Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
101/15.0GELSB.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: PENA SUSPENSA
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - A condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, sem mais a revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda serem alcançadas as finalidades da punição em liberdade que norteará na escolha dos regimes previstos nos arts. 55º e 56º ou, eventualmente, a aplicação do art. 57º do CP.

II - Tendencialmente, será a condenação numa pena efectiva de prisão a revelar que essas finalidades não puderam ser alcançadas, não implicando a condenação posterior em pena de substituição, em princípio, a revogação da suspensão da prisão.

III - Decorre, no entanto, do art. 57º, nº 2 do CP que o tribunal não deve proferir a decisão sobre a pena suspensa, nomeadamente declarando-a extinta, sem antes se inteirar da decisão final e definitiva proferida no outro processo, sobre a nova pena de prisão suspensa o aplicada ao arguido por crime cometido no decurso do período de suspensão. Ou seja, sem antes curar de saber se a prisão suspensa foi ali declarada extinta, ou pelo contrário revogada, só então podendo tomar posição sobre se era de optar aqui pela revogação da suspensão, pela extinção da pena, ou, eventualmente, pela prorrogação do período de suspensão, reavaliando sempre o comportamento global do condenado no decurso de todo esse período.

Sumariado pela relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No proc. n.º 101/15.0GELSB, do Tribunal de comarca de Setúbal, foi proferido despacho a determinar a extinção da pena única de onze meses de prisão aplicada ao arguido R.

Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, concluindo da forma seguinte:

“1. Nos presentes autos R foi julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 11 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;

2. Resulta da certidão juntas de fls. 82 a 96 dos autos, que R praticou dois crimes, sendo um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e outro crime de condução sem habilitação legal, no decurso do período de suspensão, mais concretamente cerca de um mês e meio após o trânsito em julgado desta condenação;

3. Encontra-se junto aos autos relatório final elaborado pela DGRSP no qual se conclui que o condenado não cumpriu a totalidade das regras de conduta impostas pelo tribunal, em concreto, não frequentou o curso de prevenção rodoviária nem tirou licença de condução;

4. Por douto despacho de fls. 138 a 145, foi declarada extinta a pena, nos termos do art. 57º do Código Penal, sendo que o Ministério Público não se conforma com o teor do mesmo, entendendo, ao invés, que deverá ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão e ordenado o cumprimento da mesma;

5. Vejamos: A revogação da suspensão da pena de prisão não reveste cariz obrigatório ou automático, tendo que se aferir, em face do caso concreto, se se encontram preenchidos os elencados condicionalismos legais determinativos dessa revogação;

6. No caso dos presentes autos, verifica-se que R, além de não ter cumprido as obrigações impostas pelo tribunal, veio a ser condenado, por dois crimes praticados no decurso do período da suspensão, ambos de idêntica natureza. O que demonstra uma total indiferença à condenação sofrida;

7. Ora, a lei exige a cumulação de pressupostos de ordem processual e de ordem material ou substantiva, para efeito de decidir sobre a revogação da suspensão da pena de prisão:

a. Requisito Processual: infringir grosseiramente as regras de conduta impostas pelo plano de readaptação social e/ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado;

b. Requisito Material: as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas;

8. Relativamente ao requisito processual, conclui-se que se mostra verificado, pois que o arguido cometeu dois crimes da mesma natureza, pelos quais veio a ser condenado em pena de prisão;

9. Além do que não cumpriu, nem se esforçou por cumprir, as injunções impostas e que determinaram a suspensão da execução da pena de prisão;

10. Também o requisito material se mostra verificado, já que a persistência nas mesmas condutas delituosas em período de suspensão da execução da pena de prisão, leva-nos a concluir o juízo de prognose favorável feito em benefício do condenado foi completamente gorado, pois que não o afastou da prática dos mesmos ilícitos ainda no decurso do período de suspensão, o que revela total alheamento e indiferença à condenação que lhe foi imposta;

11. Pelo exposto, porque consideramos que as condutas empreendidas pelo condenado no decurso do período de suspensão, associadas ao incumprimento das injunções impostas, inviabilizam definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, entendemos que o despacho em crise viola o disposto nos arts. 56 e 57º do Código Penal, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que determine a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e, em consequência, ordene o cumprimento da pena de prisão aplicada.”

O arguido respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da confirmação do despacho.

Neste Tribunal, o Sr. Procuradora-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, considerando que “para uma decisão mais acertada importaria que o tribunal averiguasse se a condenação no proc. nº ---/15.5GBGDL em pena de um ano e quatro meses de prisão cuja execução se suspendeu por igual período de tempo, por crimes ocorridos no período de suspensão da pena que nos ocupa, teve sucesso e levou à extinção da pena ou, pelo contrário, se foi revogada, decorrido que se mostra já o prazo da respectiva suspensão”.

Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:

Por sentença proferida em 03-08-2015 [fls. 26 e ss.], transitada em julgado em 30-09-2015, foi o arguido R condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena única de 11 [onze] meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 [um] ano, condicionado ao dever de se inscrever e frequentar escola de condução e de frequentar programa relativo à sinistralidade automóvel e vocacionada para este tipo de ilícitos que venha a ser fixado pela DGRSP, comprovando tal no período da suspensão.

Foi o arguido entretanto condenado, no âmbito do processo sumário n.º---/15.4GBGDL, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo C. Genérica de Grândola – Juiz 1, pela prática, em 17 de Novembro de 2015, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal em concurso efectivo com a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, além do mais, na pena única de um (1) ano e quatro (4) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, tendo tal decisão condenatória transitado em julgado em 02-02-2016 – [cf. fls. 82 e ss.]

Além disso, foi junto aos autos o Relatório Final elaborado pela DGRSP, de fls. 76 e ss., onde se conclui que o arguido não cumpriu na totalidade as regras de conduta impostas, nomeadamente o pagamento e frequência do curso da PRP, por incapacidade económica.

Foram designadas datas para serem tomadas declarações ao condenado [fls. 100 e ss.], para efeitos do disposto no art.º 495.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal [CPP] e dos artigos 55.º e 56.º do Cód. Penal [CP], sem sucesso, dado que nunca se logrou notificar o arguido, pese embora as diligências encetadas nesse sentido.

Veio o Ministério Público, em 14-02-2017 [fls. 97 e ss.], promover que se revogue a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, determinando-se o cumprimento da pena única de onze (11) meses de prisão, nos termos do disposto no art.º 56.º, n.º1, alíneas a) e b) do CP, por entender que, tendo o arguido praticado crimes no decurso do período de suspensão da pena aplicada nos presentes autos, bem como não tendo cumprido na totalidade as regras de conduta, resulta evidente que este não compreendeu a censura que representou a sua condenação.

Notificado o condenado e sua Il. defensora, com cópia da promoção do Ministério Público para, querendo, se pronunciar sobre a mesma [nos termos do art.º 61.º, n.º1, al. a) do CPP], veio o mesmo pugnar pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão, com base nas razões expressas no seu requerimento de fls. 134 e ss. dos autos.

Terminou, entretanto, o referido período de suspensão, relativamente à pena de prisão, suspensa na sua execução, aplicada ao arguido nos presentes autos.

Cumpre apreciar e decidir.
Com o regime da suspensão da execução da pena o legislador entendeu que uma vez reunidos determinados requisitos [a) formais: que a pena de prisão aplicada não seja superior a três anos; b) materiais: personalidade do agente e circunstâncias do facto, condições de vida do agente, conduta anterior e posterior ao facto] ―, será possível ao julgador concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente e que a simples censura do facto e a ameaça da pena (acompanhada ou não da imposição de deveres e/ou regras de conduta) bastarão, assim, para afastar o delinquente da criminalidade: decisivo aqui é a ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».

Mas tal suspensão da execução da pena de prisão poderá ser revogada em determinadas situações.

Dispõe, nesta sede, o art.º 56.º, n.º1 do Cód. Penal que: «A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a)Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou b)Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas».

A suspensão da execução da pena de prisão é assim revogada em duas situações, que não são cumulativas:

(i) Sempre que no seu decurso o condenado infringe, de forma grosseira ou repetida, os deveres ou regras de conduta impostas; ou
(ii) Se o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado (verificando-se aqui já o trânsito em julgado da sentença) e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Por sua vez, estabelece o art.º 57.º do Cód. Penal, sob a epígrafe «extinção da pena», que: «1. A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação. 2. Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão».

Concretizando.
In casu, importa indagar se o facto de o arguido ter sido condenado pela prática de crimes no decurso da suspensão da execução da pena de prisão determina a revogação «automática» da suspensão ou, se pelo contrário, há outros elementos a ponderar face ao caso concreto.

Desde já se diga que a revogação da suspensão da pena de prisão não reveste cariz obrigatório ou automático, tendo que se aferir, em face do caso concreto, se se encontram preenchidos os elencados condicionalismos legais determinativos dessa revogação. Ora, de facto, não se pode precipitar uma decisão tão gravosa como é a da reclusão prisional sem avaliar, em concreto, as circunstâncias em que ocorreram os condicionalismos dessa revogação, de forma a aquilatar se as finalidades que justificaram a suspensão da execução da pena ainda podem ser alcançadas, ou se foram definitivamente desbaratadas.

Numa breve nota, dir-se-á que à luz do art.º 51.º, n.º1 do Cód. Penal de 1982 se estipulava um caso em que a revogação era obrigatória, o que sucedia quando durante o período da suspensão o condenado cometesse crime doloso por que viesse a ser punido com pena de prisão.

Na vigência daquele Diploma Legal, Jorge de FIGUEIREDO DIAS [in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 356], referia que: «Nesta hipótese perde-se completamente a correlacionação entre o incumprimento e o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do delinquente, sendo, pois a adopção pela lei de uma revogação automática profundamente criticável do ponto de vista político-criminal; e tanto mais quanto também ela pode vir a ter lugar depois de decorrido o período de suspensão».

Mais, o Ilustre Professor [in op. cit., p. 357] acrescentava ainda que: «Correcto seria (...) se nascesse dali a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que estava na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro afastado da criminalidade».

Esta questão foi debatida no seio da Comissão Revisora e o Código Penal de 1995 acabou por consagrar a solução já defendida pelo Prof. Jorge de FIGUEIREDO DIAS; actualmente, a condenação por crime doloso cometido durante o período de suspensão deixou de provocar automaticamente a revogação da suspensão.

Como já se esclareceu supra, a lei exige a cumulação de um pressuposto de ordem processual e outro de ordem material ou substantiva, para efeito de decidir sobre a revogação da suspensão da pena de prisão:

a) Requisito Processual: cometer crime pelo qual venha a ser condenado;
b) Requisito Material: as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

No que concerne à primeira das aludidas exigências, é manifesto que o arguido cometeu crimes pelo qual veio a ser condenado, conforme resulta do teor da certidão da sentença, com nota de trânsito em julgado de fls. 82 e ss. dos presentes autos. Conforme tem sido entendimento maioritário, senão mesmo predominante, só a condenação em pena de prisão efectiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois a condenação em pena de multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognose ainda favorável ao agente pelo Tribunal da segunda condenação.

Ora, independentemente do entendimento defendido, importa igualmente ponderar se as finalidades que motivaram a suspensão da execução da pena de prisão foram efectivamente frustradas ou se se encontram, por ora, satisfeitas.

(2) De facto, o critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o Tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Sobre o tema, vide PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2.ª Edição, 2010, p. 236, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 1993, pp. 66 e 469, bem como MIGUEZ GARCIA e J. P. CASTELA RIO, Código Penal, Parte Geral e Especial com Notas e Comentários, Almedina, 2014, p. 336.

(3) Assim, vide PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, op. cit., p. 236, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2009, pp. 357 e 549, bem como EDUARDO CORREIA, in Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Tomo I, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1965, p. 74.

Com efeito, aquando da prolação da decisão que determinou a suspensão da execução da pena de prisão, o tribunal não pôde deixar de aquilatar a verificação do pressuposto material adjacente à aplicação de tal instituto. Na verdade e para efeito de possibilitar tal suspensão, é necessário que o Tribunal, «[…] atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena […] bastarão para afastar o delinquente da criminalidade […]. Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto».

Atento o exposto, resta concluir, como defende o Professor Jorge de FIGUEIREDO DIAS, que o tribunal apenas poderá decidir-se pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, em qualquer um dos casos de incumprimento das condições de suspensão, se tal inadimplemento revelar que as finalidades que fundaram a suspensão não podem, por meio desta, ser alcançadas; ou, dito por outra forma, se a infracção das regras impostas no período da suspensão «infirmar definitivamente» o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão e a esperança de, por meio desta, manter o arguido afastado da prática de condutas jurídico-penalmente ilícitas.

Esclarecido este aspecto, há que analisar o caso vertente, atenta a factualidade supra referida.

Compulsados os autos e como já se assinalou supra, resulta que o arguido no decurso da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado no âmbito dos presentes autos, mais concretamente, em 17-11-2015, incorreu na prática de crimes dolosos, tendo sido condenado no âmbito do processo sumário n.º 421/15.4GBGDL, numa pena única de prisão, mas (ainda) suspensa na sua execução, com regime de prova.

Como já se deixou atrás exposto, o n.º1 do art.º 56.º do Cód. Penal prevê as situações de revogação da suspensão da execução da pena de prisão. E o seu n.º2 acrescenta que: «A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (...)».

No caso concreto, importa ponderar, por um lado, a data da prática dos factos que são objecto de apreciação no mencionado processo e a data dos factos nos presentes autos, o tipo de crime em causa e as circunstâncias ponderadas e tidas em consideração para que no referido processo sumário n.º421/15.4GBGDL se optasse por aplicar ao arguido uma pena de prisão (ainda) suspensa na sua execução, o que nos leva a considerar que, neste momento, uma eventual revogação da suspensão da pena seria mais nefasta e perversa em termos de (re)integração social do arguido, uma vez que o mesmo, pese embora tivesse incorrido na prática de ilícitos criminais durante o período da suspensão, neste momento parece ter adoptado um caminho conforme o direito, já que não são conhecidos outras condenações no domínio da criminalidade relativa à violência doméstica.

Conforme ficou exarado previamente, verifica-se, objectivamente, que o arguido foi condenado, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos, pela prática de crimes dolosos.

Contudo, tais condutas, por si só, não podem motivar a automática e imediata convicção do Tribunal no sentido de se encontrar frustrada, de modo irreversível, a satisfação das exigências de prevenção geral e especial que determinaram essa mesma suspensão. Cumpre assim atender às específicas circunstâncias do caso vertente, recorrendo, quer à argumentação aduzida pelo condenado, quer ao entendimento propugnado na sentença condenatória que aplicou ao arguido a aludida pena de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova.

De facto, no que concerne à sentença condenatória proferida no âmbito do aludido processo, foi entendimento do Tribunal que a pena de prisão suspensa na sua execução seria ainda suficiente para dissuadir o arguido do cometimento de novas infracções, contribuindo para a sua educação para o direito.

Ora, não pode este Tribunal olvidar ainda a circunstância de que o arguido foi condenado nos presentes autos por factos cometidos no ano de 2015.

Sopesando os elementos que os autos fornecem, crê este Tribunal que não será de revogar a suspensão da pena de prisão aplicada, dado que outro entendimento seria contraproducente para a efectiva reinserção social do condenado.

Ora, perante tal circunstancialismo, considera este Tribunal que seria de todo precipitado [e contraproducente, no que concerne ao período evolutivo que o arguido tem vindo a evidenciar] sujeitar o arguido a uma situação de reclusão por um período de quase um ano, quando o que se entende estar em causa é uma situação relacionada com uma problemática psicopatológica, e não com uma situação de não interiorização do desvalor das suas condutas, demonstrativa de que as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena de prisão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Ou seja, em suma, conclui ainda este Tribunal por um prognóstico favorável, relativamente ao comportamento do condenado, mantendo-se a convicção de que a simples censura do facto e a ameaça da pena, já feita sentir com a suspensão da execução da pena de prisão, e não obstante o episódio de prevaricação entretanto ocorrido, bastarão para afastar o delinquente da criminalidade.

Entende-se, em suma, que o comportamento do condenado terá sido somente motivado pela sua patologia relacionada com o consumo de bebidas alcoólicas. Julga-se, por isso, que não é possível afirmar que a sua actuação tenha invalidado definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão, efectuado aquando da prolação da decisão final condenatória, encontrando-se, por ora, asseguradas, no essencial, as exigências preventivas que motivaram tal suspensão.

Por outra banda, não nos podemos deixar impressionar pelo facto de o condenado outrossim não ter cumprido totalmente as regras de conduta impostas, designadamente quanto ao pagamento e frequência do curso da PRP, dado que resulta do próprio Relatório Final que tal «incumprimento» se deveu a incapacidade económica do condenado, donde juridicamente sequer existe culpa do mesmo, enfim…

Nesta conformidade, deve dizer-se que não se sufraga o entendimento do Ministério Público expresso na sua promoção que antecede, levando-nos a crer que o juízo de prognose favorável emitido pelo tribunal aquando da sentença, apesar de tudo, não saiu frustrado, dado que o condenado se afastou efectivamente da criminalidade, malgrado o infeliz episódio em que foi novamente condenado no processo n.º 421/15.4GBGDL.

Pelos fundamentos supra expostos, julga-se que inexiste fundamento para revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e determinar o seu efectivo cumprimento.

Face ao exposto:

a) Decido não revogar a suspensão da execução da pena única de prisão de 11 [onze] meses aplicada ao arguido R - [art.º 56.º, a contrario sensu, do CP];

b) Declaro extinta a pena única de 11 [onze] anos de prisão aplicada ao arguido supra id., bem como a pena acessória - [art.º 57.º, n.º1 do CP]”.

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar respeita à sindicância dos fundamentos que determinaram a extinção da pena única de onze meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.

Considera o Ministério Público recorrente que, um mês e meio após o trânsito em julgado da condenação, o arguido praticou dois crimes, sendo um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e outro crime de condução sem habilitação legal. Não cumpriu a totalidade das regras de conduta impostas pelo tribunal, pois não frequentou o curso de prevenção rodoviária nem tirou licença de condução. E, por tudo, ainda segundo o recorrente, deve ser revogada a suspensão da execução da pena e ordenado o cumprimento da prisão.

Já nesta Relação, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, considerando que “para uma decisão mais acertada importaria que o tribunal averiguasse se a condenação no proc. n.º ---/15.5GBGDL em pena de um ano e quatro meses de prisão cuja execução se suspendeu por igual período de tempo, por crimes ocorridos no período de suspensão da pena que nos ocupa, teve sucesso e levou à extinção da pena ou se, pelo contrário, foi revogada, decorrido que se mostra já o prazo da respectiva suspensão”.

Começa por se consignar o acerto das considerações teóricas desenvolvidas sobre a interpretação do quadro legal correctamente enunciado no despacho.

Na verdade, como temos também reiterado em várias decisões, a condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda serem alcançadas, em liberdade, as finalidades da punição que norteará a escolha dos regimes dos arts. 55º e 56º ou, eventualmente, a aplicação do art. 57º do CP.

Com a revisão do Código Penal de 1995, o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime (doloso) durante o período da suspensão da prisão e na correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento do segundo crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para prosseguir as finalidades da punição. E, tendencialmente, será a condenação numa pena efectiva de prisão a revelar que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas.

O art. 56º, nº 2 do CP preceitua que a suspensão da execução da pena é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas. E desta versão da norma, introduzida na revisão de 1995, passou efectivamente a resultar que o cometimento de crime no período da suspensão é insuficiente, só por si, para determinar a revogação da pena de substituição, pondo-se assim fim à anterior redacção “profundamente criticável do ponto de vista politico-criminal” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 2005, p. 356).

Este fim da revogação automática da pena de prisão suspensa veio ao encontro da Regra 10 da Recomendação Nº R(92) 16: “não devem existir disposições na lei respeitantes à conversão automática em prisão de sanções ou medidas aplicadas na comunidade, em caso de desrespeito das condições ou obrigações impostas por essa sanção ou medida”.

Assim, a posterior condenação em pena de substituição, sofrida pelo arguido, não inviabiliza, sem mais, a manutenção da confiança na sua ressocialização em liberdade. O tribunal da segunda condenação não pôde deixar de conhecer e avaliar a anterior decisão de condenação em pena suspensa (a proferida nos autos), possuindo elementos mais actualizados sobre a personalidade do arguido.

Neste contexto, a decisão de renovação da confiança na pessoa do condenado e na eficácia da pena não detentiva não deve, em princípio, ser posta em causa pelo tribunal da primeira condenação, quando este se encontra a decidir das consequências do incumprimento das condições da suspensão da execução da pena que aplicou. Esta segunda condenação surge aqui, ainda, como um sinal no sentido da eficácia da pena suspensa.

A revogação de suspensão de pena anterior pode ser, como se diz no despacho, perturbadora e comprometedora da eficácia da pena preventiva. Mas há que aferir sempre se as circunstâncias concretas apontam no sentido enunciado (da confiança na ressocialização em liberdade), ou se, pelo contrário, se justifica o inverso, como pretende aqui o Ministério Público recorrente, ou ainda uma terceira solução, como defende o senhor Procurador-geral Adjunto. E, adianta-se, a razão está com o Procurador-geral Adjunto.

Da leitura do despacho, mau grado a correcção do enunciado interpretativo do quadro legal aplicável, ali feita, resulta logo a fragilidade da sua aplicação ao caso concreto. Ou seja, a decisão mostra-se incorrecta, desde logo por se revelar precipitada a declaração de extinção da pena suspensa.

De acordo com os factos provados da sentença (e o CRC junto aos autos), à data da prática dos factos dos autos, o arguido contava já com duas condenações anteriores: por decisão de 09/02/2012, transitada em julgado a 09/03/2012, pelo crime de condução sem habilitação legal, por factos praticados em 22/08/2011, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 5,00 o que perfez a quantia global de € 450,00, substituída por 90 horas de trabalho, e por decisão de 25/06/2012, transitada em julgado em 03/09/2012, pelo crime de condução sem habilitação legal, por factos praticados em 07/06/2012, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 5,00 o que perfez a quantia global de € 300,00, substituída por 60 horas de trabalho.

Assim, a condenação em pena de prisão suspensa proferida nos autos não só não contribuiu para evitar a recidiva (visto que o arguido voltou a delinquir), como se constata que o seu comportamento delituoso se agravou até.

Na verdade, a uma reiteração na condução sem habilitação legal (conta neste momento com quatro condenações por este tipo de crime, sendo duas anteriores aos factos dos autos e uma posterior) o arguido associa agora a condução sob o efeito do álcool (e conta já com duas condenações por este tipo de crime, a dos autos, em que conduziu com uma taxa de alcoolemia de 2,527 g/l, e a posterior, com uma taxa de alcoolemia de 2,15 g/l).

Daí que não se compreenda a asserção feita no despacho recorrido, de que seria “contraproducente, no que concerne ao período evolutivo que o arguido tem vindo a evidenciar sujeitar o arguido a uma situação de reclusão por um período de quase um ano, quando o que se entende estar em causa é uma situação relacionada com uma problemática psicopatológica, e não com uma situação de não interiorização do desvalor das suas condutas, demonstrativa de que as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena de prisão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”. Para depois se concluir apenas que “em suma, conclui ainda este Tribunal por um prognóstico favorável, relativamente ao comportamento do condenado, mantendo-se a convicção de que a simples censura do facto e a ameaça da pena, já feita sentir com a suspensão da execução da pena de prisão, e não obstante o episódio de prevaricação entretanto ocorrido, bastarão para afastar o delinquente da criminalidade.”

Como é possível retirar esta conclusão quando os factos demonstram que a reiteração criminosa não apenas se manteve como se agravou até, na perspectiva da agressão do bem jurídico protegido pelos tipos de crimes rodoviários, é algo que não se compreende. A conclusão retirada no despacho mostra-se, no mínimo, precipitada e, pelo menos por ora, absolutamente desadequada.

Refere-se ainda no despacho que “o comportamento do condenado terá sido somente motivado pela sua patologia relacionada com o consumo de bebidas alcoólicas”, para se concluir que se “encontram, por ora, asseguradas, no essencial, as exigências preventivas que motivaram tal suspensão”.

Novamente não se compreende como se podem considerar asseguradas as exigências preventivas se a existência da patologia que o despacho afirma contribuirá até para elevar as concretas exigências de prevenção especial, e não o contrário.

Conclui, por fim, o tribunal que “inexiste fundamento para revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e determinar o seu efectivo cumprimento”. E por isso determina, sem mais, a extinção da pena suspensa.

De tudo resulta que a decisão se encontra factualmente injustificada, pois num quadro de reicidiva criminosa como o descrito (recidiva agravativa), a que se alia ainda um incumprimento de outras obrigações impostas na sentença como condicionantes da suspensão da prisão (referindo-se, é certo, no despacho, que o incumprimento não terá sido culposo por se relacionar com razões de insuficiência económica), fica por explicar, desde logo, por que razão se desconsiderou o disposto no art. 57º, nº 2 do CP.

O art. 57º, nº 2 do CP preceitua que “se, findo o período de suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação (…) a pena só é declarada extinta quando o processo ou incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão”.

Em obediência à referida norma legal, o tribunal não deveria ter proferido decisão a declarar extinta a pena sem, pelo menos, se inteirar antes da decisão final exarada no processo nº ---/15.4GBGDL, sobre a pena suspensa ali proferida. Ou seja, sem antes curar de saber se a prisão suspensa ali fora declarada extinta ou, pelo contrário, revogada. Só então se poderia tomar posição sobre se era de optar aqui pela revogação da suspensão da execução da pena, pela extinção da pena, ou, eventualmente, pela prorrogação do período da suspensão, reavaliado sempre o comportamento global do condenado no decurso do período de suspensão da execução da pena.

Na verdade, do AFJ nº 6/2010, retiram-se também conclusões em parte convocáveis para o caso presente, no sentido de que o despacho de revogação da suspensão da pena é ainda complementar da sentença. E embora se curasse ali do problema da notificação da decisão de revogação de pena suspensa, o acórdão consolidou a ideia de que o processo (também agora no sentido enunciado no art. 57º, nº 2 do CPP), em caso de condenação em prisão suspensa, só finda com a decisão final sobre a pena suspensa.

No caso presente, ao ter decidido precipitadamente, como bem refere o Ministério Público nesta Relação, sem antes ter curado de saber do destino da pena suspensa proferida no outro processo, o Tribunal desrespeitou o art. 57º, nº 2 do CP.

O despacho recorrido deve, pois, ser substituído por outro que proceda a essa avaliação (à avaliação do comportamento do condenado no decurso de prazo de suspensão da prisão) uma vez obtida a decisão final sobre a pena suspensa proferida no proc. nº º---/15.4GBGDL, elemento até agora em falta.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que proceda à avaliação do comportamento do condenado no decurso de prazo de suspensão da prisão, uma vez obtida a decisão final sobre a pena suspensa proferida no proc. nº. ---/15.4GBGDL.

Sem custas.

Évora, 09.01.2018

(Ana Maria Barata de Brito)

(Leonor Vasconcelos Esteves)