Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2/08.9GBMMN.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 04/08/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
1. A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que vem prevenida no art. 58.º do Código Penal é, em si mesma, uma pena de substituição e não um dos deveres ou regras de conduta a que, nos termos dos art.50.º, n.º2, 51.º e 52.º do mesmo diploma, pode ser subordinada a suspensão da execução da pena de prisão;
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular n.º 2/08.9 GBMMN, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, o arguido D. foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.º 143.º, n.º 1, 145.°, n.º 1 al.ª a) e 2 e 132.°, n.º 2 al.ª l), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.
#
Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1 – O arguido foi julgado e condenado pelo tribunal A quo pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, crime este previsto e punível pelos art°s 143° n°1 e 145° n°1 al. a) e n°2, com referência ao art° 132 n°2 al. l), todos do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão efectiva.
2 – O ora recorrente discorda, com o devido respeito que é muito, com a pena aplicada e considera que esta deverá ser suspensa por período igual, devendo este ser sujeito, obrigado à pratica de determinadas condutas, nomeadamente ser obrigado pelo Tribunal a frequentar um tratamento contra o consumo e a dependência do álcool, visto que o seu comportamento se deve a um consumo exagerado e reiterado de álcool e ainda ser imposto ao recorrente a prestação de trabalho a favor da comunidade, com base nos art. 50° n°1 e n°2, art° 52° n°1 al. b) e art.58° do Código Penal, pois considera a pena de prisão uma pena exagerada e inadequada ao caso sub judice.
4 – Uma pena de prisão suspensa será suficiente para punir o arguido e para que este se consciencialize da condenação e reprovação da sua conduta, tendo sempre em conta a dupla função das penas penais, nomeadamente, sendo este "obrigado" a trabalhar gratuitamente a favor do Estado ou de qualquer entidade de interesse público e ser sujeito a um tratamento adequado.
5 – Entende o recorrente e com base no relatório junto aos autos efectuado pelo IRS, que sendo este sujeito a este tratamento de desintoxicação alcoólica, poderá fazer com que o recorrente trilhe nos caminhos da legalidade.
6 – Apesar de todos os problemas relacionados com o consumo de álcool, o recorrente está inserido socialmente, tem família constituída, vive com a sua companheira e terminou este ano o 6° ano de escolaridade, tendo frequentado o curso de Fruticultura e Agricultura Biológica na Escola Agrária de …, com aproveitamento.
6– Deve, por isso, dar-se provimento ao presente recurso, sendo a pena de prisão efectiva de 2 anos à qual o recorrente foi condenado pelo tribunal A Quo, sendo imposto ao ora recorrente efectuar um tratamento com acompanhamento médico e sendo este também "obrigado" a prestar trabalho a favor da comunidade.
#
O Ex.mo Magistrado do M.º P.º do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:

1 — O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143 ° n ° 1, 145 ° n °s 1 al. a) e 2 e 132 ° n ° 2 al. 1) do CP, na pena de dois anos de prisão.
2 — No caso em apreço, a suspensão de execução da pena, a ser aplicada não respeitaria a necessidade de equilíbrio que deve existir entre a retribuição e as aqui prementes exigências de prevenção geral positiva e especial de ressocialização.

3 — O Tribunal " a quo " com a prolação da decisão recorrida não violou qualquer norma jurídica, antes fez uma correcta e adequada aplicação do direito.

Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmar a decisão recorrida.
#
Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

-- Factos provados:
O arguido D. já foi ouvido e já respondeu em processos que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo, conhecendo por tal motivo o Magistrado do Ministério Público F… que exerce funções naquele Tribunal, o que o arguido sabe, conhecendo-o por causa do exercício de tais funções.

No dia 4 de Janeiro de 2008, cerca das 21.00 horas, no café "O Montemorense", situado…, em Montemor-o-Novo, encontrava-se o Magistrado do Ministério Público F …, de pé ao balcão, à conversa com outro cliente do estabelecimento.

O arguido, que também aí se encontrava, dirigiu-se àquele Magistrado e perguntou-lhe acerca de uma multa que tinha de pagar e de uma entrega de dinheiro ao Hospital S. João de Deus a que tinha de proceder, no âmbito de processos do Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo.

Aquele Magistrado respondeu-lhe que não tratava ali desses assuntos e que fosse aos Serviços do Ministério Público em horário de expediente.

O arguido dirigiu algumas palavras ao Magistrado do Ministério Público F… e agarrou-lhe o casaco, sendo afastado por este e pelo dono do café.

O Magistrado do Ministério Público F… a fim de evitar confusões, saiu do estabelecimento. Voltou passado pouco tempo, com a finalidade de pagar a despesa.

O arguido que também tinha voltado ao estabelecimento, interpelou-o de novo e procurou agarrar-lhe o casaco outra vez.

Aquele Magistrado conseguiu desviar-se dele, saiu e dirigiu-se para a sua residência.

Foi, então, que o arguido o seguiu na rua e, no passeio em frente da "COOPRAPEC", empurrou-o, fazendo-o cair.

O Magistrado do Ministério Público F… levantou-se e atravessou a rua, indo o arguido atrás dele e de novo o empurrou e o fez cair, ficando o mesmo caído no chão, acabando o arguido por cair também quando o ofendido se procurou defender, e no chão desferiu o arguido, um murro naquele Magistrado, atingindo-o na zona temporal esquerda.

Como consequência directa e necessária de tal agressão, resultaram, para F. lesões, designadamente escoriações do bordo cubital da palma da mão esquerda, traumatismo do terceiro e quarto dedo da mesma mão e escoriações dos joelhos, as quais lhe determinaram oito dias de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho.
Ao empurrar F., fazendo-o cair e ao desferir-lhe um murro, quis o arguido molestá-lo fisicamente, conforme molestou e quis causar-lhe as lesões por ele sofridas.

Sabia o arguido que F. era Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo, sendo por esse motivo que o interpelou, o agarrou e o acabou por agredir, empurrando-o e dando-lhe um murro, fazendo-o por causa das funções que aquele desempenhava, enquanto Magistrado do Ministério Público e enquanto autoridade, naquela sua qualidade.

O arguido foi atrás do Magistrado do Ministério Público F. e persistiu na sua conduta, revelando com tal conduta baixeza de carácter e especial desprezo pelas regras da vida em sociedade, e pelos valores desta.

Agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida.

Mais se provou:

O arguido vive sozinho, num monte onde dispõe de habitação e infra-estruturas de saneamento básico, água e luz gratuitas.

É beneficiário do rendimento social de inserção, no montante mensal de cerca de € 187,18.

Só esporadicamente desenvolve alguma actividade profissional.

­Ingere, em regra, de forma excessiva bebidas alcoólicas.

Possui de habilitações literárias o 6° ano de escolaridade.

É tido pelas pessoas que com ele privam como pessoa impulsiva e quizilenta.

Provou-se finalmente que:

O arguido tem antecedentes criminais:

1. O arguido no processo comum Colectivo nº ---/90, do 2° Juízo, 2ª secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, pela prática em 11.3.1990, de um crime de homicídio voluntário p. e p. pelos artºs 131° e 132°, nºs 1 e 2, al. g), do Cód. Penal, foi condenado por acórdão proferido em 13.7.1990 transitado em julgado, na pena de 9 anos de prisão. Esta pena beneficiou do perdão de 1 ano e 3 meses de prisão, sendo que o arguido cumpriu a pena de prisão remanescente de 6anos e 3 meses de prisão;
2. O arguido no processo comum Singular n° …/01.8 GBMMN, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo, pela prática em 25.11.2001, de um crime de ameaça p. e p. pelo artº 153°, nºs 1 e 2 do Cód. Penal, foi condenado por sentença proferida em 10.2.2003, transitada em julgado, na pena de 9 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 3 anos, sob a condição de não ter em seu poder objectos capazes de facilitar a prática de crimes;

3. O arguido no processo comum Singular n°---/02.9 GBMMN do 2° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo, pela prática em 22.2.2002, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artº 204°, do Cód. Penal, foi condenado por sentença proferida em 27.5.2003, transitada em julgado, na pena de 2 anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos, na condição de o arguido entregar a quantia de € 100,00 a uma instituição de solidariedade social;

4. O arguido no processo comum Singular n° …/0I.6TBEVR, do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, pela prática em 1997, de um crime de furto simples p. e p. pelo artº 203°, do Cód. Penal, foi condenado por sentença proferida em 16.3.2004, transitada em julgado, na pena de 18 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 3 anos. Esta pena já foi declarada extinta;

5. O arguido no processo comum Singular nº …/02.0 GBMMN, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo, pela prática em 30.4.2002 de um crime de desobediências p. e p. pelo artº 348º, n° 1, al. b), do Cód. Penal, foi condenado por sentença proferida em 10.2.2005, transitada em julgado, na pena de 10 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 3 anos, acompanhada por regime de prova e com a condição de entregar, no prazo de 1 mês, após o trânsito em julgado da decisão, a quantia de € 250,00 à Cercimor de Montemor-o-Novo;-

6. O arguido no processo comum Singular n° ---/04.4 TDLSB, do 5º Juízo, 2ª secção, Criminal de Lisboa, pela prática em 24.1.2004, de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo artº 11°, nº 1, do Dec. Lei nº 454/91, de 28.12, na redacção dada a tal preceito pelo Dec. Lei nº 316/97, de 19.11, foi condenado por sentença proferida em 13.10.2008, transitada em julgado, na pena de 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 1 ano .-

Nada mais se provou com interesse para a decisão causa.
#
Fundamentação da convicção:

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resultou da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento.

Determinante da convicção formada pelo Tribunal foi, desde logo, o depoimento do ofendido F., que com conhecimento dos factos, com isenção e de forma esclarecedora e precisa, descreveu a dinâmica da actuação do arguido e a agressão de que foi vítima tal como constante da acusação e ora dado como provado.
Também o depoimento das testemunhas J., dono do café "Montemorense" e S., cliente daquele estabelecimento, sendo que ambos conheciam o arguido e o ofendido e presenciaram os factos ocorridos no interior daquele estabelecimento, foram determinantes da convicção formada pelo Tribunal, tendo relatado os factos que ali aconteceram como constante da acusação e ora dado como provado, de forma objectiva e esclarecedora. Tais depoimentos foram também esclarecedores no tocante às apuradas características de personalidade do arguido.

O depoimento de N., militar da G.N.R., prestado por forma coerente e com objectividade, corroborou no essencial o depoimento do ofendido no tocante à agressão, local, modo e circunstâncias da mesma.

Relativamente às condições de vida do arguido e às características da sua personalidade, teve ainda o Tribunal em consideração o teor do relatório elaborado pelo I.R.S. e constante de fls. 94 a 98.

Também se atentou no teor da prova pericial junta a fls. 21 a 23 e no teor do certificado de registo criminal do arguido junto a fls. 109 a 118.

III

De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que a única questão posta ao desembargo desta Relação é a de saber se a pena de dois anos de prisão efectiva que foi aplicada ao arguido deve ser, nos termos dos art.º 50.º, n.º 1 e 2, e 52.º, n.º 1 al.ª b), do Código Penal (diploma do qual serão todos os preceitos a seguir referidos sem menção de origem), suspensa na sua execução mediante a imposição de um tratamento de desintoxicação alcoólica e ainda, agora nos termos do art.º 58.º, prestação de trabalho a favor da comunidade.

Vejamos:

O art. 50.º, n.º 1, dispõe que:

«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição
Por seu lado, o n.º 2 estabelece que o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

E o n.º 3 que os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

Ora um dos deveres a que o arguido sugere seja subordinada a suspensão é o de, nos termos do art.º 58.º, prestar igual tempo de trabalho a favor da comunidade.

Acontece que a substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade é em si mesma uma pena de substituição e não um dos deveres ou regras de conduta a que, nos termos dos art.º 50.º, n.º 2, e 51.º, pode ser subordinada a suspensão da execução da pena de prisão.

Voltando ao assunto da suspensão da execução da pena:

As finalidades da punição a que se refere a parte final do n.º 1 do art.º 50.º estão enumeradas no art.º 40.º, n.º 1, e são: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um «prognóstico favorável» relativamente ao comportamento do delinquente; trata-se de um juízo para o qual concorrerão, necessariamente e em conjugação, a personalidade do arguido e as circunstâncias do facto, «prognóstico» que terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, antes a do momento da decisão (neste sentido: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-5-2006, proferido no processo n.º 06P1179 e disponível em www.dgsi.pt).

Sendo «necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa per­sonalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalida­de e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexo sobre o seu comportamento futuro, evitará a repeti­ção de comportamentos delituosos, e, em segundo lugar, (...) que a pena de suspensão (...) não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comuni­tárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade» – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-3-2006, proferido no processo n.º 4403/05-3.ª Secção, também disponível no mesmo sítio da Internet.

Como diz Figueiredo Dias, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 334, «o que está aqui em causa, não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, (pelo que) o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco – digamos, fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada».

Ou, nas palavras de Jescheck, em Tratado, versão espanhola, II, 1152 a 1153, o tribunal deverá correr um risco prudente, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa. Pois, além do mais, é preciso de todo o ponto que se não degrade a eficácia preventiva geral do Direito Penal.

Acontece que o arguido averba condenações anteriores aos factos dos autos. Além de por acórdão de 13-7-1990, proferido no processo comum Colectivo nº --/90, da 2ª secção do 2° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio voluntário na pena de 9 anos de prisão, o arguido coleccionou a seguir 4 penas de prisão de execução suspensa, por crimes de ameaça, furto qualificado, furto simples e desobediência, sempre com condenações proferidas em data anterior à da prática dos factos pelos quais agora responde, ou seja, duas em 2003, uma em 2004 e outra em 2005 e das quais três foram concedidas na Comarca de Montemor-o-Novo, aonde os factos se passaram e aonde exerce funções o ofendido.

Ora, conforme assinala o Prof. Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime», pág. 344, «a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da con­cessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, neste caso, bem mais difícil e questionável – mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza». Mais acrescenta o citado Prof. Que «a suspensão de execução da prisão não deverá ser decretada, se a ela se opuserem "as necessidades de reprovação e prevenção do crime" (...). Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exi­gências mínimas e irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise».

Em sintonia com este entendimento, o Supremo Tribunal de Justiça defende que «em situações de facto em que se manifeste o desrespeito, já recorrente, pelas diversas injunções do tribunal, traduzidas em outras tantas penas suspensas não respeitadas, a opção pela pena de substituição acarreta o sério risco – que deve ser resolutamente evitado – de transformar a nova pena suspensa em "andrajoso simulacro de condenação", pelo que não pode reclamar-se do juiz que faça magnanimidade da lei, ou sobreponha sentimentos ao dever de julgar segundo o direito. Aliás, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, [só] na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, pelo que, em caso algum, a defesa da ordem jurídica pode ser postergada por preocupações de socialização em liber­dade»: acórdão de 27-3-2003, P.° n.° 03P612, www.dgsi.pt.

Ora – além da gravidade dos factos praticados pelo recorrente e da ausência de um projecto de vida válido e lícito – a ausência de confissão e de arrependimento desde logo inculca a inexistência de interiorização do desvalor da acção que praticou, primeiro e imprescindível passo a poder adequar a sua personalidade por forma a não cometer outros delitos.

Neste contexto, estamos convictos, não só que existem razões sérias para duvi­dar da capacidade do arguido para alterar, de forma positiva, o respectivo «perfil comportamental» de modo a não repetir a prática de novos crimes, mas também que o cumprimento efectivo da pena de prisão que lhe foi aplicada é a única forma de alcançar as finalidades da punição no caso concreto.

Pelo que estamos de acordo com a posição do tribunal recorrido em não suspender a execução da pena.
IV

Termos em que se decide negar provimento ao recurso e manter na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em cinco UC (art.º 87.º, n.º 1 al.ª b), do Código das Custas Judiciais).


#
Évora, 8-4-2010

(elaborado e revisto pelo relator)

Martinho Cardoso (relator)

António Latas (adjunto)