Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
122/15.3T8PSR-A.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: MANDATO FORENSE
VALIDADE
CASO JULGADO
Data do Acordão: 09/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I - Não existindo qualquer regra específica no CIRE quanto à necessidade de representação dos credores impugnantes por mandatário há que aplicar subsidiariamente o disposto a esse respeito no CPC.
II - Atento o previsto no artigo 40.º, n.º 1, alínea a), do CPC, de acordo com o qual é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada em que seja admissível recurso ordinário, pretendendo cada um dos credores ver reconhecidos créditos no valor de 142.151.74€, e tendo-se verificado que os indicados credores não constituíram advogado aquando da apresentação das impugnações, em face do preceituado no artigo 41.º do CPC, devia o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determinar a respectiva notificação para constituírem mandatário dentro de prazo que assinasse, com a cominação de, não o fazendo, ficar sem efeito a impugnação apresentada.
III - De facto, o vício é sanado nos termos legalmente previstos mantendo-se a peça processual nos exactos termos em que tenha sido apresentada, salvo se for caso de convite ao aperfeiçoamento, porquanto a apresentação dos actos das partes está sujeita a prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC).
IV - Assim, tendo os credores constituído advogado, mesmo sem terem sido notificados para o efeito, atento o princípio da economia processual, estavam nesse momento reunidas as condições para ser decidida a questão suscitada quanto à validade e eficácia das impugnações efectuadas, porquanto as mesmas haviam sido tempestivamente apresentadas e o vício da falta de representação sanado antes de os credores terem sido declarados insolventes e, portanto, sem que então fosse de aplicar o disposto no artigo 81.º do CIRE.
V - Por força do disposto no artigo 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, proferido o primeiro despacho relativo à validade e eficácia das impugnações deduzidas, ficou esgotado o poder do juiz relativamente à referida matéria.
VI - No caso dos autos, verificando-se a existência de dois despachos contraditórios proferidos sobre a mesma questão concreta da relação processual - a validade ou invalidade das impugnações apresentadas -, em face do que dispõe o artigo 625.º do CPC, aplicável aos despachos proferidos sobre a mesma questão concreta da relação processual por via do disposto no respectivo n.º 2, “havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”, neste caso, a única já transitada nos termos da qual foram consideradas válidas e eficazes as impugnações apresentadas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. AA e BB, credores nos autos de insolvência de CC & IRMÃOS, S.A., supra identificados, não se conformando com o despacho proferido em 05-04-2016 que deu sem efeito o despacho que havia declarado a validade e eficácia das impugnações apresentadas por aqueles nos autos, na sequência de anterior despacho que julgou ineficaz o mandato por cada um deles conferido através dos instrumentos de procuração de fls. 377 e 391, por ser posterior à respectiva declaração de insolvência, interpuseram recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
«I- Os Recorrentes, AA e BB, apresentaram eles próprios, e sem constituírem mandatário para tal, impugnação à lista, através de requerimentos de 16-06-2015 e 18-06-2015, e manifestaram o propósito de juntar procuração forense se tal fosse tido por pertinente.
II- O recorrente AA, juntou aos presentes autos procuração forense a favor de mandatário na data de 19 de Outubro de 2015.
III- O recorrente BB, juntou aos autos procuração forense a favor de mandatário na data de 14 de Dezembro de 2015.
IV- A junção das referidas procurações decorreu da necessidade de junção de documentos e representação na tentativa de conciliação agendada.
V- E não, por tal ter sido determinado.
Vl- Por despacho de 01-02-2016, com a refª 26824100, foi determinado que os credores AA e BB, ora recorrentes, procedessem à junção de nova " impugnação de créditos devidamente subscrita por advogado, munido de procuração forense para os representar nestes autos".
VII- Os credores AA e BB, deram total e integral cumprimento ao despacho proferido, tendo pois junto aos autos novas impugnações subscritas por advogado e novas procurações.
VIII- No entendimento de que, que as procurações emitidas o teriam de ser por eles e não pelos respetivos administradores judiciais, e uma vez que se tratavam de actos praticados antes da referida situação de insolvência.
IX- Por despacho de 23-02-2016, com a refª 26899938, foram julgadas válidas e eficazes as impugnações com as ref.ªs 528709 e 531192, apresentadas pelos credores AA e BB.
X- Tal decisão já transitou em julgado.
XI- Os credores AA e BB foram declarados insolventes por sentenças proferidas em 17.12.2015 e 04.01.2016, respetivamente.
XII- Resta pois, apenas determinar-se nesta data a cessação do mandato conferido, em virtude da declaração de insolvência dos ora recorrentes.
Xlll- E não, como se pretende, ineficaz o mandato conferido através da procuração de fls 377 e 391 respetivamente, pelos credores Joaquim e Armando.
XIV- Uma vez que tais procurações, serviram apenas para dar cumprimento ao determinado no douto despacho, não podendo pois considerar-se a existência de um novo mandato.
XV- E, consequentemente notificar-se os Srs Administradores nomeados para constituírem mandatário.
XVI- Os recorrentes pretenderam tão só evitar a invalidade ou ineficácia da impugnação de créditos apresentada, e acautelar pois os interesses dos credores da insolvência.
XVII- Se assim não se entender, e considerando a data da declaração de insolvência de cada um, terá que se determinar a repetição de todas as notificações efetuadas nos presentes autos, após aquelas datas, agora na pessoa dos respetivos Administradores de Insolvência nomeados nos respetivos processos de insolvência, e devidamente identificados nos autos.
XVI 11- O que aliás foi já requerido nos autos, por requerimento de 16.03.2016.
XIX- Uma vez que o despacho de fls 410 já transitou em julgado, o mesmo não pode ser dado sem efeito como se pretende, atento o disposto no artigo 613º NCPC.
XX- Nos termos do disposto 614º do NCPC, tal despacho só seria passível de retificação em caso de erro de escrita cálculo ou inexatidão.
XXI- O que manifestamente não acontece.
XXII- Violou pois assim, o douto despacho, entre outros, o disposto nos artigos 613º e 614º do NCPC.».

2. Pelo credor Banco DD, S.A. foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

3. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.
Assim, as questões colocadas pela Recorrente, pela sua ordem lógica de apreciação, são as de saber se o despacho recorrido violou o caso julgado produzido por anterior despacho sobre a mesma matéria; e, em caso negativo, se a notificação efectuada aos credores para apresentação de nova impugnação e junção de procuração a mandatário, deve agora ser efectuada ao Senhor Administrador dos processos de insolvência.
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III – Fundamentos
III.1. – Tramitação processual
É a seguinte a tramitação processual relevante que resulta dos autos com interesse para a decisão do presente recurso:
1. Os ora Recorrentes AA e BB, por requerimento subscrito pelos próprios e sem constituírem mandatário para tal, apresentaram impugnação à lista de credores reconhecidos, através de requerimentos de 16-06-2015 e 18-06-2015, que finalizaram protestando juntar procuração forense se tal fosse tido processualmente por conveniente.
2. Sem que tal tivesse sido determinado, o recorrente AA juntou aos presentes autos procuração forense a favor de mandatário na data de 19 de Outubro de 2015, e o recorrente BB, juntou aos autos procuração forense a favor de mandatário na data de 14 de Dezembro de 2015, tendo a junção das referidas procurações ocorrido em virtude da apresentação de requerimento para junção de documentos e para representação na tentativa de conciliação entretanto agendada para o dia 16-12-2015.
3. Na tentativa de conciliação (cfr. acta cuja certidão faz fls. 97 a 101 destes autos), o credor Banco DD, S.A., suscitou a questão relativa ao facto de as impugnações à lista referidas em 1. não terem sido subscritas por advogado, invocando que a falta de mandato acarreta a respectiva ineficácia, fazendo com que as mesmas não existam, o que requereu, pedindo subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, que o tribunal possibilitasse que todos os credores fossem notificados da impugnação e de todos os documentos que os credores entendam juntar.
4. Tendo sido dada a palavra aos presentes para se pronunciarem, a Presidente da Comissão de Credores aderiu à posição do Banco DD, S.A., tendo os credores ora Recorrentes, defendido que as impugnações foram apresentadas em tempo e protestando juntar procuração, o que foi feito, concluindo que para os efeitos processuais em causa as reclamações são subscritas por mandatário, mas que, caso fosse diverso o entendimento, sempre teriam que ser notificados para agir nessa conformidade. A Mm.ª Juiz proferiu despacho determinando a notificação dos credores ausentes e da insolvente para se pronunciarem quanto à questão suscitada.
5. Em 03-02-2016 foi proferido despacho com o seguinte teor: «Tem razão o credor Banco DD, S.A., quando afirma que as impugnações de créditos de fls. 41 e 118 deveriam ter sido subscritas por advogado. Tal é o que decorre do artigo 17.º do CIRE, conjugado com o artigo 58.º do NCPC. Simplesmente, naquelas impugnações os seus subscritores protestaram juntar procurações a favor de mandatário, caso fossem notificados para tal efeito, o que não sucedeu. Assim sendo, e antes de mais, deverão os credores AA e BB vir juntar a respectiva impugnação de créditos devidamente subscrita por advogado, munido de procuração forense para os representar nestes autos».
6. Por requerimentos apresentados pelos credores AA e BB, em 10-02-2016 e 12-02-2016, foram juntas aos autos novas impugnações subscritas por advogado e novas procurações.
7. Em 23-02-2016 foi proferido o seguinte despacho: «Requerimentos com as ref's 528709 e 531192: Na sequência do decidido a fls. 370, julgo válidas e eficazes as impugnações agora apresentadas pelos credores BB e AA. O Tribunal não tem de notificar tais impugnações aos restantes intervenientes processuais, nomeadamente aos restantes credores, já que as impugnações da lista de credores apenas são notificadas ao titular do crédito que delas é objecto (e que não seja impugnante)».
8. Em 15-03-2016 foi proferido o seguinte despacho:
«Na sequência do despacho de fls. 370, foram os credores AA e BB notificados para virem aos autos juntar as respectivas impugnações de créditos devidamente subscritas por advogado, munido de procuração forense para os representar nos autos.
Por requerimentos com as refªs 528709 e 531192, apresentados em 10.2.2016 e 12.2.2016, vieram os referidos credores dar cumprimento àquele despacho, razão pela qual (a fls. 410) as impugnações que haviam apresentado foram julgadas válidas e eficazes.
Sucede que os credores AA e BB haviam sido declarados insolventes por sentenças proferidas em 17.12.2015 e 4.1.2016, respectivamente, pelo que a sua representação desde as datas daquelas sentenças, e para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessassem à insolvência, incumbia ao administrador da insolvência que lhes tivesse sido nomeado, conforme decorre do disposto no artigo 81.°, nºs 1 e 4, do ClRE, sendo certo que as impugnações apresentadas interessam à insolvência.
Aquando da apresentação dos requerimentos com as ref'ªs 528709 e 531192, os credores em causa não podiam deixar de conhecer as consequências da declaração da sua insolvência, nomeadamente as referidas anteriormente quanto à sua representação.
De acordo com o disposto 110 n.º 6 do artigo 81.º do CIRE, são ineficazes os actos realizados pelo insolvente em violação do disposto nos números anteriores.
Assim, julgo ineficaz o mandato conferido pelo credor AA através da procuração de fls. 377 e pelo credor BB através da procuração de fls. 391, a favor dos Srs. Advogados nelas identificados, sendo que ambas as procurações são datadas de 8.22016, portanto posteriores à declaração da sua insolvência.
Notifique e, após trânsito, abra nova conclusão».
9. Por requerimento de 16-03-2016, os ora Recorrentes alegaram ter pretendido apenas cumprir o despacho judicial, para evitar a invalidade ou ineficácia da impugnação de créditos apresentada, invocando que se assim não se entender, e considerando a data da declaração de insolvência de cada um, terá que se determinar a repetição de todas as notificações efectuadas nos presentes autos, após aquelas datas, agora na pessoa dos respectivos Administradores de Insolvência nomeados nos respectivos processos de insolvência, e devidamente identificados nos autos.
10. Em 05-04-2016 foi proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor: «Requerimento com a ref.ª 567658: Atento o decidido a fls. 442, nada mais cumpre determinar, sublinhando-se, uma vez mais, que o Sr. Advogado subscritor do requerimento em apreço não tem poderes de representação dos reclamantes AA e BB. Notifique.
Por despacho de fls. 410, foram declaradas válidas e eficazes as impugnações apresentadas nos autos pelos credores AA e BB.
Tal decisão teve, por sua vez, como pressuposto a própria validade e eficácia das procurações forenses juntas com os requerimentos com as refªs 528709 e 531192.
Sucede que o mandato conferido através das referidas procurações foi já considerado ineficaz por despacho de fls. 442, dada a declaração de insolvência dos credores reclamantes, anterior à emissão das referidas procurações e apenas recentemente conhecida nos autos.
É, assim, evidente que a decisão de fls. 410 dos autos apenas foi proferida em resultado de uma omissão quanto à situação de insolvência dos reclamantes, razão pela qual, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 613.° e 614.°, ambos do NCPC, aplicáveis ex vi artigo 17.º do CIRE, dou sem efeito o citado despacho de fls. 410».
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III.2. – O mérito do recurso
Pretendem os Recorrentes que seja revogado o despacho ora recorrido, porquanto em seu entender o mesmo violou o caso julgado, uma vez que o despacho de fls. 410 já transitou em julgado, não podendo o mesmo ser dado sem efeito como se pretende, atento o disposto nos artigos 613.º e 624.º do CPC.
Comecemos, pois, por efectuar um breve enquadramento quanto à reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência.
Conforme resulta dos termos da própria formulação legal constante do artigo 1.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas[4], “[o] processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”[5].
Efectivamente, tendo presente o carácter universal do processo de insolvência, e para que esta característica própria de execução universal seja assegurada, são legalmente consagrados vários procedimentos que visam acautelar o tratamento igualitário dos credores.
Precisamente por se tratar de um processo de execução universal, nele são chamados a concorrer todos os credores, porquanto são estes que o processo de insolvência visa tutelar, satisfazendo os mesmos, na medida do possível, com a repartição por eles do produto obtido com a liquidação do património do insolvente.
De facto, nos termos do n.º 3 do artigo 128.º do CIRE, que sob a epígrafe «reclamação de créditos» dá início ao título e capítulo dedicados à «verificação de créditos», a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento, à custa da massa insolvente, acrescentamos.
Ora, em face do disposto no artigo 128.º, n.º 1, alíneas a) a e) do CIRE, no requerimento de reclamação de créditos - que atenta a inovação operada nesta matéria pelo referido código, é agora dirigido ao administrador da insolvência (n.º2) -, os credores devem mencionar, para além do mais, a proveniência do seu crédito, a sua natureza, a existência de garantias e a taxa de juros aplicável, em suma, devem fornecer ao administrador de insolvência todos os elementos necessários para caracterizar o crédito de que se arrogam titulares.
Para além disso, nos termos do corpo do citado n.º 1, devem apresentar tal requerimento «acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham», isto naturalmente para prova perante o administrador da insolvência do crédito que invocam ter, em todas as vertentes que relevam para a respectiva verificação e graduação.
Depois, nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo para apresentação das reclamações, o administrador da insolvência tem o dever de apresentar na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, das quais fazem parte, para além dos que tenham deduzido reclamação nos termos sobreditos, também outros credores que sejam do conhecimento daquele (artigo 129.º, n.º 1, do CIRE).
Em conformidade com o disposto no artigo 130.º, n.º 1, do CIRE, as listas apresentadas podem ser impugnadas por qualquer interessado, através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, cabendo resposta à impugnação, nos termos previstos no artigo 131.º do mesmo código.
Vejamos, então, o que aconteceu no caso dos autos.
Após a reclamação dos créditos o administrador da insolvência elaborou a relação a que alude o artigo 129.º do CIRE, na qual constavam parcialmente os créditos reclamados pelos credores reclamantes ora recorrentes.
Podendo tal lista ser impugnada pelos credores reconhecidos pelo administrador de insolvência, em requerimento dirigido ao Juiz com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, nos termos do preceituado no artigo 130.º, n.º 1, do CIRE, os credores ora recorrentes fizeram-no com base neste último fundamento.
Este preceito nada refere quanto à necessidade de constituição de mandatário pelos interessados que apresentem impugnação, havendo que encontrar resposta no facto de a reclamação de créditos ser uma fase do processo de insolvência de estrutura declarativa, pelo que, atenta a regra subsidiária prevista no artigo 17.º do CIRE, de acordo com a qual o processo de insolvência se rege pelo CPC em tudo o que não contrarie as disposições daquele código, cabe apelar para integrar a regulamentação do processo de insolvência à aplicação das normas do processo comum de declaração, no tocante a quaisquer dos seus incidentes, apensos e recursos, e só ficando excluída tal aplicação subsidiária quando se verifique que a mesma é contrária a regra expressamente consagrada no CIRE.
Como vimos, não existindo qualquer regra específica no CIRE quanto à necessidade de representação dos credores impugnantes por mandatário há que aplicar subsidiariamente o disposto a esse respeito no CPC.
Ora, mostra-se claramente previsto no artigo 40.º, n.º 1, alínea a), do CPC, que é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário, encontrando-se também expressamente referida essa obrigatoriedade no apenso de verificação de créditos, no artigo 58.º, n.º 2, do CPC, que rege quanto ao patrocínio judiciário obrigatório em sede do apenso de verificação de créditos em processo executivo. Tal é manifestamente o caso presente porquanto cada um dos credores ora recorrentes pretende ver reconhecidos créditos no valor de 142.151.74€.
Assim, tendo-se verificado que os indicados credores não constituíram advogado aquando da apresentação das impugnações, sendo obrigatória a respectiva constituição, em face do preceituado no artigo 41.º do CPC, devia o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determinar a respectiva notificação para constituírem mandatário dentro de prazo que assinasse, com a cominação de, não o fazendo, ficar sem efeito a impugnação apresentada.
No caso dos autos, atenta a tramitação processual descrita no relatório supra, verificamos que quando foi arguida por outro credor a falta de constituição de advogado para apresentação das impugnações, o que ocorreu em sede de tentativa de conciliação, os credores ora recorrentes já haviam constituído advogado, mesmo sem terem sido notificados para o efeito, como assinalavam nas impugnações.
Deste modo, estavam neste momento processual reunidas as condições para ser decidida a questão suscitada quanto à validade e eficácia das impugnações efectuadas - nos termos em que veio a ser decidida pelo despacho de 23-02-2016 que as julgou válidas e eficazes -, porquanto as mesmas foram tempestivamente apresentadas e os credores haviam entretanto procedido à junção aos autos das procurações que haviam protestado juntar com as mesmas, «caso fossem notificados para tal efeito» e, no caso, apesar de o não terem sido.
Acresce que quer as impugnações quer as procurações foram apresentadas nos autos em momento processual anterior àquele em que os credores vieram a ser declarados insolventes e, como tal, não se aplicava à respectiva representação o preceituado no artigo 81.º do CIRE quanto à transferência dos poderes de administração do insolvente para o administrador de insolvência.
Consequentemente, em decorrência do princípio da economia processual, absolutamente estruturante do processo civil, visando a economia de actos e formalidades, de acordo com o qual o resultado processual deve ser conseguido com a maior economia de meios, devendo o processo comportar apenas os actos e formalidades indispensáveis ou úteis[6] à composição da lide, princípio que encontra clara expressão no artigo 130.º do CPC que sob a epígrafe «princípio da limitação dos actos» estatui não ser lícito realizar no processo actos inúteis, após a junção das procurações o arguido vício mostrava-se sanado, sendo absolutamente desnecessário notificar os credores para praticarem acto que já haviam praticado.
Não obstante, tal não ocorreu, tendo ao invés sido proferido o despacho de 03-02-2016, nos termos do qual foi determinada a notificação dos credores ora recorrentes para virem «juntar a respectiva impugnação de créditos devidamente subscrita por advogado, munido de procuração forense para os representar nestes autos».
Salvo o devido respeito, para além de, no momento em que foi determinada, a referida notificação claramente constituir um acto inútil, a mesma olvida o disposto no artigo 41.º do CPC que para suprir a falta de constituição obrigatória de advogado apenas exige a notificação para que o mesmo seja constituído no prazo assinado, com a legal cominação, e nunca que, no momento em que a falta é verificada, seja novamente apresentado o articulado que tenha sido tempestivamente apresentado sem o devido patrocínio. E, como é natural, não é por acaso que a lei não exige que não seja apresentado outro articulado. De facto, o vício é sanado nos termos legalmente previstos mantendo-se a peça processual nos exactos termos em que tenha sido apresentada, salvo se for caso de convite ao aperfeiçoamento, porquanto a apresentação dos actos das partes está sujeita a prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC). Tal é claramente o caso da impugnação de créditos deduzida pelo credor, que se mostra sujeita ao prazo previsto no artigo 130.º, n.º 1, do CIRE, findo o qual, se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos do n.º 3. Tratando-se de prazo peremptório, não configurando a falta de mandatário a subscrever a peça apresentada uma situação de justo impedimento, e não existindo no CIRE norma a prever a prorrogabilidade do prazo nele previsto (artigo 141.º, n.º 1, do CPC, a contrario), o prazo marcado por lei para o interessado impugnar a lista de créditos não é prorrogável ou renovável por acto do juiz quando já tenha ficado precludido o direito de o interessado o praticar. Assim, no caso dos autos, só podia ser efectivamente atendida a impugnação de créditos oportunamente apresentada pelos credores, no prazo marcado pelo CIRE.
Não obstante, como vimos no relatório supra, após ter determinado a sobredita notificação, e proferido o despacho de 23-02-2016, a julgar válidas e eficazes as impugnações «agora» apresentadas pelos credores, tendo tido conhecimento da insolvência entretanto decretada quanto aos credores ora recorrentes, por despacho proferido em 15-03-2016, a Senhora Juíza julgou ineficaz o mandato conferido pelos mesmos ao Senhor Advogado, após a respectiva declaração de insolvência e, após trânsito deste despacho, por despacho proferido em 05-04-2016, considerou que o despacho de 23-02-2016 foi proferido em resultado de uma omissão quanto à situação de insolvência dos reclamantes, razão pela qual, invocando o disposto nos artigos 613.º e 614.º do CPC, deu «sem efeito o citado despacho».
Mas este último despacho, novamente ressalvado o devido respeito, não podia ter sido proferido.
Efectivamente, por força do disposto no artigo 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, proferido o primeiro despacho relativo à validade e eficácia das impugnações deduzidas, ficou esgotado o poder do juiz relativamente à referida matéria.
Na verdade, considerando que estamos perante despachos judiciais que não são de mero expediente e muito menos proferidos no âmbito de um poder discricionário os mesmos admitiam impugnação por via de recurso que, todavia, não foi deduzida, razão por que aquele primeiro despacho se mostrava já transitado em julgado quando o segundo despacho foi proferido - cfr. artigos 627.º, n.º 1, 628.º e 630.º a contrario, todos do CPC.
Efectivamente, sobre o “caso julgado formal” – que é aquele que para o caso importa - preceitua o artigo 620.º do CPC que «[a]s sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (…)».
O despacho que recai unicamente sobre a relação processual é todo aquele que, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito[7], constituindo-se consequentemente relativamente ao mesmo caso julgado formal que imprime à decisão proferida carácter definitivo.
Na verdade, esta é a regra e só assim não acontece quando nos termos dos artigos 613.º, n.º 2 a 616.º do CPC, estamos perante situação passível de rectificação ou reforma, que a lei expressamente restringe à rectificação de erros materiais, ao suprimento de nulidades e à reforma da sentença, nos termos consagrados nos artigos 614.º a 616.º do CPC, onde manifestamente a situação vertente não se inclui.
De facto, é entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico aquele que foi vertido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-02-2011[8], onde se expendeu que se é «possível que em qualquer processo, as decisões ulteriormente proferidas sobre a matéria litigiosa procedam a uma interpretação – ou definição do exacto sentido – de decisões definitivas, por transitadas em julgado, anteriormente proferidas pelo tribunal, não pode obviamente, a coberto de tal operação qualificada como de mera interpretação, de apuramento do exacto sentido normativo ínsito na decisão transitada, acabar por se lhe atribuir ou imputar sentido decisório incompatível com o sentido objectivo da sentença interpretada».
E acrescenta tal acórdão:
«Os despachos judiciais, como as sentenças, constituem actos jurídicos a que se aplicam, por analogia, as normas que regem os negócios jurídicos – art 295º C. Civil.
O afirmado vale então por dizer que a decisão judicial há-de valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente – arts. 236º-1 e 238º-1 C. Civil.
Como tem vindo a ser salientado, não se tratando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei”, no caso concreto, correspondendo ao “resultado de uma operação intelectual que consiste no apuramento de uma situação de facto e na aplicação do direito a essa situação (ac. STJ, de 5/11/98, proc. 98B712, ITIJ, citando Rosenberg e Schwab)”.
No caso dos autos, é manifesto que a decisão posterior não é interpretativa da anterior, antes a dando sem efeito, situação que obviamente não se enquadra numa rectificação de erros materiais ou em qualquer uma das situação que possibilitam a reforma da sentença.
Na verdade, conforme já ensinava Alberto dos Reis[9], «[h]á que distinguir, cuidadosamente, o erro material do erro de julgamento. O primeiro verifica-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da decisão não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. No segundo caso, o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra a lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz logo se convença de que errou, não pode socorrer-se do art. 667.° para emendar o erro.
Por outras palavras: é necessário que do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a precederam se depreenda claramente que se escreveu manifestamente coisa diferente do que se queria escrever: se assim não for, a aplicação do art. 667.º é ilegal, pois importa evitar que, à sombra da mencionada disposição, o juiz se permita emendar erro de julgamento, espécie diversa do erro material».
Adaptando estes ensinamentos ao caso dos autos, verificamos que a Senhora Juiz, considerando ter errado na prolação do primeiro despacho, por desconhecer que os mandantes haviam entretanto sido declarados insolventes, quis alterar a primeira decisão que já havia transitado em julgado.
Assim sendo, no caso dos autos, o que verificamos é a existência de dois despachos contraditórios proferidos sobre a mesma questão concreta da relação processual: a validade ou invalidade das impugnações apresentadas.
Portanto, em face do que dispõe o artigo 625.º do CPC, aplicável aos despachos proferidos sobre a mesma questão concreta da relação processual por via do disposto no respectivo n.º 2, “havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”, neste caso, a única já transitada nos termos da qual foram consideradas válidas e eficazes as impugnações apresentadas.
Constituindo o despacho proferido em 23-02-2016 decisão coberta pelo caso julgado formal e consequentemente tendo força obrigatória dentro do processo, prevalece evidentemente sobre todos os actos que foram posteriormente praticados no processo que o contrariam ou que foram praticados à revelia do que nele foi decidido, prevalecendo, nomeadamente, sobre o despacho posteriormente lavrado em 05-04-2016 que deu aquele sem efeito.
Desta sorte, e apenas com este fundamento, sempre terá que ser revogado o despacho recorrido.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, procede o presente recurso, ficando consequentemente prejudicada a análise da segunda questão suscitada,
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III.2.3. - Síntese conclusiva:
I - Não existindo qualquer regra específica no CIRE quanto à necessidade de representação dos credores impugnantes por mandatário há que aplicar subsidiariamente o disposto a esse respeito no CPC.
II - Atento o previsto no artigo 40.º, n.º 1, alínea a), do CPC, de acordo com o qual é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada em que seja admissível recurso ordinário, pretendendo cada um dos credores ver reconhecidos créditos no valor de 142.151.74€, e tendo-se verificado que os indicados credores não constituíram advogado aquando da apresentação das impugnações, em face do preceituado no artigo 41.º do CPC, devia o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determinar a respectiva notificação para constituírem mandatário dentro de prazo que assinasse, com a cominação de, não o fazendo, ficar sem efeito a impugnação apresentada.
III - De facto, o vício é sanado nos termos legalmente previstos mantendo-se a peça processual nos exactos termos em que tenha sido apresentada, salvo se for caso de convite ao aperfeiçoamento, porquanto a apresentação dos actos das partes está sujeita a prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC).
IV - Assim, tendo os credores constituído advogado, mesmo sem terem sido notificados para o efeito, atento o princípio da economia processual, estavam nesse momento reunidas as condições para ser decidida a questão suscitada quanto à validade e eficácia das impugnações efectuadas, porquanto as mesmas haviam sido tempestivamente apresentadas e o vício da falta de representação sanado antes de os credores terem sido declarados insolventes e, portanto, sem que então fosse de aplicar o disposto no artigo 81.º do CIRE.
V - Por força do disposto no artigo 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, proferido o primeiro despacho relativo à validade e eficácia das impugnações deduzidas, ficou esgotado o poder do juiz relativamente à referida matéria.
VI - No caso dos autos, verificando-se a existência de dois despachos contraditórios proferidos sobre a mesma questão concreta da relação processual - a validade ou invalidade das impugnações apresentadas -, em face do que dispõe o artigo 625.º do CPC, aplicável aos despachos proferidos sobre a mesma questão concreta da relação processual por via do disposto no respectivo n.º 2, “havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”, neste caso, a única já transitada nos termos da qual foram consideradas válidas e eficazes as impugnações apresentadas.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente o presente recurso de apelação, revogando o despacho recorrido.
Custas pelo credor recorrido.
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Évora, 8 de Setembro de 2016


Albertina Pedroso [10]


Francisco Xavier


Maria João Sousa e Faro








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[1] Instância Local, Ponte de Sor, Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Francisco Xavier;
2.º Adjunto: Maria João Sousa e Faro.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC, na redacção aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[4] Doravante abreviadamente designado CIRE.
[5] Na redacção da Lei n.º 16/2012.
[6] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 388 e 389, e mais recentemente, Fernando Pereira Rodrigues, in O Novo Processo Civil, Os Princípios Estruturantes, a
[7] Cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, pág. 681.
[8] Processo nº 190-A/1999.E.S1. disponível em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 5.º, págs. 132 a 134, e RLJ, 87.°.
[10] Texto elaborado e revisto pela Relatora.