Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR PROCESSO URGENTE PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO FÉRIAS JUDICIAIS MÁ FÉ | ||
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Data do Acordão: | 12/16/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL - PROCEDIMENTO CAUTELAR | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO | ||
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Sumário: | I - Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente. II - Os prazos processuais em curso, antes de decretada a providência, são contínuos e não se suspendem no período das férias judiciais. III - Litiga de má fé a parte que, para obter a dilação de 10 dias, no prazo de recurso, prevista no art.º 698º n.º 6 do CPC , invoca que a prova foi gravada, bem sabendo que o não foi. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 2108/03-3 Agravo Cível – 3ª secção Tribunal Judicial da Comarca de P de S. – Proc. 64/03 Recorente A. , casado com B., cabeça de casal da herança indivisa aberta por morte de M G P S L P, veio, por apenso aos autos de acção declarativa de condenação em que é A. o requerente e co-R, o requerido, intentar procedimento cautelar não especificado contra: Recorrido B...., casado com ....C. no regime de comunhão de adquiridos, residente em..., freguesia de ..., concelho de ..., pedindo que o requerido se abstenha do corte das árvores do prédio objecto da acção principal. Admitido o incidente, foi notificado o requerido para querendo deduzir oposição, o que veio a fazer. Os autos prosseguiram para julgamento e produzidas as provas foi proferida decisão julgando improcedente a providência requerida. Em 25/03/03, foi expedida notificação da decisão aos Exmºs mandatários das partes. Em 2/4/03 o requerente veio interpor recurso de agravo da referida decisão, o qual foi admitido em 9/4/0, por despacho de fls. 52, notificado ao recorrente por carta expedida em 10/4/03. Em 7/5/03 a Srª. Juíza, proferiu despacho de fls. 55, julgando deserto o recurso, por falta de alegações, sendo que no seu entender o prazo para a sua apresentação tinha terminado em 29/4/03. Pelas 17.30h do dia 8/5/03 o recorrente, via fax, veio apresentar as suas alegações e simultaneamente requerer a passagem de guias para pagamento de multa devida nos termos do art.º 145º n.º 5, por entender estar a praticar o acto dois dias após o termo do prazo. * Inconformado com o despacho de fls. 55, que julgou deserto o recurso o requerente veio agravar.A. sr.ª Juíza do processo sustentou o despacho recorrido, reiterando os fundamentos invocados e defendendo não ter sido cometido qualquer agravo. Nas suas alegações o recorrente formula as seguintes conclusões: a) O agravante, foi notificado do despacho de 10-04-03 no dia 14-04-03 nos termos do artigo 254°, n.° 2 do CPC, para apresentar as alegações de recurso referentes a sentença proferida do procedimento cautelar supra mencionado. b) Por se tratar de recurso de agravo, dispunha de um prazo de 15 dias para apresentar as correspondentes alegações, como consta do artigo 743°, n.º 1 do CPC. c) Considerou a Dr.' Juiz a quo, em despacho do dia 09-05-03, que as alegações deveriam ser entregues até ao dia 29-04-03, pelo que o recurso era dado como extemporâneo e deserto. d) O agravante tinha remetido ao Tribunal as suas alegações justamente no dia 09-05-03, data que este considera como o último dia para apresentação das referidas alegações sem qualquer multa. e) Recorreu por isso desse despacho que considerava as alegações como extemporâneas e consequentemente o recurso deserto, por entender que ao prazo de 15 dias referente à apresentação de alegações em recurso de agravo, acresce ainda um prazo de 10 dias nos termos do artigo 698, n.º 6 do CPC, porque as alegações de recurso baseiam-se e põem em causa a reapreciação da prova gravada. f) Desta forma o prazo para alegar tinha o seu “terminus” no dia 09-05-03, data em que o agravante remeteu as alegações por correio, fazendo prova disso através do registo carimbado nessa data (artigo 150°, n.º 1 CPC), dando entrada no tribunal no dia 12-05- -03. g) Para além desse prazo, que por si só confirma que o agravante apresentou as suas alegações em tempo, considera ainda este que, tendo em conta que é ele, como requerente de um procedimento cautelar que é feito no seu interesse, que interpõe recurso, que por isso mesmo deve aproveitar da suspensão dos prazos judiciais durante as férias judiciais. i) No mesmo sentido estão os Ac RL de 14-01-92, In www. Dgsi.pt, Ac RE de 08-03-84 In CJ T2 pág.289 ; Ac RE de 09-OS-85 In BMJ n.° 349 pág.570. * O requerido contra-alegou pedindo a manutenção da decisão recorrida.* Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1] , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [2] , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).Das conclusões do recurso resulta que o recurso assenta em dois fundamento: 1- Que ao prazo legal de 15 dias para interposição do recurso de agravo da decisão final deverá acrescer o prazo suplementar de 10 dias, nos termos do disposto nos art.ºs 743º n.º 1 e 698º n.º 6 do CPC, por ter havido gravação da prova e se pretender impugnar a decisão de facto e sendo assim a apresentação das alegações teria sido feita tempestivamente. 2- Que em todo o caso sempre as alegações teriam sido tempestivas porquanto os prazos processuais devem considerar-se suspensos nas férias judiciais já que o recorrente é requerente da providência. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.** Com interesse para a decisão da causa considera-se assente a seguinte factualidade: Em 21/3/03, foi proferida decisão final na presente providência cautelar, julgando-a improcedente. Em 25/03/03, foi expedida notificação dessa decisão aos Exmºs mandatários das partes. Em 2/4/03 o requerente veio interpor recurso de agravo da referida decisão, o qual foi admitido em 9/4/03, por despacho de fls. 52, notificado ao recorrente por carta expedida em 10/4/03. Em 7/5/03 (e não em 9/5/03, como se afirma nas conclusões de recurso – será mero engano ou conveniência na coincidência de datas com a apresentação efectiva das alegações de recurso?) a Srª. Juíza, proferiu despacho de fls. 55, julgando deserto o recurso, por falta de alegações, sendo que, no seu entender, o prazo para a sua apresentação tinha terminado em 29/4/03. Pelas 17.30h do dia 8/5/03 o recorrente, via fax, veio apresentar as suas alegações e simultaneamente requerer a passagem de guias para pagamento de multa devida nos termos do art.º 145º n.º 5, por entender estar a praticar o acto dois dias após o termo do prazo. Não houve gravação da prova. * Dispõe o n.º 1 do art.º 743 do CPC, que «dentro de 15 dias a contar da notificação do despacho que admita o recurso, apresentará o agravante a sua alegação, sem prejuízo do disposto no artigo 698.º, nº 6. ». Por sua vez o n.º 6, deste preceito estabelece que «se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores». Da conjugação destes preceitos resulta que quando o recurso, seja ele de apelação ou de agravo, tiver por objecto a reapreciação da prova gravada aos prazos legais para apresentação das alegações de recurso acresce um prazo suplementar de 10 dias. É aceitável esta opção do legislador em face das imposições legais relativas às alegações dos recursos que visem a reapreciação da prova gravada e da necessidade do recorrente ouvir os registos da prova e indicar «os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.» [3]** Da factualidade acima descrita consta que nos presentes autos não houve lugar a gravação da prova!... Sendo assim é obvio que o recorrente apenas dispunha do prazo normal de 15 dias para apresentar as alegações de recurso e não este prazo acrescido de mais 10 dias, como sustenta nas suas alegações e conclusões. Cai assim por terra o principal argumento do recorrente, que bem sabia não ter ocorrido qualquer gravação da prova!!! Temos pois que o prazo de apresentação das alegações é de 15 dias. Sustenta o recorrente, como argumento de segunda linha, que tal prazo se suspende durante as férias judiciais, invocando em seu apoio alguns arestos, sendo que dois deles são emanados deste Tribunal. Acontece que tais decisões foram proferidas no âmbito do regime anterior ao vigente, resultante da reforma do CPC de 1996 – DL n.º 180/96 de 25/9, que, ao contrário daquele, veio estabelecer inequivocamente que «os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, precedendo os respectivos actos qualquer outro serviço judicial não urgente», n.º 1 do art. 382º do CPC. Tal urgência visa contribuir para prevenir o “periculum in mora” que é pressuposto e justificação comum a todos os procedimentos cautelares. A natureza urgente conferida a tais processos tem reflexos na contagem dos prazos processuais. Com efeito, dispõe o n.º1 do art.º 144º do CPC que «o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes» (sublinhado nosso). Daqui decorre que os prazos processuais em curso, antes de decretada a providência [4] , não se suspendam no período das férias judiciais. (cfr. neste sentido Acs. do STJ de 28/9/99, proc. N.º 99A552; de 9/2/99, proc. N.º 0075811 e de 7/7/99, proc. 99B567, todos in www.dgsi.pt/jstj.nsf). No caso dos autos a providência ainda não tinha sido decretada. Assim o prazo para apresentação das alegações de recurso não se suspendeu durante as férias judiciais e consequentemente terminou na data indicada no despacho recorrido ou seja em 29/4/03. Tendo o recorrente apresentado tais alegações, via fax, apenas em 8/5/03, é óbvio que na data em que a Sr.ª Juíza proferiu o despacho recorrido julgando deserto o recurso, este se encontrava irremediavelmente deserto! Deste modo é manisfesto que o agravo não merece provimento. * Por se entender que havia razões para a condenação do recorrente como litigante de má fé, foi o mesmo notificado para exercer o seu direito de defesa, tendo vindo sustentar que não há motivos para tal condenação pois, embora reconheça agora que de facto não houve gravação, não teve consciência de estar a alegar um facto falso. Defende assim ter havido apenas “negligência inconsciente”.** Da Má fé do Recorrente * ** Ora como se viu supra, o principal argumento do recorrente com vista a fundamentar a sua pretensão de revogação do despacho recorrido, assenta na alegação dum facto falso, ter havido gravação da prova !! Era do conhecimento pessoal do recorrente e do seu mandatário (este esteve presente na audiência de julgamento) que não houve gravação da prova. Apesar disso não hesitou em fundar a sua pretensão na afirmação do contrário!! A Sr.ª Juíza no despacho de sustentação chama a atenção para tal facto! Este despacho foi notificado ao recorrente (vide fls. 114) e apesar disso não veio retratar-se e reduzir o âmbito do recurso, como seria previsível se se estivesse perante um simples erro ou confusão, como pretende o recorrente quando, ouvido sobre a eventualidade da condenação como litigante de má fé, vem defender ter havido negligência inconsciente [5] ! Ao contrario do que, sem rebuço, o recorrente continua a defender, resulta dos autos com evidente clareza que o mesmo alterou consciente e voluntariamente a verdade dos factos com o intuito de induzir em erro este Tribunal e assim entorpecer a acção da justiça e atingir um objectivo ilegal (ver admitido um recurso que sabia estar deserto..). Trata-se dum comportamento doloso consubstanciador de litigância de má fé (instrumental) sancionável nos termos do disposto no art.º 456º nº 1 e 2, al. b) e d) do CPC e que não pode de forma alguma deixar-se passar em claro! Por se entender que a responsabilidade deste comportamento é imputável em grande parte, senão mesmo exclusivamente, ao Ex.mº mandatário do recorrente [6] , determina-se a extracção de certidão do presente acórdão e a sua remessa, acompanhada dos elementos de identificação do Ex.mº causídico, ao Conselho Geral da O.A., nos termos e para os efeitos do art.º 459º do CPC.. * Concluindo acorda-se:1- Em negar provimento ao agravo e confirmar o despacho recorrido; 2- Em condenar o recorrente como litigante de má fé na multa de 30 ucs. 3- Em condenar o recorrente nas custas do processo. Registe e notifique. Évora em, 2003-12-16 ( Bernardo Domingos – Relator) (José Feteira – 1º Adjunto) ( Rui Machado e Moura – 2º Adjunto) ______________________________ [1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa -1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra - 2000, págs. 103 e segs. [2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. [3] Cfr. n.º 2 do art. 690-A do CPC. [4] Embora haja jurisprudência abundante sustentando que a natureza urgente e consequentemente a regra da continuidade dos prazos, se mantêm mesmo depois de decretadas as providências requeridas, entendemos que a justificação deste regime de excepção só tem fundamento para prevenir o “periculum in mora”. Ora este cessa com o decretamento da providência em primeira instância, já que nem a oposição nem o recurso suspendem a providência – excepto havendo prestação de caução. Daí que nos pareça que após o decretamento da providência já não tem justificação sustentar a não suspensão dos prazos durante as férias judiciais – afinal a procedência da oposição ou do recurso contra a medida decretada é sempre redutível a uma indemnização!!.... [5] Só quem desconheça o conceito de negligência pode defender que ela existe neste caso! E quanto à inconsciência que aqui eventualmente exista, não é a correspondente à falta de conhecimento e vontade esclarecida e consequentemente desculpabilizante, mas sim outra.(!)....de natureza diversa e culpabilizante... [6] Já que usou o expediente da invocação da gravação da prova, que sabia nunca ter ocorrido pois esteve presente na audiência de julgamento, (cfr. acta de audiência) para através disso encobrir ou tentar colmatar a sua eventual negligência na apresentação extemporânea das alegações de recurso e que determinaram a consequentemente deserção... |