870779 do minuto 06:48 ao minuto 07:40) CXXIII. Refere a testemunha MGF, Educadora do CC: “Juíza: Sabia se o pai tinha tido alguma questão? Testemunha: Sabia dos antecedentes. Juíza: Lá da aldeia? Testemunha: Sim… Conhecia os antecedentes do pai… sim! Juíza: E não teve especial atenção a esta… e que antecedentes eram esses? Testemunha: A única coisa que ouvia lá na aldeia era que o pai tinha abusado dos dois irmãos. Era o que constava lá na aldeia.” (Depoimento da testemunha MGF 20170918104538_1428042_2879779 do minuto 15:23 ao minuto 15:48) CXXIV. Face a isto é inegável que o historial familiar condicionou todo este processo. CXXV. Historial esse que nunca foi provado e do qual o arguido saiu absolvido. CXXVI. Absolvido perante a justiça, mas condenado pela população. CXXVII. Absolvido pela justiça à data dos factos, mas fortemente abordado nestes autos, como se de um antecedente criminal devidamente registado se tratasse. CXXVIII. A alegada vítima diretamente inquirida sobre a questão, negou. CXXIX. A circunstância de o admitir, a ser verdade, até o poderia ter beneficiado. CXXX. Não estando perante um caso óbvio de ne bis in idem, estamos perante uma clara aproximação. CXXXI. Isto desde logo, porque não estamos a julgar o arguido pela prática do mesmo crime, nem lhe foi aplicada qualquer sanção pelo mesmo crime, mas aflorando consecutivamente o historial familiar do arguido, nomeadamente através de perguntas diretas sobre esse facto à alegada vítima, procurando uma confirmação do ilícito, quando tal não era objeto processual, não pode deixar de nos criar a forte convicção que também isso estava a ser avaliado pelos julgadores. CXXXII. Após a absolvição do arguido, objetivamente e necessariamente, o arguido é inocente, porque se existe a presunção da inocência até trânsito em julgado da sentença, após a mesma, estranho seria se assim não fosse. CXXXIII. Encontrando-se o arguido a ser julgado pela prática de um ilícito e, consecutivamente, arguidos e testemunhas são questionados ou livremente abordam, processos passados onde não existe qualquer registo criminal associado ao arguido, não pode deixar de nos criar dúvidas quanto à ponderação efetuada pelo tribunal, no que concerne a essa questão. CXXXIV. De salientar mais uma vez que, o menor estava pouco colaborante e foi respondendo, muitas vezes de forma automática, sendo várias vezes alertado para confirmar a sua resposta, o que na maioria das vezes levava a uma alteração do já referido. “Juíza: Mas eles alguma vez meteram a tua pilinha na boca deles? Menor: Sim. Juíza: Também? Ou já tás a dizer que sim a tudo para ires embora? Não vale batotar… CC! Não podes dizer que sim a tudo para te ires embora. Não podes batotar… Isso é batota. Quando se conta um segredo, tem de se contar a verdade, tá bem?” (Declarações do menor para memória futura gravadas no áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 47:25 ao minuto 47:58) CXXXV. Tendo em conta a dificuldade da prova em causa, caso o tribunal entenda pela imputação do crime ao arguido DD, mesmo nesse caso, torna-se arbitrário e excessivo, concretizar o número de vezes em que o abuso terá ocorrido. CXXXVI. Quase no final, após mais de uma hora de inquirição, a digna Magistrada do Ministério Público procura concretizar ao máximo o número de vezes em que os factos ocorreram, denotando-se a dificuldade do menor em fazê-lo. “Procuradora: O pai tirou picos do rabo, estas vezes ou mais do que estas vezes? CC: Uma vez. Procuradora: Foi só uma vez? CC: Sim. Procuradora: Então não foram mais vezes? Olha. Ao pé do trator! Tirou picos do rabo? CC: Sim Procuradora: Ao pé do galinheiro tirou picos do rabo? CC: (Impercetível) Procuradora: Com o tio BB? Tirou picos do rabo? CC: Sim. Procuradora: Então já foram três vezes! Não é? Outra vez com a mãe a ver. Tirou picos do rabo? CC: Sim Procuradora: Já são quatro. Olha… e o tio BB? Uma vez com o pai. Foi? Não? Não foi uma vez com o pai? CC: Foi.”(Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 01:04:00 ao minuto 01:04:44) CXXXVII. De tal forma se torna visível a falta de verdade nas declarações do menor, que a digna Magistrada do Ministério Público sente a necessidade de dizer ao menor: “MP: O que é que é a verdade? O que é que nós temos de dizer aqui? A verdade não é?” (Declarações do menor para memória futura gravadas no áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 1:04:47 ao minuto 1:04:55) CXXXVIII. De seguida a Meritíssima Juíza reforça pedindo ao menor para dizer a verdade e dessa forma poder ir embora. “Juíza: Oh CC… CC… eu sei que já estás um bocadinho cansado, mas quanto mais tu te esforçares por dizer a verdade, mais depressa a gente vai embora e tu podes ir ao café com a tia. Tá bem? Olhas para mim? Fazes esse esforço para tentar responder bem?” (Declarações para memória futura do menor CC no Tribunal de Instrução Criminal de Évora no dia 29.03.2017 – áudio 20170329151519_1412024_2870781 do minuto 1:04:57 ao minuto 1:05:20) CXXXIX. Não é a falta de concretização, ou especificidade por parte do menor dos factos que são imputados ao arguido DD que aqui vimos colocar em causa, pois face à idade do menor, não é exigível um discurso coerente e coeso no tempo e no espaço. CXL. Contudo, isso acarreta ao tribunal um dever acrescido de se socorrer de outros elementos para sustentar a prova e relacioná-los entre si, sob pena de se tornar difícil e quase arbitrária qualquer contagem, pelo simples facto do menor dizer, “sim”, conforme resulta no final das suas declarações para memória futura. CXLI. A prova médica existente nos autos não deixa margens para dúvidas, quanto ao abuso de que o menor foi vítima. CXLII. Importa então esclarecer por quem. CXLIII. Não esquecendo que todo este processo teve início na denúncia espontânea da criança no que ao tio BB dizia respeito, coloca-se desde logo a interrogação sobre a condução de todo este processo para com esse individuo, o qual nunca foi constituído arguido, nem lhe foi deduzida qualquer acusação. CXLIV. A partir do momento em que o menor falou no arguido DD, seu pai, o tio BB, deixou quase automaticamente de ser referenciado. CXLV. Nas últimas declarações do menor, prestadas perante a Meritíssima juíza junto do Tribunal de Instrução Criminal, o menor afirma por diversas vezes que o tio BB nunca lhe fez nada, conforme já supra exposto. CXLVI. Aliás, ao longo desta sua inquirição, bem como a efetuada junto da Digníssima Procuradora do Ministério Público em fase de inquérito, o menor foi em certas circunstâncias “advertido” para a necessidade de dizer a verdade. CXLVII. Logo e face ao supra exposto, não poderia ter sido considerado provado que: “20. Em consequência direta e necessária das descritas condutas, o menor CC sofreu de fissura anal, com rectorragias (hemorragias do recto), de área de disrupção e perda da normal estriação radiária do pregueamento anal, entre as 5H e as 7H com pele rosa, lisa e brilhante, de dores físicas e de mal-estar psicológico. 21. Ao actuar da forma descrita DD agiu com o propósito concretizado de obter prazer sexual e de satisfazer os seus instintos libidinosos. 22. O que fez com consciência de que o CC é seu filho, que o mesmo tinha menos de 6 (seis) anos de idade, que se encontrava à sua guarda e cuidados, de que as zonas do corpo em que tocou constituem património íntimo e uma reserva pessoal da sexualidade do menor, de que punha em causa o seu são desenvolvimento da consciência sexual e de que ofendia o respectivo sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, causando-lhe grande sofrimento físico e psíquico, o que também pretendeu e fez, interrompendo o percurso normativo do desenvolvimento psicossexual e erotizando o menor antes de este dispor de competências cognitivas, sociais e emocional para regularizar a sua sexualidade, bem como para evitar o contacto sexual com um adulto. 26. DD, BB e AA actuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.” CXLVIII. Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do CPP) CXLIX. Tal fica reforçado pela necessidade do tribunal a quo dar como não provados todos os “pormenores” que constavam na acusação deduzida contra o arguido DD. CL. Tendo em conta a pouca informação prestada pelo menor, a acusação foi muito além do relatado pelo mesmo. CLI. Mas dar como não provados os detalhes e como provado os ilícitos, deixa em aberto uma dúvida razoável sobre a prova do mesmo. CLII. Não podemos acreditar que face a tudo o supra exposto, não tenha em última análise, persistido a dúvida e, nesse caso, deveria o tribunal a quo decidir a favor do arguido. CLIII. O acórdão recorrido violou o princípio in dúbio pro reo, bem como as normas constantes do artigo 71º do Código Penal. CLIV. As presunções não são prova num Estado de Direito Democrático, pois para que valessem as presunções como meio de prova, ter-se-ia de partir de um facto conhecido, não das declarações da menor, para se chegar ao facto desconhecido. CLV. Isto porque, em nosso entender, o arguido deveria ter sido absolvido, porquanto as declarações da menor, tal “prova”, não é suficiente para, só por si, alicerçar a sua condenação. CLVI. Quanto ao invocado exame médico que comprova as lesões do menor, coincidentes com o abuso sexual, tal nunca foi colocado em causa, sendo necessário apurar por quem. CLVII. O princípio in dubio pro reo (um dos princípios básicos do processo penal) significa, em síntese, que, para conduzir à condenação, a prova deve ser plena, sendo imprescindível que o tribunal tenha formado convicção acerca da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, a formação da convicção é um processo que “só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse” (Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1981, Vol. I, pág. 205). CLVIII. Pese embora não resulte do acórdão, ora recorrido, a manifestação da dúvida por parte do tribunal a quo, a verdade é que tal só é possível, tendo em conta o erro notório da apreciação da prova, ou seja, o tribunal a quo não reconheceu esse estado de dúvida, a qual resulta evidente do texto da decisão recorrida, por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum, nomeadamente por erro notório na apreciação da prova. CLIX. No caso dos autos, regista-se que o arguido não tem antecedentes criminais. CLX. Pese embora estarmos perante um crime com grande alarme social não deverá o arguido ser condenado, face à ausência de prova vinculada que permita ao tribunal certeza sobre a prática dos factos imputados ao mesmo. CLXI. Pelo que se pode concluir que apenas com a absolvição do arguido se poderá acautelar os princípios basilares do nosso sistema penal. CLXII. Sem prescindir mas, caso não seja esse o entendimento de V.ª Ex.ª, o que só por mero dever de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que o arguido deveria ter sido condenado, não por cada um dos crimes de abuso sexual, por tudo o já supra exposto e conforme jurisprudência que se passará a expor, mas como um crime prolongado ou de trato sucessivo. CLXIII. Pretende o presente recurso igualmente o reexame da matéria de direito, nomeadamente, no que concerne ao concurso de crimes, bem como à medida concreta da pena aplicada. CLXIV. O arguido foi condenado pela prática de vários crimes de abuso sexual, importando aferir se a matéria de facto provada comporta tal qualificação, ou se estamos perante condutas suscetíveis de integrarem a figura do crime único de trato sucessivo. CLXV. Dispõe o artigo 30.º do CP – sob a epígrafe “Concurso de crimes e crime continuado” –, que estabelece, no seu nº 1, o princípio geral de que o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Contudo, e conforme resulta do próprio acórdão, os crimes foram cometidos contra a mesma pessoa, e da mesma forma, e efetivamente existiriam fatores exteriores ao próprio indivíduo que o levaram a cometer o crime mais que uma vez. Pois em todas as ocasiões que o mesmo abusou do menor ocorreram porque foram criadas as condições para tal. CLXVI. É, de resto, notório, que o arguido agiu determinado por uma única resolução, por ela levado a aproveitar todas as situações que facilitassem a prática dos atos ilícitos, e não formando sucessivamente novas resoluções perante circunstâncias favoráveis entretanto surgidas. CLXVII. Ao assim não o ter entendido, violou o tribunal a quo o disposto nos artigos 30.º, n.º 2, 77.º e 79.º do Código Penal, devendo, por conseguinte, ser nesta parte revogado, e alterado o douto Acórdão sob recurso. CLXVIII. Uma vez efetuada esta alteração, deverá ser fixada a medida da pena em obediência ao plasmado nos artigos 71.º e 79.º do Código Penal, tendo-se em devida atenção as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do Arguido, nomeadamente, o facto de ser primário, estar social, familiar e profissionalmente inserido, devendo fixar a pena junto dos limites mínimos da respetiva moldura abstrata, e com isso, reduzir-se, finalmente, a pena única resultante, igualmente para junto dos limites mínimos da respetiva moldura abstrata, o que ora se peticiona. CLXIX. Se por regra a prática de um crime de natureza sexual ocorre de forma isolada e fruto de circunstâncias irrepetíveis, sucede, porém, que, por vezes, tais atos seguem um percurso que se prolonga no tempo. CLXX. Ora, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária determinar o seu número. CLXXI. Ora, este é precisamente o caso dos autos. CLXXII. A doutrina e a jurisprudência têm resolvido esta questão falando em crimes prolongados ou de trato sucessivo. CLXXIII. Entende-se desde logo que há só um crime – que desdobrado em várias condutas que, isoladamente consideradas, consubstanciariam um crime autónomo – tanto mais grave quanto mais repetido (neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Fevereiro de 2015, processo n.º 2246/11.7JAPRT.P1, relator: Elsa Paixão, www.dgsi.pt e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2012, processo n.º 862/11.6TAPFR.S1, relator: Santos Carvalho, www.dgsi.pt, entre outros). CLXXIV. Ao contrário do crime continuado, nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, existindo sim, um progressivo agravamento da mesma à medida que o agente reitera a sua conduta. CLXXV. Para que exista um crime prolongado exige-se como que uma “unidade resolutiva”, ou seja, é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação. CLXXVI. Nos presentes autos existiu essa homogeneidade na conduta do arguido que se prolongou no tempo; os tipos de ilícito foram os mesmos e a vítima foi sempre a mesma, levando-nos a concluir que o arguido atuou sem necessidade de renovar a sua motivação. CLXXVII. Neste sentido podemos ler o Acórdão do STJ de 29.11. 2012 - (processo n.º862/11.6TAPFR.S1). CLXXVIII. Muitas vezes os crimes sexuais seguem um percurso que se prolonga no tempo, isto é, em vez de um ato ou de vários atos ilícitos, há uma atividade sexual ilícita. CLXXIX. Ora, quando os crimes sexuais são atos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem. CLXXX. A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido. CLXXXI. A este propósito podemos ver o Acórdão do STJ de 23-01-2008, proc. n.º 4830/07-3ª. CLXXXII. Acórdão do STJ de 12/6/2013, proferido no proc. 1291/10.4JDLSB, em que no confronto entre o crime continuado e o crime de trato sucessivo, decidiu: CLXXXIII. «(…) IV- O crime de trato sucessivo serve também hipóteses de pluralidade de crimes, mas cuja prática conforma uma atividade, prolongada no tempo, em que se torna tarefa difícil, se não arbitrária, definir o concreto número de atos parcelares que a integram. No entanto, diferentemente do que é requerido na figura do crime continuado, não se verifica uma situação exterior que diminua sensivelmente a culpa do agente. (…)» Conforme expendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/06/2013, com o qual se concorda «A solução do crime de trato sucessivo serve também hipóteses de pluralidade de crimes mas cuja prática conforma uma “atividade”, prolongada no tempo, e em que se torna tarefa muito difícil, se não arbitrária, definir o concreto número de atos parcelares que a integram. No entanto, diferentemente do que é requerido para a afirmação da figura do crime continuado, não se verifica uma situação exterior que diminua sensivelmente a culpa do agente (in www.dgsi.pt).» CLXXXIV.“De facto, sufragamos a posição assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 22 de Janeiro de 2013 e de 13 de Junho de 2013, invocados na decisão ora recorrida, quando se diz que “Configura o trato sucessivo a existência de um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas e essa unidade de resolução, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal” e “A solução do crime de trato sucessivo serve também hipóteses de pluralidade de crimes e em que se torna tarefa muito difícil, se não arbitrária, definir o concreto número de actos parcelares que a integram”.” (Acórdão Tribunal da Relação de Évora Processo n.º 72/15.3 JASTB.E1) CLXXXV. É difícil individualizar os crimes devidamente concretizados, de modo a que possa saber-se, relativamente a cada um deles, que tipo de factos concretos estão em causa e o que se censura ao arguido, sendo constitucionalmente inadmissível por violador do contraditório e do respetivo direito de defesa do arguido qualquer tentativa de imputação de concurso efetivo de crimes efetuada de forma simplesmente genérica e conclusiva, sem a exigível e devida concretização crime a crime. CLXXXVI. “VIII- O arguido só pode contrariar a acusação ou a pronúncia, de forma adequada e eficaz, se naquelas peças processuais se encontrarem vertidos especificadamente e com clareza os factos imputados, isto é, o caso concreto ou particular submetido a julgamento. De outro modo, ou seja, perante uma acusação ou uma pronúncia constituídas por factos genéricos, não individualizados, fica ou pode ficar prejudicada a possibilidade de o arguido se defender. IX- Com efeito, ninguém pode contestar, eficazmente, a imputação de uma situação abstracta ou vaga, muito menos validamente contraditar a prova de uma tal situação”. (Ac. STJ de 21-2-2007, pr. 06P3932, rel. Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt) CLXXXVII. Esta questão torna-se evidente nos presentes autos, na medida em que o tribunal a quo deu como não provados todos os detalhes que constavam na acusação, detalhes esses que não surgem em momento algum das declarações do menor ou de testemunhas, mas o tribunal a quo mantém os diversos ilícitos pelos quais o arguido vinha acusado, condenando-o por aqueles e, inviabilizando a defesa do arguido. CLXXXVIII. Dessa forma só se poderá concluir, que o arguido deveria ser condenado pela prática, em trato sucessivo, de um único crime de abuso sexual. CLXXXIX. Sem prescindir, mas caso não venha a ser atendido, o quanto antes se deixou vertido e peticionado, ainda assim deverão, igualmente, ser reduzidas as penas parcelares e a concreta pena única aplicada em cúmulo ao arguido, porquanto a que lhe foi fixada de 21 anos de prisão, é manifestamente exagerada. Quanto à determinação da medida da pena dispõe o art.º 71º do C.P. no seu nº 1 a orientação base para a medida da pena a aplicar: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. No nº 2 do preceito faz-se referência às “circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.” O nº 3, por último, obriga a explicitar na sentença os fundamentos da medida da pena que se elegeu. CXC. Relacionado com o critério geral do nº1 do art.º 71º do C.P. está o próprio enunciado sobre fins das penas que se lê no art.º 40º do C.P. CXCI. Porque se no artigo 71º nº1, se diz que a medida da pena se elege “em função da culpa do agente”, para além das exigências de prevenção, importa então saber se o art.º 40º consente que, “em função de” possa ter o sentido de “em retribuição” da culpa do agente. CXCII.Estamos assim caídos na problemática dos fins das penas, que o referido art.º 40º quis trazer para o seio do C. P., ao estabelecer que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Isto no seu nº1. Quanto à culpa, rege um nº 2, separado, onde se diz que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. CXCIII.Com a preocupação da reinserção social encara-se o delinquente com inegável otimismo, e com o papel assinalado à culpa aceita-se a liberdade e a responsabilidade moral do homem, em geral. Mas, vai-se mais longe, ao excluir das tarefas do Estado a retribuição da culpa, enquanto tal. CXCIV. A pena é pois sempre “utilitária”, na linha do que dispõe o art.º 18º da Constituição, segundo o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. CXCV. Em muitas situações o julgador terá que precaver-se da influência de certa comunicação social no estado de espírito dos membros da comunidade (e de si próprio). CXCVI. Ora, em nosso entender, salvo o devido respeito por melhor opinião, foi precisamente isto que não aconteceu. CXCVII. A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa. CXCVIII. Analisadas as circunstâncias concretas do caso ora sub judice, entende-se que foi usado um critério desadequado na dosimetria da pena, quanto ao ora recorrente, pelo que se entende que a decisão fez errónea interpretação dos artigos 70º e 71º do CP. CXCIX.Conforme decorre do art.º 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, a pena aplicável ao concurso de crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. CC. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. CCI. Para fixar a pena única dentro desses limites tem-se entendido que na «avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo, como no caso, a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta» (Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 291, § 421). CCII. Ora, estamos perante um arguido sem antecedentes criminais, social, familiar e profissionalmente inserido. CCIII. E, pese embora a enorme gravidade do conjunto de factos imputados ao arguido, tem de ser contextualizada por comparação com as molduras penais que se encontram no Código Penal para outros crimes, pois, por mais grave que pareça a conduta em causa – e seguramente que o é – não deve equiparar-se a um caso de homicídio qualificado, cuja pena se fixaria entre os 12 e os 25 anos de prisão. CCIV. Os factos dados como provados impõem a aplicação de uma pena de duração, substancialmente, mais curta do que aquela que lhe foi decretada. CCV. Na situação concreta e no que à personalidade do arguido diz respeito, há que devidamente atentar, entre o mais, nos factos dados como provados que indicam nomeadamente que: -“ o arguido DD estudou até ao 7.º ano, tendo abandonado os estudos aos 15 anos por falta de motivação e pela necessidade de ajudar a economia familiar e desde então tem-se dedicado a trabalhos na área da construção civil e na agricultura. -À data dos factos, o arguido e a sua companheira Ana Santana trabalhavam como caseiros no Monte…, dedicando-se ele a tarefas relacionadas com a agricultura, com a pecuária e com trabalhos de manutenção geral e ela a tarefas de limpeza. - O agregado familiar auferia o montante global de cerca de €830,00 mensais e beneficiava, sem encargos, de habitação cedida pelo patrão, bem como da utilização de uma horta que exploravam para a sua subsistência. - O arguido mantinha um relacionamento próximo com a família alargada, nomeadamente com os irmãos e com os progenitores, porém, à presente data, não mantém quaisquer visitas por parte da família. - No seio da comunidade onde vivia, o arguido era conotado como uma pessoa com um quotidiano comum e disponível para ajudar os outros, mas também era associado a consumos excessivos de álcool.” (Fls. … do acórdão recorrido). CCVI. Factos este que claramente abonam em seu favor. CCVII. Se é certo que a prática deste tipo de crime choca a generalidade das pessoas, levando a que os critérios de prevenção geral sejam muito exigentes, não é menos certo que sendo o arguido um delinquente primário lhe deverá ser dada uma oportunidade de arrepiar o caminho traçado até aqui, interiorizando o malefício da sua conduta. CCVIII. A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo. CCIX. Ponderando as circunstâncias concretas da atuação do arguido, ora recorrente, as suas circunstâncias de vida e personalidade, não poderá deixar de considerar-se que tanto a ilicitude como a culpa do arguido, in casu, nunca justificaria a concreta pena de prisão efetiva de 21 anos, que lhe foi aplicada. CCX. Mas antes uma pena menos gravosa, que se situasse próxima do limite mínimo da moldura abstrata aplicável, por forma a adequar-se à efetiva culpa do seu agente, à ilicitude dos factos e às concretas necessidades de prevenção. CCXI. Ao não decidir assim, violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 40° e 71° do C.P., impondo-se a revogação do douto Acórdão recorrido quanto à medida da pena de prisão aplicada, reduzindo-se esta, que se roga seja ora fixada próximo do limite mínimo da ante referida moldura abstrata. CCXII. Foi violado o disposto nos artigo 412º/3 CPP, 410º/2 c CPP, 127º CPP, 40º, 71º CP, 30.º/2, 77º e 79º do CP. NESTES TERMOS, Sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, devendo o Acórdão ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta. » 3.2. Por sua vez, a arguida, AA, extrai da sua motivações as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES I. Por acórdão condenatório, proferido a 26 de outubro de 2017, foi a arguida AA condenada pela prática como autora, de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. nos artigos 171/1, 177/1 al. a) e 179 al. a) todos do C.P., e como cúmplice, de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. nos artigos 171/1, 177/1 al. a) e 179 al. a) todos do C.P., em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos de prisão e, bem assim, na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho CC pelo período de 11 (onze) anos. II. No essencial, o Tribunal a quo, baseou a sua convicção, quanto à arguida AA no depoimento do menor CC, fazendo-o, na perspetiva da defesa, de modo erróneo. Existem provas, juntas aos autos que, interpretadas de forma contextualizada e segundo as normas de experiência comum, quando confrontadas com alegados factos praticados, resultariam numa decisão oposta à proferida. III. Entende a defesa da arguida que: a) Existe nulidade do acórdão, nos termos do n.º 1 do artigo 379 e n.º 2 do artigo 374 do Código de processo penal, por insuficiência no exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, porém, sem conceder, ou; b) Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto por contradição insanável entre a fundamentação e a fundamentação e a decisão, nos termos e para os efeitos da al. b) e c) do n.º 2 do artigo 410 do Código de processo penal, sem conceder, ou; c) Existe violação do princípio do in dúbio pro reo e do princípio de livre apreciação da prova por erro na apreciação da prova conforme artigo 127º e 412 n.º 3 ambos do Código de processo penal IV. Assim, da nulidade do acórdão nos termos do n.º 1 do artigo 379 e n.º 2 do artigo 374 do Código de processo penal, por insuficiência no exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal: as nulidades de sentença apesar de enumeradas taxativamente no artigo 379º do CPP podem sê-lo, em motivação de recurso para o tribunal superior, cfr. Assento do STJ 1/94 de 11/02/1994 e BMJ 432, pág. 167. V. E são de conhecimento oficioso, cfr. Ac. TRP de 29/09/2004, Proc. N.º 0442419, Rel. António Gama. VI. Refere o n.º 2 do artigo 374 do CPP «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.» VII. A fundamentação das decisões dos tribunais tem guarida constitucional – cfr. Artigo 205 n.º 1 da CRP- e encontra, também expressão em diversos normativos do CPP, nomeadamente no artigo 374 n.º 2 e 379 n.º 1. VIII. A fundamentação é o alicerce que legitima o acórdão e cumpre duas funções, a endoprocessual visando impor o julgador a verificação e o controle critico da lógica da decisão, permitindo às partes o recurso e ao tribunal superior a possibilidade de se exprimir com alguma segurança de modo igual ou divergente, e outra função a extraprocessual, que visa a transparência para fora dos autos sobre o processo e sobre a decisão (cfr. Página 1059 do manual Código de processo penal, notas e comentários de Vinício Ribeiro). IX. Não é necessário que o julgador exponha pormenorizada e completamente o raciocínio lógico que baseava a sua convicção de dar como provado certo facto, contudo, não pode a conclusão retirada, após aplicação do raciocínio lógico, ser desprovida de um certo rigor no iter lógico usado para se chegar a certa conclusão. O julgador, para chegar a determinada conclusão, quer para a absolvição quer para a condenação deve concretizar o raciocínio de modo a que qualquer homem médio, lendo-os, percecione, sem margem de duvida que o resultado de um certo acto é aquele resultado. X. O legislador de 1998 alterou a redação do n.º 2 daquele artigo exigindo agora o “EXAME CRITICO” das provas, subsumidas aos factos que permita obter uma transparência no rigor utilizado para condenar alguém. É necessário a reconstituição do processo lógico-mental seguido pelo julgador. cfr. Página 1060 do Manual Código de processo penal, notas e comentários, de Vinício Ribeiro. XI. Nesse sentido o Ac. do TC., processo n.º 281/2005 de 6/07/2005, referia «Como é consabido (…) apesar do dever de fundamentação das decisões judiciais poder assumir, conforme os casos, uma certa geometria variável, o seu cumprimento só será efectivamente logrado quando permitir revelar às partes – e, bem assim, à comunidade globalmente considerada- o conhecimento das razões “justificativas” e ”justificantes” que subjazem ao concreto juízo decisório, devendo, para isso, revelar uma “sustentada aptidão comunicativa ou compreensividade” sustentada na exteriorização dos critérios normativos que presidem à sua resolução e do seu respectivo juízo de valoração de modo a comunicar, como condição de inteligibilidade, a intrínseca validade substancial do decidido. (…) Na indicação de provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não é suficiente a sentença referir, por exemplo, que se baseou nas declarações dos arguidos, nomeadamente quanto aos factos da sua vida pessoal e a alguns factos vertidos na pronuncia e nas respectivas contestações. E que «igualmente se baseou o Tribunal nos factos provados no depoimento prestado pelas testemunhas que foram inquiridas em sede de audiência e julgamento as quais neste particular desiderato depuseram com isenção.» Também não é suficiente para a indicação referida no n.º 2, a referência tão só aos meios de prova sem qualquer justificação porque se lhes deu crédito.» - cfr. Página 1060 e 1061 do Manual Código de processo penal, notas e comentários, de Vinício Ribeiro. XII. É necessário que um acórdão seja claro quanto ao iter lógico trilhado, apresentando-se então este como uma «peça coerente», fundada e à margem de um arbítrio discricionário. E sobretudo: a) Não infirmando de contradições ou lacunas de pensamento. B) Não violando as regras da experiência comum e do bom senso. C) que se imponha aos sujeitos processuais e à comunidade, ambos seus destinatários. XIII. Assim, tendo em conta o supra exposto, da nulidade do Acórdão no que respeita ao PONTO 8 dos factos provados, quanto ao crime cometido em autoria, foi dado como provado o facto n.º 8 que refere «Em data não determinada, encontrando-se DD e AA no interior do quarto do menor CC, AA exigiu que o filho lhe lambesse a vagina, o que este fez.» XIV. De tal factualidade, vertida num único facto, dado como provado, resultou na condenação da Arguida, cfr. Fls 38 do Douto Acórdão: «como autora, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, alínea a), e 179.º, alínea a), do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (ponto 8) dos factos provados);» XV. Contudo, nos factos não provados, concluíram os doutos julgadores que: «H. Na situação a que alude o ponto 8) DD aproximou-se do filho e despiu-o, enquanto AA assistia rindo. I. De seguida, DD e AA acariciaram o rabo e pénis do filho, CC. J. Após o queAA se despiu e se deitou. K. Enquanto CC lambia a vagina de AA esta acariciava-lhe o pénis.» XVI. Ora, como pode o Acórdão concluir que o menor executou um acto sexual, configurável como coito oral, à mãe, se não é provado que esta se despiu e se deitou? Para este acto sexual ser consumado é necessário expor certas e determinadas partes da fisionomia da mulher. Como poderia o menor chegar à mãe e consumar o acto sexual se esta não se despe? Existe uma evidente e concreta contradição entre o facto dado como provado e como não provado, isto é, a execução do acto e a arguida não se despir respetivamente. XVII. Se é certo que nem todos os actos sexuais são executados da mesma forma, sendo que muitos nem necessitam que a roupa seja desnudada, quanto a este acto em si, não é possível que aconteça se pelo menos a mãe não se despir. XVIII. O iter racional que sustenta a conclusão de que o acto sexual foi perpetrado, carece de mais concretização lógica e fáctica do que «Ana Santana exigiu que o filho lhe lambesse a vagina, o que este fez». XIX. Para além da evidente contradição dos factos provados e não provados, inexiste exame critico da prova que baseou a convicção do Tribunal quanto a este facto provado (que resulta numa condenação a pena de prisão efectiva!) XX. O julgador do Tribunal a quo, não faz um exame critico da prova que sustenta aquela condenação ao referir apenas: «Já no que respeita à factualidade inserta nos pontos 3) a 19), o tribunal valorou, essencialmente, o depoimento apresentado pelo ofendido CC, que – recorrendo a linguagem própria da sua faixa etária- apresentou um depoimento espontâneo, sincero, imparcial e desinteressado e, por conseguinte convenceu e mereceu a credibilidade do Tribunal infirmando o relato apresentado pelos arguidos.» (cfr. Fls. 11 do Douto acórdão) tal não configura, à luz dos preceitos constitucionais e do princípio de suficiência de prova, uma fundamentação clara e inequívoca de que o facto aconteceu, por ter iniciado de uma forma, ter sido executado de outra e portanto, ter chegado àquela conclusão. XXI. Referir que uma criança de 5 anos disse, em algum momento certa e determinada coisa (não indicando o acórdão o momento em que o fez e em que acto processual? P.ex.) de forma espontânea, sincera e imparcial é um juízo conclusivo e não é suficiente para preencher a exigência que o normativo expresso no n.º 2 do artigo 374 do CPP exige, porquanto, não é sustentada em nenhuma outra justificação. Quase que demonstrando uma “sensação” que o Tribunal teve, mas porque mais nada existe, não se apresenta o raciocínio, refere apenas ter acontecido. XXII. Mais, é suficiente o raciocínio que considera provado este facto 8)– condenando a arguida- e não considerar facto idêntico constante no facto C) dado como não provado? (cgr fls. 09 do douto acórdão). Ambos os factos são iguais, mas decide-se condenar por um e não por outro porque razão? XXIII. Transcrevemos a motivação: «No que se refere nos factos descritos na segunda parte do ponto C) a sua não prova resultou do facto de o ofendido ter afirmado de forma perentória que o abuso sexual sofrido por parte de sua mãe e consistente no lamber da vagina daquela apenas ter ocorrido por uma ocasião, versão que encontrou acolhimento nos pontos 8) a 10)» - cfr fls 15 do Douto acórdão. XXIV. Não existe fundamentação, e não basta ter o tribunal a “intuição” de que algo aconteceu para que tal consubstancie e se materialize no princípio da livre apreciação da prova, cfr artigo 127 CPP. XXV. Da nulidade do Acórdão no que respeita aos PONTOS 12 a 16, dos factos provados, quanto ao crime cometido em cumplicidade: «12. No mencionado quadro, em data não determinada mas anterior a 8 de Outubro de 2015, no Monte …, no interior da residência, DD acompanhado de BB procuraram o menor CC para com ele satisfazerem os seus desejos sexuais. 13. Nesse contexto, DD inseriu o pénis erecto no ânus do filho e fez com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual. 14. Nessa mesma ocasião, também BB inseriu o pénis erecto no ânus do sobrinho, CC, fazendo com seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual. 15. AA presenciou tais actos, perante o que se riu. 16. DD e BB foram, então, surpreendidos pelo pai, MM.» cfr fls. 04 do douto acórdão. XXVI. Contudo, expressa o Acórdão nos pontos Q) e R) da matéria dada como não provada se refere, cfr. Fls 10: «Q. Ainda no referido quadro, em data não determinada, na presença de AA, BB dirigiu-se ao quarto de seu sobrinho, CC, ordenou ao mesmo que se deitasse de costas e deitou-se, colocando o seu corpo sobre o corpo do menor. R. Acto contínuo, BB inseriu o seu pénis erecto no ânus de seu sobrinho, CC, e fez com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual até ejacular, enquanto AA assistia, rindo.» XXVII. Usando do mesmo método, insuficiente, na nossa modesta opinião, de fundamentação, o Douto Tribunal a quo usa para efeitos de condenação o facto dado como provado em 15. (para referir que a mãe assistiu ao abuso do menor, rindo), mas nos factos não provados, quanto a exatamente a mesma situação fáctica diz ser facto não provado que a arguida se riu durante o abuso, mas mais, que nem a consideram presente no local. – vide facto não provado Q. e R, fls 10 do Ac. XXVIII. Esta contradição entre factos não provados e provados é de tal forma evidente que leva a que o douto Acórdão não consiga transmitir a segurança endo e extra processual constitucionalmente consagrada para defesa das partes e até, de uma adequada apreciação dos factos pelos tribunais superiores XXIX. Trata-se de uma impossibilidade de facto, óbvia, se a arguida não está e não ri, não pode ser provado que estava e riu, logo não pode ser condenada por tal facto. XXX. Para além da evidente contradição dos factos provados e não provados, inexiste exame critico da prova que baseou a convicção do Tribunal quanto a este facto provado (que resulta numa condenação a pena de prisão efectiva!) XXXI. O julgador do Tribunal a quo, não faz um exame critico da prova que sustenta aquela condenação, porquanto ao referir apenas: «Desinteressadamente relatou o menor, o facto de o pai e o seu tio BB terem actuado da forma descrita nos pontos 12 a 14 e como a mãe o chegou a presenciar, rindo-se do sucedido » (cfr. Fls. 12 do Douto acórdão) tal não configura, à luz dos preceitos constitucionais e do princípio de suficiência de prova, uma fundamentação clara e inequívoca de que o facto aconteceu, por ter iniciado de uma forma, ter sido executado de outra e portanto, ter chegado àquela conclusão. XXXII. Padece por isso o Acórdão padece de nulidade, ainda, por dever de patrocínio, sem prescindir, XXXIII. Da Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto por contradição insanável entre a fundamentação e a decisão nos termos e para os efeitos da al. b) do n.º 2 do artigo 410 do Código de processo penal: entende a Defesa da arguida que existem vícios, conforme o n.º 2 al. b) do artigo 410 do CPP, pois resulta do texto da decisão recorrida, conjugada com as regras de experiencia comum. XXXIV. Os vícios que se invocam, estão consubstanciados: a) No facto 8 dado como provado e nos respectivos factos «H, I, J e K» dados como não provados; b) No facto 12 a 16 dado como provado e nos respectivos factos «Q e R» dado como provado. XXXV. No primeiro (facto 8) conclui-se, sem mais, pela pratica de um acto sexual de coito oral, quando em contradição directa com tal certeza existem os factos H, I, J e K que referem que a mãe não se despiu e não se deitou. Para se chegar à primeira conclusão, não poderiam ser considerados não provados aqueles outros factos. XXXVI. No segundo (facto 12 a 16) conclui-se, sem mais pela prática em cumplicidade, do crime de abuso sexual, quando em contradição directa que resulta da leitura do texto do acórdão existem os factos Q e R dados como não provados que, indicam a ausência da mãe do local e a falta de “riso” perante a situação. XXXVII. Refere a Jurisprudência dos Tribunais superiores quanto a isto que: «Os vícios da sentença – qualquer deles- têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiencia comum, e ser de tal modo evidente que uma pessoa normalmente dotada os pode detectar.», ex vi, Ac. STJ de 23/10/1997, Proc. 97P318 do Rel. Dias Girão. E ainda referem ainda que: «(…) O Tribunal ad quem tem o poder-dever de fundar a boa decisão de direito numa boa decisão de facto, ou seja, numa decisão que não padeça de insuficiências, de contradições insanáveis da fundamentação ou de erros na apreciação da prova, vícios que podem impedir o tribunal de decidir a causa, hipótese que levará então ao reenvio total ou parcial do processo para novo julgamento.», ex vi, Ac. STJ de 21/02/2002, Proc. 368/02-5ª, Rel. Pereira Madeira. XXXVIII. Quanto ao vicio que consideramos existir no acórdão recorrido, constante na al. b do n.º 2 do artigo 410 do CPP: «O vicio da contradição insanável da fundamentação ou da fundamentação com a decisão, previsto na al. b) do n.º 2 do art. 410 do CPP, verifica-se quando, de acordo com um raciocínio lógico, por si só ou conjugado com a experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos de convicção do tribunal.» ex vi, Ac. STJ 26/02/2004 Proc. N.º 04P138, Rel. Pereira Madeira. Ainda, por dever de patrocínio, sem prescindir, por tudo o supra exposto, deve ser a Arguida absolvida dos crimes, praticados, quer em cumplicidade, quer em autoria material, de abuso sexual de menor. Contudo, se assim não entender, e sem conceder, XXXIX. Existe violação do princípio do in dúbio pro reo e do princípio de livre apreciação da prova por erro na apreciação da prova conforme artigo al. c) do n.º 2 artigo 410º, 127º e n.º 3 do 412, todos do Código de processo penal: sabe-se que é orientação comum na Jurisprudência que, o Tribunal de recurso, salvo casos de exceção, deve adoptar o Juízo valorativo formulado pelo Tribunal recorrido. XL. Contudo, não refere que não o possa fazer quando, a situação for de tal forma evidente que impere uma modificação da decisão recorrida, porquanto a livre apreciação da prova não equivale a prova arbitrária. Cfr. Artigos 127º e n.º 3 do 412, todos do Código de processo penal. XLI. O Julgador não pode decidir como bem entende passando por cima de provas, ou da falta delas, como é o caso. «Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).» ex vi, página 345, nota ao artigo 127º do CPP, do Código de processo penal, notas e comentários de Vinício Ribeiro. XLII. O limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, cfr. Artigo 127 do CPP, é o princípio do in dúbio pro reo, estando ambos intimamente ligados, impondo a orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos, mas para ser apreciada a violação tem de resultar dos próprios autos e termos da decisão recorrida. XLIII. Assim, conforma, dá conteúdo e legitima a sua aplicação – no âmbito dos poderes de livre apreciação de prova- a necessidade de concretização e explicitação objectiva e motivada do processo de convicção, de forma a ficar claro não só o acervo condenatório, mas também o processo lógico. Usando as regras da experiencia e da vida há necessidade de controlar a legalidade, impondo ao julgador alguma concretização do texto e da fundamentação. XLIV. No caso dos autos, decorre, segundo os parâmetros do homem médio, que há erro notório quando não se provam as als. «H,I,J,K» dos factos não provados, quanto ao facto provado 8, como também há errada apreciação da prova quando se dá como não provado os factos «Q e R», quanto por referencia aos factos das al. 12 a 16 dos factos provados. XLV. No caso dos autos, a arguida é condenada, com base num depoimento único, do ofendido, menor de 5 anos de idade, sem sustentação de qualquer outra prova, acrescida de um evidente erro de apreciação na mesma, por desconformidade da decisão com as regras da experiencia. XLVI. Mais, entende o Tribunal a quo que o depoimento é “credível”, mas tal consideração é conclusiva e não fáctica porque não sustentada. Não basta alegar que alguém dá um depoimento de modo sério, é necessário que se explique porquê, mormente fazendo-o sustentando em outra prova, ou prova mais concreta. XLVII. Não é suficiente para condenar alguém, uma única declaração que não se sabe em que momento processual e de que forma foi proferida, sendo apenas declarada como “credível”, isto é, uma característica conclusiva sem mais. XLVIII. Pois, se entende a jurisprudência dos Tribunais superiores que não pode ser atendível uma decisão que não aprecie criticamente a prova, explicando o seu iter lógico-racional, tão pouco pode proferir um acórdão condenatório se as contradições forem insanáveis entre factualidades e sem uma prova forte que sustente o alegado. Como se demonstra no caso concreto. XLIX. Quanto ao crime de abuso sexual, cometido em autoria material, não só se viola o dever de fundamentação, porquanto o tribunal apenas emite juízos conclusivos sobre a forma como o menor falou (não mencionando como o fez nem onde), para considerar como provado um facto, como contradiz a factualidade não provada a que serve para condenar a arguida, sendo um evidente erro valorativo a conclusão dai extraída; L. Quanto ao crime de abuso sexual, cometido em cumplicidade, o mesmo raciocínio decorre, não só se viola o dever de fundamentação, porquanto o tribunal apenas emite juízos conclusivos sobre a forma como o menor falou (não mencionando como o fez nem onde), e produz uma errada valoração da prova que serviu para condenar a arguida, sendo um evidente erro valorativo a conclusão dai extraída; LI. A existência de um depoimento apenas, da vítima, que em razão da idade tem uma linguagem pouco desenvolvida e explícita, não pode ser prova suficiente, nem bastante, para obter, por si só, uma condenação, em cúmulo jurídico de 8 anos de pena de prisão efetiva. Careceria esta prova ser sustentada por outra, que colocasse a arguida no local e explicasse o raciocínio logico que levou o julgador a considerar que os comportamentos que aquela adotou (ou não) consubstanciavam prova bastante de uma condenação. LII. É de uma enorme incerteza, querendo, quer extra processual, criar o Tribunal a quo uma convicção apenas e tão só quanto a declarações não contextualizadas e identificadas quanto ao meio processual. LIII. Se é verdade que para proferir acusação se bastam na existência de indícios suficientes, já assim não é para condenar alguém, o juízo que decorre dessa condenação tem de ter uma absoluta certeza de que o facto foi praticado, enquadrando o tempo, modo e lugar em que se cometeu o ilícito. LIV. Em ambos os crimes tais circunstâncias não foram apuradas pelo que o Tribunal nunca poderia chegar à conclusão de terem sido cometidos, nem em autoria material, nem em cumplicidade, por inexistência de prova suficiente e erro na valoração da prova. E, ai, in dúbio pro reo. LV. Assim, na perspetiva a defesa da arguida, o douto acórdão, ora recorrido, padece de contradição erro na valoração da prova e de uma clara violação do princípio do In dúbio pro Reo e de uma violação dos limites do princípio da livre apreciação da prova. LVI. Por tudo o supra exposto, importa modificar douto acórdão ora recorrido, por outro que absolva a arguida quantos aos crimes de abuso sexual de criança agravado, em autoria material, p. e p. nos artigos 171/1, 177/1 al. a) e 179 al. a) todos do C.P., e como cúmplice, de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. nos artigos 171/1, 177/1 al. a) e 179 al. a) todos do C.P. LVII. Termos são os expostos, em que se impõe a modificação da decisão recorrida sobre a matéria de facto, tal como dispõe o artigo 431.º do CPP,» 4. Notificado, respondeu o MP junto do tribunal a quo, pronunciando-se pela total improcedência de ambos os recursos do recurso. 5.- Nesta Relação, senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, após o que foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º nº2 do CPP, nada tendo acrescentado os recorrentes. 6. – Antes da designação de data para a conferência, foi proferido despacho pelo ora relator convidando o arguido e recorrente DD a completar as suas conclusões de recurso, o que este satisfez, após o que, em cumprimento do art. 417º nº5 do CPP, foi o MP notificado daquela junção. 7. – O acórdão recorrido (transcrição parcial): « II. 1. Factos provados Discutida a causa e produzida a prova, resultaram assentes os seguintes factos: 1. Há, aproximadamente, 12 (doze) anos DD começou a viver em comunhão de leito, mesa e habitação com AA. 2. O menor CC, nascido a 3 de Outubro de 2010 é filho de DD e de AA e vivia com os mesmos no Monte…, em São Cristóvão. 3. Em datas não concretamente apuradas mas tendo CC menos de 6 (seis) anos de idade, no Monte …, no interior e exterior da residência onde habitavam, DD e AA começaram a procurar o menor para satisfazerem os seus desejos sexuais, não obstante saberem que o mesmo é filho deles, que tinha menos de 6 (seis) anos de idade e que se encontrava às suas guarda e cuidados e sob as suas assistência e protecção. 4. Nesse quadro, em data não concretamente apurada, DD exigiu ao seu filho menor, CC, que agarrasse o seu pénis erecto e que fizesse com as mãos movimentos ascendentes e descendentes. 5. No quadro do descrito comportamento, em data não concretamente apurada, no Monte…, junto ao tractor agrícola, DD inseriu o seu pénis erecto do interior do ânus de seu filho menor, CC. 6. Acto contínuo, DD começou a fazer com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual, enquanto seu filho menor, CC, chorava e gritava. 7. Então, DD dirigiu-se a seu filho menor e disse ao mesmo para se calar porque estava a fazer barulhos como os porcos. 8. Em data não determinada, encontrando-se DD e AA no interior do quarto do menor CC, AA exigiu que o filho lhe lambesse a vagina, o que este fez. 9. Nesse mesmo circunstancialismo, DD inseriu o pénis erecto no ânus de seu filho menor, CC, e fez com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual. 10. Igualmente em data não apurada, junto ao galinheiro existente no Monte…, DD inseriu o pénis erecto no ânus de seu filho menor, CC, e fez com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual. 11. No referido quadro, em data não concretamente apurada, no interior da residência, DD introduziu o pénis erecto na boca do filho menor, CC, aí o friccionando em movimentos de vai e vem. 12. No mencionado quadro, em data não determinada mas anterior a 8 de Outubro de 2015, no Monte …, no interior da residência, DD acompanhado de BB procuraram o menor CC para com ele satisfazerem os seus desejos sexuais. 13. Nesse contexto, DD inseriu o pénis erecto no ânus do filho e fez com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual. 14. Nessa mesma ocasião, também BB inseriu o pénis erecto no ânus do sobrinho, CC, fazendo com seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual. 15. AA presenciou tais actos, perante o que se riu. 16. DD e BB foram, então, surpreendidos pelo pai, MM 17. Ainda no referido quadro, BB, tio paterno de CC, aproveitando-se dos contactos familiares que mantinha com o menor no Monte… ou na residência dos avós paternos sita na Rua …., em São Cristóvão, também começou a procurar o mesmo para com ele satisfazer os seus desejos sexuais. 18. Assim, em data e local não determinados, BB aproximou-se de seu sobrinho, o menor CC, beijou e acariciou o mesmo na face, olhos, boca, braços, barriga, pernas, pénis e rabo, desse modo obtendo prazer sexual 19. Acto contínuo, BB ordenou a seu sobrinho, CC, que agarrasse o seu pénis erecto e fizesse, com a mão, movimentos ascendentes e descendentes. 20. Em consequência directa e necessária das descritas condutas, o menor CC sofreu de fissura anal, com rectorragias (hemorragias do recto), de área de disrupção e perda da normal estriação radiária do pregueamento anal, entre as 5H e as 7H com pele rosa, lisa e brilhante, de dores físicas e de mal-estar psicológico. 21. Ao actuar da forma descrita DD agiu com o propósito concretizado de obter prazer sexual e de satisfazer os seus instintos libidinosos. 22. O que fez com consciência de que o CC é seu filho, que o mesmo tinha menos de 6 (seis) anos de idade, que se encontrava à sua guarda e cuidados, de que as zonas do corpo em que tocou constituem património íntimo e uma reserva pessoal da sexualidade do menor, de que punha em causa o seu são desenvolvimento da consciência sexual e de que ofendia o respectivo sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, causando-lhe grande sofrimento físico e psíquico, o que também pretendeu e fez, interrompendo o percurso normativo do desenvolvimento psicossexual e erotizando o menor antes de este dispor de competências cognitivas, sociais e emocional para regularizar a sua sexualidade, bem como para evitar o contacto sexual com um adulto. 23. Ao actuar da forma descrita e ao ter assistido aos actos praticados por DD e BB sem os impedir, AA agiu com o propósito concretizado de obter prazer sexual e de permitir que outros obtivessem prazer sexual e satisfizessem os seus instintos libidinosos. 24. O que fez com consciência de que CC é seu filho, de que tinha menos de 6 (seis) anos de idade, de que as zonas do corpo em que tocou e em que permitiu que outros tocassem constituem património íntimo e uma reserva pessoal da sexualidade do menor de que punha em causa o seu são desenvolvimento da consciência sexual e de que ofendia o respectivo sentimento de pudor, intimidade e liberdade sexual, causando-lhe grande sofrimento físico e psíquico, interrompendo o percurso normativo do desenvolvimento psicossexual e erotizando o menor antes de este dispor de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizar a sua sexualidade, bem como para evitar o contacto sexual com um adulto. 25. Ao actuar do modo descrito BB agiu com o propósito concretizado de obter prazer sexual e de satisfazer os seus instintos libidinosos, ciente de que o menor CC é seu sobrinho, de que tinha menos de 6 (seis) anos de idade, de que as zonas do corpo em que tocou constituem património íntimo e uma reserva pessoal da sexualidade dele, de que punha em causa o seu são desenvolvimento da consciência sexual e de que ofendia o respectivo sentimento de pudor, intimidade e liberdade sexual, causando-lhe grande sofrimento fisico e psíquico, o que também pretendeu e fez, interrompendo o percurso normativo do desenvolvimento psicossexual, erotizando o menor antes de este dispor de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizar a sua sexualidade, bem como para evitar o contacto sexual com um adulto. 26. DD, BB e AA actuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas. Está também provado que: 27. O menor CC apresenta comportamentos sexualizados, tendo chegado a simular a prática de actos de carácter sexual com objectos e outros menores e solicitado a sua prática a adultos; 28. O arguido DD encontra-se sujeito, desde o dia 14 de Outubro de 2016, à medida de coacção de prisão preventiva, a cumprir à data no Estabelecimento Prisional de Lisboa. 29. O arguido cresceu num agregado familiar composto pelos progenitores e por três irmãos mais novos: o BB, também arguido nestes autos, e o D. 30. O pai dos arguidos dedicava-se a trabalhos na agricultura, enquanto que a mãe mantinha empregos diversificados e temporários, efectuando, nomeadamente, limpezas em casas de particulares. 31. O contexto familiar do agregado era referenciado como destruturado, na medida em que o pai apresentava uma postura depressiva e hábitos alcoólicos e a mãe não se dedicava a prestar os cuidados à casa e aos filhos, que deambulavam pela localidade onde viviam sem acompanhamento parental. 32. O arguido DD estudou até ao 7.° ano, tendo abandonado os estudos aos 15 anos por falta de motivação e pela necessidade de ajudar a economia familiar; 33. E desde então tem-se dedicado a trabalhos na área da construção civil e na agricultura. 34. À data dos factos, o arguido e a sua companheira AA trabalhavam como caseiros no Monte…, dedicando-se ele a tarefas relacionadas com a agricultura, com a pecuária e com trabalhos de manutenção geral e ela a tarefas de limpeza. 35. O agregado familiar auferia o montante global de cerca de €830,OO mensais e beneficiava, sem encargos, de habitação cedida pelo patrão, bem como da utilização de uma horta que exploravam para a sua subsistência. 36. O arguido mantinha um relacionamento próximo com a família alargada, nomeadamente com os irmãos e com os progenitores, porém, à presente data, não mantém quaisquer visitas por parte da família. 37. No seio da comunidade onde vivia, o arguido era conotado como uma pessoa com um quotidiano comum e disponível para ajudar os outros, mas também era associado a consumos excessivos de álcool. 38. O arguido possui um reduzido juízo crítico acerca da ilicitude das suas condutas, não se revendo nos factos que lhe são imputados e atribuindo a terceiros a sua actual situação jurídico-penal. 39. O arguido DD não tem antecedentes criminais, porém já foi sujeito à medida de prisão preventiva num processo em que foi suspeito de ter abusado sexualmente dos irmãos D e BB, factos de que viria a ser absolvido. 40. A arguida AA cresceu no seio do agregado dos seus avós matemos, composto também por um tio, em Alcácer do Sal. 41. A arguida nunca conheceu o seu progenitor, mas mantinha contacto diário com a mãe, que morava na casa ao lado, com o seu companheiro e dois filhos mais novos. 42. O agregado familiar da arguida era referenciado como detentor de uma condição socioeconómica mediana e como normativo e afectuoso. 43.A arguida iniciou a escola em idade escolar e terminou o 11.° ano de escolaridade, sem incidentes de aprendizagem ou comportamentais. 44.Aos 18 anos de idade contraiu matrimónio, tendo-se deslocado para o Algarve com o então marido, onde trabalhou num restaurante, porém a relação terminou, volvido cerca de um ano. 45. Após a prisão preventiva do actual companheiro, a arguida despediu-se do seu trabalho e passou a viver em casa arrendada, pela qual suporta €100,00, não manifestando propósito de retomar a vida em comum com aquele. 46. A arguida iniciou a 17 de Julho de 2017 actividade laboral, como auxiliar de manutenção e higiene, num Lar de terceira idade em Montemor-o-Novo, auferindo um vencimento de €557,00 mensais, a que acresce subsídio de alimentação. 47. A arguida percepciona o ilícito e a censurabilidade em geral, mas apresenta um reduzido juízo crítico em relação aos factos que lhe são imputados, nos quais não se revê, bem como em relação às consequências daí decorrentes para as eventuais vítimas. 48. A arguida não tem antecedentes criminais. 49. O arguido BB concluiu, aos 18 anos de idade, o 9.° ano de escolaridade, em regime de ensino especial com currículo alternativo, devido a um deficit cognitivo ao nível da aquisição e da operacionalização de conhecimentos e do raciocínio lógico-abstracto. 50. O arguido frequentou dois cursos de formação na Cercimor, tendo demonstrado grande dedicação e envolvimento. 51. O arguido mantém, desde Outubro de 2016, uma relação conjugal com a companheira que conheceu na referida Instituição, mais madura e reveladora de capacidade organizativa e funcional. 52. O agregado é, igualmente, composto pelo filho daquela, com 17 anos de idade. 53. A 12 de Junho de 2017 o arguido iniciou trabalho na Cercimoz, no âmbito de medidas de apoio do IEFP para pessoas com deficiência e incapacidade, estando o seu termo previsto para 11 de Abril de 2018. 54. O agregado familiar do arguido conta com o seu vencimento no valor de €43l,32 mensais, acrescido de subsídio de alimentação, e com a bolsa de formação da companheira de idêntico valor, e despende €130,00 com a renda da casa. 55. O arguido possui um reduzido juízo crítico acerca da ilicitude das suas condutas, não se revendo nos factos que lhe são imputados. 56. O arguido BB não tem antecedentes criminais. II. 2. Factos não provados Com interesse para a causa, resultaram não provados os seguintes factos: A. A factualidade descrita no ponto 4) ocorreu antes de Maio de 2015. B. Nesse circunstancialismo o arguido DD exibiu o pénis erecto ao filho menor e ejaculou. C. Em data não concretamente apurada mas ocorrida quando CC tinha 4 (quatro) anos de idade, no interior do quarto do menor, AA deitou-se na cama do filho, despiu-se e exigiu que este lhe lambesse a vagina, enquanto ela lhe acariciava o pénis. D. O descrito no ponto 5) ocorreu antes de Maio de 2015. E. Nessa ocasião DD ordenou ao filho, CC, que se encostasse ao tractor de costas para si, colocou-se atrás dele e despiu-o, tendo, de seguida, aberto o fecho das calças, que vestia e retirado o pénis erecto do interior das mesmas. F. Perante o choro e os gritos do filho DD disse-lhe: "não grunhas, quem grunhe são os porcos". G. Nessa ocasião DD ejaculou. H. Na situação a que alude o ponto 8) DD aproximou-se do filho e despiu-o, enquanto AA assistia rindo. I. De seguida, DD e AA acariciaram o rabo e pénis do filho, CC. J. Após o que AA se despiu e se deitou. K. Enquanto CC lambia a vagina de AA esta acariciava-lhe o pénis. L. Na sequência do comportamento descrito no ponto 9) DD ejaculou. M. Aquando do referido em 10) DD ordenou a seu filho menor, CC, que se colocasse de costas viradas para si e despiu o mesmo. N. Tendo actuado da forma aí relatada até ejacular. O. No circunstancialismo narrado no ponto 11) DD começou por exibir o pénis erecto ao filho menor; P. E depois de introduzir na boca de CC colocou uma das mãos sobre a cabeça do mesmo e empurrou-a para cima e para baixo por diversas vezes, tendo acabado por ejacular. Q. Ainda no referido quadro, em data não determinada, na presença de AA , BB dirigiu-se ao quarto de seu sobrinho, CC, ordenou ao mesmo que se deitasse de costas e deitou-se, colocando o seu corpo sobre o corpo do menor. R. Acto contínuo, BB inseriu o seu pénis erecto no ânus de seu sobrinho, CC, e fez com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual até ejacular, enquanto AA assistia, rindo. S. Nesse circunstancialismo referido em 12) DD e BB despiram o menor CC. T. DD actuou da forma descrita em 13) até ejacular e enquanto BB mantinha o menor CC agarrado. U. Enquanto BB procedia conforme o relatado em 14), o que fez até ejacular, DD segurava o filho. V. No quadro referido em 18) e 19) BB ejaculou. W. Igualmente em data não apurada, no interior da residência onde habitava, BB dirigiu-se ao quarto onde o sobrinho menor, CC, se encontrava a dormir e despiu o mesmo. X. Após, BB inseriu o pénis erecto no ânus do sobrinho menor, CC, e fez com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual, até ejacular. II. 3. Motivação da decisão de facto A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, coerência do raciocínio e de atitude e sentido de responsabilidade manifestados - que, porventura, transpareçam em audiência. No caso em apreço, a convicção do Tribunal quanto à prova da factualidade supra exposta, baseou-se na análise crítica e conjugada das declarações dos arguidos, do ofendido CC, bem como das demais testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e, bem assim, na prova pericial e documental junta aos autos, tendo sempre como fio condutor as regras da vida e da experiência comum. Assim, quanto ao relacionamento existente entre os arguidos, à data de nascimento do ofendido e respectiva filiação, graus de parentesco e residência, o Tribunal atendeu ao teor das declarações dos arguidos e do menor e, bem assim, ao teor do assento de nascimento do menor CC e dos arguidos DD, BB e de AA, juntos, respectivamente, a fls. 48/49, 72173, 90/91 e 82/83. Já no que respeita à factualidade inserta nos pontos 3) a 19), o Tribunal valorou, essencialmente, o depoimento apresentado pelo ofendido CC, que - recorrendo a linguagem própria da sua faixa etária - apresentou um depoimento espontâneo, sincero, imparcial e desinteressado e, por conseguinte, convenceu e mereceu a credibilidade do Tribunal, infirmando o relato apresentado pelos arguidos. Com efeito, o menor - sem qualquer animosidade para com os arguidos, de quem, aliás, demonstrou gostar e sentir carinho - confirmou de forma peremptória, sincera e objectiva como o arguido DD, seu pai, lhe "tirava picos do rabo ", acto que descreveu como consistente em introduzir o pénis erecto (na sua expressão "duro" e "grande") no seu ânus e como tais factos ocorreram em diversas ocasiões. Logrou, ainda, o menor concretizar e autonomizar as cinco situações descritas na factualidade em análise, por recurso não só ao local onde os actos sexuais ocorreram (tractor, galinheiro e casa), mas também às demais circunstâncias que rodearam a sua prática, destacando-se, neste particular, o relato relativo ao facto de o pai persistir no seu propósito mesmo perante o seu choro e gritos, mandando-o calar por estar a fazer barulhos semelhantes ao de um porco e a descrição efectuada a propósito de o seu avô paterno, entretanto falecido, ter assistido à actuação, conjunta do pai e do tio, factos melhor enunciados nos pontos 12) a 14). Atestou, igualmente, o menor como o pai também lhe chegou a introduzir o pénis na boca e como lhe disse para proceder da forma descrita no ponto 4). Com a mesma espontaneidade e sinceridade confirmou CC como a sua mãe, a arguida AA, o obrigou a lamber-lhe a vagina e como, nessa ocasião, também o seu pai lhe "tirou picos do rabo". Desinteressadamente relatou o menor o facto de o pai e o seu tio BB terem actuado da forma descrita nos pontos 12) a 14) e como a mãe o chegou a presenciar, rindo-se do sucedido. Acrescentou, também, como o seu avô, MM, veio a surpreender os dois filhos na prática daqueles actos sexuais. Para balizar o período temporal em que tais factos ocorreram socorreu-se o Tribunal do certificado de óbito de MM, conjugado com o teor do seu assento de nascimento, documentos juntos a fls. 98 e 88/101 e que atestam que o falecimento do familiar do menor ocorreu no mencionado dia 8 de Outubro de 2015, pelo que os factos em causa terão forçosamente de ter ocorrido em momento anterior. Por fim, relativamente ao tio paterno, BB, o ofendido acabou por descrever como aquele também lhe acariciou e beijou as diversas zonas do corpo, entre as quais o rabo e o pénis. O menor descreveu, ainda, como tais acontecimentos o marcaram fisicamente, relatando que chegou a sangrar abundantemente do ânus, sangramento, aliás, confirmado, com isenção, pela professora do menor - MGF - e admitido pela própria arguida AA. Não fosse a simplicidade e a sinceridade do relato apresentado pelo ofendido ter convencido o Tribunal refira-se que a sua versão também encontrou apoio no teor do relatório pericial de natureza sexual junto a fls. 476/478 que dá conta das lesões fisicas de que o menor padece na zona anal: fissura anal com rectorragias e perda da normal estriação radiária do pregueamento anal, lesões essas que reflectem uma sucessão de lesões produzidas por acção contundente, compatível com a penetração crónica por um órgão sexual masculino. Por outro lado, refira-se que do relatório pericial de natureza psicológica junto a fls. 321/325 resulta que o menor tem um funcionamento cognitivo apropriado à idade, demonstrando capacidade para a conservação de memórias e que, não obstante o mesmo se revelar imaturo, nada permite por em causa a veracidade do relatado. Foram, aliás, tais relatórios que também permitiram a prova da factualidade descrita no ponto 20). Com especial importância veja-se, ainda, o depoimento objectivo e imparcial prestado por CT e JS, que acolheram o menor no âmbito do processo de promoção e protecção a que foi sujeito, e que deram conta dos comportamentos sexualizados que o mesmo passou a demonstrar para com os diversos membros da família e até com relação a objectos, comportamentos esses que não só se coadunam com uma anterior vivência sexual nos termos descritos pelo menor, como não são compatíveis com o normal comportamento de uma criança de 6 (seis) anos de idade, por regra totalmente inexperiente em tal matéria. Foi, pois, tal relato que permitiu a prova da factualidade a que alude o ponto 27). Por fim, em abono da versão apresentada importa referir a forma simplista e desprovida da noção da gravidade dos acontecimentos - pese embora a noção de que tal matéria constituía um segredo a que estava obrigado por imposição de terceiros - com que o ofendido acabou por denunciar os abusos a que se encontrava sujeito e que foi atestada, com imparcialidade e objectividade, pela testemunha MFC, psicóloga que já o acompanhava por dificuldades de aprendizagem ao nível escolar. Não fossem todos os meios de prova supram enumerados sustentarem a factualidade em análise, sempre se dirá que o depoimento dos arguidos não convenceu o Tribunal, porquanto infundado e desprovido de lógica e de objectividade. Com efeito, quiseram os arguidos fazer crer ao Tribunal que os factos que lhe são imputados não passam de uma invenção, de uma história construída com vista a prejudicá-los. Porém, quando questionados acerca de factos que sustentassem tal versão os mesmos não só não os lograram apresentar, como negaram que o menor CC tivesse por hábito inventar histórias ou mentir. Da mesma forma quando confrontados com as lesões físicas de que o menor padece na zona anal, os mesmos não souberam indicar qualquer justificação plausível para a sua existência. A este propósito importa referir que apesar de pretender fazer crer ao Tribunal da impossibilidade da ocorrência dos factos em discussão, a testemunha MB não convenceu o Tribunal, não só porque prestou um depoimento pouco isento e parcial, como revelou um conhecimento meramente superficial do quotidiano vivenciado pelo menor. No que tange ao elemento subjectivo enformador das condutas em análise, os factos descritos nos pontos 21) a 26) resultam do cotejo da matéria objectiva dada como provada nos pontos 1) a 20), que permitiu a este Tribunal, com base em regras de experiência comum, inferir a sua verificação. Com efeito, qualquer homem médio colocado na posição dos arguidos tem conhecimento não só de que os actos praticados assumem natureza sexual, como os mesmos podem afectar a liberdade de autodeterminação sexual de menores e, por conseguinte, o seu bem-estar físico e psíquico e como a falta de desenvolvimento de um menor é apta a colocá-lo na impossibilidade de se auto determinar perante os instintos sexuais de um adulto, tanto mais quando esse adulto é o seu próprio progenitor ou tem com ele uma relação familiar de grande proximidade. Resulta, igualmente, lógico para qualquer cidadão colocado na posição de qualquer homem médio o carácter ilícito de tais comportamentos, conhecimento que, aliás, os arguidos demonstraram possuir. Os factos atinentes às condições pessoais e económicas dos arguidos resultaram do cotejo do teor dos relatórios sociais junto aos autos - elaborado por entidade terceira e desprovida de qualquer interesse nos autos -, com as declarações e posturas mantidas pelos próprios ao longo do julgamento. No que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos, o Tribunal atendeu ao teor dos Certificados de Registo Criminal juntos aos autos, sendo que a matéria inserta no ponto 39) resultou das próprias declarações do arguido DD. No que tange à matéria de facto dada como não provada a mesma resultou da ausência de suporte probatório que a sustentasse. Com efeito, o ofendido não logrou especificar temporalmente ou até mesmo por referência à sua faixa etária as concretas datas em que os factos ocorreram, motivo pelo qual se deu como não provada a factualidade a que se reportam os pontos A), C) (primeira parte) e D). Da mesma forma, ao longo do seu depoimento o menor não especificou pormenores como os descritos nos pontos B), E), G), H) a P), S) a V), o que não desacreditou o seu relato, revelando-se, aliás, conforme ao comportamento de qualquer vítima com a idade do ofendido sujeito a interrogatório sobre actos de natureza sexual a que tenha sido sujeito. Revelou, aliás, evidente o desconforto sentido pelo menor no relato do sucedido, demonstrando-se o mesmo envergonhado e triste. No que se refere aos factos descritos na segunda parte do ponto C) a sua não prova resultou do facto de o ofendido ter afirmado de forma peremptória que o abuso sexual sofrido por parte da sua mãe e consistente no lamber da vagina daquela apenas ter ocorrido por uma ocasião, versão que encontrou acolhimento nos pontos 8) a 10). Relativamente ao ponto F) apenas se logrou provar o referido no ponto 7), pois o menor não concretizou a prolação da expressão constante da acusação. A não prova dos factos insertos nos pontos Q) a R) resultou do facto de o menor CC não ter especificado a ocorrência de uma situação como a descrita, apenas tendo associado a assistência da mãe aos abusos sofridos a uma situação em que o pai e o tio paterno terão actuado conjuntamente, versão que se exarou nos pontos 12) a 16). Por fim, a ocorrência dos factos a que se referem os pontos W) e X) não foi confirmada pela vítima, que, por mais de uma ocasião, negou que o tio BB lhe tenha tirado "picos do rabo ". * III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III. 1. Enquadramento jurídico-penal dos factos provados Nos presentes autos é imputada ao arguido DD a prática, em concurso real e sob a forma consumada: como autor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e de quatro crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e n.º 2, e 177.º, n. 1, alínea a), do Código Penal, e como co-autor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º1 e n.º 2, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. Por outro lado, é imputada à arguida AA a prática, em concurso real e sob a forma consumada: como autora, de dois crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171., n.º 1, e 177., n.º 1, alínea a), do Código Penal; e como cúmplice, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º1, alínea a), do Código Penal. Por fim, ao arguido BB é imputada a prática, em concurso real e sob a forma consumada, como autor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal e de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1 e n.º 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. Em sede de considerações prévias cumpre referir que a Reforma de 1995 do Código Penal dividiu o capítulo destinado aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, em três secções: uma primeira, a que se deu a epígrafe de "crimes contra liberdade sexual ", onde se inscreve, entre outros, o crime de violação, o crime de coacção sexual e o crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência; uma segunda, que denominou "crimes contra a autodeterminação sexual ", onde se insere, nomeadamente, o crime de abuso sexual de crianças e o crime de abuso sexual de menor dependente; e uma terceira - ainda que não perfeitamente autonomizada - que contém as disposições comuns às duas secções. Em todas as referidas secções estão em causa bens jurídicos que primariamente se prendem com a própria esfera sexual das pessoas. A razão de ser da distinção prende-se com o facto de a secção I proteger, sem fazer acepção de idade, a liberdade (e/ou a autodeterminação) sexual de todas as pessoas, a auto-conformação da vida e das práticas sexuais da pessoa. Cada pessoa adulta tem o direito de se determinar como quiser em matéria sexual, seja quanto às práticas a que se dedica, seja quanto ao momento ou ao lugar em que a elas se entrega ou ao(s) parceiro(s), também adulto(s), com quem as partilha - pressuposto que aquelas sejam levadas a cabo em privado e este(s) nelas consinta(m). Se, e quando, esta liberdade for lesada de forma importante, a intervenção penal encontra-se legitimada e, mais do que isso, toma-se necessária. Por seu turno, a secção II do mesmo capítulo estende essa protecção a casos que ou não seriam crime se praticados entre adultos, ou sê-lo-iam dentro de limites menos amplos, ou ainda, em qualquer caso, assumiriam uma menor gravidade; e estende-a porque a vítima é uma criança ou um menor de certa idade. Pode assim afirmar-se que nesta secção o bem jurídico protegido é também, a liberdade e autodeterminação sexual, mas ligado a um outro bem jurídico que é do livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual. A lei presume que a prática de actos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de acções sexuais bilaterais (conforme salienta LOPES, José Mouraz - Os contra a liberdade e a autodeterminação sexual no Código Penal, Coimbra Editora, pág. 56 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Setembro de 2007, processo n." 07P2273, relator: Santos Cabral, www.dgsi.pt). Até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em actividades sexuais. No domínio dos crimes sexuais relativamente a menores, o legislador optou por uma protecção escalonada em razão da idade, reconhecendo que tal circunstância confere especificidades ao bem jurídico protegido que justificam a autonomia da densificação normativa típica. Assim, no abuso sexual de crianças - artigo 171.° do CP - é punido quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o importunar com acto de carácter exibicionista ou ainda sobre ele actuar por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos. Depois nos crimes de abuso sexual de dependentes - artigo 172.° do CP - e prostituição de menores - artigo 174.° do CP - confere-se protecção a menores com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos. Por seu turno, no crime de actos sexuais com adolescentes - artigo 173.° do CP - protege-se a faixa etária dos menores entre os 14 e os 16 anos relativamente a actos sexuais de relevo. A integração harmónica dos diversos preceitos citados inculca, por si só, que o limite temporal mínimo nas duas últimas hipóteses corresponde à data em que se completem os 14 anos e, por seu turno, o limite superior é balizado pela data em que se completam os 18 ou 16 anos, respectivamente. Em abono de tal conclusão temos não só argumentos de natureza lógico-formal, mas também a génese da infracção em causa. De facto, da conjugação dos diversos preceitos legais resulta que o limite etário dos 14 anos é entendido como a fronteira entre a infância e a adolescência. Por outro lado, se no nosso sistema jurídico-criminal a idade da imputabilidade foi estabelecida por referência precisamente aos 16 anos, reconhecendo o legislador que esse será o marco em que o jovem, sendo ainda menor, é já capaz de se auto determinar e de perceber e avaliar as consequências dos seus actos - por virtude de ter atingido um grau de maturidade que lhe permite ter plena consciência da substância inerente à acção praticada - não se compreenderia a tutela penal relativamente comportamento sexual consensual para além de tal limite de idade (neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Junho de 2014, processo n." l298/09.4JAPRT.Pl, relator: Maria Deolinda Dionísio, www.dgsipt). Efectuado este enquadramento prévio passemos à análise dos elementos do tipo objectivo e subjectivo dos ilícitos imputados aos arguidos. Dispõe o n. ° 1 do citado artigo 171.° que pratica um crime de abuso sexual de criança quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa. Já nos termos do n. ° 2 a pena a aplicar é agravada se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos. Também é punido, mas agora nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 171.°, quem importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.° do CP. Pune este último preceito, como crime de importunação sexual, a conduta de quem importunar outra pessoa, praticando perante ela actos de carácter exibicionista, constrangendo-a a contacto de natureza sexual ou, na redacção introduzida pela Lei 83/2015 de 5 de Agosto, formulando propostas de teor sexual. Saliente-se que, pese embora, o artigo 171.° do CP tenha sofrido alterações decorrentes da Lei n.º 103/2015 de 24 de Agosto - nomeadamente na alínea c) do n.º 3 - os n.ºs 1 e 2 - únicos que para o caso nos interessam - mantiveram a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007 de 15 de Março. Em primeiro lugar, refira-se estarmos perante um crime de perigo abstracto uma vez que não se exige um um efectivo dano para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico, bastando-se o legislador com a mera potencialidade de tal ocorrência. Não obstante, a verificação do perigo não é elemento do tipo, mas apenas o motivo ou a ratio legis que conduziu o legislador à incriminação. O bem protegido pela incriminação é o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual. Como já se mencionou, os crimes contra a autodeterminação sexual tipificam condutas livres de violência e de ameaças graves mas que são susceptíveis de causar graves danos no desenvolvimento da personalidade do menor, uma vez que este não tem ainda capacidade para formar livremente a sua vontade. "O princípio que fundamenta a menoridade sexual não é qualquer suposição de que o jovem abaixo da idade definida legalmente não tenha desejo ou prazer sexual, mas, sim, que ele não desenvolveu ainda as competências consideradas relevantes para consentir em uma relação sexual. Só o tempo, por meio de um processo de socialização no qual o sujeito racional completo é (con)formado permite a modelação de um processo de decisão correctamente elaborado" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2014, processo n." 1287/08.6JDLSB.Ll.Sl, relator: Santos Cabral, www.dgsipt). Agente pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, os familiares ou mesmo os pais da vítima. A vítima, por outro lado, terá necessariamente uma criança ou um jovem menor de 14 anos, sendo, contudo, irrelevante o seu sexo. Tipicamente indiferente é também que a vítima seja ou não sexualmente iniciada; que possua ou não capacidade para entender o acto sexual que nela, com ela ou perante ela se pratica ou se leva a praticar e, ainda, que lhe caiba uma intervenção activa ou puramente passiva no processo. Conforme resulta do preceito em análise, o conteúdo sexual do acto pode assumir diferente natureza, o que alcança directo reflexo ao nível da moldura abstracta da pena a aplicar. Para o que nos interessa, importa, pois, delimitar o que se entende por acto sexual de relevo, por contraponto ao que se deve considerar como contacto de natureza sexual. O significado do termo "acto sexual" não é imediatamente apreensível, sendo, aliás, objecto de grande controvérsia na jurisprudência e na doutrina, onde se têm vindo a desenhar três correntes: uma de pendor objectivista, outra de pendor subjectivista e uma outra que poderemos designar de mista. Para a primeira das referidas teses, por acto sexual deve entender-se o comportamento que, de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por conseguinte, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou de quem o pratica. Já a segunda corrente defende que à referida conotação objectiva deve acrescer uma outra subjectiva, traduzida na intenção do agente de despertar ou satisfazer, em si ou em outrem, a excitação sexual, correspondente à designada intenção libidinosa. Por fim, de acordo com a tese mista o conceito tanto poderá ser integrado pela sua acepção objectiva, como subjectiva. Em nosso entendimento, tal como defende Figueiredo Dias, deve dar-se prevalência à interpretação objectivista do conceito, considerando-se, por conseguinte, irrelevante o motivo da actuação do agente. Não obstante, não se atribuir relevo típico à existência ou não de intenção libidinosa por parte do agente, tal não equivale a afirmar que o carácter sexual do acto deve ser determinado através da sua pura individualidade exterior. Com efeito, para a determinação do conteúdo do carácter sexual do acto poderá também relevar o circunstancialismo de lugar, de tempo e de condições que o rodeia e que o faça ser reconhecível pela vítima como sexualmente significativo (nesse sentido, FIGUEIREDO DIAS, Jorge - "Comentário ao artigo 163.° do Código Penal"; Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial - Artigos 131. o a 201. o; Tomo I, dirigido por: Jorge de Figueiredo Dias; Coimbra Editora, 1999, pág. 448). O elemento objectivo do tipo de ilícito em apreço exige, igualmente, que o acto sexual se possa considerar de relevo, o que impõe ao intérprete que afaste da tipicidade não apenas os actos insignificantes ou bagatelares, mas que investigue do seu relevo na perspectiva do bem jurídico protegido. O que equivale a dizer que dizer que importa que o acto represente um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima (tais como o beijo na boca, a masturbação dos órgãos genitais, o apalpar os seios, pressionar a zona púbica ainda que por cima das cuecas, ejacular ou urinar sobre a vítima, esfregar o pénis no rabo da menor simulando a cópula ¬ exemplos colhidos da doutrina e da jurisprudência enunciada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12 de Abril de 2010, processo n." 42/06.2TAMLG.G 1, relator: Cruz Bucho, www.dgsipt) . Distinto do acto sexual de relevo, temos o contacto de natureza sexual, a que alude o artigo 170.° do CP. O contacto de natureza sexual consubstanciará a prática, no corpo do sujeito passivo, de um acto com significado sexual, mas que não assume, contudo, a gravidade de acto sexual de relevo, objecto de incriminação distinta e mais gravosa. Não obstante, não podemos olvidar que tal contacto, de cariz sexual, terá de assumir alguma gravidade, sob pena de injustificada intervenção do Direito Penal. Haverá, pois, que apreciar da respectiva ressonância valorativa em face do bem jurídico que é ofendido, tanto quanto viável numa perspectiva objectiva que não se quede por critérios da vítima, do agente ou de representações meramente morais (neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Maio de 2012, processo n." 37/l1.4GDARL.El, relator: Carlos Berguete Coelho, www.dgsi.pt; PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo - Comentário do Código Penal - à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; Universidade Católica Editora, Lisboa, Dezembro de 2008, pág. 468) Nessa conformidade, o contacto de natureza sexual pode incluir o toque (com objectos ou partes do corpo) da nuca, do pescoço, dos ombros, dos braços, das mãos, do ventre, das costas, das pernas e dos pés da vítima (considerando como contacto de natureza sexual o acto propositado de fazer deslizar as mão pelas costas e o roçar com as pernas e a mão nas nádegas, veja-se o supram citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Maio de 2012). Exige-se, igualmente, que o acto seja praticado com a vítima ou na vítima. Nessa conformidade, não será punido nos termos do n. ° 1 do artigo 171. ° do CP, mas apenas como acto exibicionista que integra a alínea a) do n. ° 3 deste preceito - por referência ao crime de importunação sexual previsto e punido no artigo 170.° do CP -, o constrangimento a acto sexual de relevo praticado pelo agente ou por terceiro( s) perante a vítima (nosso sublinhado). Assim, a exibição do pénis e/ou o seu manuseamento, erecto ou não, perante vítima menor de 14 anos, a quem se causa receio, susto, intimidação e perturbação, atingindo-se, por conseguinte, a liberdade da vítima na vertente da sua autodeterminação sexual e perturbando-se o desenvolvimento livre da sexualidade, realiza o tipo da alínea a) do n. 3 do artigo 171.° e não o do n.º 1 do Código Penal (neste sentido, veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7 de Janeiro de 2014, processo n." 59/l1.5GDPTG.El, relator: Ana Barata Pinto, www.dgsipt). A lei considerou, pois, decisivo o tocar o corpo da vítima, reconhecendo nesse acto um perigo intensificado para a sua autodeterminação sexual. Saliente-se, porém, que o acto de tocar no corpo da vítima não tem de ser levado a cabo pelo corpo do agente ou de terceiro. Não é, pois, indispensável o mútuo contacto corporal, bastando para integrar o conceito de actos sexuais de relevo toques com objectos ou mesmo acções como as de ejacular ou urinar sobre a vítima. Por fim, saliente-se que não se toma necessário o acompanhamento consciente por parte da vítima do acto sexual de relevo, uma vez que o tipo abrange também aqueles casos em que o acto teve lugar com pessoa que se encontrava inconsciente. Muito menos se exige a compreensão pela vítima do significado sexual do acto e, ainda menos, a apreensão do seu caracter sexualmente "imoral" (conforme salienta FIGUEIREDO DIAS, Jorge - "Comentário ao artigo 163.° do Código Penal"; op. cit. pág. 453). Acaso o acto sexual de relevo consista em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos já estamos perante o ilícito a que alude o n. 2 do artigo 171.° do CP. Pese embora também tenha sido amplamente discutido na jurisprudência o que se deveria considerar como integrando o conceito de cópula, temos por assente que o entendimento maioritário é o de que se deve entender por cópula a penetração da vagina pelo pénis, como resultado de uma relação heterossexual de conjugação carnal entre órgãos sexuais masculinos e femininos. Exige-se, pois, a introdução completa ou incompleta do órgão sexual masculino na vagina, afastando-se a equiparação com a chamada cópula vestibular ou vulvar (FIGUEIREDO DIAS, Jorge - "Comentário ao artigo 164.° do Código Penal"; Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial ¬Artigos 131. o a 201. o; Tomo I, dirigido por: Jorge de Figueiredo Dias; Coimbra Editora, 1999, pág. 472 e, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2008, processo n. ° 08P2874, relator: Santos Cabral, www.dgsi.pt e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Maio de 2010 processo n." 77/07.8TAPTB.G2, relator: Margarida Almeida, www.dgsipt). Em abono desta conclusão refira-se que a tal acto é equiparado o coito anal e o coito oral - consistindo, o primeiro, na penetração do ânus e, o segundo, na penetração da boca pelo pénis -, tendo, ainda, como paralelo o acto de introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos. Por tal motivo, aliás, a jurisprudência maioritária, senão mesmo uniforme, tem distinguido as situações de coito oral das de sexo oral, enquadrando estas últimas no n.º 1 do artigo 171.° do CP, ou seja, considerando-a um acto sexual de relevo (neste mesmo sentido veja-se Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de maio de 2016, processo n." 225/l2.6JAA VR.Pl, relator: Moreira Ramos, www.dgsi.pt; o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2010, processo n." 19/04.2JALRA.C2.Sl, relator:Armindo Monteiro, www.dgsi.pt e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Julho de 2013, processo n." 32/l0.0PLLRS.Ll-5, relator: José Adriano, www.dgsi.pt, entre outros). No que se refere ao elemento subjectivo do tipo de ilícito em apreço importa referir que se exige a existência de dolo, pelo menos sob a forma de dolo eventual, necessário relativamente à totalidade dos elementos constitutivos do tipo objectivo de ilícito. Porquanto os arguidos se encontram acusados da prática de crimes de abuso sexual de menor agravados importa trazer à colação o estatuído no artigo 177.° n." 1 alíneas a) e b) do CP. Do disposto em tal preceito resulta que as penas previstas, nomeadamente no artigo 171.°, são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for descendente do agente (alínea a) do n." 1) ou se encontrar numa relação familiar com o agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação (alínea b) do n.º 1). Não obstante tal normativo tenha sofrido alterações decorrentes das Leis n.º 83/2015 de 5 de Agosto e n.º 103/2015 de 24 de Agosto o n.º 1 alíneas a) e b) - na parte que para o caso interessa, mantiveram a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007 de 15 de Março. Por outro lado, não obstante se ter introduzido uma outra causa de agravamento: a prevista no n.º 4, quando o crime tenha sido cometido conjuntamente por duas ou mais pessoas, o certo é que esta alteração foi introduzida pela Lei n.º 103/2015 de 24 de Agosto e não resultou provado nos autos que os factos descritos nos pontos 8) a 9) e 12) a 15) tenham ocorrido depois da data da sua entrada em vigor (apenas se sabendo que foram em data não apurada, ainda que os últimos em momento anterior a 8 de Outubro de 2015), pelo que em observância do estatuído no artigo 2.° do CP tal agravante não deverá ser tida em consideração. Estamos perante um crime qualificado ao nível do tipo de ilícito, uma vez que os elementos aí previstos contendem com um desvalor mais acentuado da acção e da conduta do agente, por contraponto a outras causas de agravação - nomeadamente as previstas nos n.ºs 3 e 4 - que contendem directamente com o maior desvalor do resultado do ilícito. É precisamente a existência de uma relação especial ou de certo tipo entre a vítima e o agente que, acarretando um maior desvalor do tipo de ilícito, fundamenta autonomamente a agravação da pena. Uma relação que, por um lado, pode condicionar o comportamento sexual da vítima e que, por outro, pode favorecer a actuação do agente, o qual, dada a relação existente, não acredita na probabilidade de uma ulterior denúncia dos factos, juízo pertinente uma vez que alguns dos ilícitos agravados assumem uma natureza semi-pública (veja-se artigo 178.° do CP). N o caso da alínea b) do n. ° 1 para que a agravante possa operar exige-se, igualmente, que o crime tenha sido praticado com aproveitamento desta relação, não bastando pois que tal relação exista. Estamos aqui perante um elemento do tipo objectivo de ilícito, cujo preenchimento está dependente da conclusão de que o acto sexual foi condicionado pela existência de um determinado tipo relação, o que é demonstrativo de uma restrição efectiva à liberdade e autodeterminação sexual da vítima (conforme ANTUNES, Maria João - "Comentário ao artigo 177.0 do Código Penal"; Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial- Artigos 131.0 a 201.0; Tomo I, dirigido por: Jorge de Figueiredo Dias; Coimbra Editora, 1999, pág. 587). No caso concreto a relação legalmente prevista como causa de agravação da pena a considerar é a designada "relação familiar". Não definindo o legislador o que se deve entender por tal relação - sendo que tal conceito é, igualmente, utilizado na estatuição de outros tipos de ilícito, nomeadamente no crime de coacção a que alude o n." 2 do artigo 163.º do CP - cabe ao julgador, em obediência ao princípio da legalidade ínsito ao processo penal, proceder à sua concretização. Ora, tendo por referência a agravação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 177.º, onde o legislador optou por enumerar concretos graus de parentesco e de afinidade, defendemos o entendimento de que no conceito "relação familiar" a que alude a alínea b) caberão todas as demais situações que configurem uma relação de parentesco e de afinidade não expressamente previstas naquele outro preceito, nomeadamente relações de parentesco e/ou de afinidade em 3.º e 4.º grau (neste mesmo sentido, veja-se PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo - Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; Universidade Católica Editora, Lisboa, Dezembro de 2008, pág. 445). Fora do conceito de relação familiar relevante para efeitos de agravação da pena ficarão, pois, todas as relações em que, pese embora possa existir um grau de proximidade semelhante ao da família, não se possam enquadrar na noção de parentesco ou de afinidade, em concreto: as relações parafamiliares, tais como a vivência em união de facto e em economia comum e as situações em que alguém assume, fora do âmbito da tutela ou curatela (estas expressamente previstas na alínea b) do n. ° 1 do artigo 177.º em análise), a guarda e cuidados de um terceiro. ln casu, resultou provado que em datas não concretamente apuradas - mas tendo CC menos de 6 (seis) anos de idade – DD e AA começaram a procurar o menor para satisfazerem os seus desejos sexuais, não obstante saberem que o mesmo é filho deles, que tinha menos de 6 (seis) anos de idade e que se encontrava às suas guarda e cuidados e sob as suas assistência e protecção. Por outro lado, BB, tio paterno do menor CC, também começou a procurar o sobrinho para com ele satisfazer os seus desejos sexuais. No quadro dos descritos comportamentos, o arguido DD actuou da forma que a seguir se descrimina: - numa ocasião, em data não concretamente apurada, DD exigiu ao seu filho menor, CC, que agarrasse o seu pénis erecto e que fizesse com as mãos movimentos ascendentes e descendentes; - numa outra, também em data não apurada e junto a um tractor existente no Monte…, DD inseriu o seu pénis erecto do interior do ânus de seu filho menor e, acto contínuo, começou a fazer com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual; - numa terceira ocasião, no interior da residência e desta feita na companhia da mãe do menor que obrigou o menor a lamber-lhe a vagina, DD inseriu o pénis erecto no ânus de seu filho e fez com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual; - numa quarta ocasião, igualmente em data não apurada, junto ao galinheiro do Monte onde habitavam, DD voltou a inserir o pénis erecto no ânus de seu filho menor, CC, fazendo com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual; - numa quinta ocasião, em data não concretamente apurada, no interior da residência, DD introduziu o pénis erecto na boca do filho menor, CC, aí o friccionando em movimentos de vai e vem; por fim, - numa sexta e última ocasião, em data não determinada mas anterior a 8 de Outubro de 2015, no interior da residência, DD, acompanhado de BB, inseriu o pénis erecto no ânus do filho e fez com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual, sendo que aquele outro também procedeu da mesma forma. Também a arguida AA actuou da seguinte forma: - em data não determinada, no interior do quarto do menor, AA exigiu que o filho, CC, lhe lambesse a vagina, o que este fez, sendo que nessa ocasião também o pai do menor se encontrava presente e inseriu o pénis erecto no ânus do menor e fez os movimentos próprios da relação sexual; - em data não determinada mas anterior a 8 de Outubro de 2015, no interior da residência da família, AA presenciou o pai do menor e o seu tio BB a introduzirem o pénis erecto no ânus daquele e a fazerem com o corpo os movimentos oscilantes característicos da relação sexual, perante o que se riu. Por fim, actuou o arguido BB nos seguintes termos: - em data e local não determinados, BB aproximou-se de seu sobrinho, CC, beijou e acariciou o mesmo na face, olhos, boca, braços, barriga, pernas, pénis e rabo, acto contínuo ordenou-lhe que agarrasse o seu pénis erecto e fizesse, com a mão, movimentos ascendentes e descendentes, assim obtendo prazer sexual. Todos os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas. Actuaram ainda, com consciência de que o CC era, respectivamente, seu filho à sua guarda e responsabilidade e seu sobrinho, que tinha menos de 6 (seis) anos de idade, de que as zonas do corpo em que tocaram constituem património íntimo e uma reserva pessoal da sexualidade do menor, de que punham em causa o seu são desenvolvimento da consciência sexual e de que ofendiam o respectivo sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, causando-lhe grande sofrimento físico e psíquico, que interrompiam o percurso normativo do desenvolvimento psicossexual do menor e o erotizavam antes de este dispor de competências cognitivas, sociais e emocional para regularizar a sua sexualidade, bem como para evitar o contacto sexual com um adulto. Tendo por consideração o que se entende ser um acto sexual de relevo temos de concluir que os factos praticados pelo arguido DD na primeira das referidas ocasiões; os praticados pela arguida AA descritos no ponto 8) e, bem assim, os praticados pelo arguido BB integram o referido conceito e, por conseguinte, o n.º 1 do artigo 171.° do CP, senão vejamos. Conforme já se referiu, a prática de um acto sexual de relevo não pressupõe o necessário envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes, aferindo-se antes de mais como o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais e em que haja, da parte do seu autor, a intenção de satisfazer apetites sexuais. Por outro lado, o acto sexual de relevo assume um significado directamente relacionado com a esfera da sexualidade de quem o sofre ou de quem o pratica, revelando para a sua determinação o circunstancialismo de lugar, de tempo e de condições em que o mesmo é praticado, bem como o facto de ser reconhecível pela vítima como sexualmente significativo. Ora, no caso dos autos o arguido DD exigiu que o menor manipulasse o seu pénis em movimentos descendentes e ascendentes, ou seja, que o masturbasse. O mesmo sucedeu com o arguido BB que, para além disso, também beijou o menor no pénis e no rabo. Por outro lado, também a arguida AA obrigou o menor a lamber-lhe a vagina, remetendo-se a este propósito para o que se referiu a propósito do que se deve entender por coito oral, acto previsto no n." 2 do artigo 171.° do CP. Ora, não só os arguidos actuaram por forma a procurar satisfazer os seus apetites sexuais, como invadiram uma área particularmente reservada da sexualidade do menor. Refira-se, igualmente, que no contexto em que foram praticados, os actos assumiram um significado claramente sexual. Uma especial referência se impõe relativamente ao comportamento do arguido BB, pois, pese embora se tenha logrado provar que o mesmo beijou o pénis do menor, o certo é que tal acto, por si só, não se tem por equivalente ao coito oral- conduta que integraria não o n.º 1 do artigo 171.° do CP, mas o n.º 2 - na medida em que se tem por necessário para preenchimento deste acto a introdução e a manipulação do órgão sexual na boca, o que no caso não se provou ter ocorrido. Por outro lado, temos que o arguido DD por quatro vezes distintas sujeitou o menor a coito anal mediante a introdução do seu pénis erecto no ânus daquele e aí o movimentando, tendo em duas dessas ocasiões actuado em conjunto com terceiras pessoas, e, numa quinta ocasião, sujeitou o filho a um acto de coito oral, tendo introduzido o seu pénis erecto na boca daquele e aí o friccionando. Já a arguida AA presenciou a sujeição do seu filho a coito anal por parte do pai e do tio, perante o que não só se riu, como nada fez para o evitar. Todos estes factos integram, pois, os elementos objectivos e subjectivos do tipo previsto no artigo 171.° n.º 1 e 2 do CP. Todos os ilícitos são agravados por força da verificação das circunstâncias previstas nas alíneas a) e b) do n. ° 1 do artigo 177. ° do CP, na medida em que os agentes são os progenitores e o tio paterno da vítima, tendo-se este último logrado aproximar-se fisicamente do menor por força da relação de parentesco que os unia e, por conseguinte, dos contactos familiares que com o mesmo mantinha. Atentas as formas de comparticipação imputadas aos arguidos DD e AA importa trazer à colação o disposto no artigo 26.° e seguintes do CP. Estabelece o citado artigo 26.° que é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução. Paralelamente, dispõe o artigo 27.° do mesmo diploma, que é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso. De uma forma resumida, dir-se-á que a co-autoria pressupõe um elemento subjectivo - o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica -, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução. A execução conjunta não exige, contudo, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina. Tal como o autor deve ter o domínio funcional do facto, também o co-autor tem que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo, e que, na execução desse acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização desse objectivo. A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio fisico (material) ou psíquico (moral), consubstanciando esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor. Na cumplicidade material haverá sempre a exterioridade de um comportamento, uma acção exterior, revelada e visível, dirigida ao favorecimento do agente do facto. De igual modo, a cumplicidade psíquica (auxílio moral) supõe um qualquer meio, palavra, gesto, ou comportamento, que revele a vontade de reforçar a acção do agente de facto; por regra, a mera cogitatio ou a aceitação passiva não pode constituir cumplicidade, não revelando, nesta perspectiva, o ponto de vista do agente do facto, mas apenas a perspectiva e a vontade do suposto cúmplice. A cumplicidade só pode, pois, revelar-se através da causalidade; especialmente na cumplicidade psíquica, sem elementos reveladores de causalidade não se pode responder à questão de saber se há auxílio ou se houve favorecimento do facto principal. Por outro lado, o auxílio na cumplicidade é doloso: deve actuar dolosamente tanto em relação ao auxílio, como na direcção do auxílio em relação ao facto do agente (dolo duplo). No caso dos autos temos como provado que DD e BB decidiram procurar CC para com ele satisfazerem os seus desejos sexuais, tendo acabado, cada um deles por introduzir o seu pénis erecto no ânus do menor e aí o friccionarem. Actuou, pois, o aqui arguido DD em co-autoria com aquele outro. Diferente grau de participação temos quando AA, ao presenciar a prática de actos de coito anal por parte do pai e do tio paterno do seu filho, para além de se rir, nada faz para os impedir. Não se tendo provado que a arguida haja tomado parte directa na execução dos factos que integram o crime de abuso sexual e não tendo a mesma o domínio dos mesmos, fica afastada a sua participação como co-autora, já que esta se configura como um cometimento em comum de um facto punível, através de uma actuação conjunta, consciente e querida. Apreciemos, pois, se a mesma actuou como cúmplice. Por regra, a simples presença física não é mais que um não acto. O facto de permanecer não constitui elemento nem revelador do dolo de auxílio, nem causal do apoio ao facto do co-arguido. Nada fazer para impedir situa-se, por regra, já fora do plano lógico da cumplicidade; o auxílio não pode consistir no não cumprimento ou na frustração do facto, ou em não retirar o objecto do crime da disponibilidade, ou da continuação da disponibilidade do agente. O mesmo já não se pode entender quando existe uma qualquer conformação dirigida ao facto: a oferta de auxílio, o conforto por palavras, a garantia e a intenção de contribuição para o resguardo, nomeadamente, por quem, tal como a arguida nos autos, tem um dever de garante perante a vítima. Ora, quando ao presenciar o abuso sexual praticado pelo pai e tio paterno ao seu filho, a arguida se riu a mesma não se limitou a presenciar os factos, mas auxiliou moralmente o comportamento daqueles, dando-lhes conforto e a garantia de que, não obstante ter para com a vítima um dever de garante, iria contribuir para que os factos criminosos fossem praticados de acordo com o plano delineado pelos seus agentes. Temos, pois, que a mesma foi cúmplice do ilícito em causa. Conclui-se, assim, que o arguido DD deverá ser condenado pela prática, em concurso real e sob a forma consumada: - como autor material de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e de quatro crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171º, n.º1 e n.º2, e 177.º, n.º1, alínea a), do Código Penal; e - como co-autor, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171., n.º 1 e n. 2, e 177., n. 1, alínea a), do Código Penal. Já a arguida AA deverá ser condenada pela prática, em concurso real e sob a forma consumada: como autora, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171., n. ° 1, e 177., n. ° 1, alínea a), do Código Penal; e como cúmplice, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171., n.os 1 e 2, e 177., n. 1, alínea a), do Código Penal. Por fim, o arguido BB deverá ser condenado pela prática, como autor e sob a forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171., n. º1, e 177., n.º 1, alínea b), do Código Penal. Dos demais crimes imputados deverão os arguidos AA e BB ser absolvidos, uma vez que dos mesmos não se fez prova. * III. 2. Da medida da pena O crime de abuso sexual de crianças agravado previsto no artigo 171.º n. ° 1 e 177. ° n. ° 1 alíneas a) e b) do CP, é punido com uma pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 10 (dez) anos e 8 ( oito) meses e prisão. Por outro lado, o crime de abuso sexual de crianças agravado previsto no artigo 171. ° n. s 1 e 2 e 177.º n.º 1 alíneas a) e b) do CP, é punido com uma pena de 4 (quatro) a 13 (treze) anos e 4 ( quatro) meses prisão. Acaso o agente do crime tenha actuado sob a forma de cumplicidade, a pena a aplicar é a prevista para o autor especialmente atenuada nos termos do disposto nos artigos 27. n.ºs 2 e 73. do CP, o que resulta relativamente ao crime previsto nos artigos 171. n.ºs 1 e 2 e 177. n.º 1 alínea a) do CP numa pena de 9 (nove) meses e 18 dias a 10 (dez) anos de prisão. Com interesse para a causa importa, ainda, referir que artigo 179º do CP - sob a epígrafe "Inibição do poder paternal e proibição de exercício de funções" - prevê ainda que quem for condenado por crime previsto nos artigos 163º a 176º pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser: a) inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela; ou b) proibido do exercício de profissão, função ou actividade que impliquem ter menores sob sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância; por um período de dois a quinze anos. Tal preceito foi revogado pelo artigo 9.° da Lei n. 103/15 de 24 de Agosto - que entrou em vigor 30 dias após a sua publicação -, tendo esta Lei introduzido preceitos equivalentes sob os artigos 69.-B e 69.-C do CP, que não só autonomizaram as sanções acessórias de proibição de exercício de funções das respeitantes à proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais, como aumentaram consideravelmente o período da proibição, que passou a ser de cinco a vinte anos. In casu, não obstante a acusação não fazer menção às referidas sanções acessórias consideramos que, cumprido que seja o disposto no artigo 358.° n.º3 do CPP, pode haver lugar à sua aplicação relativamente aos arguidos DD e AA . No caso dos autos temos que os factos ilícitos terão sido praticados em datas não concretamente apuradas mas quando o menor tinha menos de 6 anos, idade que o mesmo completou a 3 de Outubro de 2016, data em que já se encontrava em vigor a nova redacção. Não obstante se colocar nos autos um problema de sucessão de leis no tempo, sendo, por força do disposto no artigo 2.° n. 4 do CP, de aplicar o regime que resultar concretamente mais favorável ao arguido, desde logo se dirá que encontrando-se preenchida a previsão de qualquer um dos dispositivos, será de aplicar o regime previsto no artigo 179.° do CP (versão de 59/2007 de 4 de Setembro) na medida em que a moldura abstracta a considerar e, por conseguinte, a que resultará em concreto será manifestamente mais favorável aos arguidos. Dentro da moldura penal abstracta, deverá a pena ser concretamente determinada em conformidade com o princípio regulador do artigo 40.° n.ºs 1 e 2 e com os critérios estabelecidos pelo artigo 71. ° n. ° 1 ambos do Código Penal. Assim, na fixação da medida concreta da pena é tida em conta e medida da culpa do arguido e, bem assim, são consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte integrante do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, as necessidades de prevenção e o grau de culpa. No caso sub judice cabe ponderar globalmente: - modo de execução dos crimes em causa que não se revelou elaborado; - a gravidade das consequências que, no caso concreto, se considera elevada, atentas não só as sequelas fisicas decorrentes das condutas dos arguido - em especial da encetada pelo arguido DD-, mas também as de natureza psicológica, salientando-se o facto de o menor ter chegado a manifestar comportamentos sexualizados para com objectos e terceiros, incluindo crianças menores de idade; - a gravidade da ilicitude que, no caso concreto, é elevada considerando, por um lado, a idade da vítima - que contava com menos de 6 anos de idade - e, por outro, a natureza dos actos sexuais de relevo perpetrados pelos arguidos DD e AA que, de entre os previstos no tipo, são dos mais gravosos; - a intensidade do dolo dos arguidos, que no caso em apreço é elevada, porquanto directo; - as necessidades de prevenção geral, que se têm por elevadas considerando a enorme frequência com que este tipo de abusos são praticados, o facto de na maioria das vezes serem perpetrados no seio do agregado familiar da vítima, a natureza dos bens jurídicos protegidos pelos ilícitos em causa e o alarme e o sentimento de insegurança que este tipo de condutas causam na população e que exigem a reposição da confiança na validade e eficácia das normas violadas; - as necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas, considerando, por um lado, a ausência de antecedentes criminais e o facto de os arguidos se encontrarem profissional, familiar e socialmente inseridos, mas, por outro, o facto de os mesmos possuírem um reduzido juízo crítico acerca da ilicitude das suas condutas e não demonstrarem arrependimento, escudando-se em factores alheios à sua pessoa. Assim, por se mostrarem devidamente asseguradas as finalidades de punição que ao caso se impõem, a diferente natureza dos actos sexuais em causa e, bem assim, as diferentes molduras penais a considerar, temos por adequada a condenação do arguido DD nas seguintes penas: - numa pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática dos factos descritos no ponto 4); - numa pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática dos factos descritos no ponto 5) a 7); - numa pena de 8 (oito) anos de prisão pela prática dos factos descritos no pontos 9); - numa pena de 8 (oito) anos de prisão pela prática dos factos descritos no ponto 10); - numa pena de 7 (sete) anos de prisão pela prática dos factos descritos no ponto 11); e - numa pena de 8 (oito) anos 6 (seis) meses de prisão pela prática dos factos descritos nos pontos 12) a 16). A condenação da arguida AA nas seguintes penas: - numa pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática dos factos descritos no ponto 8); e - numa pena de 5 (cinco) anos meses de prisão pela prática dos factos descritos no ponto 12) a 16). E a condenação do arguido BB numa pena de 4 (quatro) anos de prisão. A acrescer a tais penas e nos termos já adiantados deverão os arguidos DD e AA ser condenados na sanção acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais, prevista no artigo 179.° do CP. Com efeito, não só os mesmos praticaram mais do que um crime previsto no artigo 171.° do CP, como o fizeram em relação ao seu filho, filho este que tinha menos de seis anos de idade, parte dos factos foram praticados na residência do menor ou no exterior da mesma - local onde o mesmo se deveria sentir seguro - e ambos se mostraram indiferentes ao sofrimento do filho, tendo DD chegado a mandá-lo calar por estar a fazer barulhos semelhantes ao dos porcos e AA rido quando presenciado actos de coito anal praticados pelo pai e pelo tio. Nessa conformidade, entende-se adequado e necessário que os mesmos sejam inibidos do exercício das responsabilidades parentais pelo período global de 11 anos, o que equivale a dizer que será até ao menor atingir a maioridade. * Estabelece o artigo 77.° do Código Penal que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. A pena a aplicar tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 (vinte e cinco) anos tratando-se de pena de prisão e 900 (novecentos) dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Saliente-se que se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios supra mencionados. Porque os arguidos DD e AA cometeram vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, deve ser condenados numa única pena. Assim sendo, a pena única a aplicar ao arguido DD tem como limite máximo os 25 (vinte e cinco) anos máximos previstos na lei (uma vez que o somatório das penas aplicadas ultrapassa tal limite) e como limite mínimo 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão. Nestes termos, considerando todos os factos supram enunciados no que se refere à medida das penas parcelares aplicadas - e que aqui damos por reproduzidos - bem como o lapso temporal em que os factos foram praticados, considera-se ser de aplicar ao arguido a pena única de 21 (vinte e um) anos de prisão. Já a pena única a aplicar à arguida AA tem como limite máximo os 25 anos máximos previstos na lei, uma vez que o somatório das penas aplicadas ultrapassa tal limite e como limite mínimo 5 (cinco) anos de prisão. Nestes termos, considerando todos os factos supram enunciados no que se refere à medida das penas parcelares aplicadas - e que aqui damos por reproduzidos - bem como o lapso temporal em que os factos foram praticados, considera-se ser de aplicar ao arguido a pena única de 8 (oito) anos de prisão. * Atendendo à medida da pena de prisão supra determinada em relação ao arguido BB analisemos se ao mesmo deverá ser aplicada alguma das penas de substituição previstas na lei. Preceitua o artigo 50.° n.º 1 do Código Penal que a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Por força do disposto no n. ° 5 do artigo 50 do CP o período de suspensão terá de ter duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão. Por outro lado, o Tribunal - se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição - pode subordinar a suspensão da pena ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou até mesmo determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. Nessa conformidade, preceitua o artigo 53.° do CP que o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade. Saliente-se que a sujeição da suspensão da pena de prisão a regime de prova se toma obrigatória acaso o período da suspensão seja superior a 3 anos, o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade e - em face das alterações legislativas introduzidas pela Lei n. ° 103/2015 de 24 de Agosto - acaso o agente tenha sido condenado pela prática de crime previsto nos artigos 163.° a l76.º-A, cuja vítima seja menor. O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social. O plano de reinserção social contém os objectivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as actividades que este deve desenvolver, o respectivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adoptar pelos serviços de reinserção social. O plano de reinserção social é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio. Em consonância com o exposto, refere o artigo 494.° do Código de Processo Penal que a decisão que suspender a execução da prisão com regime de prova deve conter o plano de reinserção social que o tribunal solicita aos serviços de reinserção social; porém quando tal não ocorra ou este plano deva ser completado os serviços referidos procedem à sua elaboração, ouvido o condenado, no prazo de 30 dias e submetem-no à homologação do tribunal. Paralelamente, prevê o artigo 52.° do CP a possibilidade de o Tribunal impor ao condenado o cumprimento, pelo período de tempo que durar a suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente e mediante o consentimento prévio do condenado, a sua sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada (n.º 4). A obrigação imposta não poderá, contudo, representar para o condenado uma imposição cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir (n.º 2 do artigo 51.° aplicável ex vi do n." 3 do citado artigo 52.° do CP). In casu, constata-se que o arguido possui apenas 27 anos de idade, se encontra social, profissional e familiarmente inserido e que não possui antecedentes criminais. Tudo aponta, pois, para que a prática do comportamento ilícito em causa nos autos tenha consubstanciado um acto isolado na vida do arguido. Por fim, há que ponderar os efeitos nefastos que uma medida detentiva iria causar, tendo em consideração que o arguido tem uma vida pela frente. Pelo exposto, considera-se que a mera ameaça do cumprimento da prisão é suficiente para potencializar a ressocialização do arguido na comunidade e adequada às necessidades de prevenção especial de que o mesmo demonstra carecer, devendo, pois, beneficiar de uma oportunidade de se ressocializar em liberdade. Considerando, porém, a necessidade do arguido interiorizar o desvalor da sua conduta criminal e reforçar o seu autocontrolo, entende o Tribunal que é de todo conveniente à sua reintegração na sociedade a sujeição da suspensão a regime de prova assente num plano de reinserção social, regime, aliás, que sempre seria obrigatório atenta a medida concreta da pena aplicada. Ademais, atendendo à natureza e à gravidade dos factos praticados, considera-se necessário, com vista à consciencialização por parte do arguido da gravidade da sua conduta e dos prejuízos da mesma advindos, subordinar a referida suspensão à sua sujeição a consultas da especialidade de Psiquiatria e/ou Psicologia, se possível em sub-especialidade preferencialmente direccionada para o seguimento de perturbações sexuais. Tal imposição foi aceite pelo arguido e deverá ser acompanhada pelos Serviços de Reinserção Social (artigo 51.° n. 4 aplicável ex vi do artigo 52.° n. 4). (…) » Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objeto dos recursos. Conforme é jurisprudência assente, os poderes de cognição do tribunal ad quem são limitados pelas conclusões da motivação de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. 1.1. Recurso do arguido DD. Nas suas conclusões de recurso, devidamente completadas nos termos do art. 417º nº3 do CPP, o arguido, DD, suscita as seguintes questões. I. Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412º nºs 3 e 4 do CPP, relativamente aos seguintes pontos da factualidade provada), de cuja procedência entende que derivará a sua absolvição quanto a todos os crimes pelos quais vem condenado: - 3) e 4); - 9) - 11); - 5) a 7); - 10) - 12) a 16) - 20) a 22) -26 O recorrente refere-se ainda ao ponto 8) dos factos provados, mas uma vez que deste não resulta qualquer tipo de responsabilidade para si, não se apreciará da impugnação nesta parte por não relevar para a pretendida absolvição da totalidade dos crimes pelos quais vem condenado, faltando-lhe mesmo legitimidade para abranger aquela matéria de facto no seu recurso, dado não se tratar de decisão proferida contra si. Por outro lado, tanto a impugnação do ponto 20), que respeita apenas à imputação ao recorrente das consequências físicas aí descritas, bem como dos pontos 21, 22 e 26, que respeitam aos elementos subjetivos dos crimes pelos quais vem condenado, decorrem da alegada falta de prova da factualidade objetiva integradora dos elementos objetivos daqueles mesmos crimes, pelo que a decisão da impugnação quanto àqueles factos subjetivos depende unicamente do que vier a decidir-se quanto à factualidade objetiva impugnada. II. Subsidiariamente, o arguido recorre também em matéria de direito, suscitando as seguintes questões: - Deveria ter sido condenado não por cada um dos crimes de abuso sexual mas por um único crime prolongado ou de trato sucessivo; - Caso não se entenda assim, deverão ser reduzidas as penas parcelares e a concreta pena única aplicada em cúmulo ao arguido, situando-se esta próxima do limite mínimo da moldura abstrata aplicável, por forma a adequar-se à efetiva culpa do seu agente, à ilicitude dos factos e às concretas necessidades de prevenção. 1.2. O recurso da arguida. a) Nas suas conclusões, a arguida invoca: - Nulidade do acórdão, nos termos do n.º 1 do artigo 379 e n.º 2 do artigo 374 do Código de processo penal, por insuficiência no exame crítico das provas, relativamente ao ponto 8) da factualidade provada, por um lado, e aos pontos 12) a 16) da mesma factualidade provada, por outro; - Contradição insanável entre a fundamentação e a fundamentação e a decisão, nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 410º do Código de processo penal, dado verificar-se contradição entre o ponto 8) da factualidade provada e as alíneas H) a K) dos factos não provados, por um lado, e entre o descrito nos pontos 14) e 15), da factualidade provada, e nas alíneas Q) e R) da factualidade não provada, quanto à presença da arguida; - Erro na apreciação da prova, conforme al. c) do n.º 2 artigo 410º, CPP relativamente aos pontos 8) e 12) a 16), da factualidade provada, por existir violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da livre apreciação da prova. Na verdade, ao referir-se expressamente na sua conclusão XXXIV a “impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto por contradição insanável entre a fundamentação e a decisão nos termos e para os efeitos da al. b) do n.º 2 do artigo 410 do Código de processo penal”, apelando ao “que resulta do texto da decisão recorrida, conjugada com as regras de experiencia comum”, não pode deixar de entender-se que invoca apenas estes mesmos vícios, tanto mais que não procede a qualquer das especificações exigidas para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto pelo art. 412º nºs 3 e 4 do CPP, nem volta a referir-se a este preceito ou ao procedimento nele previsto. b) Para além das questões suscitadas pela recorrente, impõe-se apreciar a qualificação jurídica dos factos que fundamentam a condenação da arguida como cúmplice de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nos 1 e 2, 177º, n. 1, alínea a), e 179º, alínea a), do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos de prisão (pontos 12) a 16) dos factos provados). Na verdade, independentemente de outras considerações, permanece válida a jurisprudência fixada no AFJ 4/95, segundo a qual «O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus.». Por outro lado, não se suscita a hipótese de condenação em pena superior à que lhe foi aplicada (vd art. 409º do CPP) nem de ultrapassagem da limitação do recurso regulada no artigo 403.° do CPP, pois apesar de não suscitar a questão de direito ora enunciada, a arguida recorre contra a sua condenação como cúmplice pelo crime em causa, embora com fundamento diferente (verificação de um dos vícios previstos no nº2 do artigo 410º do CPP). Há, pois, que decidir as questões supra enumeradas, sem prejuízo das que fiquem prejudicadas pela solução dada a outras. 2. Decidindo A. Recurso do arguido DD. I. Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. Conforme resulta das conclusões de recurso devidamente completadas, a impugnação começa por visar a factualidade típica objetiva relativa a todos os crimes, tal como se encontra provada nos seguintes pontos de facto: - 3) e 4); - 5) a 7); - 9); - 10); - 11); - 12) a 16). Embora tenham ocorrido na mesma ocasião, cada um dos factos descritos em 10) e 11) consubstancia a prática de um crime, pelo que são cinco (e não seis) as situações identificáveis por terem ocorrido no mesmo período de tempo e no mesmo espaço. Analisaremos, pois, autonomamente cada uma dessas cinco situações. Partindo do pressuposto, por si afirmado, de que a convicção do tribunal a quo relativamente a todas as situações consideradas, assenta apenas nas declarações incriminatórias da criança ofendida, o arguido fundamenta o essencial da sua impugnação na falta de credibilidade das declarações do menor, quer por a “tenra idade do menor não lhe permitir especificar factos, datas ou locais”, quer por razões que se prendem com cada uma das situações de facto, nomeadamente porque declarações anteriores do menor ofendido foram por ele contrariadas noutros momentos. Conclui das razões referidas que se impunha ao tribunal a quo ter julgado não provados todos os factos ora impugnados com base nos princípios in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, com a consequente absolvição do arguido DD de todos os crimes pelos quais vem condenado. Vejamos então o essencial dos fundamentos invocados pelo recorrente com base nas provas por si especificadas, relativamente ao conjunto dos factos e, depois, quanto a cada um deles. 1. Fundamentos relativos à generalidade dos factos impugnados. Quanto à alegação de que o tribunal a quo assenta a sua convicção relativamente a todas as situações consideradas apenas nas declarações incriminatórias da criança ofendida, tal não é o que resulta da apreciação crítica da prova feita no acórdão recorrido, embora caiba distinguir analiticamente entre a prova de que o menor sofreu abusos sexuais e a prova da autoria daqueles abusos, conforme frisado pelo arguido recorrente ao longo da sua motivação de recurso, máxime nas conclusões respetivas. 1.1 Relativamente à prova da inflição de abusos sexuais ao menor – independentemente dos seus autores – o tribunal a quo refere na apreciação crítica da prova a relevância das declarações do menor quanto a ter sangrado abundantemente do ânus, confirmadas pelas declarações da testemunha MGF, professora, e da própria arguida, AA, bem como o teor do Relatório da perícia de pericial de natureza sexual de fls 476 a 478, onde se refere, nomeadamente, que o menor apresenta como vestígios de lesões traumáticas e/ou de abuso sexual, uma fissura anal observada por cirurgia pediátrica em 18.05.2015 e a observação de uma área de disrupção e perda da normal estriação radiária do pregueamento anal, que poderá refletir uma sucessão de lesões sobre a mesma, produzidas por ação de natureza contundente, como por exemplo penetração de um pénis ereto. Também o ponto 27 da factualidade provada (27.O menor CC apresenta comportamentos sexualizados, tendo chegado a simular a prática de actos de carácter sexual com objectos e outros menores e solicitado a sua prática a adultos;) constitui facto indireto de que se infere a inflição de abusos sexuais ao menor, pois, tal como se menciona na apreciação da prova e não é posto em causa pelos recorrentes, esses comportamentos não só se coadunam com uma anterior vivência sexual nos termos descritos pelo menor, como não são compatíveis com o normal comportamento de uma criança de 6 (seis) anos de idade, por regra totalmente inexperiente em tal matéria. 1.2. No que concerne à prova da autoria dos factos que, conforme descrito nos factos ora impugnados, foram praticados pelo arguido DD, é verdade que tal prova assenta essencialmente nas declarações do menor abusado, tal como se afirma, aliás, na apreciação crítica da prova, mas ainda assim não pode dizer-se com o recorrente que a convicção do tribunal a quo radica unicamente naquelas declarações. Desde logo, foram igualmente relevantes as declarações de ambos os arguidos recorrentes prestadas na audiência de julgamento, as quais constituem meio de prova sujeito à apreciação do tribunal de julgamento cuja relevância probatória não se esgota na confissão, ou seja, no reconhecimento de factos que lhe são desfavoráveis, sendo certo que não se mostra minimamente contrariada a apreciação das declarações dos arguidos feita pelo tribunal a quo, segundo o qual: - ” … quiseram os arguidos fazer crer ao Tribunal que os factos que lhe são imputados não passam de uma invenção, de uma história construída com vista a prejudicá-los. Porém, quando questionados acerca de factos que sustentassem tal versão os mesmos não só não os lograram apresentar, como negaram que o menor CC tivesse por hábito inventar histórias ou mentir. Da mesma forma quando confrontados com as lesões físicas de que o menor padece na zona anal, os mesmos não souberam indicar qualquer justificação plausível para a sua existência.” Assim sendo, o confronto entre as declarações dos arguidos e outros meios de prova, nomeadamente as declarações da vítima, foram indiretamente relevantes para a convicção do tribunal de julgamento sobre a prova da versão acusatória, na medida em que, por não serem credíveis, não põem em causa o valor probatório das declarações diretas do ofendido sobre os factos agora impugnados (prova direta), nem as inferências extraídas dos meios de prova que indiretamente relevam para a existência dos abusos e sua autoria (prova indireta). 1.3. No que concerne “À falta de credibilidade por tenra idade que não lhe permite especificar factos, datas ou locais especificar factos, datas ou locais” e à alegação de que o menor, a determinada altura, só já responde “sim” e “não” e, é visível o seu cansaço”, falta igualmente razão ao arguido face aos elementos com relevância probatória invocados pelo tribunal a quo e agora reapreciados. Desde logo, o menor foi sujeito a perícia psicológica, nomeadamente sobre a capacidade para testemunhar (artigo 131º do CPP), de cujo relatório pode ler-se, em resposta ao quesito, “…apurar se o menor tem capacidade para conservar memórias, reproduzir acontecimentos por si vivenciados, bem como para compreender, avaliar e relatar factos …”, que “… o menor tem um funcionamento cognitivo apropriado à idade, demonstrando capacidade para a conservação de memórias e que, não obstante o mesmo se revelar imaturo, nada permite pôr em causa a veracidade do relatado”, tal como se diz na apreciação crítica da prova. Naquele relatório constata-se, com base no exame direto a que o menor foi sujeito, que “o funcionamento cognitivo geral é apropriado à idade, está atento e concentrado, não mostra défices em evocar acontecimentos e tem um bom nível de linguagem, embora o discurso verbal seja por vezes confuso…”, e também que “… é imatura a sua capacidade para compreender, avaliar e relatar factos ou fazer um julgamento adequado das situações pessoais e interpessoais, o que prejudica a reprodução dos acontecimentos por si vivenciados”, relatando ainda o senhor perito que “… o menor não chega a fazer um relato circunstanciado do alegado abuso sexual, fornecendo apenas informações avulsas em resposta a perguntas concretas, as quais são frequentemente contraditórias e carecem de coerência lógica ou detalhes suficientes para uma boa compreensão por parte do entrevistador/examinador – o que contudo, não põe em causa a realidade do alegado abuso, nem implica necessariamente mentira, fantasia ou sugestionamento por parte de terceiros.”. Assim sendo, as considerações ora transcritas - que correspondem em boa medida à impressão deixada pela audição e visualização que fizemos das declarações do menor perante o MP, em inquérito, e para memória futura, reproduzidas em audiência (que serviram igualmente de base ao julgamento do tribunal recorrido) -, vão claramente no sentido da aptidão do menor e da credibilidade das suas declarações, não obstante as limitações e cuidados a ter em conta, pelo que, nessa medida, nada obsta a que o tribunal a quo tenha julgado provados os atos dos arguidos descritos nos pontos de facto ora impugnados, incluindo os locais onde ocorreram e as balizas temporais consideradas. Com efeito, apesar de o menor responder sobretudo às questões que lhe vão sendo colocadas pela senhora juíza de instrução e pela senhora magistrada do MP, sem uma exposição diacrónica e contextualizada dos factos, acaba por fazê-lo através de respostas às perguntas feitas, complementadas com afirmações espontâneas decisivas para a segurança da convicção quanto à realidade dos factos e às circunstâncias em que ocorreram, referindo as diversas situações concretas e locais onde o seu pai o ofendeu sexualmente, como melhor veremos. As declarações do menor permitiram, assim, ao tribunal a quo balizar o período temporal em que os diversos factos ocorreram por referência à data da morte do pai dos arguido DD e BB, do mesmo modo que permitiram julgar provados os locais onde ocorreram a partir das referências do menor ao trator e à casa, tal como foi com base naquelas declarações que o tribunal a quo julgou provados os diversos atos do arguido descritos nos pontos de facto impugnados e julgou não provados (por falta de referências) os factos descritos nas várias alíneas da factualidade não provada. Não obstante o caráter fragmentário e quase lacónico das declarações do menor, as suas referências a elementos exemplares dos factos, muitas delas feitas espontaneamente sem menção prévias da senhora juíza ou da senhora magistrada do MP e mesmo fora da sequência das perguntas que seguia, aliadas ao modo efetivamente desinteressado e seguro como o menor introduzia ou confirmava esses mesmos factos, nomeadamente perante novas perguntas feitas, não deixam dúvidas quanto ao valor probatório e credibilidade das suas declarações relativamente aos factos ora impugnados, designadamente no que respeita à relevância que tiveram para prova dos atos praticados pelo arguido, os locais onde ocorreram e o período temporal em que decorreram, tanto mais que as declarações do menor mostram-se alheias a malícia ou animosidade que o menor pudesse ter contra o ora arguido e a mãe, revelando antes preocupar-se com eles. Por último, o cansaço do menor, que o leva mesmo dizer à senhora juíza “estou farto”, e o modo mecânico como responde em alguns trechos do interrogatório, são circunstâncias pontuais que não desvalorizam as declarações do menor no seu todo, sendo certo que nada permite concluir que o tribunal a quo não as teve presentes na respetiva valoração, pelo que não põem em causa o julgamento de facto. 2. Apreciação da impugnação relativamente a cada um dos factos em particular. 2.1. Quanto ao ponto 3) da factualidade provada, resulta dos seus termos e da menção genérica que é feita aos factos 3) a 19) na apreciação crítica da prova, que onde se diz “Em datas não concretamente apuradas mas tendo CC menos de 6 (seis) anos de idade, no Monte…, no interior e exterior da residência onde habitavam, DD e AA começaram a procurar o menor para satisfazerem os seus desejos sexuais …”, apenas se expressa uma conclusão retirada dos factos concretos que adiante se discriminam, sem relevância jurídico-criminal específica e autónoma, pelo que a matéria conclusiva deve considerar-se não escrita. Porém, os factos que imediatamente se lhe seguem não mencionam a idade do menor (menos de 6 anos) pressuposta nos factos 4) a 7), pelo que se decide manter o ponto 3) na parte em que se refere que o menor CC tinha então 6 anos de idade, devendo considerar-se não escrito o restante conteúdo por ser meramente conclusivo ou redundante, não tendo relevância jurídico-criminal face aos diversos factos concretos julgados provados que se descrevem nos pontos seguintes da factualidade provada, designadamente os que respeitam ao elemento subjetivo da infração. Assim, o ponto 3) da factualidade provada passa a ter a seguinte redação: “Em datas não concretamente apuradas, tendo CC menos de 6 (seis) anos de idade, ocorreram os factos que a seguir se descrevem” 2.2. Vejamos agora a impugnação relativa ao ponto 4) da factualidade provada, que é do seguinte teor: «4.Nesse quadro, em data não concretamente apurada, DD exigiu ao seu filho menor, CC, que agarrasse o seu pénis erecto e que fizesse com as mãos movimentos ascendentes e descendentes.» Da referência a «Nesse quadro», apenas há a considerar que o menor tinha então 6 anos de idade, sem que se concretize o local onde teria ocorrido a factualidade descrita, bem como a data respetiva, sendo certo que na apreciação crítica da prova, o tribunal a quo refere especificamente que o menor atestou [declarou] que o pai lhe disse para proceder da forma descrita no ponto 4), sem outras concretizações. O recorrente alega, no essencial, que o menor afirma ter tocado na pilinha mas nega ter feito qualquer movimento com as mãos, o que corresponde efetivamente às declarações do menor para memória futura que ouvimos, tal como estas se encontram transcritas na conclusão XLIX. Com efeito, o menor respondeu “Sim” à pergunta da senhora JI sobre se o pai lhe pedia para tocar [na pilinha], mas à pergunta, “Como é que tu fazias quando tocavas? Fazias festinhas?”, respondeu, «Não. Não fazia nada» e perante a insistência da senhora JI, “Mas tu disseste agora que tocavas e que era duro”, o menor replicou que «Tocava. Só tocava», e quando lhe foi novamente perguntado “Mas não fazias assim movimentos com as mãos?” respondeu “Não”, apesar de responder «Sim» a seguir quando lhe foi perguntado, “E alguma vez deste beijinho na pilinha?”. O tribunal a quo incorreu, pois, em erro de julgamento ao julgar provado que “DD exigiu ao seu filho menor, CC, que agarrasse o seu pénis erecto e que fizesse com as mãos movimentos ascendentes e descendentes”, pois da audição das declarações do menor resulta que estas não têm o teor invocado pelo tribunal a quo, visto que dos trechos das declarações do menor ora consideradas não se constata que o menor declarou que o pai lhe disse para proceder da forma descrita no ponto 4), pois negou expressa e persistentemente que tivesse feito quaisquer movimentos. Por outro lado, a confirmação pelo menor de que o pai lhe pedia para tocar-lhe e que o menor lhe tocava, bem como referência pontual e não esclarecida a “fazer festinhas”, não permite inferir no caso concreto com base nas regras da experiência que o menor tivesse agarrado o pénis ereto ou fizesse os movimentos descritos em 4). Com efeito, o diálogo entre a senhora JI e o menor não é circunstanciado no tempo e no espaço e não é sequer possível concluir para além de toda a dúvida razoável que o menor estivesse a referir-se a uma singular situação de facto, com a configuração apresentada no ponto 4) da factualidade provada ou semelhante. O menor bem podia estar a referir-se a alguma das situações em que o pai abusou dele penetrando-o no ânus ou introduzindo-lhe o pénis na boca, sendo certo que não obstante o cuidado e paciência com que a senhora JI procedeu ao interrogatório, não confrontou o menor com esta possibilidade. Assim sendo, das declarações do menor não é possível concluir para além de toda a dúvida razoável que o menor agiu como descrito em 4) ou que tocou no pai numa situação individualizada fora das demais situações de abuso descritas na factualidade provada, pelo que a impugnação procede nesta parte relativamente ao ponto 4) “in totum”, cujo teor integral passará, assim, a incluir a factualidade não provada. Sendo assim, impõe-se a absolvição do arguido DD da prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n. 1, 177.°, n.1, alínea a), e 179. alínea a) do Código Penal (ponto 4) dos factos provados), pelo qual vem condenado na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, por falta de prova dos elementos integradores do respetivo tipo objetivo. 2.3. Os pontos 9) e 11) da factualidade provada, que são do seguinte teor: “9. Nesse mesmo circunstancialismo [Em data não determinada, encontrando-se DD e AA no interior do quarto do menor CC], DD inseriu o pénis erecto no ânus de seu filho menor, CC, e fez com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual. «11. No referido quadro, em data não concretamente apurada, no interior da residência, DD introduziu o pénis erecto na boca do filho menor, CC, aí o friccionando em movimentos de vai e vem». Nesta parte da sua impugnação, o recorrente invoca e transcreve extensos trechos das declarações prestadas pelo menor na fase de inquérito perante o MP, que foram admitidas por despacho, no decurso da audiência, ao abrigo do disposto no art. 356º nºs 5 e 2 b), do CPP e que, portanto, podem ser valoradas nos termos do art. 355º nº2 do CPP. a) Declarações contraditórias. O arguido recorrente começa por alegar na conclusão XXX que as declarações transcritas na conclusão XXIX irão ser contrariadas em outros momentos do seu depoimento, o que é de molde a suscitar dúvidas sobre a sua veracidade, mas não explicita esta sua alegação com a indicação precisa de quais seriam as declarações em contradição. Porém, constata-se que o menor começa por confirmar que o tio D [relativamente a quem foi ordenada separação de processos] também fazia isso [tirar picos] com o pai, para a seguir responder que “não” quando o MP lhe pergunta, “E o tio D não?”, voltando a responder “Sim” quando o MP volta a perguntar-lhe, “E o tio D nunca tirou picos?” ou quando responde que não dava beijos na pilinha de ninguém (vd conclusão XXXI) mas mais adiante (conclusão XXXIII) responde ser verdade que lhe davam beijinhos na pilinha, “o pai”, e “só o pai”, e mais adiante ainda à pergunta do MP sobre se “…alguma vez algum deles te pediu para tu chupares a pilinha deles”, respondeu, “Sim …o pai”, acrescentando que foi só o pai e “foi só uma vez” a duas perguntas sucessivas do MP (vd conclusão XXXV). Em todo o caso, discrepâncias deste tipo nas declarações do menor, que tinha seis anos de idade ao prestá-las, não são de molde a pôr em causa a credibilidade do seu depoimento e a veracidade dos factos ora impugnados, pois não pode esperar-se um depoimento fluido, linear e consistentemente ordenado e coincidente de uma criança de 6 anos (tal como o recorrente parece reconhecer). A imaginação da criança e a dificuldade em concentrar-se durante muito tempo num mesmo tema ou registo, designadamente por ser levado por outros pensamentos que vão fluindo, levam a que se disperse na narrativa ou na conversa com facilidade, sendo frequentemente necessária a intervenção do adulto para fazê-la regressar e concentrar-se de novo, do mesmo modo que explicam algumas respostas aparentemente contraditórias ou inconsistentes, sendo certo que o fluxo dos seus pensamentos ligados ao momento presente, nem sempre lhe permitem responder consistentemente às perguntas concretas que lhe são feitas sobre o objeto do processo, sendo certo que também o maior ou menor cansaço do menor contribui para a falta de focalização e assertividade de alguma das suas respostas. A valoração das declarações do menor pelo tribunal não pode prescindir, pois, da compreensão e apreciação/avaliação global desse mesmo depoimento, de modo a poder retirar-se da totalidade do depoimento a convicção fundada e confirmada sobre os factos que o menor efetivamente presenciou ou vivenciou, sendo de todo inadequadas abordagens atomísticas centradas em aspetos parcelares daquele mesmo depoimento. Afinal, entendimento que o próprio recorrente parece sufragar na sua conclusão XXIV, onde diz, “XXIV. O menor contraria muitas vezes o que diz, o que é próprio da idade, mas exige da nossa parte um cuidado adicional, pois tais declarações terão de ser conjugadas com outras informações, de forma a melhor aferir os factos”. Relevam particularmente a forma como o inquiridor organiza o interrogatório/conversa, a forma como consegue colocar o menor à vontade e se mostra disponível para procurar outros ângulos e formas de abordagem dos temas e dos factos concretos relevantes para o objeto do processo, o que implica por vezes a necessidade de repetir as perguntas em sequências diferentes para que possam confirmar –se as respostas dadas, sem cair na manipulação ou adulteração, ainda que involuntária, do depoimento. No caso presente, tanto da audição e visualização das declarações do menor para memória futura perante a senhora JI, como da audição e visualização das declarações prestadas no inquérito perante a senhora magistrada do MP, com a assistência de duas psicólogas que acompanharam o menor (cf. Auto de Inquirição de fls 326), resulta nada haver a apontar, antes pelo contrário, à forma como foi conduzida a inquirição do menor em ambas as diligências. Apesar de as perguntas serem muitas vezes formuladas de modo a permitirem respostas de sim ou não por parte do menor, tal foi imposto pelo ritmo sincopado da inquirição, resultante da disponibilidade intermitente do menor para falar sobre os factos objeto do processo, embora em algumas ocasiões o menor tenha desenvolvido espontaneamente a resposta inicial. Por outro lado, as senhoras magistradas procuraram compensar alguma falta de espontaneidade do menor com a confirmação das respostas através de novas perguntas em momentos diferentes. Assim, concluímos que da audição/visualização do conjunto das declarações do menor para memória futura perante a senhora JI perante a senhora magistrada do MP, não ficam dúvidas sobre a credibilidade e consistência das declarações do menor, carecendo de razão o recorrente quando pretende que as contradições aparentes verificadas nas declarações do menor relativamente a algum ou alguns dos arguidos invalidam todos os factos em que se colocam arguidos diferentes na mesma ação, pelo que seria impossível valorar as declarações do menor relativamente ao arguido DD com a certeza necessária. Independentemente de os trechos transcritos conterem aparentes contradições ou intermitências pontuais das suas respostas, o menor afirma com clareza e de forma suficientemente espontânea, ainda que de modo fragmentado, muito dependente do estímulo representado por cada pergunta, ter sido vítima dos diversos factos ora impugnados por parte do ora recorrente. É o que sucede, v.g., ao afirmar que o pai tirava-lhe picos com a pilinha, que lhos tirava do rabo, que “o tio BB [arguido não recorrente] também tirava picos”, que [o tio BB e o pai] “correram bué, correram muito”, que “foi a mãe! A mãe via [tirar picos], sim a mãe ria-se ”, [que o tio BB tirava picos] com a pilinha, respondendo a pergunta do MP se aquele o fazia com a pilinha ou com a mão, e confirmou sem hesitações que lhe “doía”, que “ficava com sangue”, que “o pai fez isso muitas vezes”, que o avô viu e ralhou e também guerreou, que o pai tirava picos com a pilinha, dentro de casa e na casa do Doutor, “dentro do trator”, que a mãe viu poucas vezes, que “a mãe ralhava com eles”, que lhe davam beijinhos na boca, na pilinha e no rabo. b) O recorrente alega ainda que o menor afirma que lhe tiravam a roupa mas afirma igualmente que “eles” [o pai, o tio D e o tio BB] não tiravam a deles, o que não pode deixar de nos suscitar dúvidas quanto à prática dos factos, afirmação que o recorrente não explica, sendo certo que não vemos por que motivo aquelas declarações são de molde a suscitar a dúvidas. Com efeito, não podem sequer reputar-se inverosímeis, quer porque não se sabe se o menor estava a referir-se a um ou vários episódios e quais deles, quer porque as hipóteses de o arguido DD e os tios D e BB abusarem do menor despido, meio despidos ou sem tirar a roupa apesar de despirem a criança, são concebíveis por não contrariarem a experiência comum, que reflete grande diversidade de comportamentos, nomeadamente quando assumem natureza desviante e criminosa como sucede no caso presente. Improcede, pois, a argumentação do recorrente também nesta parte, pelo que concluímos que o tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento, nomeadamente pro falta de prova suficiente, ao julgar provados os pontos 9) e 11) da factualidade provada essencialmente com base nas declarações do menor, improcedendo, assim, a impugnação nesta parte. 2.4. Pontos de facto 5), 6) e 7). “5. No quadro do descrito comportamento, em data não concretamente apurada, no Monte…, junto ao trator agrícola, DD inseriu o seu pénis erecto no interior do ânus de seu filho menor, CC 6. Acto contínuo, DD começou a fazer com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual, enquanto seu filho menor, CC, chorava e gritava e; 7. Então, DD dirigiu-se a seu filho menor e disse ao mesmo para se calar porque estava a fazer barulhos como os porcos. Relativamente a estes factos, alega o recorrente, com base no confronto entre os trechos de declarações do menor perante o MP que podem ler-se nas conclusões LXVI e LXVII e os trechos das declarações para memória futura transcritas na conclusão LXVIII e LXIX, que não era possível ao tribunal a quo aferir qual a versão credível, pois o menor refere que tirar picos era só dentro de casa e noutras ocasiões refere o trator (conclusão LXXII). A este propósito, impõe-se começar por precisar que apesar de responder à senhora JI, “Era sempre em casa” em resposta à pergunta, “”…Aqueles segredos era sempre em casa ou às vezes era ao pé dos animais? o que reafirma ao responder “Não” à pergunta, “Era? – Não havia por exemplo ao pé do carro ou do trator?” (vd concl. LXXVI), o menor não foi perentório nessa afirmação na sequência transcrita na concl. XXIX, pois respondeu aí à pergunta do MP, “E o pai tirava só picos dentro de casa ou era noutro sítio?”, “Dentro de casa e na casa do Doutor”, do mesmo modo que logo a seguir, à pergunta do MP, “ E ao pé do trator?, respondeu “Também tirava”, respondendo ainda à pergunta confirmatória do MP, “Tirava?”, que “Tirava dentro do trator”. Em todo o caso, as discrepâncias agora assinaladas não põem em causa a credibilidade das declarações do menor pelas razões antes desenvolvidas, especialmente onde referimos que “não pode esperar-se um depoimento fluido, linear e consistentemente ordenado e coincidente de uma criança de 6 anos, que muitas vezes responde de forma aparentemente contraditória ou inconsistente por ser condicionada na sua resposta pelo fluxo dos seus pensamentos, que nem sempre se adequa, com rapidez, às perguntas concretas que lhe são feitas”, o que é particularmente ilustrado pelo confronto entre a resposta clara e imediata do menor – “Um porco” – à pergunta da senhora psicóloga sobre o que dizia o pai do menor que este parecia quando lhe dizia para não fazer barulho, quando lhe tirava picos e este chorava (cf concl. LXVII) e as tentativas frustradas da senhora procuradora do MP para que o menor confirmasse aquela mesma expressão nas declarações para memória futura (concl. LXVIII), o que não invalida de modo algum a convicção sobre o descrito no ponto 7) da factualidade assente nas respostas do menor ao MP e à senhora JI. Carece, pois, o recorrente de razão ao pretender que o tribunal não podia julgar provada a factualidade típica descrita nos pontos 5), 6) e 7),da factualidade provada, tanto mais que são abundantes as referências do menor a abusos praticados por seu pai no trator, improcedendo a impugnação também nesta parte. 2.5. Ponto 10). “10. Igualmente em data não apurada, junto ao galinheiro existente no Monte…, DD inseriu o pénis erecto no ânus de seu filho menor, CC, e fez com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual.” Relativamente a este facto, o recorrente transcreve na conclusão LXXVI um trecho das declarações do menor para memória futura, onde responde que “Não” quando lhe foi perguntado pela senhora JI se “… por exemplo galinhas, não havia?” e “Se não havia lá um galinheiro”, acrescentando ao responder a esta última pergunta “Não. Só havia ovelhas”. Também no interrogatório de 22.11.2016, perante a senhora magistrada do MP, o menor respondeu “Não”, à pergunta “…e no galinheiro isso aconteceu?”, nada mais acrescentando a esse propósito. Na apreciação crítica da prova, porém, o tribunal a quo refere o seguinte: “Logrou, ainda, o menor concretizar e autonomizar as cinco situações descritas na factualidade em análise, por recurso não só ao local onde os actos sexuais ocorreram (tractor, galinheiro e casa), mas também às demais circunstâncias que rodearam a sua prática … “ e apesar de não se referenciarem ali declarações especificas do menor sobre abusos junto ao galinheiro, constata-se do vídeo do interrogatório para memória futura, que visualizámos, que o menor respondeu “Sim”, quando a senhora magistrada do MP lhe perguntou se ”o pai não tirou picos ao pé das galinhas, no galinheiro” e um pouco mais adiante acenou que sim com a cabeça à pergunta da mesma magistrada, “Ao pé do galinheiro [o pai] tirou picos do rabo?” Constatamos, pois, que apesar de o menor responder negativamente sobre a existência de galinhas e de um galinheiro, bem como a prática de abusos por parte do seu pai junto do galinheiro, mais tarde respondeu afirmativamente à pergunta da senhora magistrada do MP, conforme referido supra. Sucede, porém, que o menor respondeu afirmativamente com um simples “Sim” de uma das vezes e com um aceno afirmativo da segunda, como aludido, sem que tenha sido então confrontado com a resposta anterior de sentido contrário ou com outras perguntas que procurassem confirmar a resposta afirmativa do menor, nomeadamente sobre a forma e localização do galinheiro, a existência de galinhas ou outras aves domésticas ou mesmo sobre pormenores relativos ao ato abusivo imputado ao pai junto do galinheiro. Permanece, pois, a dúvida deixada pela resposta negativa anterior e, sobretudo, pela resposta afirmativa dada de forma mecânica e distraída, num momento em que o menor parecia focado nas brincadeiras que ia desenvolvendo enquanto era inquirido, sendo certo que não cabe invocar aqui diferenças de perceção entre n tribunal de primeira instância e o tribunal de recurso, do ponto de vista da imediação, pois ambos visualizaram e ouviram as mesmas declarações, sem que tenha havido qualquer contacto direto com o menor por parte do tribunal a quo. Por último, importa lembrar que, conforme explicado na apreciação crítica da prova, o local onde terá ocorrido o abuso constitui circunstância determinante para a individualização e prova do descrito no ponto 10, pelo que não sendo convincente a resposta confirmativa do menor sobre a prática de abusos pelo pai junto do “galinheiro” e não se verificando outras circunstâncias individualizadoras, impõe-se concluir que as declarações do menor com base nas quais o tribunal recorrido julgou provado o descrito no ponto 10) da factualidade provada não permitem, “para além de toda a dúvida razoável”, julgar provada aquela factualidade pelo que o tribunal de julgamento incorreu em erro de julgamento. Procede, pois, a impugnação do arguido relativamente ao ponto 10) da factualidade provada, que, assim, é eliminado da factualidade provada e aditado à factualidade não provada. Assim sendo, impõe-se a absolvição do arguido DD da prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171.°, n 1 e n. 2, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal (ponto 10) dos factos provados), pelo qual vem condenado na pena de 8 (oito) anos de prisão por falta de prova dos elementos integradores do respetivo tipo objetivo. 2.6. Pontos 12) a 14) da factualidade provada. “12. No mencionado quadro, em data não determinada mas anterior a 8 de Outubro de 2015, no Monte…, no interior da residência, DD acompanhado de BB procuraram o menor CC para com ele satisfazerem os seus desejos sexuais. 13. Nesse contexto, DD inseriu o pénis erecto no ânus do filho e fez com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual. 16. DD e BB foram, então, surpreendidos pelo pai, MM”. No essencial, o recorrente alega a este propósito, o seguinte: - «LXXXI. Diz este facto respeito ao crime alegadamente praticado com o tio BB e que o avô MM terá surpreendido os mesmos e que se terá suicidado. LXXXII. Não entende o ora recorrente como poderá ser dado como provado este facto, tendo em conta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.» Ou seja, a impugnação do recorrente nesta parte parece assentar num equívoco, dado que nem no ponto 16) da factualidade provada nem em qualquer outro se julgou provado que o avô MM se terá suicidado depois de ter surpreendido os seus filhos DD e BB, sendo certo que a argumentação do recorrente visa sobremaneira demonstrar não se ter provado que o avô do menor se suicidou depois de surpreender os seus dois filhos. Assim, porque a factualidade ora impugnada, tal como se encontra descrita em 12), 13) e 16), assenta em referências feitas repetidamente pelo menor ao longo das suas declarações, nomeadamente no que concerne à presença do tio BB e à circunstância de terem sido surpreendidos pelo avô – que constituem os fatores decisivos para a individualização da factualidade típica descrita em 13) – e que o valor probatório das declarações do menor (tal como foram proferidas) não é posto em causa na situação concreta, improcede a impugnação do arguido também nesta parte. 2.7.Resulta, assim, da reapreciação da prova que só relativamente aos pontos 4) e 10) o tribunal violou o parâmetro ínsito no princípio da livre apreciação da prova e imposto pelos princípios da culpa e da presunção de incidência, “para além de toda a dúvida razoável, julgando-se procedente a impugnação nessa parte. Assim sendo, a impugnação dos pontos 20) a 22) e 26 improcede na parte em que se referem aos pontos de facto “objetivos” cuja impugnação foi julgada improcedente) e procede na parte em que se referem aos pontos 4) e 10), pois como referido aquando da delimitação do objeto do processo a sua procedência decorre apenas da procedência da impugnação dos factos integradores dos elementos objetivos dos crimes respetivos. Deste modo, apesar de o conteúdo daqueles pontos de facto se encontrar agora comprimido no seu significado, mantém-se inalterado o teor respetivo, dada a formulação genérica utilizada (v.g. “Em consequência direta das descritas condutas”, “Ao atuar da forma descrita…”). 2.8. Assim sendo e tendo ainda em conta o estabelecido no art. 431º do CPP, decide-se modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos seguintes termos: - Os pontos 4) e 10) descritos no acórdão recorrido deixam de constar da factualidade provada, passando a integrar a factualidade não provada como alíneas Z) e AA) do mesmo teor: - “ Z. Nesse quadro, em data não concretamente apurada, DD exigiu ao seu filho menor, CC, que agarrasse o seu pénis erecto e que fizesse com as mãos movimentos ascendentes e descendentes. - AA. Igualmente em data não apurada, junto ao galinheiro existente no Monte…, DD inseriu o pénis erecto no ânus de seu filho menor, CC, e fez com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual”. Por sua vez, o nº3 da factualidade provada passa a ter a seguinte redação:” Assim, o ponto 3) da factualidade provada passa a ter a seguinte redação: “Em datas não concretamente apuradas, tendo CC menos de 6 (seis) anos de idade, ocorreram os factos que a seguir se descrevem” II. Recurso do arguido DD em matéria de direito. 3. Tem razão o arguido recorrente ao pretender que não devia ter sido condenado por cada um dos crimes de abuso sexual mas por um único crime prolongado ou de trato sucessivo? A questão tem-se colocado nos tribunais por referência a alguns dos chamados crimes sexuais, máxime o crime de Abuso sexual de crianças (art. 171º do C. Penal) e Abuso sexual de menores dependentes (artigo 172º do C. Penal), embora seja atualmente maioritário o entendimento que nega a possibilidade de unificação de uma multiplicidade de atos Como refere Helena Moniz, Crime de Trato Sucessivo, in Revista Julgar On line, Abril de 2018, p. 13, “… é o entendimento do crime de trato sucessivo, como uma “unificação das condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente”, “que foi transposto para os crimes sexuais considerando-se que aquele que abusa sexualmente de uma pessoa decide uma única vez (sem que haja constantemente renovação da resolução criminosa em cada ato que realiza, em cada circunstância que cria propiciadora da realização daquela conduta), e considerando-se que os diferentes atos (mais ou menos idênticos quanto ao modo de atuação e realização e quanto à vítima, sempre a mesma) realizados sucessivamente, reiteradamente, sequencialmente no tempo, apenas integram um único crime”. Neste sentido decidiu o Ac STJ de 29.11.2012 (rel. Santos Carvalho) relativamente a crime de abuso sexual de criança, a que, porém, foi aposto o seminal voto de vencido do senhor conselheiro Manuel Braz, que levou ao entendimento atualmente maioritário no STJ no sentido de “a estrutura típica do crime de abuso sexual de crianças não pressup[or] reiteração, isto é, não se pretender com o mesmo punir uma atividade, pelo que não lhe é aplicável a figura do crime de trato sucessivo” e que “ A eventual admissão da unificação de uma pluralidade de condutas essencialmente homogéneas, através da figura do crime de trato sucessivo, no âmbito do tipo penal de abuso sexual de crianças, poderia redundar num resultado que o legislador claramente quis afastar – ainda que por referência à figura do crime continuado – com a alteração ao n.º 3 do art. 30.º do CP realizada pela Lei 40/2010, de 03.09, que exclui expressamente a admissibilidade da possibilidade de unificação de uma pluralidade de condutas na figura do crime continuado, quando estejam em causa bens eminentemente pessoais” – nestes termos o Ac STJ de 14.01.2016, rel. Manuel Augusto de Matos e no mesmo sentido, entre outros, Ac. STJ de 22.04.2015, rel. Sousa Fonte, Ac STJ de 10.11.2016, rel. Manuel Braz, Ac STJ de 6.04.2016, rel. Santos Cabral, Ac STJ de 20.04.2016, rel. Helena Moniz, Ac STJ de 13.07.2017, rel. Rosa Tching, Ac STJ de 3.11.2016, rel. Francisco Caetano e, nas Relações, o Ac. do TRC de 09-04-2014, rel. Alcina da Costa Ribeiro e Ac TRE de 07.02.2017, rel. Ana Brito. É também este último o nosso entendimento, por se mostrar conforme com as regras acolhidas no código penal sobre unidade e pluralidade de crimes e ainda pelas exigências decorrentes do princípio da legalidade na delimitação dos tipos penais. Com efeito, independentemente dos contornos precisos das categorias de crime habitual, de crime prolongado, crime de atentado ou empreendimento, crime exaurido e crime de trato sucessivo (vd sobre estas categorias Helena Moniz, est. cit), é essencial que a unificação da multiplicidade de atos que os integram assente na própria descrição do tipo legal, como sucede com os crimes de maus-tratos, de infração às regras de segurança, o crime de lenocínio e, parece-nos, o crime de Pornografia de menores que, nas hipóteses previstas nas alíneas c) e d) do nº1 do artigo 176º do C. Penal, se apresenta como um tipo de múltiplos atos a impor uma punição unitária (cf Helena Moniz, est. cit. p. 24, nota. 50 e autores aí citados). Tal não se verifica, porém, relativamente ao tipo legal de Abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º que aqui nos ocupa, pois, como se dizia já no referido voto de vencido aposto ao Ac STJ de 29.11.2012 pelo senhor conselheiro Manuel Braz, “Não é a unidade de resolução que pode conferir a uma reiteração de actos homogéneos o cariz de crime de trato sucessivo, que se identifica com a categoria legal do crime habitual, mas somente a estrutura do respectivo tipo incriminador, que há-de supor a reiteração, [parecendo] claro que tanto os tipos de crime de abuso sexual de crianças e de abuso sexual de menores dependentes como o de violação não contemplam aquela «multiplicidade de actos semelhantes» que está implicada no crime habitual nem, por isso, a sua realização supõe um comportamento reiterado”. Pelo contrário, como refere Helena Moniz (es. e loc. citados) « … quer no crime de violação (164.º), por exemplo, quer no crime de abuso sexual a conduta punida é a prática de ato sexual (cf. arts. 165.º, 166.º167.º, 171.º, 172.º, 173.º,174.º, do CP).Ou seja, ainda que se possa considerar que um possível crime de abuso poderia integrar diversos atos, verificamos, todavia, que o tipo pune a conduta não de abuso, enquanto integrante de múltiplos atos, mas cada ato individualmente considerado. Na verdade, olhando, por exemplo, para o disposto no art. 171.º, do CP, é punido todo aquele que pratica ato sexual de relevo com menor, e logo que pratica cada ato, e em cada ato que pratica. É o ato ainda isolado que já constitui um caso de abuso.» Significa isto que só de acordo com os critérios gerais de distinção entre unidade e pluralidade de crimes é que hipóteses de multiplicidade de atos homogéneos, praticados contra a mesma vítima, numa mesma ocasião e local, poderão enquadrar-se num único crime de abuso sexual de crianças e não por apelo à caraterização daqueles crimes como de crime de empreendimento, crime habitual ou crime de trato sucessivo, que o respetivo tipo legal não consente. Ora, no caso presente, as situações descritas nos pontos 5) a 7), 9), 11), 12) e 13), da factualidade provada, foram levadas a cabo em locais diferentes e ocasiões distintas, apresentando-se, pois, como factos autónomos do ponto de vista objetivo, que sugerem fortemente terem obedecido a outras tantas resoluções, constituindo-se desse modo em autónomas lesões do bem jurídico protegido ou, no critério de F.Dias, numa «pluralidade de sentidos de ilicitude típica», a punir como outros tantos crimes nos termos do art. 30º nº1 do C. Penal. Não tem, assim, razão o arguido recorrente, mantendo-se nesta parte o decidido no sentido da verificação de uma pluralidade de crimes a punir como concurso efetivo nos termos dos artigos 30º nº1 e 77º, do C. Penal. 4. Pretende ainda o arguido que devem ser reduzidas as penas parcelares e a concreta pena única aplicada em cúmulo, situando-se esta próxima do limite mínimo da moldura abstrata aplicável, por forma a adequar-se à efetiva culpa do seu agente, à ilicitude dos factos e às concretas necessidades de prevenção. Vejamos. Uma vez que o arguido vai absolvido da prática de dois dos seis crimes pelos quais vinha condenado em primeira instância, ou seja, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171.°, n. 1, 177.°, n.1, alínea a), e 179. alínea a) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão (ponto 4) dos factos provados e de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelo artigo 171.°, n 1 e n. 2, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão (ponto 10) dos factos provados, sempre se impõe reformular o cúmulo jurídico, de modo a determinar-se nova medida única da medida concreta da pena única que lhe corresponde, operação em que se apreciarão os fundamentos invocados pelo arguido contra a pena única de 21 anos de prisão que lhe fora aplicada, acrescida da pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao seu filho CC pelo período de 11 (onze) anos. 4.1. Antes, porém, impõe-se conhecer do recurso sobre a medida das quatro penas parcelares que continuam a integrar o cúmulo jurídico, ou seja: - As condenações pela autoria de três crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e puníveis pelos artigos 171.°, n.º 1 e n.º 2, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal nas penas de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão (pontos 5) a 7) dos factos provados), de 8 (oito) anos de prisão (ponto 9) dos factos provados), e de 7 (sete) anos de prisão (ponto 11) dos factos provados) e pela coautoria de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171.°, n. 1 e n. 2, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão (pontos 12) a 16) dos factos provados). Uma vez que a autoria singular ou plural pode perspetivar-se como dado relevante para a medida da pena, refira-se que a factualidade provada nos pontos 12) a 16) não permite integrar a conduta do arguido DD no conceito de coautoria tal como estabelecido no art. 26º do C. Penal. Por um lado, não decorre daquela factualidade que DD e BB, por acordo ou juntamente com o outro, tenham tomado parte direta na execução de um único crime, como parece pressupor-se no acórdão recorrido, desde logo porque são dois (e não um) os crimes praticados na pessoa do menor na mesma ocasião e lugar pelo arguido DD e por BB; mas também porque não decorre da mesma factualidade que ambos tenham participado na execução de cada um dos crimes perpetrados pelo outro contra o menor, pois mesmo que aqueles tivessem decidido procurar CC para com ele satisfazerem os seus desejos sexuais, tal não se confunde com a execução conjunta dos factos. Conforme bem refere o tribunal a quo ao apreciar o enquadramento jurídico da conduta da arguida, “Não se tendo provado que … haja tomado parte directa na execução dos factos que integram o crime de abuso sexual …fica afastada a sua participação como co-autora, já que esta [a coautoria] se configura como um cometimento em comum de um facto punível, através de uma actuação conjunta, consciente e querida. “ Encontramo-nos antes perante autorias paralelas, tendo o arguido DD (no que aqui importa) praticado em autoria (singular) um crime de abuso sexual contra o menor ao agir como descrito nos pontos 12) e 13) da factualidade provada. No que concerne à medida das penas parcelares aplicadas, a moldura legal correspondente a cada um dos quatro crimes de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171.°, n. 1 e n. 2, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal, tem o seu mínimo em 4 anos de prisão e o seu máximo em 13 anos e 4 meses, tal como considerado pelo tribunal a quo, que destaca os seguintes fatores na determinação da medida da pena: “- Modo de execução dos crimes em causa que não se revelou elaborado; - A gravidade das consequências que, no caso concreto, se considera elevada, atentas não só as sequelas físicas decorrentes das condutas do arguido - em especial da encetada pelo arguido DD-, mas também as de natureza psicológica, salientando-se o facto de o menor ter chegado a manifestar comportamentos sexualizados para com objectos e terceiros, incluindo crianças menores de idade; - A gravidade da ilicitude que, no caso concreto, é elevada, considerando, por um lado, a idade da vítima - que contava com menos de 6 anos de idade - e, por outro, a natureza dos actos sexuais de relevo perpetrados pelos arguidos DD que, de entre os previstos no tipo, são dos mais gravosos; - A intensidade do dolo do arguido, que no caso em apreço é elevada, porquanto directo; - As necessidades de prevenção geral, que se têm por elevadas considerando a enorme frequência com que este tipo de abusos são praticados, o facto de na maioria das vezes serem perpetrados no seio do agregado familiar da vítima, a natureza dos bens jurídicos protegidos pelos ilícitos em causa e o alarme e o sentimento de insegurança que este tipo de condutas causam na população e que exigem a reposição da confiança na validade e eficácia das normas violadas; -As necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas, considerando, por um lado, a ausência de antecedentes criminais e o facto de os arguidos se encontrarem profissional, familiar e socialmente inseridos, mas, por outro, o facto de os mesmos possuírem um reduzido juízo crítico acerca da ilicitude das suas condutas e não demonstrarem arrependimento, escudando-se em factores alheios à sua pessoa.” Por seu lado, o arguido recorrente limita-se a tecer algumas considerações de ordem geral sobre as finalidades das penas e os fatores de determinação da medida da pena previstos no art. 71º do C.Penal. Ora, no caso concreto há que considerar sobretudo os apontados limites mínimos e máximo da moldura aplicável, comum aos quatro crimes (prisão entre 4 anos e 13 anos e 4 meses), os fatores destacados na fundamentação do acórdão recorrido em matéria de medida das penas parcelares, especialmente as consequências dos factos para o menor e a sua gravidade intrínseca, e as exigências de prevenção geral e especial das penas presentes no caso concreto. Por outro lado, as diferenças entre elas justificam-se face à diferente natureza dos atos perpetrados contra o menor ofendido. Com efeito, igual natureza do ato de abuso justifica a proximidade das penas relativas aos factos 5) a 7), 9) e 12) e 13) a 16), assim como a diferente natureza do ato justifica a aplicação de pena inferior àquelas (7 anos de prisão) pelos factos descritos no ponto 11). Por outro lado, as palavras dirigidas ao filho (ponto 7)) e a circunstância de ter agido contra o seu filho na mesma ocasião em que o fez o irmão (pontos 12) a 16)), não deixam de representar um maior desvalor da ação, aumentando a ilicitude do facto, na medida em que revelam uma particular desconformidade do seu comportamento e sentimentos (manifestados no facto) em face do dever ser jurídico-penal. Assim sendo, considerando, em síntese, que a medida concreta das penas se situam sensivelmente a meio da moldura legal e que os fatores tidos em conta pelo tribunal a quo se mostram conformes com o estabelecido no artigo 71º do C. Penal, mantem-se a medida aplicada por cada um dos quatro crimes em concurso. 4.2. No que concerne à determinação da medida da pena única impõe-se, tal como referido antes, reformular o cúmulo jurídico em resultado da absolvição por dois dos seis crimes por que o arguido DD vinha condenado, ponderando nesta sede os argumentos aduzidos pelo arguido em sede de recurso contra a pena única de 21 anos de prisão que lhe fora aplicada. 4.2.1. Alega o arguido recorrente a este propósito que, no que à personalidade do arguido diz respeito, há que devidamente atentar, entre o mais, nos factos dados como provados que indicam nomeadamente: - Que estudou até ao 7.º ano e abandonou os estudos aos 15 anos por falta de motivação e pela necessidade de ajudar a economia familiar; - Que mantinha um relacionamento próximo com a família alargada, nomeadamente com os irmãos e com os progenitores e - Que no seio da comunidade onde vivia era conotado como uma pessoa com um quotidiano comum e disponível para ajudar os outros, mas também era associado a consumos excessivos de álcool.”. O arguido recorrente reporta-se ainda a trabalhos comuns que tem desempenhado ao longo da sua vida, à sua ocupação profissional à data dos factos e rendimentos do trabalho que auferia à data dos factos e apela à comparação do caso presentes com outros em que são violados outros bens jurídicos, como a vida, para concluir que a pena única é exagerada, sem apresentar, porém, casos concretos de onde pudesse extrair-se qualquer conclusão favorável para si. A moldura legal aplicável tem agora o seu mínimo em 8 anos e 6 meses de prisão e o seu máximo em 25 anos, (o máximo legal), uma vez que a respetiva soma material ascende a 32 anos de prisão – cf. Art. 77º nº2 do C. Penal. 4.2.2. Vejamos então. A medida da pena única é determinada, em conjunto, pelos factos e a personalidade do arguido, conforme estabelecido no art. 77º nº1 do C.Penal. Como refere, por todos, Souto Moura[1]a propósito da pena conjunta aplicável ao concurso de crimes, “…ponderar em conjunto os factos é atender, fundamentalmente, à ilicitude global de toda a conduta do agente em análise (….) A conexão entre os factos, e a abordagem destes, independentemente de quem os praticou, releva sobretudo para efeitos de prevenção geral. A gravidade dos vários crimes cometidos, a frequência com que eles ocorrem na comunidade e o próprio impacto que têm nessa comunidade, terão, pois, que ser tidos em conta”. Ora, o presente concurso de penas abrange 4 crimes de abuso sexual de criança agravado pela ascendência do arguido, sendo os abusos perpetrados através de coito anal em três dos crimes e coito oral no caso restante, quando o menor não tinha ainda 6 anos de idade, desenrolando-se os abusos num curto período temporal – que não terá excedido um ano, tanto quanto pode retirar-se da factualidade provada. Assim, do ponto de vista da gravidade do ilícito global (vd F. Dias, Direito Penal Português, 1993, p. 291) estamos perante uma pluralidade de factos homogéneos, quer quanto aos tipos penais em causa, quer quanto à gravidade de cada um deles, aferida pela medida das penas, quer, ainda, quanto ao período de tempo durante o qual se desenrolou a atividade ilícita do arguido. É, pois, elevada a gravidade do ilícito global praticado pelo recorrente. No que concerne à avaliação da personalidade do arguido, não pode deixar de considerar-se que todos os factos tiveram como motivação comum a satisfação do desejo sexual do arguido na pessoa do seu filho e que, face à homogeneidade da conduta e a sua repetição - nomeadamente perante terceiros em duas ocasiões ainda que do seu círculo familiar (companheira de facto e irmão) - estamos perante uma tendência clara para a prática de crimes contra a autodeterminação sexual de criança com sinais de voyeurismo e exibicionismo que remetem para um quadro degradante profundamente contrário a elementares regras e princípios consensuais na nossa sociedade, não obstante a diversidade que a carateriza ao nível das práticas e opções sexuais entre adultos. É, pois, determinante o papel da personalidade do arguido na sua motivação para os crimes, sendo praticamente inexistentes fatores exteriores que pudessem ter contribuído para prática dos mesmos. Perante a avaliação conjunta dos factos e da personalidade do arguido que deixamos feita, pouco relevam a favor do arguido a ausência de antecedentes criminais ou a aparência de integração social resultante da regular dedicação ao trabalho e da organização da sua vida pessoal com base na instituição familiar (que se revelou criminógena para si), nomeadamente do ponto de vista das necessidades de prevenção especial positiva, sendo certo que ao não ter assumido os factos e não mostrar arrependimento, o arguido deixou na opacidade quaisquer fatores que, explicados, permitissem compreender algo da personalidade que se apresenta quase incompreensível para quem o julga, ao praticar contra o seu filho atos de abuso tão graves e desprovidos de empatia humana. Concluímos, assim, que, apesar de tudo, só o período relativamente curto durante o qual foram praticados os factos e a ausência de antecedentes criminais podem, de alguma forma, constituir fatores favoráveis ao arguido do ponto de vista da gravidade do ilícito global e da personalidade revelada nos factos, respetivamente. Deste modo, concluímos que a avaliação conjunta da globalidade dos factos e da personalidade do arguido, impõem a aplicação da pena única de 15 anos de prisão. B. Recurso da arguida, AA 1-. A nulidade de sentença invocada. Como aludido, a arguida invoca nulidade do acórdão recorrido, nos termos do n.º 1 do artigo 379º e n.º 2 do artigo 374 do Código de processo penal, por insuficiência no exame crítico das provas relativamente ao ponto 8) da factualidade provada («8 .Em data não determinada, encontrando-se DD e AA no interior do quarto do menor CC, AA exigiu que o filho lhe lambesse a vagina, o que este fez. »), uma vez que o tribunal a quo não explica por que motivo considerou o depoimento sério, sustentando tal conclusão em outra prova ou prova mais concreta, conforme impõe o dever de fundamentação. Vejamos. a) Nos termos do art. 379º nº 1 a) do CPP, é nula a sentença que viole o dever de fundamentação imposto pelo art. 205º nº1 do CPP e especificamente regulado pelo 374º nº2 do CPP, ao qual se reconhecem – ultrapassando meras diferenças de formulação -, essencialmente três finalidades: - (1) Permitir o controlo da legalidade do acto em via de recurso (2) convencer os interessados e os cidadãos em geral da correcção e justiça da decisão e (3) obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autocontrolo. A fundamentação da sentença inclui o dever do tribunal “a quo” apreciar criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção, a qual consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida. Esta exposição – ainda que concisa, como refere o nº2 do art. 374º - deve permitir compreender o motivo pelo qual o tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que suportam a decisão negativa ou positiva da matéria de facto em causa, sem que tal implique, porém, o dever de decompor cada um dos termos ou conceitos que, na experiência corrente, são utilizados para expressar o maior ou menor poder de convicção de cada um dos meios de prova. Necessário é que a apreciação crítica das provas expresse uma decisão ponderada, não arbitrária, compreensível para a generalidade dos cidadãos e, portanto, também para o tribunal de recurso, face às provas concretamente produzidas (que bem podem ser contraditórias entre si) e às regras da ciência, da lógica e da experiência, que enformam e limitam o princípio da livre apreciação da prova consagrado positivamente no art. 127º do CPP. b) Ora, ao fazer a apreciação crítica da prova relativamente aos pontos 3) a 19) da factualidade provada (incluindo, portanto, os pontos 8) e 12) a 16)) o tribunal a quo explica que fundou a sua convicção essencialmente no depoimento do ofendido, caraterizado como espontâneo, sincero, imparcial e desinteressado, que infirmou o relato apresentado pelos arguidos, pois depôs sem qualquer animosidade para com os estes, de quem, aliás, demonstrou gostar e sentir carinho. Para além disso, o tribunal a quo refere ainda que as declarações do ofendido encontraram apoio no relatório pericial de natureza sexual de fls 476 a 478, no relatório psicológico de fls 321 a 325 e ainda nos depoimentos de CT e JS (tios de acolhimento) e da psicóloga MFC. Tanto basta para que se compreenda claramente que o tribunal a quo julgou provados o ponto 8) e os pontos 12) a 16), da factualidade provada, essencialmente com base nas declarações do ofendido, que caraterizou do modo descrito com o apoio os referidos elementos indiretos relevantes para a aferição da credibilidade daquelas mesmas declarações, por oposição à falta de credibilidade que encontrou nas declarações dos arguidos e da testemunha MB. Na verdade, contrariamente ao que parece entender a recorrente ao pretender que o tribunal a quo explicasse por que motivo considerou o depoimento sério, sustentando tal conclusão em outra prova ou prova mais concreta, para além das referidas, a motivação da decisão sobre a matéria de facto não pode confundir-se com a explanação exaustiva do processo psicológico que conduz à convicção pois, em boa verdade, para além das dificuldades e limitações ao nível da sua expressão verbal, não pode sequer considerar-se sindicável o processo de formação da convicção em toda a sua extensão e profundidade, desde logo por falta de parâmetros lógicos e científicos que o permitam. A sentença recorrida contém, pois, a apreciação crítica das provas relativamente ao ponto 8) e aos pontos 12) a 16), da factualidade provada, pelo que improcede a nulidade de sentença invocada pela arguida. 2. Os invocados vícios de contradição insanável da fundamentação, previsto na al. b) do n.º 2 do artigo 410º do Código de processo penal. A este respeito, importa lembrar, antes de mais, que os vícios previstos no nº2 do artigo 410º nº2 do CPP apenas podem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pelo que não pode ser tido em conta na sua apreciação o conteúdo da prova pessoal ou documental que não se encontre transcrito na sentença (ou como tal deva ser considerado). Vejamos então se os vícios invocados pela recorrente se verificam no caso concreto. 2.1. A arguida, começa por alegar que existe uma evidente e concreta contradição entre o ponto 8) da factualidade provada e as alíneas H) a K) dos factos não provados, por existir uma evidente e concreta contradição entre julgar-se provado no ponto 8) que a criança ofendida lambeu a vagina da arguida por exigência desta e, ao mesmo tempo, julgar-se não provado que a arguida não se despiu, conforme consta da alínea j) da factualidade não provada, pois, como diz, para o coito oral ser consumado é necessário expor certas e determinadas partes da fisionomia da mulher, [pelo que] como poderia o menor chegar à mãe e consumar o ato sexual se esta não se despe? - Trata-se [conclui a arguida] de uma impossibilidade de facto, óbvia. É porém, manifesta a falta de razão da arguida, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, não há impossibilidade de facto em praticar coito oral na mulher que se mantenha vestida, incluindo com roupa interior, pois – parafraseando a arguida – existem certas e determinadas formas de se afastar a roupa interior da mulher sem que esta se dispa, deixando a descoberto as partes da fisionomia da mulher a que se reporta a recorrente, o que é por demais sabido, pelo que nos parecem desnecessárias outras explicações. Em segundo lugar, em parte alguma da factualidade provada se diz que a arguida se encontrava vestida antes do descrito em 8), designadamente com roupa interior, pelo que sempre os atos ali descritos podiam ter ocorrido sem que ela se tivesse despido para o efeito por já se encontrar despida, não se verificando, pois, também por este motivo, qualquer incoerência ou contradição lógica entre o facto provado no ponto 8) e a factualidade não provada em H), I), J) e K). Assim, tendo em conta que o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão previsto na al. b) do nº2 do art. 410º do CPP, apenas ocorre, conforme é pacificamente entendido, quando exista oposição, incoerência, incompatibilidade manifesta, entre diferentes passos da motivação da sentença ou entre aquela motivação e a decisão, que afete a estrutura ou coerência lógica da sentença de modo inultrapassável para o tribunal de recurso, improcede a invocação daquele mesmo vício por parte da arguida no que concerne ao ponto 8) da factualidade provada e pontos H), I), J) e K) da factualidade não provada. 2.2. A alegada contradição entre os pontos 12) e 16) da factualidade provada e as alíneas Q) e R) da factualidade não provada, quanto à presença da arguida, de que resulta a sua condenação como cúmplice de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, n.os 1 e 2, 177º, n. 1, alínea a), e 179º, alínea a), do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos de prisão. Numa primeira leitura, parece verificar-se a contradição alegada, pois parece que o descrito os pontos 12), 13, 14), 15) e 16) da factualidade provada, ou seja, que “em data não determinada mas anterior a 8 de Outubro de 2015, no Monte …, no interior da residência, AA presenciou que DD e BB inseriram o pénis ereto no ânus do seu filho e sobrinho, CC, fazendo com seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual” e o descrito em Q) e R) da factualidade não provada se reportam à mesma ocasião, pelo que seriam logicamente incompatíveis, uma vez que, se assim fosse, ao julgar provado que a arguida, AA, presenciou BB a penetrar o ânus do filho da arguida, não podia o tribunal a quo julgar não provado esse mesmo facto. Constata-se, porém, da explicação que pode ler-se na apreciação crítica da prova (fls 765 dos auto), que os factos descritos de 12) a 16) da factualidade provada não se reportam à mesma situação e momento temporal mencionados em Q) e R), o que é ainda mais claro ao confrontar –se todos aqueles factos com o teor da acusação (vd fls 545 dos autos) e a alteração não substancial de factos registada em ata na sessão de julgamento de 26.10.2017. Com efeito, na acusação narram-se dois episódios separados. Que em data não determinada, na presença de AA, BB dirigiu-se ao quarto do seu sobrinho, deitou-se sobre ele e inseriu o seu pénis no ânus da criança, perante o que AA se riu, e que numa outra ocasião, em data não determinada mas anterior a 8 de Outubro de 2015, no Monte …, no interior da residência, DD e BB inseriram o pénis no ânus do seu filho e sobrinho, CC, tendo sido surpreendidos pelo pai de ambos os abusadores, MM, sem que se refira na acusação a presença e riso de AA nessa ocasião. Foi após a audiência de julgamento que o tribunal a quo julgou provado que a situação anterior a 8 de outubro de 2015 (data da morte do pai de DD e BB) ocorreu na presença da mãe do menor, AA , como descrito de 12) a 16) dos factos provados, julgando não provado o episódio descrito na acusação como tendo ocorrido em momento anterior e em que teriam apenas intervindo BB, a criança ofendida e a arguida, AA . Assim se compreende cabalmente a explicação do tribunal a quo a fls 765 dos autos, segundo a qual “A não prova dos factos insertos nos pontos Q) a R) resultou do facto de o menor CC não ter especificado a ocorrência de uma situação como a descrita, apenas tendo associado a assistência da mãe aos abusos sofridos a uma situação em que o pai e o tio paterno terão actuado conjuntamente, versão que se exarou nos pontos 12) a 16)”. Não se verifica, pois, a apontada e aparente contradição entre os pontos 12) a 16) da factualidade provada e as alíneas Q) e R) da factualidade não provada, dado reportarem-se a situações diferentes. Em todo o caso, sempre se diga que mesmo que ambos os conjuntos de enunciados factuais se reportassem a uma mesma ocasião, a contradição assim verificada não seria insanável, por decorrer da fundamentação do acórdão recorrido que a decisão efetiva do tribunal a quo seria a correspondente ao teor dos pontos 12) a 16) da factualidade provada. Assim sendo, sempre improcederia o invocado vício de contradição insanável da fundamentação, previsto na al. b) do art. 410º do CPP, pois este vício só se verifica quando a contradição é insanável, ou seja, quando do texto da decisão recorrida não decorre qual das afirmações contraditórias entre si corresponde ao juízo efetivo do tribunal recorrido. Quando do texto da decisão seja possível concluir qual das afirmações contraditórias entre si corresponde ao julgamento do tribunal a quo a contradição não é insanável, cabendo ao tribunal ad quem esclarecer e enunciar a afirmação prevalecente (diga-se assim), em vez de reenviar o processo para novo julgamento nos termos do art. 426º do CPP, o que aliás decorre não só da referência da al. b) a contradição insanável mas também do nº1 do citado art. 426º, que faz depender o reenvio do processo de não ser possível ao tribunal de recurso conhecer da causa por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº2 do art. 410º do CPP. 2.3. O invocado vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º nº2 al. c), do CPP. Se bem a compreendemos, ao referir-se agora a erro notório na apreciação da prova a arguida mais não faz num primeiro momento que reconduzir àquele vício da decisão previsto na al. c) do nº2 do art. 410º do CPP, a situação processual que antes pretendera enquadrar nos vícios de nulidade de sentença, por um lado, e de contradição insanável (al. b) do nº2 do art.410º) por outro, pelo que valem aqui as razões que levam à improcedência daqueles mesmos vícios, não cabendo repetir o que ficou exposto, sendo certo que os mesmos não se adequam sequer ao perfil do vício de erro notório. Assim, apenas assume autonomia a invocação do vício de erro notório com os fundamentos que decorrem das conclusões XXIX e sgs, em particular as conclusões XLV e LIV, ou seja, por alegada violação dos princípios in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, por falta de prova suficiente para julgar provados os factos 8) e 12) a 16), uma vez que, como alega, aqueles factos foram julgados provados com base num depoimento único, do ofendido, menor de 5 anos de idade, sem sustentação de qualquer outra prova, acrescida de um evidente erro de apreciação na mesma, por desconformidade da decisão com as regras da experiencia. a) Ora, em primeiro lugar, a arguida não tem razão ao alegar que os factos em crise, ou seja, o ponto 8) da factualidade provada que funda a sua condenação pela autoria de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.1, 177.°, n 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal, e os pontos 12) a 16) , relativos à sua condenação pela prática, como cúmplice, de crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, n.ºs 1 e 2, 177º, n. 1, alínea a), e 179º, alínea a) e 27º, do Código Penal, foram julgados provados apenas com base nas declarações da criança ofendida, ainda que estas tenham constituído a prova rainha, tal como sucede em casos semelhantes, pelas razões desenvolvidas supra a propósito do recurso do arguido DD que podem ver-se em A.I.1. (especialmente 1.1.3) do presente acórdão, para onde se remete. Por outro lado, não tem a arguida razão ao aludir a falta de credibilidade do menor em face daquelas considerações e ainda das expendidas em A.I. 2. (especialmente 2.3. a) e b) e 2.4), que se reportam a caraterísticas do depoimento do menor presentes ao longo das suas declarações. Por último, a recorrente não explica nem nós vemos em que medida a decisão do tribunal a quo de julgar provados os pontos 8) e 12) a 16) é desconforme com as regras da experiencia, pelo que também por este motivo improcede totalmente a invocação do vício de erro notório na apreciação da prova previsto na al. c) do nº2 do art. 410º do CPP. Assim sendo, concluímos não resultar do texto do acórdão recorrido (com ou sem o contributo das regras da experiência comum) que o tribunal a quo tenha incorrido em erro manifesto, grosseiro, ao julgar provados o ponto 8) e os pontos 12) a 16), dos factos provados, pelo que improcede também nesta parte o recurso da arguida. 3. A apreciação oficiosa dos factos relativos à qualificação jurídica dos pontos 12) a 15) da factualidade provada, que o tribunal a quo considerou integrarem os elementos objetivos de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171º, n.s 1 e 2, 177º, n. 1, alínea a), e 179º, alínea a), do Código Pena, pelo qual a recorrente foi condenada, como cúmplice, na pena de 5 (cinco) anos de prisão. No essencial, descreve-se ali que a arguida presenciou a penetração anal do menor, levada a cabo sucessivamente pelo pai e pelo seu tio BB (conforme se descreve nos pontos 13) e 14)), perante o que se riu. O tribunal coletivo,depois de analisar ex professoalgumas das questões jurídicas suscitadas pela noção de cumplicidade no caso presente, máxime a distinção entre a mera presença e o auxílio moral (ou material) essencial à conduta cúmplice, condenou a autora como cúmplice. Como pode ler-se no enquadramento jurídico penal dos factos, o tribunal a quo considerou que embora, por regra, a simples presença física não seja mais que um não acto, em que o facto de permanecer não constitui elemento nem revelador do dolo de auxílio, nem causal do apoio ao facto do co-arguido, quando ao presenciar o abuso sexual praticado pelo pai e tio paterno ao seu filho, a arguida se riu a mesma não se limitou a presenciar os factos, mas auxiliou moralmente o comportamento daqueles, dando-lhes conforto e a garantia de que, não obstante ter para com a vítima um dever de garante, iria contribuir para que os factos criminosos fossem praticados de acordo com o plano delineado pelos seus agentes. Temos, pois, que a mesma foi cúmplice do ilícito em causa. Sucede, porém, que os efeitos psicológicos que o tribunal coletivo afirma terem sido produzidos no ânimo dos autores do crime pelo riso da arguida, ou seja, dar-lhes o conforto e a garantia a que alude, não encontram respaldo na factualidade provada. Por um lado, encontra-se provado que a arguida presenciou os atos em causa, perante o que se riu, o que não significa necessariamente que se riu enquanto os presenciava, pois aquele trecho é compatível com a afirmação de que a arguida se riu após presenciar os factos. Por outro lado, não se percebe da secura da factualidade provada qual a natureza ou sentido do riso em causa, para além de não se ter apurado sequer se os autores do crime se aperceberam do riso da arguida e menos ainda como o teriam interpretado. Ora, a participação do cúmplice só se verifica mediante a prestação de um contributo relevante para a prática do crime por outrem, sem o que não pode falar-se do auxílio material ou moral a que se reporta o art. 27º do C.Penal. Se se concebe a prestação de auxílio material à prática do crime mesmo sem o conhecimento do autor do facto ("cumplicidade clandestina"), relevando apenas a atitude do cúmplice(cf Ac STJ de 31 de Março de 2004, relator Henriques Gaspar), tal não pode suceder relativamente à cumplicidade moral ou psicológica, pois só na medida em que o autor do facto se aperceba da atitude favorável do terceiro pode falar-se de auxílio (moral) à prática do facto. Conforme pode ler-se, por todos, no ora citado Ac STJ de 31.03.2001, “A cumplicidade psíquica (auxílio moral) supõe um qualquer meio, palavra, gesto, ou comportamento que revele a vontade de reforçar a acção do agente do facto; a mera cogitatio ou a aceitação passiva não pode constituir cumplicidade, não revelando, nesta perspectiva, o ponto de vista do agente do facto, nem o que sinta ou suponha, mas apenas a perspectiva e a vontade do suposto cúmplice. A cumplicidade só pode, pois, revelar-se através da causalidade; especialmente na cumplicidade psíquica, sem elementos reveladores de causalidade não se pode responder à questão de saber se há auxílio ou se houve favorecimento do facto (…) a circunstância de que o influxo psíquico tenha surtido efeito é irrenunciável como constitutiva da causalidade, e tem de ser revelada nos factos provados (cfr., v. g., Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, "Tratado de Derecho Penal, Parte General", 5ª ed., 2002, pág. 744, segs; Günter Jakobs, "Derecho Penal", Parte General", 2ª ed., 1997, pág,810, segs.).» Ora, mesmo a considerar-se que o riso da arguida perante os atos de abuso sexual do pai e tio do menor ocorreram simultaneamente com a prática dos atos de abuso e significavam apoio àqueles atos, o que sempre se imporia levar à factualidade provada pois pode não ser assim, nomeadamente nos casos de riso involuntário, não controlado pelo próprio, não consta desta mesma factualidade que os autores se aperceberam daquele riso nem que, em todo o caso, teriam sentido com ele o conforto e a garantia de que, não obstante ter para com a vítima um dever de garante, iria contribuir para que os factos criminosos fossem praticados de acordo com o plano delineado pelos seus agentes, contrariamente ao que se afirma no acórdão recorrido em sede de enquadramento jurídico-penal dos factos. Deste modo, impõe-se concluir que a factualidade descrita no acórdão recorrido, máxime nos pontos 12) a 15) da factualidade provada, não é suscetível de fundamentar a punição da arguida como cúmplice da prática de crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171º, n.s 1 e 2, 177º, n. 1, alínea a), e 179º, alínea a), do Código Pena, pelo qual vem condenada na pena de 5 (cinco) anos de prisão, sendo certo que sempre estaria em causa a cumplicidade da arguida em dois crimes e não num só, pois cada um dos abusadores foi autor de um daqueles crimes na pessoa do menor. Por último, sempre se diga que da fundamentação do acórdão recorrido e do conjunto da prova reapreciada em sede de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto deduzida pela arguida recorrente não pode concluir-se ter resultado da discussão da causa que a arguida terá praticado crime de omissão impura (máxime de Abuso sexual de criança), nos termos do art. 10º do C.Penal, ou o crime de omissão de auxílio previsto no artigo 200º do C. Penal, tanto mais que a prova sobre a dos arguidos nos factos se reconduz no essencial às declarações do menor no inquérito e aquele não pormenoriza nem desenvolve as circunstâncias em que a ora arguida se terá rido perante a autoria dos abusos ora em causa, pelo que não se verifica igualmente vício do acórdão recorrido que pudesse sanar-se mediante o reenvio do processo à primeira instância. Impõe-se, pois, absolver a arguida da prática daquele crime. 4. Assim sendo, apenas subsiste a condenação da arguida pela autoria de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171°, nº.1, 177°, nº 1, alínea a), e 179°, alínea a), do Código Penal (ponto 8) dos factos provados), na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, pena esta que se mantém pois não foi impugnada, impondo-se agora decidir se é de suspendê-la na sua execução nos termos do artigo 50º do C. Penal. A este respeito, importa lembrar que o artigo 50º faz depender a suspensão da execução da pena de prisão (abreviadamente, suspensão da prisão) aplicada em medida igual ou inferior a 5 anos, de a respetiva pena de substituição realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso concreto, sendo que as finalidades das penas são sobretudo de prevenção geral positiva e de prevenção especial positiva ou de ressocialização, como é consensual na Doutrina e Jurisprudência portuguesas face à atual versão do art. 40º do C. Penal, inspirada na doutrina de F. Dias e Anabela Rodrigues a tal respeito. Por outro lado, nos casos de finalidades antinómicas presentes num dado caso concreto, ou seja, nas hipóteses em que a pena de substituição se mostre mais adequada à satisfação de necessidades de prevenção especial, mas a tal se oponha a perspetiva da prevenção geral ou de defesa do ordenamento jurídico, refere há muito Anabela Rodrigues que “…em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral positiva hão de funcionar como limite ao que, de uma perspetiva de prevenção especial podia ser aconselhável (…) sendo um orientamento de prevenção – agora de prevenção geral no seu grau mínimo – o único que pode (deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial”[2] Ora, no caso concreto, não obstante a ausência de antecedentes criminais da arguida, a sua história familiar pregressa, as circunstâncias relativas à sua situação profissional e demais condições de vida, que espelham um estilo de vida social e profissionalmente integrado desde a infância, existem outros fatores que comprometem decisivamente um juízo de prognose positivo no sentido de ser ainda possível a reintegração social da arguida em liberdade, ou seja, sem que venha a praticar no futuro ilícitos desta natureza. Com efeito, a arguida apresenta reduzido juízo crítico em relação aos factos que lhe são imputados e em relação às consequências daí decorrentes para as eventuais vítimas, não assumiu os factos por si praticados e manteve atitude passiva (no mínimo) perante os abusos praticados pelo seu companheiro e irmãos deste, que igualmente não explica, retirando desse modo ao tribunal a possibilidade de melhor compreender a sua realidade social e psicológica no que aos factos importa e, portanto, também aspetos da sua personalidade com relevância para o referido juízo de prognose que, assim, não são acessíveis ao tribunal. Por outro lado, são manifestas as necessidades de prevenção geral positiva decorrentes da grande danosidade dos factos para as crianças vítimas de abusos sexuais e da frequência com que vêm sendo praticados crimes desta natureza, nomeadamente no seu meio familiar, que apelam a respostas contrafácticas capazes de afastar outros potenciais delinquentes da prática de atos desta natureza e de gerar na generalidade dos cidadãos a convicção de que é efetiva a tutela penal dos bens jurídicos violados. Assim, não pode sequer falar-se em finalidades antinómicas das penas no caso presente, pois tanto as necessidades de prevenção geral como de prevenção especial apontam no sentido da efetiva privação da liberdade, pelo que, considerando especialmente a natureza e gravidade dos factos típicos praticados pela arguida e o que sobre a sua personalidade resulta do conjunto da factualidade provada relativa às circunstâncias dos crimes e à sua atitude perante eles, concluímos que as necessidades de prevenção geral e especial, positivas, exigem o cumprimento da pena de prisão aplicada, pelo que se decide não suspender à arguida a execução dessa mesma pena, nos termos do art. 50º do C.Penal III. DISPOSITIVO Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: I. - Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido DD, modificando-se a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos expostos e decidindo, em consequência: -Absolvê-lo da autoria de: - Um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171.°, n. 1, 177.°, n.1, alínea a), e 179º. alínea a) do Código Penal, pelo qual vinha condenado na pena de 4 anos e 3 meses de prisão (ponto 4) dos factos provados; - Um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelo artigo 171.°, n 1 e n. 2, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal, pelo qual vinha condenado na pena de 8 anos de prisão (ponto 10) dos factos provados. Alterar a qualificação jurídica relativa à sua condenação como coautor, condenando-o, em substituição como autor singular de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171.°, n. 1 e n. 2, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal (pontos 12) a 16) dos factos provados). - Manter a sua condenação nas penas parcelares de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão (pontos 5) a 7) dos factos provados), 8 (oito) anos de prisão (ponto 9) dos factos provados), 7 (sete) anos de prisão (ponto 11) dos factos provados e 8 anos e 6 meses de prisão (pontos 12) a 16) dos factos provados), pela autoria de quatro crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e puníveis pelos pelos artigos 171.°, n 1 e n. 2, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal. Reformulando o cúmulo jurídico, decidem ainda condenar o arguido na pena única de 15 anos de prisão, mantendo-se a sua condenação na pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais relativamente ao seu filho CC pelo período de 11 anos. II. - Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida, AA, absolvendo-a da participação, como cúmplice, na prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171.°, n. 1 e n. 2, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal, pela qual vinha condenada na pena de 5 anos de prisão; - Manter a sua condenação pela autoria de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171.°, n. 1 e n. 2, 177.°, n. 1, alínea a), e 179.°, alínea a), do Código Penal na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, acrescida da pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais relativamente ao seu filho CC pelo período de 11 anos. Sem custas, dado que os arguidos recorrentes não decaíram totalmente nos seus recursos – cfr art. 513º nº1 do CPP 14.06.2018 (Processado em computador. Revisto pelo relator.) António João Latas (assinatura eletrónica) Carlos Jorge Berguete (assinatura eletrónica) __________________________________________________ [1] Cfr Souto Moura, A jurisprudência do STJ sobre Fundamentação e Critérios de Escolha e Medida da Pena, comunicação proferida em ação de formação do CEJ que teve lugar na Faculdade de Direito do Porto em 4 de Março de 2011, acessível em www.stj.pt/ficheiros/estudos [2] .”Que assim é quanto à prevenção geral [continua a autora], resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão” – cfr Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984,pp. 40 e 41. |