Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA BARATA BRITO | ||
Descritores: | FURTO QUALIFICADO REPARAÇÃO DO PREJUÍZO ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 02/14/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | 1. A restituição ou a reparação previstas no art. 206º do CP pressupõem uma acção do agente. 2. Aquilo que justifica a atenuação especial da pena é precisamente a fragilização das necessidades preventivas relativamente ao autor da infracção que procede à reposição integral da coisa no estado em que se encontrava antes do crime, 3. Provando-se que o arguido foi detido “na sequência dos factos” e que “os objectos foram recuperados pelo queixoso”, e tendo já o arguido beneficiado indevidamente da atenuação especial de pena, não pode a recuperação da coisa subtraída ser (re)valorada como atenuante geral, sob pena de violação da proibição da dupla valoração, extensível a todas as operações de determinação da pena. 4. O “pedido de desculpas” formulado pelo arguido é uma circunstância posterior ao facto, que não tem a ver com a culpa, mas que pode atenuar as exigências de prevenção especial e ser importante do ponto de vista da pacificação social. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No processo comum colectivo nº 143/11.5GESLV do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Silves foi proferida decisão que condenou o arguido XB pela prática de um crime de furto qualificado dos arts. 203º e 204°/2-e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; de um crime de furto qualificado dos arts. 203º e 204°/2-e) e 206º/2 do Código Penal, na pena especialmente atenuada, de 1 (um) ano e 6 meses de prisão; e, em cúmulo jurídico destas duas penas parcelares, na pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo da forma seguinte: “1-A medida da pena parcelar de um ano e seis meses aplicada ao arguido pelo crime cometido contra o queixoso DL, não se conforma com a lei, sendo exagerada, desproporcional e desajustada face às circunstâncias do caso; 2- O arguido confessou os factos de que vinha acusado colaborando com o tribunal para a descoberta da verdade; 3- O queixoso DL recuperou os bens furtados e aceitou o pedido de desculpas apresentado pelo arguido antes da audiência de discussão e julgamento, considerando-se totalmente reparado dos prejuízos causados; 4- A pena parcelar aplicada ao arguido foi especialmente atenuada nos termos do artigo 206º n.º 2 do Código Penal, passando a ter uma moldura penal de um mês a cinco anos e quatro meses de prisão; 5- Uma vez que o queixoso DL recuperou os bens furtados, aceitou o pedido de desculpas apresentado pelo arguido antes da audiência de discussão e julgamento, considerando-se reparado dos prejuízos sofridos o tribunal recorrido devia ter aplicado ao arguido a pena mínima prevista tendo em conta a atenuação especial, ou seja, um mês de prisão; 6- Ao não aplicar a pena mínima prevista tendo em conta a atenuação especial o tribunal recorrido violou o disposto no art. 71º, do Código Penal. ” Na sua resposta ao recurso, o M.P. pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. Neste Tribunal, o Senhor Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer, opinando também pela procedência do recurso, limitando-se a remeter para a resposta do M.P. em 1ª instância. Colhidos os Vistos, teve lugar a Conferência. 2. Na decisão recorrida consideraram-se os seguintes factos provados: “1.1 No dia 12 de Março de 2011, em hora não concretamente apurada, mas cerca das 23:00h, no Sítio ---, em Armação de Pêra, partiu o vidro de uma janela e penetrou na oficina de alumínios, pertença de DL; 1.2 Aí, retirou e fez sua, pelo menos, uma mala de cor vermelha, contendo um berbequim de marca Wurth e as respectivas baterias, no valor de 250,00€. 1.3 Na mesma data, em hora não concretamente apurada, mas cerca das 23:00h, na Av. General Humberto Delgado, em Armação de Pêra, partiu o vidro de uma porta lateral e introduziu-se no estabelecimento comercial “----”, explorado por AC; 1.4 Aí, retirou e fez suas algumas moedas, que se encontravam no interior da caixa registadora, e um saco de plástico, contendo notas e moedas do Banco Central Europeu, que se encontrava junto à referida máquina, tudo, pelo menos, no valor de 110,00€. 1.5 Actuou sempre com o intuito de integrar, como integrou, aqueles objectos na sua esfera patrimonial; 1.6 Não obstante saber que não lhe pertenciam; 1.7 E que procedia contra a vontade dos respectivos donos. 1.8 Agiu livre, deliberada e conscientemente; 1.9 Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 1.10 Na sequência dos factos supra o arguido foi detido de 12 para 13 de Março de 2011 e em 14/3/2011 foi submetido à medida de coacção de prisão preventiva, situação em que se encontra actualmente à ordem destes autos; 1.11 Os objectos referidos em 1.2 supra foram recuperados pelo queixoso DL. 1.12 Previamente à realização da audiência de julgamento o arguido apresentou um pedido de desculpas ao queixoso DL que as aceitou e declarou ao arguido encontrar-se integralmente reparado. 1.13 O arguido já foi condenado anteriormente: - No proc. comum colectivo --/96 do Tribunal de Círculo de Portimão, por decisão de 2/7/97, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, praticado em 11/12/96, na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa por 2 anos e 6 meses; - No proc. comum singular ---/97 do Tribunal de Silves, por decisão de 24/10/97, transitada em julgado, por um crime de furto, praticado em 2/2/97, na pena de 50 dias de multa; - No proc. sumário ---/97 do Tribunal de Silves, por decisão de 7/11/97, transitada em julgado, por dois crimes de injúrias, praticados em 3/11/97, na pena única de 80 dias de multa, que foi convertida em 53 dias de prisão; - No proc. comum colectivo --/97 do Tribunal de Círculo de Portimão, por decisão de 21/4/95, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa por 5 anos; - No proc. comum colectivo --/98 do Tribunal de Círculo de Portimão, por decisão de 20/10/98, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, praticado em 16/6/98, na pena de 3 anos de prisão, da qual lhe foi perdoada um ano sob a condição resolutiva do art. 4º da Lei 29/99; - No proc. comum colectivo --/97 do Tribunal de Círculo de Portimão, por decisão de 29/10/98, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão; - No proc. comum colectivo --/98 do Tribunal de Círculo de Portimão, por decisão de 20/1/99, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, praticado em 31/12/97, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, da qual lhe foi perdoada um ano, um mês e 25 dias, sob a condição resolutiva do art. 4º da Lei 29/99; - No proc. comum colectivo ---/98 do Tribunal de Círculo de Portimão, por decisão de 27/1/99, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, praticado em 18/11/97, na pena de 7 meses de prisão; - No proc. comum colectivo --/98 do Tribunal de Círculo de Portimão, por decisão de 21/4/99, transitada em julgado, por um crime de furto simples, praticado em 17/11/97, na pena de 4 meses de prisão; - No proc. comum colectivo ---/99.5TBSLV do Tribunal de Silves, por decisão de 22/10/99, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, praticado em --/97, na pena de 12 meses de prisão; - No proc. comum colectivo ---/99.8TBSLV do Tribunal de Círculo de Portimão, por decisão de 22/11/99, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, praticado em 14/9/97, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, da qual lhe foi perdoado 1 ano de prisão, sob a condição resolutiva do art. 4º da Lei 29/99 e foi substituída por multa a restante pena; - No proc. comum singular ---/97.1GDSLV do Tribunal de Silves, por decisão de 1/2/00, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, praticado em 18/9/97, na pena de 3 anos de prisão; - Em cúmulo jurídico de penas efectuado no proc. comum singular ---/97.1GDSLV do Tribunal de Silves, abrangendo as penas aplicadas nos processos ---/98.9TBSLV, ---/99.9TBSLV, --/99.6TBSLV, ---/99.4TBSLV, --/97, --/99.0TBSLV, ---/99.8TBSLV, ---/99.9TBSLV, ---/99.6TBSLV, ---/99STBSLV e ---/99.8TBSLV, por decisão de 12/3/2001, foi o arguido condenado na pena única 10 anos e 3 meses de prisão, e 50 dias de multa. - No processo gracioso de concessão de liberdade condicional nº ---/00.8TXLSB do Tribunal de Execução de Penas de Évora, por decisão de 16/5/2005, foi concedida nessa data ao arguido a liberdade condicional pelo período de tempo que lhe faltaria cumprir da pena única aplicada no processo ---/97.1 GDSLV, desde essa data até 18/11/2006; - No proc. comum colectivo ---/06.0GESLV do Tribunal de Silves, por decisão de 2/4/2008, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, praticado em 18/12/2008, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, em regime de prova; - No proc. comum colectivo --/06.6GASLV do Tribunal de Silves, por decisão de 28/5/2008, transitada em julgado, por um crime de furto qualificado, praticado em 28/12/2006, na pena de 4 anos de prisão, suspensa por igual período; 1.14 O arguido XA vivenciou um processo de socialização marcado pela precariedade económica do grupo familiar de origem, associada à desestruturação familiar e aos fortes problemas relacionais, nomeadamente de violência física, verbal e psicológica entre os progenitores. O ineficaz exercício das funções parentais facilitou a fragilidade na transmissão de valores securizantes ao arguido, sendo que no processo educativo a flexibilidade e permissividade da progenitora, contrastava com a rigidez e autoritarismo do progenitor. A ausência de comunicação e transmissão de afecto face ao arguido era em parte colmatada pela avó materna, figura de referência no suporte afectivo de XA, acolhendo-o e orientando-o face às atitudes demissionárias e conflituosas dos progenitores. Revelando dificuldades na interiorização de normas sócio-famíliares, XA revelou problemas na aprendizagem e no comportamento escolar, indiciando também eventual debilidade mental. Abandonou o ensino regular sem concluir o 2º ciclo do EB. A par do desinvestimento escolar iniciou experiências de consumo de estupefacientes, na companhia de pares com interesses semelhantes. O seu envolvimento com o sistema judicial penal decorreu das condutas ilícitas conectas a um modo de vida centrado na satisfação dos comportamentos aditivos de substâncias estupefacientes. Entre as sanções aplicadas, viria a cumprir pena de prisão em cúmulo jurídico, esteve em liberdade condicional que cumpriu até final de 2006, acompanhado nesta Equipa da DGRS. Foi posteriormente condenado em duas penas de prisão suspensas na sua execução com regime de prova. O cumprimento das injunções teve a colaboração de um elemento externo à família – JG-, que facultou alojamento a XA e procurou encaminha-lo com a nossa orientação para algumas alternativas de integração sócio-profissional. Sendo um sujeito conectado com o uso de drogas, X viu serem rejeitadas algumas das alternativas de integração em formação, nomeadamente num Programa da Santa Casa da Misericórdia de Albufeira. Foi beneficiário do RSI durante algum tempo, e manteve acompanhamento psicoterapêutico no IDT em regime ambulatório. Após períodos de recaídas e de mudanças de residência entre os progenitores, viria a integrar em 12-04-2010 um programa terapêutico em regime de internamento, na comunidade terapêutica “O Lugar da Manhã” situado em Setúbal. Sem conseguir integrar nas normas internas, foi excluído daquela comunidade em 18-06-2010 e regressou a Armação de Pêra. Com o retorno ao local de origem numa fase mal sucedida do programa terapêutico por falta de adesão de X, deixou também de contar com o suporte habitacional junto de JG e viu ser-lhe suspenso o RSI. Os recursos e apoio junto da família de origem (pais separados) continuaram escassos. À data dos factos que lhe são imputados, o arguido vivenciava uma situação precária ao nível de abandono / indiferença face à família, sem suporte alternativas, nem sempre residia em casa da mãe devido às discussões com o irmão. Pernoitava em locais de passagem para se abrigar ou ficava em casa de conhecidos. Não tem tendência para se afastar de Armação de Pêra. Sem apresentar capacidades de autonomia e de estruturação de um projecto de vida diferente, prosseguiu com atitudes ligadas ao uso de estupefacientes mas também a formas básicas de subsistência. Os trabalhos que efectuava tinham um carácter pontual. X apresenta sentido crítico face à sua imagem social que, transversalmente ao longo destes anos, passa por um misto de estigmatização e lamentação pelo abandono e rejeição familiar. Preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 14-03-2011, tem vários outros processos pendentes e outros já com condenação em cúmulo jurídico. XA revela de modo mais assertivo sentido de auto-critica e noção do dever ser jurídico, reconhecendo a negatividade dos seus comportamentos desviantes, associados ao uso de substâncias aditivas. Em meio prisional íntegra facilmente as regras vigentes. A actual situação jurídico-penal do arguido não constituiu surpresa para os elementos da sua família e alguns amigos, em razão dos seus antecedentes. É preservado um contacto com a família e amigos, nomeadamente através de visitas pontuais da progenitora e de JG. Não existem indicadores de outro tipo de apoio ao arguido além deste contacto. XA apresenta um percurso pessoal marcado pela destruturação familiar, e por um suporte alternativo irregular. Possuindo reduzidos recursos pessoais para alterar autonomamente um estilo de vida conecto ao uso de substâncias estupefacientes, mesmo tento efectuado tentativas de tratamento para a toxicodependência, as recaídas distanciavam-no mais do escasso suporte familiar e/ou alternativo. Caso venha a ser alvo de uma condenação no âmbito do actual processo, consideramos que na perspectiva de alterar o estilo de vida do arguido, seria importante que o mesmo pudesse beneficiar de um acompanhamento adequado para a toxicodependência, num contexto em que perspectivasse alternativas a um processo de reinserção social, mais estruturada. A família e os seus contextos multi-problemáticos, serão sempre um recurso difícil na organização pessoal do arguido.” 3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95) – que, no caso, não ocorrem – a única questão a apreciar respeita à medida da pena da condenação. A esta questão limita o arguido o seu recurso, no uso da faculdade prevista no art. 403º nº2 al. d) do CPP e impugna apenas a pena correspondente ao crime de furto qualificado de que foi vítima DG, por cuja prática foi condenado na pena especialmente atenuada de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. Ou seja, recorre de uma das parcelares que integram o cúmulo e não da pena única, sem prejuízo de se retirarem “as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida”, se for o caso (art. 403º, nº3 do CPP). O tribunal colectivo justificou a pena da forma seguinte: “Determinação da Pena Enquadradas destas formas as condutas do arguido cumpre determinar as penas concretas a aplicar dentro das molduras abstractas previstas na lei, o que se fará, tendo em vista as finalidades que presidem à aplicação das penas, da protecção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade – nos termos do art. 40º/1 do CP - em função das exigências de prevenção de futuros crimes - nos termos do art. 71º do CP - e, tendo a culpa do arguido por limite inultrapassável, como preceitua o art. 40º/2 do CP. Assim, No presente caso, há a ponderar - a necessidade premente de prevenção geral dos crimes de furto, atenta a proliferação da prática deste tipo de crime e o alarme social que lhe está associado; - a ilicitude moderada - consideradas as circunstâncias da entrada e os objectos visados; - a intensidade do dolo - na forma directa em ambos os casos; - a pouca gravidade das consequências – no primeiro crime dado o valor de que o arguido se apropriou e no segundo tendo sido recuperados pelo queixoso os objectos furtados e encontrando-se o mesmo integralmente reparado; - a conduta anterior e posterior – aumentando as condenações anteriores do arguido as exigências de prevenção especial, mas relevando a seu favor a confissão dos factos e a assunção da responsabilidade pelo arguido perante o queixoso, entendendo-se verificar-se o circunstancialismo legal da aplicação da atenuação especial da pena decorrente da reparação, prevista no art. 206º/2 do CP, no caso do crime em que foi queixoso DL, face a todo o circunstancialismo descrito, consideradas as diferentes molduras abstractas das penas a aplicar aos dois crimes de furto qualificado praticados pelo arguido, a de 2 a 8 anos de prisão e a, objecto de atenuação especial, de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão, julga-se adequadas às exigências de prevenção assinaladas e à culpa do arguido, as penas de 3 anos de prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão, respectivamente. 6. Cúmulo Jurídico das Penas em concurso Verificando-se uma situação de concurso de crimes importa proceder nos termos do art. 77º/1e /2 do CP ao cúmulo jurídico das penas parcelares. Assim, considerados os factos provados e a personalidade neles revelada, como preceitua o art. 77º/1 do CP, e a moldura penal do concurso de 3 anos de prisão a 4 meses e 6 meses de prisão, aplicar-se-á ao arguido a pena única de 3 anos e 10 meses de prisão. 7. Da não suspensão da pena Nos termos do disposto no art. 50.º do C.P., o Tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. Como vem sido sustentado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o pressuposto material da suspensão da execução da pena é limitado por duas coordenadas: a salvaguarda das exigências mínimas essenciais de defesa do ordenamento jurídico (prevenção geral) e o afastamento do agente da criminalidade (prevenção especial), sendo indispensável que o Tribunal possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, assente numa expectativa fundada de que a simples ameaça de prisão seja suficiente para realizar as finalidades da punição. Além disso, não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição. Ora, no caso dos autos, perante o circunstancialismo apurado, respeitante à situação pessoal do arguido, donde resulta que já foi condenado antes, entre 1996 e 2008, por 13 vezes, pela prática de crimes de furto, das quais nas duas últimas vezes cometidos após o cumprimento da pena única de prisão de 10 anos, que lhe foi aplicada no processo 316/97, e em ambas as condenações no decurso do ano de 2008, em penas suspensas na sua execução, uma delas por um crime praticado logo cerca de um mês depois de se encontrar em liberdade condicional, sendo desfavorável a situação de inserção social e familiar do arguido retratada no relatório social, entende-se que a suspensão da pena não será suficiente para evitar a prática de novos crimes, com o que fica manifestamente comprometido o juízo de prognose favorável que constitui o pressuposto da suspensão da pena, devendo, por isso, o arguido cumprir pena de prisão efectiva.“ O crime de furto qualificado da condenação é punido com a pena abstracta de dois a oito anos de prisão – arts. 203º e 204º, nº2-e) do Código Penal . O tribunal usou da faculdade de atenuação especial da pena, justificando-a ao abrigo do disposto no art. 206º, nº2 do Código Penal. No entanto, fê-lo indevidamente. O art. 206º do CP trata da relevância da restituição ou reparação da coisa furtada, e não da sua recuperação. No caso, provou-se que o arguido foi detido “na sequência dos factos” criminosos e que “os objectos foram recuperados pelo queixoso” o qual, em julgamento, “aceitou as desculpas do arguido e declarou-se integralmente reparado”. Ou seja, provou-se que a recuperação da coisa furtada, como o próprio vocábulo indica, se ficou a dever a uma intervenção de terceiros – da autoridade policial – e não do próprio recorrente. Ora, a restituição ou a reparação previstas no art. 206º consistem, inquestionavelmente, numa acção do agente (da infracção). Discutível é apenas – e assim o tem sido, pelo menos na doutrina – se para além deste comportamento activo (externo) – de entrega/devolução da coisa ou da sua reparação –, se deve exigir também um arrependimento (interior). Para alguns autores, é já a devolução da coisa furtada ou a reparação que traduzem tal arrependimento. Sendo certo que a própria relevância do “arrependimento” é discutível na teoria penal, “dado que o paradigma psicológico dominante ainda é o de obediência externa”, sendo discutível se o direito penal como direito de intervenção mínima deve ou não deixar intacta a liberdade interior (Teresa Beleza, Reconciliação Culpa e Castigo, Uma Breve Reflexão a Partir de Oshima e Coetze, in Homenagem de Viseu a Figueiredo Dias, Coord. P.Pinto de Albuquerque, 2011, p. 70). De todo o modo, aquilo que justifica a atenuação especial da pena ope legis (prevista no art. 206º do CP), é precisamente a fragilização das necessidades preventivas relativamente ao autor da infracção que procede à reposição integral da coisa no estado em que se encontrava antes do crime. Não foi o que ocorreu, no caso. Só que, face à delimitação do objecto do recurso e à total conformação do MP com a decisão recorrida, está agora este tribunal impedido de proceder à correcção do erro de direito diagnosticado, sob pena de reformatio in pejus. Impõe-se, assim, proceder apenas à sindicância da pena parcelar, dentro de uma moldura penal especialmente atenuada (de um mês a cinco anos e quatro meses de prisão - art. 73º, nº1, als a) e b) do CP). E as considerações acertadamente convocadas pelo tribunal, desde logo a respeito das acentuadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se evidenciam, levam a que a pena se afaste do seu mínimo, de um mês de prisão. E que se afaste significativamente. Como se sabe, a determinação concreta da pena assenta no dispositivo nuclear dos arts 40º e 71º, nº1 do C.P., impondo-se relacionar adequadamente os princípios da culpa e da prevenção, no quadro constitucional da proibição do excesso. Partindo das finalidades da pena, e socorrendo-nos do pensamento de Anabela Rodrigues, há que considerar que “a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral”, devendo a pena “ser medida basicamente com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto” e o limite mínimo da moldura de prevenção geral será em concreto definido “pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode estender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica”. Ainda segundo Anabela Rodrigues, a pena deve ser medida pelo juiz “em função das exigências de protecção das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e que têm no processo um papel primordial”. E, “os limites de pena assim definida pela necessidade de protecção de bens jurídicos não podem ser desrespeitados em nome da realização da finalidade de prevenção especial, outra finalidade em nome da qual a pena é medida”, sendo aqui o “desvalor do facto valorado à luz das necessidades individuais e concretas de socialização” do agente. À culpa fica reservado o papel de “incontestável limite de medida da pena assim encontrada” (A determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, 1995, p. 570-576). No caso, o mínimo de pena não satisfaria as exigências de prevenção geral, tendo em conta a concreta dimensão da desconsideração dos bens jurídicos protegidos pelo tipo legal de crime, ou seja, o grau de lesão da ordem, da segurança e da tranquilidade públicas. Dos factos provados, particularmente do passado criminal do arguido, diagnosticam-se ainda elevadíssimas exigências de prevenção especial. O arguido cumpriu pena relativamente longa de prisão – superior a dez anos – pela prática de inúmeros crimes semelhantes aos dos autos. Beneficiou tanto dos meios de flexibilização dessa pena, como dos mais variados apoios de protecção social e de medidas de (re)integração social. A tudo mostra manter-se indiferente. Ineficazes se revelaram ainda as duas condenações em pena de prisão suspensas na execução com regime de prova, entretanto sofridas, por crimes cometidos já em data posterior à restituição do recorrente à liberdade. Os crimes dos autos são, por seu turno, posteriores a estas duas condenações (em penas suspensas com regime de prova). Tudo se revelou, até agora, totalmente ineficaz. O arguido tem 34 anos de idade. Voltando à doutrina, agora à conhecida lição de Figueiredo Dias, "a exigência legal de que a medida da pena seja encontrada em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional do respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.” (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 215). Demonstradas, no caso, as acentuadas exigências de prevenção geral e, particularmente, de prevenção especial, resta aferir do limite da culpa, tomando culpa como “censurabilidade do comportamento humano, por o culpado ter querido actuar contra o dever quando podia ter querido actuar de acordo com ele” (Figueiredo Dias, Liberdade Culpa e Direito Penal, 1995, p. 22). A personalidade do recorrente evidencia, no caso, insensibilidade à pena, ou seja, pouca susceptibilidade de ser influenciado pelas penas, sendo ainda grave a sua falta de preparação, manifestada no facto, para manter uma conduta lícita (art. 72º, nº2, al. f) do CP). Tal manifestação da desconformação da sua personalidade ao direito demonstra que o limite máximo de pena adequado à culpa não se mostra ultrapassado na decisão recorrida. Partindo dos princípios enunciados e olhando a decisão, só restaria concluir que a pena se encontra correctamente determinada, nenhum reparo merecendo o acórdão condenatório. Aditaremos, no entanto, uma palavra quanto às duas (não) razões expressamente invocadas neste recurso. O princípio da proibição da dupla valoração – plasmado no art. 72º, nº2 do CP – impede que sejam tomadas em consideração, na medida da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime, ou seja, “circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 234), independentemente, é claro, da possibilidade de graduação casuística – de intensidade – dessas mesmas circunstâncias. O recorrente pretende que se (re)valore a recuperação da coisa subtraída. Impede-o a proibição da dupla valoração, princípio extensível a todas as operações de determinação da pena (neste sentido, Figueiredo Dias, loc. cit. p. 237). Aquela circunstância foi já considerada como atenuante especial – e até indevidamente, como se viu – operando a atenuação da pena abstracta. Por último, refira-se que o “pedido de desculpas” do recorrente, aceite pelo ofendido, foi também quantificado na pena pelo colectivo. Trata-se de circunstância posterior ao facto, que nada tem a ver com a culpa, mas que pode atenuar as exigências de prevenção. Ainda nas palavras de Teresa Beleza, “um pedido de desculpas pode em certas circunstâncias ter um valor extraordinário. (…) revela consideração pelo outro, a consideração que é negada pela prática do crime. E isto pode ser, do ponto de vista da pacificação social, muito importante. (…) A vítima sente que a justiça que está a ser feita passa por si e é para si” (loc. cit., pp. 71 e 72). Só que, no caso, por todas as razões de sinal contrário já explicitadas, essa atenuação das exigências de prevenção é necessariamente muito reduzida. 4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: Julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente que se fixam em 5UC. Évora, 14.02.2012 (Ana Maria Barata de Brito) (António João Casebre Latas) |