Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO NUNES | ||
Descritores: | CADUCIDADE DO DIREITO À RESOLUÇÃO DO CONTRATO QUESTÃO NOVA ASSÉDIO RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DANOS NÃO PATRIMONIAIS RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE SÓCIO-GERENTE | ||
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Data do Acordão: | 09/14/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
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Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
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Sumário: | I – Depende da arguição pela parte interessada o conhecimento (pelo tribunal) da caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho; II – Tendo-se os Réus limitado na contestação a, no essencial, impugnar os factos alegados pela Autora, guardando absoluto silêncio quanto à caducidade do direito de resolução em relação a esses factos, e não tendo o tribunal a quo se pronunciado sobre a mesma, configura questão nova, de que a 2.ª instância não pode conhecer, a invocação apenas em sede de recurso de apelação da referida caducidade; III – Configura assédio do Réu, único gerente da Ré, o facto de, tendo mantido uma relação amorosa com a Autora entre 2002 e 2010 e tendo esta uma relação laboral com a Ré desde 2002, entre Setembro e Dezembro de 2012 envia frequentes mensagens à Autora, afirmando, além do mais, que se não reatassem a relação pessoal não era possível manter a relação laboral, que em Novembro de 2012, sem qualquer explicação, não procede ao pagamento à Autora da importância mensal de € 260,00, que desde há cerca de dois anos lhe vinha sendo paga, sob a denominação de subsídio de transporte, e que tendo remetido uma proposta de revogação do contrato de trabalho com a Autora, perante o pedido de esclarecimento e dúvidas suscitados por esta não lhe respondeu nem deu qualquer seguimento à proposta que lhe havia apresentado; IV – Configura justa causa de resolução do contrato de trabalho a descrita situação – no essencial, com a insistência do Réu junto da Autora no sentido do reatamento da relação pessoal, sob pena da impossibilidade de manutenção da relação laboral –, que causou desgosto, humilhação, desconforto e levou a Autora a sentir-se indesejada no trabalho; V – Em tal situação, justifica-se uma indemnização por resolução do contrato de 30 dias por cada ano de antiguidade ou fracção, tendo em conta o concreto contexto em causa e que não obstante os factos referidos que configuram assédio, ao longo desse período entre o Réu e a Autora continuaram a ser trocadas mensagens frequentes que, particularmente as que se centravam apenas na relação pessoal, denotam um ambiente de cordialidade e bom relacionamento entre ambos, e ainda que a Autora auferia mensalmente a retribuição base de € 1.100,00; VI – E justifica-se a atribuição à Autora de uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 7.500,00, tendo em conta que em razão de diversos factores, entre os quais a ruptura da relação pessoal (“amorosa”) que manteve com o Réu e o comportamento deste traduzido no assédio, a Autora passou a andar triste, depressiva, sem sono, tendo tido necessidade de acompanhamento médico e sendo medicada com ansiolíticos e hipnóticos em SOS; VII – Sendo os actos de assédio praticados pelo Réu, gerente da Ré, e verificando-se os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, conforme o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, conjugado com o n.º 1 do artigo 79.º do Código das Sociedades Comerciais, haverá lugar à responsabilidade civil solidária do Réu no pagamento da indemnização por resolução do contrato de trabalho e por danos não patrimoniais a pagar à Autora. (Sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 838/13.9TTSTB.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório BB (…), intentou, no extinto Tribunal do Trabalho de Setúbal, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra: 1. CC, Lda. (…); 2. DD (…) pedindo que: 1. se declare que resolveu o contrato de trabalho com a 1.ª Ré com justa causa; 2. se condenem, solidariamente, ambos os Réus, no pagamento de: i. uma indemnização de antiguidade no valor de € 21.380,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 21 de Dezembro de 2012 até integral pagamento; ii. a quantia de € 3.900,00, referente a créditos salariais, acrescida de juros de mora desde os respectivos vencimentos até integral pagamento; iii. a quantia de € 48.000,00 a título de danos não patrimoniais; iv. a quantia de € 2.125,00, por trabalho suplementar prestado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento; v. a quantia de € 2.975,00, referente a créditos de horas por falta de formação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento. Alegou, para o efeito e muito em síntese, que foi admitida ao serviço da antecedente da 1.ª Ré em 1 de Julho de 2002, com a categoria profissional de “ajudante técnica de farmácia”, e que por carta datada de 20 de Dezembro de 2012, recepcionada pelo 2.º Réu, na qualidade de proprietário da 1.ª Ré, no dia 21 de Dezembro seguinte, resolveu com justa causa o contrato de trabalho, uma vez que vivia um “clima de instabilidade no seu local de trabalho na R., que tinha origem na constante e incansável perseguição que lhe movia o 2.º R. Gerente e Sócio Único da 1.ª Ré”, com assédio moral e sexual. Mais alegou que a responsabilidade/legitimidade na acção do 2.º Réu advém da qualidade de sócio e gerente da 1.ª Ré, responsável único e directo pelos factos em causa. Por fim, peticionou as consequências da resolução do contrato de trabalho, incluindo o pagamento de diversos créditos laborais, lato sensu, e uma indemnização a título de danos não patrimoniais, uma vez que o comportamento dos Réus lhe provocou uma crise de depressão reactiva. * Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestaram os Réus, negando, no essencial, os factos alegados pela Autora – maxime de assédio moral e sexual –, assim pugnando pela inexistência de fundamento para a resolução como justa causa do contrato de trabalho e, consequentemente, pela improcedência da acção.* Respondeu a Autora, a afirmar, no essencial, que os factos alegados pelos Réus na contestação são falsos e a pedir a condenação dos mesmos, por litigância de má fé, em multa e indemnização (à Autora) não inferior a € 7.500,00, e ainda no “ressarcimento das despesas por esta suportadas com o presente pleito, nomeadamente honorários de Advogado”.* Ao referido articulado responderam os Réus, a negar que tenham litigado de má fé e a reiterarem que a acção deve ser julgada improcedente.* Foi dispensada a realização de audiência prévia e a fixação dos temas de prova, proferido despacho saneador, stricto sensu, e fixado valor à causa (€ 79.395,00).* Os autos prosseguiram os trâmites legais, com realização da audiência de julgamento, e em 30-01-2015 foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória, na parte relevante, do seguinte teor:«Face ao exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência,: a) declaro validamente operada a resolução do contrato de trabalho celebrado entre a A. BB e a R. CC, Lda., com justa causa, condenando, em consequência, a R. sociedade a pagar à A., a título de indemnização por antiguidade, a quantia de € 11.519,44, acrescida de juros de mora desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até integral pagamento; b) condeno a R. sociedade a pagar à A. a quantia global de € 3.527,87, a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento,. c) absolvo a R. sociedade do mais peticionado; d) absolvo o R. DD dos pedidos formulados pela A.; e) absolvo os RR. do pedido de condenação como litigantes de má fé». * Inconformada com o assim decidido, a 1.ª Ré (CC, Lda.), dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:«a. De acordo com a sentença em apreço, o Tribunal a quo qualificou, erradamente, como actos de assédio moral os e-mails remetidos pelo Dr. DD à Recorrida em 11 e 25 de Setembro, 4 de Outubro 2012 e 06 de Novembro de 2012; b. Foi com base no envio desses e-mails que o Tribunal a quo declarou a existência de justa causa invocada pela Recorrida para resolver o seu contrato de trabalho com efeitos a 20 de Dezembro de 2012; c. Entre a data do último e-mail (06 de Novembro de 2012) e a data da resolução do contrato de trabalho (20 de Dezembro de 2012) medeiam 44 dias, sendo que na data em que a Recorrida exerceu o seu invocado direito de resolução do contrato de trabalho, o mesmo já se mostrava caducado nos termos consignados no art.º 395º n.º 1 do Código do Trabalho; d. Deveria o Tribunal a quo ter declarado a caducidade do direito de resolução operado pela Recorrida, sendo que ao não o fazer violou o disposto no art.º 395º n.º 1 do Código do Trabalho; e. Em consequência, impõe-se, logo aqui, a revogação da sentença em apreço, devendo a mesma ser substituída por decisão que absolva a Recorrente dos pedidos da Recorrida em virtude da acima referida caducidade do direito de resolução; f. Na sentença em apreço, o Tribunal considerou que com o envio dos e-mails remetidos pelo Dr. DD à Recorrida em 11 e 25 de Setembro, 4 de Outubro 2012 e 06 de Novembro de 2012, esta ficou perturbada ou constrangida na sua actividade profissional, e consumida emocional e intelectualmente; g. Não existe um único facto provado a partir do qual seja possível extrair tal conclusão, importando recordar que todos os factos alegados pela Recorrida a respeito dos supostos efeitos do invocado assédio resultaram como não provados (cf. art.º 26º a 29º, 35º, 38º e 47º a 53 da p.i.); h. Por outro lado, encontra-se provado que em pleno período em que decorreu o suposto assédio moral, entre o Dr. DD e a Recorrida foram trocadas mensagens de Facebook que constam de fls. 181 a 192 e de fls 249 e 250.. i. Entre estas mensagens destacam-se as trocadas em 10 de Novembro de 2012, ou seja, 4 dias(!) após a última mensagem enviada pelo Dr. DD que o Tribunal considerou constituir assédio moral, em que a própria Recorrida revela total à vontade para comentar os efeitos da água quente do banho em peças anatómicas do seu corpo; j. Revelam igualmente estas mensagens que resulta claro que, em 27 de Setembro de 2012, a Recorrida pediu ajuda ao Dr. DD para a proteger a ela e aos seus filhos de um estranho que rondava a sua casa; k. É que conjugando os factos provados, em particular estas mensagens de Facebook, e não provados, designadamente os acima indicados, alcança-se uma conclusão inversa: não só a Recorrida manteve uma relação de grande proximidade com o Dr. DD, como sempre manteve total liberdade e ausência de constrangimento, perturbação ou agressão para prosseguir a sua vida pessoal e a sua carreira profissional na Recorrente como muito bem entendeu. l. Ao invés do que é afirmado na sentença em apreço não se verificaram sobre a Recorrida quaisquer efeitos decorrentes da actuação do Dr. DD, sendo que o comportamento deste não pode ser qualificado como sendo de assedio; m. Desde logo porque não estamos perante um comportamento indesejado: O que existia entre a Recorrida e aquele desde 2010 até 2012 foi uma relação pessoal de grande proximidade, a qual, como qualquer relação, teve momentos bons e outros menos bons, sendo que a Recorrida e o Dr. DD sempre souberam gerir esses momentos e, sobretudo, sempre preservaram a relação profissional que estabeleceram entre ambos. n. Não estamos perante um comportamento reiterado: não se poderá considerar que 4 mensagens enviadas em menos de 2 meses, após 10 anos de uma relação de grande proficuidade profissional e pessoal, possam considerar-se como sendo um comportamento reiterado, para mais se se ponderar a existência de outras mensagens trocadas entre o Dr. DD e a Recorrida que revelam que nada mudava no plano da sua relação de grande proximidade; o. Resultou totalmente indemonstrado o mais mínimo agravamento ou degradação do ambiente de trabalho da Recorrida, pelo que também este requisito se não verifica; p. E, como já se referiu, o comportamento em questão não causou qualquer efeito sobre a Recorrida; q. Ao concluir pela existência de assédio, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 29º do Código do Trabalho, porquanto não se mostram reunidos os pressupostos legais que permitam integrar os comportamentos do Dr. DD no conceito de assédio moral; r. Impõe-se, também por aqui, a revogação da sentença em apreço e a sua substituição por decisão que absolva a Recorrente dos pedidos formulados pela Recorrida; s. Ainda que assim se não considere, o que se admite por mera cautela de patrocínio sem nunca conceder, tal não se mostram verificados os requisitos legais que permitam, tal como se fez na sentença em apreço, concluir pela existência de justa causa; t. O Tribunal a quo isolou mensagens remetidas pelo Dr. DD e descontextualizouas de todo o enquadramento relacional que existia entre a Recorrida e o Recorrente, considerando que tal se situava no plano pessoal e, como tal, não tinha relevância para a apreciação da justa causa. u. Não poderia o Tribunal a quo, na ponderação da justa causa, simplesmente ignorar a relação pessoal de grande proximidade e amizade que a Recorrida mantinha com o Dr. DD, concomitantemente com o suposto assédio moral. v. São claros exemplos disso mesmo as mensagens de 28 de Setembro de 2012, trocadas apenas após a última das primeiras três mensagens de suposto assédio moral perpetrado pelo Dr. DD, na qual se alude ao pedido de ajuda que a Recorrida dirigiu a este último para a proteger e à sua família de possíveis agressores [cf. ponto 25) da matéria provada]; w. No mesmo plano se situam as mensagens de 10 de Novembro de 2012, trocadas apenas 4 dias após a última mensagem que o tribunal a quo considerou constituir assédio moral perpetrado pelo Dr. DD, nas quais a Recorrida comenta desabridamente aspectos da sua vida íntima e da sua higiene pessoal; x. A relação pessoal e profissional entre o Dr. DD e a Recorrida, persistiu inalterada e sã, sendo que em momento algum a Recorrida considerou ocorrer um facto com uma tal gravidade que lhe fosse impossível continuar a conviver profissionalmente com o Recorrente, que, ao tempo, explorava directamente e a título individual a Farmácia …; y. Tanto assim sendo que, enquanto decorria o suposto assédio, a Recorrida pediu ajuda ao Dr. DD para a proteger de terceiros e não se eximia de comentar o seu corpo com o seu alegado agressor; z. Estes factos revelam que a Recorrida mantinha plena confiança e intimidade para com o Dr. DD e que lhe era não objectivamente inexigível manter a relação laboral com a Recorrente; aa. Por outro lado, o Tribunal não atendeu devidamente à circunstância de, entre a última mensagem que o Tribunal configura como assédio e a data em que a Recorrida resolveu o contrato de trabalho terem decorrido cerca de 44 dias (!); bb. Este hiato temporal é, desde logo, totalmente incompatível com a ocorrência de uma impossibilidade imediata de continuar a relação de trabalho, ainda mais quando, como ficou provado e aqui se repete, a Recorrida se sentiu plenamente confortável e à vontade para nesse período tomar a iniciativa de comentar com o Dr. DD aspectos da sua vida íntima e da sua higiene pessoal... cc. Não se mostram por isso verificados os requisitos da justa causa, sendo uma vez mais se impõe a revogação da sentença em apreço dado que a mesma, ao declarar a existência de justa causa, violou o disposto nos art.º 394º n.º 1 e 4 e art.º 351º n.º 1 e 3 do Código do Trabalho Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência ser revogada e substituída a sentença por outra que julgue totalmente improcedente presente acção, sendo a Recorrente absolvida dos pedidos que contra si vêm deduzido, pois só assim é de DIREITO e se fará a costumada JUSTIÇA!». * Também a Autora, não se conformando com a sentença dela interpôs recurso para este tribunal, tendo, a terminar as alegações, apresentado as seguintes conclusões:«I. A Meritíssima Juiz a quo proferiu uma decisão sobre a matéria de facto ao arrepio da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e da prova documental junta aos autos; II. Em concreto, o Tribunal a quo errou ao julgar: (a) que a retirada do subsídio de transporte à A. em Novembro de 2012 e a apresentação da proposta de acordo de rescisão do contrato de trabalho e decisão da entidade patronal de não o concluir com alegação de motivo insignificante foram praticados sem intenção assediante; (b) que o R. DD não ameaçou retirar as folgas de segunda-feira à A., nem a ameaçou com processos disciplinares injustificados nem a rebaixou para outra tarefas, tudo fazendo parte da sua estratégia de constranger e com intenção de continuar o assédio à A. que já vinha perpetrando; (c) que a A. não sofreu danos não patrimoniais decorrentes diretamente da conduta assediante perpetrada pelo R.; (d) que a A. não executou, pelo menos 250 horas, de trabalho suplementar ao longo dos seus dez anos de serviço, III. Com efeito, resulta claramente quer da prova documental junta aos autos quer dos depoimentos supra transcritos que o Tribunal a quo deveria ter decidido em sentido inverso quanto a estes concretos factos. IV. Em face do exposto, deverá a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, sendo dado como provado que: (a) a retirada do subsídio de transporte à A. em Novembro de 2012 e a apresentação da proposta de acordo de rescisão do contrato de trabalho e decisão da entidade patronal de não o concluir com alegação de motivo insignificante foram praticados COM intenção assediante (…) ; (b) o R. DD ameaçou retirar as folgas de segunda-feira à A., ameaçou a A. com processos disciplinares injustificados e rebaixou a A. para outras tarefas, como estratégia e COM intenção assediante (…); (c) a A. sofreu danos não patrimoniais decorrentes diretamente da conduta assediante perpetrada pelo R. (…); (d) a A. executou, pelo menos 250 horas, de trabalho suplementar ao longo dos seus dez anos de serviço (…). V. Errou ainda o Tribunal a quo ao não qualificar como assédio sexual a chantagem grave e reiterada do R. DD sobre a A. e o aproveitamento “da situação organizacional, da sua posição de superior hierárquico, para compelir a A. a retomar a vida em comum, colocando em paralelo a subsistência da relação laboral com a recuperação do relacionamento amoroso”. VI. É evidente que com tal conduta de tentativa de coacção da A. a retomar a vida amorosa com o R. DD em troca da manutenção do seu posto de trabalho, perpetrou também o R. DD intolerável e típico assédio sexual por chantagem. VII. E errou também o Tribunal a quo ao qualificar de grau médio a ilicitude de tais condutas do R. DD e não de grau elevado, computando em 30 e não em 45 dias a indemnização por antiguidade devida à A.. VIII. Com efeito, ainda que apenas se considerem provados os factos constantes da decisão recorrida – o que não se concede, a ilicitude do R. haveria sempre de se qualificar de grau elevado. IX. Dando por provados os factos atrás referidos como integrantes da conduta assediante do R. DD em relação à A., a ilicitude da conduta do R. DD assume muito maior gravidade e haverá de ser qualificada, naturalmente, não apenas de grau médio mas de elevadíssimo grau, o que terá por efeito considerar, na atribuição da indemnização por antiguidade devida à A., não apenas 30 dias por cada ano ao serviço da Farmácia, mas sim 45 dias conforme peticionado. X. E errou ainda também na parte em que não condenou solidariamente o R. DD no pagamento das referidas indemnizações à A., sendo óbvia a imputação dos factos ilícitos à conduta por si praticada. XI. Tendo a sentença reconhecido que a conduta assediante perpetrada pelo R. DD contra a A. foi motivo bastante para a invocação de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pela A., deveria ter concluído que resultam provados factos que permitem imputar ao R. pessoa singular, enquanto gerente da sociedade demandada, responsabilidade pelo pagamento dos créditos, nos termos da lei. XII. Ao decidir nos termos em que o faz, a Sentença recorrida violou os artigos 28.º, 29.º, 268.º, n.º 2, 335.º, n.º 2 e 396.º, n.ºs 1 e 3 do Código do Trabalho bem como o disposto nos artigos 542.º e 543.º do Código do Processo Civil e 79.º do Código das Sociedades Comerciais. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas.Doutamente suprirão, Deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência: a) ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo nos termos supra peticionados; b) revogar a sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que julgue a presente acção procedente e em consequência condene solidariamente os RR. a pagar à A.: (i) uma indemnização de antiguidade no valor de 21.380,00 € acrescida de juros legais e não, conforme decidido na sentença recorrida, de apenas 11.519,44 €; (ii) todos os créditos laborais que a A. deveria ter normalmente recebido, computados na douda sentença recorrida em 3.527,87 € acrescido de juros legais; (iii) uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de pelo menos 48.000,00 €; (iv) as horas trabalhadas pela A. fora do seu horário normal de trabalho, no valor de 2.125,00 € acrescida de juros legais até ao seu efetivo e integral pagamento,o que tudo perfaz a quantia de 75.032,87 €, e ainda (v) que condene ambos os RR. como litigantes de má fé em multa e indemnização à A. em montante não inferior a 7.500,00 euros e no ressarcimento das despesas por esta suportadas com o presente pleito, nomeadamente honorários de Advogado, pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA». * Os Réus responderam ao recurso da Autora, a pugnar pela sua improcedência.* Os recursos foram admitidos na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, efeito suspensivo o interpostos pela 1.ª Ré – face à caução por ela prestada – e efeito meramente devolutivo o interposto pela Autora.Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos em 22-05-2015, presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta neles emitiu douto parecer, no qual concluiu pela procedência do recurso da Ré quanto à inexistência de justa causa para a resolução do contrato e improcedente quanto às restantes questões, por não se verificar a caducidade do direito da Autora; e quanto ao recurso interposto pela Autora opinou pela sua improcedência. Ao referido parecer responderam os Réus, a reafirmar a verificação da caducidade do direito de resolução do contrato. * Entretanto, face à cessação de funções neste tribunal do anterior relator, procedeu-se à redistribuição dos autos, tendo os mesmo sido distribuídos ao ora relator em 09-06-2017.* Preparando a deliberação, foi remetido projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos.Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. * II. Objecto do recursoSabido como é que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal várias questões, a saber: 1. Do recurso da Ré: (i) se se verifica a caducidade do direito da Autora a resolver o contrato de trabalho; (ii) se a resolução do contrato de trabalho é desprovida de justa causa. 2. Do recurso da Autora: (i) se existe fundamento para alterar a matéria de facto; (ii) se a indemnização por resolução do contrato de trabalho deve ser fixada no máximo legal (45 dias); (iii) se deve haver lugar ao pagamento por danos não patrimoniais, bem como por trabalho suplementar; (iv) se o 2.º Réu deve ser condenado solidariamente; (v) se devem os Réus ser condenados por litigância de má fé. * III. Factos A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: 1) A R. é uma sociedade por quotas que detém a exploração do estabelecimento de farmácia denominado Farmácia …, situado na morada da sede da R., …, tendo sido sócio único e gerente até 07/05/2014 o R. DD. 2) A A. foi admitida ao serviço da Farmácia …, anteriormente directamente explorada pelo actual sócio único da R., DD, empresário em nome individual, com a categoria profissional de Ajudante Técnica de Farmácia em 1 de Julho de 2002. 3) Na sua constituição, a sociedade ora R. integrou o acervo de direito e obrigações que pertenciam ao estabelecimento Farmácia …, integrando este activo no seu património, sendo actualmente esta sociedade que o explora. 4) A Farmácia …, quer ao tempo em que era directamente explorada pelo 2.º R., quer no momento actual em que é explorada pela sociedade 1.ª R., foi gerida e administrada exclusivamente por DD, ora 2.º R., até 07/05/2014. 5) O horário normal de trabalho da A. na Farmácia … era de 40 horas semanais. 6) Até ao mês de Outubro de 2012, a A. auferia a remuneração mensal bruta de € 1.100, 14 vezes por ano, acrescida do valor de € 260 designado como subsídio de transporte e de subsídio de almoço no valor de € 6,40, por dia de trabalho. 7) A A. executava a sua prestação de trabalho no estabelecimento “Farmácia …” sito na …. 8) Por carta datada de 20 de Dezembro de 2012, recebida em 21 de Dezembro de 2012, a A. comunicou ao R., na qualidade de proprietário do estabelecimento “Farmácia …” a resolução do seu contrato de trabalho com invocação de justa causa, conforme documento cuja cópia consta de fls. 25 a 28 e se dá por integralmente reproduzido. 9) A A. nasceu em …, é divorciada e tem dois filhos…. 10) A A. e o 2.º R. mantiveram uma relação amorosa desde 2002 até 2010. 11) O 2.º R. sempre considerou o trabalho da A. de muito bom nível e concordou, após o termo dessa relação amorosa, que a A. poderia continuar a prestar o seu trabalho na Farmácia…. 12) Ciente de que tinha esclarecido tudo com o 2.º R., a A. ia mantendo com este uma relação de proximidade, até de amizade, para além da relação laboral que continuaram a manter, dado que as mensagens que recebia do 2.º R., naquela altura, em 2010, não demonstravam desrespeito nem configuravam qualquer ameaça à situação laboral da A.. 13) A. e R. DD trocaram entre si as mensagens de correio electrónico cujas cópias constam de fls. 47 a 52, 57 a 69 nas datas nelas apostas e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 14) O 2.º R., em Novembro de 2012, propôs à A. a celebração de um acordo de revogação de contrato de trabalho, nos termos que constam do documento junto a fls. 73 a 78, cujo teor se dá por reproduzido. 15) A A. respondeu a essa proposta, sugerindo as alterações e expressando as dúvidas descritas no documento junto a fls. 82 e 83, cujo teor se dá por reproduzido. 16) A A. não obteve resposta a essa comunicação. 17) A partir de Novembro de 2012, a R. deixou de pagar à A. subsídio de transporte. 18) A A. reside e residia desde o início da sua prestação laboral aos RR. na …. 19) A A. foi assistida no Hospital de ..., em 10 e 11/10/2012, apresentando queixas de erupções cutâneas e prurido disperso por todo o corpo, tendo sido diagnosticada urticária alérgica no dia 10/10/2012, e apresentando queixas de odinofagia e sensação de espasmos a nível do esófago, referindo ter sido picada por uma alforreca, tendo sido diagnosticada alergia não especificada no dia 11/10/2012. 20) A A. recorreu a consulta por parte da Sra. Dra. …, médica alergologista, nos dias 12/10, 07/11 e 21/11/2012, tendo realizado testes cutâneos. 21) A A. foi assistida pelo Sr. Dr. …no Centro de Saúde de …nos dias 15/10, 19/11 e 11/12/2012. 22) A pedido da A., o Sr. Dr. … emitiu, em 04/12/2013, o relatório médico cuja cópia consta de fls. 84, que se dá por reproduzido. 23) Por carta datada de 27 de Dezembro de 2012, que a A. recebeu, a R., representada pelo R. DD, comunicou à A. a não aceitação da justa causa invocada para a cessação do contrato de trabalho, o não pagamento de indemnização e o processamento dos créditos vencidos com dedução do período de aviso prévio de 60 dias que entendeu em falta, conforme documento junto a fls. 126 cujo teor se dá por reproduzido. 24) A A. e o R. DD trocaram entre si as mensagens no Facebook cujas cópias constam de fls. 181 a 192 nas datas nelas apostas e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 25) A A. e o R. DD trocaram entre si as mensagens no Facebook cujas cópias constam de fls. 249 e 250 nas datas nelas apostas e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 26) O R. DD enviou a EE, ex-marido da A., a mensagem cuja cópia consta de fls. 44 a 46, que se dá por integralmente reproduzida, em 25/01/2013. 27) FF, irmão da A., por carta remetida em 26/03/2013, enviou ao R. DD a mensagem cuja cópia consta de fls. 47, que se dá por integralmente reproduzida. 28) A A. continuou a exercer as funções de tratamento de receituário até à data da cessação do contrato de trabalho. 29) Até à cessação do contrato de trabalho, era a A. quem procedia ao agendamento das folgas e férias de todos os funcionários. 30) A A. gozou folgas à segunda-feira, designadamente, nos dias 10, 17 e 24 de Setembro, 1, 8, 15, 22 e 29 de Outubro, 5, 12 e 26 de Novembro, 3, 10 e 17 de Dezembro de 2012. 31) A A., em 13 de Março de 2012, começou a colaborar profissionalmente com a GG como agente, comercializando o produto desta empresa, tendo celebrado com esta um contrato denominado de agência. 32) Em 01/01/2013, por aditamento a esse contrato, a A. assumiu as funções de líder de equipa, tendo participado em formação para o efeito em 06 e 07/02/2013. 33) Em 26/09/2012, foi apresentada declaração para registo de propriedade (compra e venda verbal) do veículo de matrícula …, da marca Mitsubishi, sendo sujeito activo BB e sujeito passivo DD. 34) A 1.ª R. ministrou à A. as horas de formação certificada descriminadas nos documentos de fls. 371 a 386, cujo teor se dá por reproduzido, nas datas neles apostas. 35) A A. frequentou as sessões de formação (não certificada) descriminadas nos documentos de fls. 390 a 406, cujo teor se dá por reproduzido, nas datas neles apostas. 36) A 1.ª R. descontou à A. o montante de € 2.200, a título de inobservância do prazo de 60 dias de aviso prévio de denúncia do contrato de trabalho. Estes os factos provados na 1.ª instância. Em relação a alguns deles, maxime tendo em vista a apreciação da existência ou não de justa causa de resolução do contrato de trabalho, remete-se apenas para diversos documentos, que mais não são que meios de prova. Ora, não obstante se reconhecer a dificuldade de consignar expressamente na matéria de facto tudo o que consta de tais documentos, importa contudo deixar assinalado o que de mais relevante, para os fins em causa, consta desses documentos. Por isso, em relação a cada um dos factos que remete para documentos e que, como se disse, podem assumir relevância para a referida questão, passa a acrescentar-se, muito em súmula, o que consta dos documentos. Assim, acrescenta-se à matéria de facto os seguintes números e respectivo teor: (…) * IV. FundamentaçãoDelimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é agora o momento de analisar e decidir, de per si, cada uma delas, tendo em conta a precedência lógica que apresentam. 1. Da caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho (recurso da 1.ª Ré) No entendimento da Ré/recorrente, o único acto de suposto assédio moral identificado na sentença recorrida ocorreu no dia 06-11-2012 e tendo a Autora comunicado a resolução do contrato em 20-12-2012 fê-lo para além dos 30 dias previstos no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, pelo que se verifica a caducidade do direito de resolução do contrato. Vejamos. É incontroverso que, face ao estipulado no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos. A caducidade é uma excepção peremptória que, como decorre do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, importa a absolvição do pedido e consiste na invocação de factos que impedem ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor. E nos termos do n.º 1 do artigo 333.º, do Código Civil, a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes; mas se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º, do mesmo compêndio legal. Estatui este preceito: «O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público». Assim, da existência de um prazo legal, subtraído à vontade das partes, para o exercício de um direito não resulta, sem mais, a natureza oficiosa do seu conhecimento: tal só ocorre se o prazo for estabelecido em matéria excluída da disponibilidade das partes (esta reportada ao exercício do direito e não ao prazo legal estabelecido). Como escreve Vaz Serra (Prescrição Extintiva e Caducidade, 1961, pág. 582), a caducidade não é sempre estabelecida no interesse público, de modo a não poderem as partes dispor do direito a que ele se refere; pode ser estabelecida no interesse privado, em matéria sujeita à disponibilidade das partes e, então, deve o conhecimento judicial dela depender de alegação do interessado. Ensina o referido Autor (pág. 583), que o motivo de interesse público que justifica a oponibilidade oficiosa de caducidade funda-se na indisponibilidade do direito sujeito à caducidade. Ora, no caso não se descortina qualquer fundamento para sustentar que a caducidade tenha sido estabelecida no interesse público; ao invés, entende-se que se encontra sujeita à disponibilidade das partes e, por consequência, o Como escreve Joana Vasconcelos em anotação ao artigo 335.º do Código do Trabalho (in Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e outros, 2013, 9.ª edição, Almedina, pág. 718), «[a] responsabilidade dos sócios controladores da sociedade-empregadora e dos seus gerentes, administradores ou directores a que se referem os nºs 1 e 2 do presente preceito é responsabilidade civil extracontratual, fundada numa atuação ilícita e culposa do sujeito que se pretende demandar e num dano por aquela causada ao trabalhador – e não mera responsabilidade patrimonial ou de garantia (…). A efetivação desta responsabilidade depende, num e noutro caso, da alegação e prova, pelo trabalhador, dos seus pressupostos (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade), nos termos gerais». E como a própria recorrente reconhece, nos articulados, maxime na contestação, não suscitou a questão da caducidade do direito de resolução do contrato. Como é sabido, os recursos destinam-se, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, a apreciar as questões que tenham sido submetidas à apreciação do tribunal a quo e não a criar decisões sobre questões novas, entendendo-se estas como aquelas que, colocadas ao tribunal de recurso, não tenham merecido pronúncia por parte do tribunal a quo, sendo indiferente que essa omissão provenha de insuficiência alegatória da parte, nos seus articulados, ou do mero silêncio do tribunal a quo, desde que, nesta última situação, não tenha sido tempestivamente arguido o vício de omissão de pronúncia [cfr. artigos 627.º, n.º 1, 631.º e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2006 (Recurso n.º 3919/05) e de 22-04-2009 (Recurso n.º 2595/08), de 07-05-2009 (Recurso n.º 3441/08) e de 11-05-2011 (Recurso n.º 786/08.4TTVNG.P1.S1) todos da 4.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt]. Por isso, não tendo a recorrente suscitado a questão em causa nos articulados, não pode este tribunal dela conhecer, por se tratar de uma questão nova. É certo que, conforme a própria recorrente refere na resposta ao douto parecer do Ministério Público junto desta Relação, a caducidade é aferida mediante a confrontação entre a data da resolução e as datas dos factos provados nos quis se fundou a resolução. Porém, tal não dispensava a Ré de, face aos factos alegados na petição e ao estatuído nos artigos 573.º e 574.º do Código de Processo Civil, na contestação e perante esses factos alegar as excepções que tivesse por convenientes: contudo, na contestação os Réus “limitaram-se” a, no essencial, impugnar os factos alegados pela Autora, guardando absoluto silêncio quanto à caducidade do direito de resolução em relação a esses factos, ou a alguns desses factos; e, face ao afirmado, não se pode considerar a existência de qualquer superveniência que permita a invocação da excepção só em sede de recurso e, assim, que este tribunal conheça da mesma. Com efeito, note-se, não estão em causa quaisquer factos que fundamentaram a resolução do contrato supervenientes à contestação, ou de que a Ré só posteriormente à mesma tomou conhecimento. Improcedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. 2. Da Impugnação da matéria de facto (recurso da Autora) 2.1. Sobre esta matéria alega a Autora, em síntese, que o tribunal a quo devia ter dado como provado que: - a retirada do subsídio de transporte e a apresentação da proposta de acordo de rescisão foram praticados pelo Réu “com intenção assediante”; - a ameaça do 2.º Réu de retirar à Autora as folgas de 2.ª feira, de instauração de processos disciplinares injustificados e de a rebaixar para outras tarefas tinham “intenção assediante”; - que a Autora “sofreu danos não patrimoniais decorrentes directamente da conduta assediante perpetrada pelo R.”; - que a Autora executou, pelo menos, 250 horas de trabalho suplementar ao longo dos seus dez anos de serviço. Deve, antes de mais, deixar-se referido quanto à impugnação da matéria de facto que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. E nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, quando os meios probatórios tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. O tribunal superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (e quanto ao segmento indicado, se for o caso) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e, daí, pela alteração ou não da factualidade apurada (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Para além da indicação dos factos concretos que impugna, e da resposta que, no seu entender, deve ser dado aos mesmos, o recorrente deve também indicar, em relação a cada um desses pontos/factos quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente, e quando esses meios de prova tenham sido gravados o recorrente terá de indicar ainda quais os depoimentos em que fundamenta a sua impugnação, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda. Sobre esta problemática, cabe referir que entendemos – na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quer no âmbito do anterior Código de Processo Civil quer no âmbito do actual [vide, entre outros, os acórdãos de 08-03-2006 (Proc. n.º 3823/05), de 13-07-2006 (Proc. n.º 1079/06), de 01-03-2007 (Proc. n.º 3405/06), 23-02-2010 (Proc. n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1) e, mais recentemente, os acórdãos de 19 de Fevereiro de 2015, (Proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1), de 04 de Março de 2015, (Proc. n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2), de 01-10-2015 (Proc. n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1), de 14-01-2016 (Proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1), de 11/2/2016, (Proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1 e de 03-11-2016 (Proc. n.º 342/14.8TTLSB.S1), disponíveis em www.dgsi.pt] – que impondo seja o artigo 685.º-B, do anterior Código de Processo Civil, seja o artigo 640.º, do actual Código de Processo Civil, um especial ónus de alegação quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, já não exigem os referidos normativos legais que o recorrente leve às conclusões a indicação dos concretos meios probatórios em que se baseia a sua discordância relativamente à decisão de primeira instância. Quanto à concreta indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância, admite-se que a mesma possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação, sendo a indicação nas conclusões dos pontos de facto que se pretendem ver julgados de modo diferente imprescindível para que estas cumpram a sua função de sinalizar e delimitar o objecto do recurso e, consequentemente, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem no que diz respeito à decisão de facto. Como se observou no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, «enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória». Em face do que se deixa referido, não acompanhamos o entendimento do Ministério Público junto deste tribunal quando sustenta que o recurso deve ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por a recorrente não indicar nas conclusões os concretos meios probatórios em que funda essa impugnação: como se disse, é suficiente que essa impugnação conste das alegações, o que no caso se verifica. Para além disso, sempre se poderá considerar que a recorrente indicou esses meios probatórios nas conclusões, na medida em que nas mesmas refere o depoimento de determinadas testemunhas (questão diferente consiste em saber se tais depoimentos são suficientes para imporem diferente resposta à matéria de facto). Porém, a problemática da impugnação da matéria de facto poderá colocar-se em termos de saber se, efectivamente, a Autora impugna factos ou meras conclusões. Não se olvida que a questão da “intenção”, importando a prova de um elemento do foro íntimo do agente, deverá ser alcançada através de elementos exteriores; ou seja, em determinadas circunstâncias, não se alcançando a prova directa dos factos, eles podem ser inferidos dos factos objectivos conhecidos e dados como provados, vistos à luz da normalidade das coisas e mediante raciocínio lógico e indutivo, assim se atingindo um juízo de verosimilhança ou verdade dos primeiros. O fundamento da credibilidade e da suficiência da prova indirecta está dependente da prudente convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios, de acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a afirmação da verificação do facto (cfr. o artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil). Ou seja, a questão da “intenção”, embora tratando-se de um elemento íntimo do 2.º Réu, é um facto que poderá extrair-se através de prova indirecta: como ensinam Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 407), «[d]entro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes) cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem (…), mas também eventos do foro interno, da vida psíquica ou emocional do indivíduo (v.g. a vontade real do declarante: art. 236°,2, do cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratário (…); as dores fisicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria: art. 496°, 1, do Cód. cit.)»; ou, como escrevia Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 194), podem ser objecto de prova tantos os factos do mundo exterior (factos externos), como os da vida psíquica (factos internos), tanto ao factos reais, como os factos hipotéticos, tanto os factos “nus e crus”, como os juízos de facto. A questão, porém, que se coloca não é exactamente essa, mas sim apurar a “intenção” dos Réus em relação a determinados elementos meramente conclusivos/jurídicos: tenha-se presente que o que está em causa na acção, rectius, o thema decidendumda acção resume-se, ao fim e ao resto e no essencial, em saber se houve assédio dos Réus em relação à Autora. Ora, pretendendo a Autora que seja dado como provado que determinados factos foram praticados pelos Réus com “intenção assediante”, está-se pela via da resposta à matéria de facto a resolver a(uma) questão de direito. Por isso, não poderá a resposta a dar por este tribunal em relação à “intenção” ser nos termos pretendidos pela Autora/recorrente: o que se deverá apurar e responder é, no limite, que os comportamentos em causa visaram afectar a dignidade profissional da Autora e a sua relação laboral com a Ré, de forma a conduzir à cessação do contrato de trabalho. Também em relação ao (alegado) trabalho suplementar a resposta à matéria de facto não pode ser nos termos pretendidos pela recorrente, por tal se apresentar conclusivo: importará é apurar se a Autora prestou trabalho fora do seu horário de trabalho e, ao menos, com conhecimento do Réu, que a isso não se opôs. Deixada esta advertência, analisemos a concreta matéria de facto impugnada. Para tanto procedemos à audição, integral, de todos os depoimentos invocados pelas partes no recurso, assim como à análise dos documentos juntos aos autos. (…) * 2.6. Assim, e em síntese, quanto à matéria de facto:Acrescenta-se à matéria de facto o seguinte: «37. Com a retirada do denominado subsídio de transporte à Autora em Novembro de 2012 os Réus pretendiam reduzir os custos com pessoal na farmácia e contribuir, através dessa retirada, para a cessação da relação de trabalho entre a Ré e a Autora; 38. Ao apresentar inicialmente à Autora a proposta de revogação do contrato de trabalho pretendia o Réu fazer cessar o contrato de trabalho com a Autora por essa forma; 39. Em razão de diversos factores, entre os quais a ruptura da relação pessoal (“amorosa”) que manteve com o Réu e o comportamento deste, enquanto gerente da Ré, reflectido nos factos descritos nos n.ºs 13 a 17, 24, 25, 37 e 38, a Autora passou a andar triste, depressiva, sem sono, tendo tido necessidade de acompanhamento médico e sendo medicada com ansiolíticos e hipnóticos em SOS». * 2. Da resolução do contrato de trabalho (recurso da Ré)A 1.ª instância concluiu pela existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho. (…) * Importa, antes de mais, fazer uma breve referência em torno da noção de “assédio”.De acordo com o disposto no artigo 15.º do Código do Trabalho, o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral. E sob a epígrafe “Assédio”, prescreve o n.º 1 do artigo 29.º que se entende por assédio o «(…) comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador»; por sua vez, prescreve o n.º 2 do mesmo artigo que «[c]onstitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou efeito referido no número anterior». Com este preceito alargou-se o âmbito do assédio, pois enquanto no anterior Código (n.º 2 do artigo 24.º) se qualificava como tal todo o comportamento indesejado conexionado com um dos factores indicados no n.º 1 do artigo 23.º, no Código actual passou a abranger qualquer comportamento indesejado que crie situações humilhantes, vexatórias e atentatórias da dignidade do trabalhador. Como faz notar Guilherme Dray (in Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e Outros, 9.ª Edição, 2013, Almedina, págs. 185-186), o conceito de assédio passou a abranger «(…) não apenas as hipóteses em que se vislumbra na esfera jurídica do empregador o objectivo de afectar a dignidade do visado, mas também aquela em que, ainda que se não reconheça tal desiderato, ocorra o efeito a que se refere a parte final do n.º 2. (…) Conjugando este preceito com o artigo 15º, conclui-se que o assédio a que se refere o presente preceito abarca também, para além do assédio sexual, o assédio moral discriminatório, habitualmente denominado de mobbing – prática persecutória reiterada, contra o trabalhador, levada a efeito, em regra, pelos respetivos superiores hierárquicos ou pelo empregador, tendo por base um dos fatores de discriminação previsto no artigo 24º, a qual tem por objetivo ou como efeito afetar a dignidade do visado, levando-o eventualmente ao extremo de querer abandonar o emprego». Afirmou-se a este propósito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-03-2012 (Proc. n.º 429/09.TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) que o que importa apurar é, ao fim e ao resto, se há aspectos da conduta do empregador para com o trabalhador (através dos seus superiores hierárquicos) que sejam aptos a criar neste um desconforto e mal estar no trabalho que firam a respectiva dignidade profissional e integridade moral e psíquica; ou, no dizer do acórdão do mesmo tribunal, de 03-12-2014 (Proc. n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) «[o] assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador[], aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências». Ora, no caso em apreço entende-se que se verifica tal comportamento da Ré, através do seu gerente Réu, de desestabilizar a Autor e de a levar a abandonar o emprego. Com efeito, as mensagens trocadas, e a que se refere a matéria de facto, apontam decisivamente nesse sentido: o Réu insistentemente solicitava à Autora o reatar do “relacionamento amoroso”, com a “advertência” de que se tal não se verificasse era insustentável a manutenção da relação de trabalho. Constata-se até que nas mensagens em que o conteúdo se reportava apenas ao relacionamento pessoal – como as que se referem os factos n.ºs 24 a 25 – iniciavam-se e terminavam em absoluta cordialidade, sem qualquer constrangimento para a Autora; já nas outras, em que o Réu incluía como “condição” da manutenção da relação laboral o reatamento da “relação amorosa” sente-se o desconforto da Autora por, por um lado, não pretender nem desejar esse reatamento e, por outro, querer manter a relação laboral. Como se dá conta na decisão recorrida, não se afigura tarefa simples traçar uma linha de separação entre as afirmações do Réu para com a Autora que se inserem apenas no relacionamento pessoal/afectivo de 8 anos, que aquele pretendia reatar, e as afirmações que se inserem na relação laboral que perdurou para além do termo daquela, únicas que relevam no âmbito da presente acção. Haverá que ter presente que por força da relação pessoal e laboral, a Autora e o Réu partilharam juntos muitos momentos de 2002 a 2010; mas a partir daqui, perdurando apenas a relação laboral (numa empresa de diminuta dimensão, note-se) tiveram que continuar a lidar no seu dia-a-dia de trabalho, sem que, ao menos para uma das partes (o Réu), a questão da relação pessoal/íntima fosse um assunto definitivamente arrumado. Mas para além disso continuaram a trocar mensagens, essencialmente na sequência do relacionamento pessoal que tiveram, mas em que a partir de Setembro de 2012 aparecia também conexionado o relacionamento laboral (através das afirmações do Réu, no sentido de que não era possível manter a relação laboral se não houvesse reatamento da relação amorosa). É certamente por isso que a testemunha … acaba por afirmar no seu depoimento que a situação da Autora na farmácia (ou seja, a situação laboral da Autora) tem também uma componente pessoal e que, nestas circunstâncias, após uma ruptura pessoal é difícil manter uma relação laboral. Bem, mas tudo isto para concluir que, não obstante a dificuldade em cindir as mensagens do Réu que se inseriam no mero relacionamento pessoal das que se reportavam ao relacionamento laboral, não poderá deixar de se concluir que aquelas mensagens em que o Réu insistia junto da Autora pelo reatamento da relação pessoal, pois de outro modo não seria possível manter a relação laboral, não poderão deixar de constituir um constrangimento a esta que, no limite, pretenderiam levá-la a cessar essa relação de trabalho e, por consequência, não poderão deixar de constituir assédio moral. E o mesmo se diga quanto à retirada do denominado subsídio de transporte: no contexto em causa, e perante o avolumar das recusas da Autora no reatamento da relação (pessoal) com o Réu, este acaba por, permita-se-nos a expressão algo simplista, “esticar a corda”, retirando tal subsídio, sem apresentar justificação à Autora, assim procurando avolumar a insatisfação da Autora no trabalho e, quiçá, conduzir à cessação do contrato de trabalho. E o mesmo se verifica ainda em relação à proposta de revogação do contrato de trabalho: se era legítimo – não apresentando, por isso, qualquer censura do ponto de vista ético ou jurídico – que o Réu pretendendo a revogação do contrato de trabalho da Autora lhe fizesse uma proposta nesse sentido, já não se compreende que perante observações e pedidos de esclarecimento da Autora quanto à proposta que lhe foi apresentada, o Réu nada tenha respondido: afinal tudo indicia que o Réu deixou de ter interesse na revogação do contrato, mas de forma a afectar emocionalmente a Autora, e ao contrário do que os princípios da boa fé negocial imporiam, nada mais lhe disse a este respeito, porventura mantendo-a na dúvida sobre qual a sua efectiva intenção quanto à manutenção ou não da relação laboral. Ou seja, e dito de outro modo: embora a apresentação da proposta de revogação do contrato de trabalho nada tenha censurável sob o ponto de vista ético-jurídico, o mesmo já não se pode afirmar do comportamento posterior, em que pedindo a contraparte esclarecimentos a essa proposta, ou manifestando dúvidas sobre alguns dos pontos da mesma, o proponente nada responde ou manifesta quaisquer actos tendentes a dar seguimento à proposta que apresentou. Convenhamos que, à luz dos conhecimentos de um “homem médio”, todos estes comportamentos do empregador são susceptíveis de causar desgaste, de causar “mossa” a um trabalhador, no caso à Autora. Nesta sequência e face aos apontados comportamentos do Réu (mensagens referidas, retirada do subsídio de transporte e proposta de revogação do contrato sem qualquer seguimento), conclui-se pela verificação de situações tendentes a criar mau estar e desconforto da Autora no trabalho, levando-a a, no limite, a pôr termo à relação laboral, o mesmo é dizer que se verifica assédio moral do Réu para com a Autora. * Aqui chegados, cumpre então indagar se tal comportamento do Réu configura justa causa de resolução do contrato de trabalho com a Ré (tendo sempre presente que o Réu agia na qualidade de gerente da Ré).Decorre do disposto no artigo 394.º do Código do Trabalho de 2009 (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro) que ocorrendo justa causa pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato (n.º 1). No mesmo preceito procede-se à distinção entre a justa causa subjectiva, ou culposa (n.º 2) e a justa causa objectiva, ou não culposa (n.º 3), sendo que só quando a resolução se fundamenta em conduta culposa do empregador tem o trabalhador direito a uma indemnização. A justa causa é apreciada nos termos previstos no n.º 3 do artigo 351.º, do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, ou seja, tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Porém, como adverte Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pág. 1011) não poderão apreciar-se tais elementos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar: a dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador assim o impõem. Isto é, e dito de outro modo: na apreciação de justa causa de resolução pelo trabalhador o grau de exigência tem de ser menor que o utilizado na apreciação de justa causa de despedimento – uma vez que o trabalhador perante o incumprimento contratual do empregador não tem formas de reacção alternativas à resolução, enquanto este perante o incumprimento contratual do trabalhador pode optar pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral, em detrimento da sanção mais gravosa de despedimento. De acordo com o que se encontra estatuído no referido artigo 394.º, exigem-se três requisitos para que se verifique uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato com justa causa: (i) um requisito objectivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador; (ii) um requisito subjectivo, consistente na atribuição desse comportamento ao empregador; (iii) um requisito causal, no sentido de que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral. No caso que nos ocupa, face à análise anteriormente efectuada temos por adquirido que se verificam os dois primeiros requisitos da justa causa de resolução, não olvidando que um dos fundamentos da justa causa de resolução do contrato consiste na ofenda à integridade moral ou dignidade do trabalhador, praticada pelo empregador ou seu representante (n.º 2, alínea f) do artigo 394.º do CT) e que o Réu, como se afirmou, praticou tais factos. E o mesmo se há-de concluir quanto ao 3.º requisito, ou seja, o comportamento, pela gravidade e consequências, tornou impossível a subsistência da relação de trabalho. Importa notar, também tendo em conta a alteração operada na matéria de facto, que esse comportamento do Réu perdurou desde Setembro de 2012 até pelo menos finais de Novembro de 2012 (com a retirada do denominado subsídio de transporte), tendo a Autora resolvido o contrato de trabalho por carta datada de 20-12-2012, recebida pelo Réu no dia seguinte (por isso, ainda que a suscitada questão da caducidade do direito de resolução não improcedesse pela fundamentação constante supra, sempre a mesma teria de improceder porquanto estão em causa factos continuados e a acção foi proposta no prazo de 30 dias sobre o último deles). No concreto contexto em causa, com a insistência do Réu junto da Autora no sentido do reatamento da relação pessoal, sob pena da impossibilidade de manutenção da relação laboral, tornava-se desgastante, e até humilhante para a Autora, continuar a suportar tais insistências, levando-a a sentir-se indesejada no trabalho, desconfortável e, por esse motivo, conduziu a que pusesse termo à relação laboral. No circunstancialismo descrito, e apartando da questão do eventual reatamento ou não da relação amorosa, estava em causa a dignidade da autora enquanto trabalhadora, que o Réu com os seus comportamentos pôs em causa. Concluímos, por isso, tal como concluiu a 1.ª instância, pela verificação da justa causa de resolução do contrato de trabalho. Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. * 3. Do quanto indemnizatório (recurso da Autora)A 1.ª instância, considerando o grau de ilicitude mediano do empregador, fixou a indemnização em 30 dias por cada ano completo de antiguidade ou fracção. A Autora discorda de tal fixação, sustentado que a mesma deve ser fixada no máximo, ou seja, em 45 dias por cada ano de antiguidade ou fracção, já que a ilicitude do comportamento do Réu é elevado. Adiante-se desde já que, embora parecendo algo contraditório com o que se deixou afirmado quanto ao assédio moral por parte do Réu, se entende adequada a indemnização fixada na 1.ª instância. E isto tendo em conta, sempre – como, de resto, não pode deixar de ser – o concreto circunstancialismo, com alguma “confusão” nas comunicações que ocorreram entre a Autora e o Réu sobre o que deveria situar-se no âmbito pessoal (de relacionamento) e o que se situava no âmbito laboral, em que a relação pessoal “contaminava” a relação laboral. Explicitemos. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 396.º do Código do Trabalho, em caso de resolução do contrato com fundamento em justa causa, por comportamento culposo do empregador, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, «(…) atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades». No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente (n.º 2 do artigo). O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria do critério referido sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado (n.º 3 do mesmo artigo). O critério geral da indemnização em caso de resolução com justa causa do contrato pelo trabalhador parte, pois, da fixação de uma retribuição entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção, atendendo-se na determinação concreta daquela ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador. Trata-se de um critério em tudo semelhante ao previsto para as situações de despedimento ilícito e em que a pedido do trabalhador é fixada indemnização em substituição da reintegração (cfr. artigo 391.º). A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado [por todos, vejam-se os acórdãos de 06-02-2008 (Recurso n.º 2621/07) e de 26-03-2008 (Recurso n.º 50/07), disponíveis em www.dgsi.pt] que nesta última situação, a indemnização, para além de um cariz reparador ou ressarcitório, associado à ideia geral de obtenção pelo trabalhador de uma compensação pela perda do emprego, que o acautele e prepare para o relançamento futuro da sua actividade profissional, assume uma natureza sancionatória ou “penalizadora” da actuação ilícita do empregador; o juízo de graduação da indemnização de antiguidade há-de ser global, ponderando em concreto os critérios referidos na lei e considerando, essencialmente, o grau de ilicitude do despedimento, particularmente influenciada pelo nível de censurabilidade da actuação do empregador, na preparação, motivação ou formalização da decisão de despedimento. A fixação de uma indemnização de antiguidade próxima do limite máximo previsto deve ficar reservada para situações de grosseira violação/omissão procedimental e, bem assim, para aquelas em que a sanção deva considerar-se ostensivamente violadora de princípios fundamentais e estruturantes, maxime, o da igualdade [cfr. neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2010 (Recurso n.º 467/06.3TTCBR.C1.S1) e de 16-12-2010 (Recurso n.º 314/08.1TTVFX.L1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt] ou, noutra perspectiva, no entendimento do mesmo tribunal, na fixação do valor referência da indemnização de antiguidade relevam, por um lado, o valor da retribuição e, por outro lado, o grau de ilicitude: quanto menor for a retribuição, mais elevada deve ser a indemnização; e mais elevada deve ser indemnização quanto maior for a ilicitude (acórdão de 24-02-2011, Recurso n.º 2867/04.4TTLSB.S1, também disponível em www.dgsi.pt). Isto é, e em suma: na aplicação do quantum indemnizatório aos casos de despedimento ilícito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem partido do entendimento que só se justifica uma indemnização próximo dos limite máximo de 45 dias nas situações de ostensiva violação dos direitos do trabalhador, o que significa que quanto maior for a ilicitude maior deve ser a indemnização, assim como quanto mais baixa for a retribuição mais elevada deve ser a indemnização, Também neste mesmo sentido parece pronunciar-se a doutrina. Assim, Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, págs. 570-571) “admite” que «(…) a lei pretenda sugerir tanto maior aproximação do limite superior quanto mais baixo for o salário, visando garantir um valor absoluto compensador. Relativamente ao grau de ilicitude, o art. 439.º/1 referencia o art. 429.º, onde, na verdade, se encontram listadas, mas não hierarquizadas nem graduadas, as causas de ilicitude do despedimento. Pode supor-se – numa perspectiva inteiramente apriorística – que deva considerar-se “mais baixo” o grau de ilicitude do despedimento com vício processual do que o de despedimento por motivos políticos, e que seja razoável colocar em posição intermédia a improcedência de motivos ou a inexistência de justa causa». Bernardo Lobo Xavier assinala a este propósito (Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 807) que, «[p]ara além do grau de ilicitude – o que parece adequado -, a referência à retribuição como graduando o cálculo da indemnização é equívoca, pois pode funcionar para beneficiar ou não o despedido. É de pensar que os tribunais tenderão a aumentar o número de dias como factor de cálculo quando a retribuição for baixa e a reduzir esse número quando a retribuição for alta. A verdade é que o que pareceria interessar seria a compensação do dano da perda do emprego e esse tem de ser avaliado de acordo com os factores de empregabilidade e, porventura, aceitando outros factores relevantes, como por exemplo a proximidade da reforma». Regressando ao caso que nos ocupa, e tendo em conta os critérios de fixação da indemnização referidos, constata-se que: i) de acordo com a sentença recorrida, e que não vem posto em causa, a trabalhadora auferia a retribuição base de € 1.100,00 mensais, valor superior à média, e tinha de antiguidade pouco mais de 10 anos; ii) provaram-se alguns dos fundamentos da resolução do contrato, referentes ao assédio moral, mas muitos outros não se provaram, como sejam o assédio sexual, várias vezes o Réu “ameaçar” a Autora que a ia despedir, ter interferido nas folgas e na organização do trabalho; iii) todo o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos, em que não obstante os factos referidos que configuram assédio, ao longo desse período entre o Réu e a Autora continuaram a ser trocadas mensagens frequentes que, particularmente as que se centravam apenas na relação pessoal, denotam um ambiente de cordialidade e bom relacionamento entre ambos; iv) a própria Autora – como parece extrair-se da matéria de facto, maxime do seu n.º 15, e resultou com alguma evidência do seu depoimento –, a partir de determinada altura, perante a constatação da dificuldade, ou até impossibilidade, em conciliar a ruptura definitiva da relação amorosa com a manutenção da relação laboral, manifestava o desejo íntimo de terminar a relação de trabalho, embora de uma forma que pudesse salvaguardar os seus direitos; diremos que no concreto contexto em causa, tendo em conta o relacionamento amoroso de cerca de 8 anos que existiu entre a Autora e o Réu, o contacto quase diário que estes tinham que manter por virtude da relação laboral, numa empresa com apenas 5 trabalhadores, tornava muito difícil a manutenção desse contacto e, enfim, dessa relação de trabalho, mais parecendo que ambas as partes ansiavam pelo fim da mesma, embora, naturalmente, cada uma delas fazendo-a depender do que considerava ser a melhor oportunidade, tendo em vista a salvaguarda dos seus interesses. É neste contexto que se entende por adequada a fixação da indemnização no seu limite médio, ou seja, 30 dias de indemnização por cada ano de antiguidade ou fracção. Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações da Autora. * 4. Do pagamento de danos não patrimoniais e trabalho suplementar (recurso da Autora)Em relação ao trabalho suplementar, importa deixar assinalado, de forma muito sintética, que como facto constitutivo do direito ao pagamento de trabalho suplementar ao trabalhador/Autora competia alegar e provar os factos pertinentes donde se pudesse extrair a realização de tal trabalho (artigo 342.º,n.º 1, do Código Civil, e artigos 197.º, 226.º e 268.º, n.º 2, estes do Código do Trabalho); e são dois os factos constitutivos do direito a esse pagamento: (i) a prestação efectiva de trabalho suplementar (o que pressupõe a quantificação do aludido trabalho prestado fora do horário de trabalho); (ii) a determinação, prévia e expressa de tal trabalho por banda da entidade empregadora ou, pelo menos, a sua efectivação com o conhecimento (implícito ou tácito) e sem oposição dessa entidade. Ora, no caso, face à análise que já se deixou feita a propósito da impugnação da matéria de facto, a Autora não logrou provar a prestação de qualquer trabalho fora do seu horário normal de trabalho, pelo que terá que forçosamente soçobrar a sua pretensão nesta matéria. Resta, por isso, a indemnização por danos não patrimoniais. Para haver lugar à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais prevista no artigo 496.º do Código Civil, é necessário que se verifiquem os requisitos da obrigação de indemnizar, ou seja, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso, bem como a existência de um nexo causal entre aquele facto e o dano (cfr. artigo 483.º do Código Civil). No caso, verifica-se a ilicitude do comportamento da Réu, através do já abundantemente referido assédio, sendo tal comportamento culposo, na medida em que ao Réu era exigível outra conduta. E face ao facto aditado – «Em razão de diversos factores, entre os quais a ruptura da relação pessoal (“amorosa”) que manteve com o Réu e o comportamento deste, enquanto gerente da Ré, reflectido nos factos descritos nos n.ºs 13 a 17, 24, 25, 37 e 38, a Autora passou a andar triste, depressiva, sem sono, tendo tido necessidade de acompanhamento médico e sendo medicada com ansiolíticos e hipnóticos em SOS» –, verificam-se danos na Autora (depressão, tristeza, etc., com necessidade de tratamento médico) e nexo de causalidade entre a conduta do Réu e esses danos. Isto tendo em conta, como escreve Almeida Costa (Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, pág. 766), que a causalidade adequada «(…) não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta haja só por si determinado o dano. Podem ter colaborado na sua produção outros factores concomitantes ou posteriores». Ou seja, e dito de forma directa: embora os danos não tenham sido apenas provocados pela situação laboral que a Autora vivenciou, mas também por outros factores, entre os quais a ruptura da relação pessoal, não pode deixar de concluir-se que (também) em razão da descrita situação laboral a Autora sofreu danos. A questão que ora se coloca consiste em saber se esses danos assumem gravidade que justifiquem indemnização. Isto porquanto, como decorre do disposto no artigo 496.º, do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado, a gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, e não em função de factores subjectivos, donde que os vulgares incómodos, contrariedades, transtornos, indisposições, por não atingirem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização; isto é, não basta a verificação de um qualquer dano não patrimonial para justificar o pagamento de indemnização, impondo-se que o mesmo revista gravidade. “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”(Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, volume I, 4.ª edição, Almedina, página 532). Pois bem: no caso, os factos apreciados ocorreram num período de cerca de 3-4 meses (entre Setembro e Dezembro de 2012) e contribuíram para que a Autora se sentisse triste, depressiva, tendo tido necessidade de tratamento médico. Justifica-se, por isso, a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais. * Quanto ao montante da indemnização deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º, Código Civil, ou seja, a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem (n.º 3 do referido artigo 496.º, e artigos 494.º, n.º 1 e 570.º, todos do Código Civil).Isto é, no dizer de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 3.ª edição, pág. 501), o montante da indemnização “(...) deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”. Ou, como se afirmou no acórdão do STJ de 08-05-02 (Proc. n.º 366/02), «[n]ão sendo os danos não patrimoniais materialmente mensuráveis e visando a quantia a atribuir a esse título ao lesado, não propriamente indemnizá-lo mas, antes, compensá-lo com uma quantia em dinheiro, cuja aplicação em bens materiais ou morais possa de algum modo contribuir para minorar o seu sofrimento, a quantificação de dano dessa natureza tem de ser feita pelo recurso aos critérios de equidade, em que se terão em devida conta o grau de culpa do lesante a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias atendíveis como, por exemplo, a gravidade da lesão a desvalorização da moeda, os padrões normalmente utilizados em casos análogos etc.». Pode-se afirmar que a quantificação do dano deve ser feita pelo recurso a critérios de equidade, tendo em conta o grau de culpa do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias atendíveis como, por exemplo, a gravidade da lesão a desvalorização da moeda, os padrões normalmente utilizados em casos análogos, etc. (cfr. artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil). Ora, no caso atendendo-se à culpa da lesante, desconhecendo-se a situação económica desta assim como da lesada, e tendo em conta que os factos determinantes de indemnização não foram a causa exclusiva da situação depressiva da Autora, mas apenas houve contribuição dos mesmos para essa situação, tem-se por adequada a fixação da indemnização por tais danos em € 7.500,00. Procedem, por isso, mas apenas parcialmente, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. * 5. Da responsabilidade solidária do Réu (recurso da Autora)Alega a Autora que deve o Réu ser responsabilizado solidariamente por, ao fim e ao resto, nos termos do artigo 79.º do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes responderem também pelos danos que causarem no exercício das suas funções. Sob a epígrafe “Responsabilidade de sócio, gerente, administrador ou director”, dispõe o artigo 335.º do Código do Trabalho: «1 – O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, se encontre numa das situações previstas no artigo 83.º do Código das Sociedades Comerciais responde nos termos do artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º, 79.º e 83.º daquele diploma e pelo modo neles estabelecido. 2 – O gerente, administrador ou director responde nos termos previstos no artigo anterior desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais e pelo modo neles estabelecido». Assim, nos termos do referido tal normativo legal, conjugado com o artigo 334.º, do mesmo diploma, os gerentes e sócios das sociedades, administradores ou directores respondem solidariamente por montantes pecuniários resultantes de créditos emergentes de contrato individual de trabalho, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais. De acordo com o n.º 1 do artigo 78.º, os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos. Por sua vez, estabelece o n.º 1 do artigo 79.º, que os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções. No referido artigo 78.º está em causa a responsabilidade directa dos administradores ou gerentes quando a inobservância culposa das normas de protecção provoque uma insuficiência patrimonial. Manifestamente não é isso que foi alegado na acção, pelo que é de afastar a aplicação deste preceito. Interessa-nos então o n.º 1 do artigo 79.º, que prevê a responsabilidade do gerente por factos ilícitos, nos termos do já referido e analisado artigo 483.º do Código Civil. Como escreve Joana Vasconcelos em anotação ao artigo 335.º do Código do Trabalho (in Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez et alii, 2013, 9.ª edição, Almedina, pág. 718), «[a] responsabilidade dos sócios controladores da sociedade-empregadora e dos seus gerentes, administradores ou directores a que se referem os nºs 1 e 2 do presente preceito é responsabilidade civil extracontratual, fundada numa atuação ilícita e culposa do sujeito que se pretende demandar e num dano por aquela causada ao trabalhador – e não mera responsabilidade patrimonial ou de garantia (…). A efetivação desta responsabilidade depende, num e noutro caso, da alegação e prova, pelo trabalhador, dos seus pressupostos (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade), nos termos gerais». Está, pois, em causa a violação culposa (com dolo ou mera culpa), por parte do gerente ou administrador, por danos directamente causados a terceiros (aqui entendida a trabalhadora, Autora na acção). Pois bem, no caso em apreciação se é certo que a empregadora era a Ré, não o é menos que toda a conduta que determinou a prática dos danos – rectius, assédio –, e que visava, em última instância, a cessação do contrato de trabalho da Autora, foi praticada pelo Réu. E verificando-se, como já se analisou supra, os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, conforme o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, conjugado com o n.º 1 do artigo 79.º do Código das Sociedades Comerciais, haverá lugar à responsabilidade civil solidária do Réu gerente no pagamento da indemnização por resolução do contrato de trabalho e por danos não patrimoniais a pagar à Autora, pela Ré, empresa. Procedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso da Autora. * 6. Da litigância de má fé (recurso da Autora)Finalmente a Autora sustenta que devem os Réus ser condenados solidariamente a pagar-lhe, como litigantes de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 7.500,00 e ainda as despesas suportadas com o pleito, designadamente com honorários de advogado. Porém, lidas e relidas as alegações e conclusões de recurso não se extrai da referida peça processual que tenha sido invocado qualquer concreto fundamento para a pretendida condenação, o que seria, por si só, motivo para a improcedência de tal pedido. Sempre se acrescenta, contudo, que de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 542.º do Código de Processo Civil – à semelhança do que dispunha o n.º 1 do artigo 456.º do anterior Código de Processo Civil –, tendo litigado de má fé a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir. O n.º 2 dos mesmos preceitos caracterizam a má fé numa dupla vertente: (i) a má fé material ou substancial, que se reporta aos casos de dedução de pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece, à alteração consciente da verdade dos factos ou à omissão de factos cruciais; (ii) a má fé instrumental que respeita ao uso reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção da Justiça ou para impedir a descoberta da verdade. Quanto àquela vertente, estipula a alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar; e também litiga de má quem tiver alterado a verdade dos factos [alínea b) do mesmo número e artigo]. A propósito do referido n.º 2 do artigo 456.º do anterior Código de Processo Civil, escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que «[c]mo reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (…)». Extrai-se, pois, da lei, que são punidas como litigantes de má fé não só as condutas dolosas como também as gravemente negligentes. Como ensinava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1981, pág. 262), pode-se caracterizar a lide, em atenção à conduta do litigante, em: a) lide cautelosa, em que a parte assegurou de todos os meios para se assegurar que tinha razão; b) lide simplesmente imprudente, em que a parte cometeu imprudência, mas imprudência levíssima ou leve; c) lide temerária, em que a parte incorreu em culpa grave ou em erro grosseiro, foi para juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas que comprometiam a sua pretensão; d) lide dolosa, em que a parte praticou um acto que merece censura e condenação: sabia que não tinha razão e, apesar disso, litigou. Ora, a lei ao aludir a dolo ou negligência grave pretende reportar-se a estas duas últimas modalidades de lide. Como se observou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2014 (Proc. 1063/11.9TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), «(…) hoje (artigo 542.º do C.P.C. de 2013 que corresponde ao mencionado artigo 456.º do C.P.C./61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização». Em relação à má fé material e no que respeita à alteração da verdade dos factos ou à omissão de factos cruciais, entende-se que se deve proceder com alguma cautela no que respeita à condenação como litigante de má fé quando a prova dos factos que fundamentam a condenação foi (também) testemunhal; de outro modo, sempre que a parte perde, por não ter conseguido lograr a prova dos factos por si alegados, incorreria na condenação como litigante de má fé. Ou seja, a circunstância da parte não ter logrado provar factos que invocara com vista à defesa da tese jurídica por si sustentada, não permite, por si só, qualificar a sua conduta como de litigância de má fé: a sustentação de uma versão controvertida pode consubstanciar uma lide temerária ou ousada, mas não integra uma litigância de má, uma vez que tal não basta para presumir uma actuação dolosa ou com culpa grave. Além disso, a sustentação de uma posição jurídica desconforme com a correcta interpretação da lei, mas que não se pode considerar absolutamente inverosímil ou desrazoável não implica, por si só, a qualificação de litigância de má fé, por conduta dolosa ou temerária. Eis, pois, o motivo da inexistência de fundamento para a pretendida condenação por litigância de má fé. Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. * 5. Vencida no recurso que interpôs, deverá a Ré suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil). Em relação ao recurso da Autora, as custas deverão ser suportadas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento. * V. DecisãoFace ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em: 1. alterar a matéria de facto nos termos que constam supra, sob IV.2.6.; 2. julgar improcedente o recurso da Ré; 3. julgar parcialmente procedente o recurso da Autora e, em consequência: i. condena-se solidariamente o Réu DD no pagamento à Autora da importância de € 11.519,44 a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito da decisão até integral pagamento; ii. condenam-se os Réus, solidariamente, no pagamento à Autora da importância de € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito da decisão até integral pagamento; iii. quanto ao mais, mantém-se a decisão recorrida. Custas pela Ré em relação ao recurso por si interposto, e custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento, quanto ao recurso interposto pela Autora. * Évora, 14 de Setembro de 2017João Luís Nunes (relator) Mário Branco Coelho Paulo Amaral __________________________________________________ [1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Mário Coelho, (2) Paulo Amaral. |