Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO MANUEL RIBEIRO CARDOSO | ||
Descritores: | CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS REGIME DE EXCLUSIVIDADE OMISSÃO CONTRATUAL CUMPRIMENTO DO CONTRATO BOA-FÉ ABUSO DE DIREITO | ||
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Data do Acordão: | 05/05/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | COMARCA DE CORUCHE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | 1 - Apesar do contrato ser omisso quanto à obrigatoriedade da atribuição de qualquer volume de serviço mínimo à Autora, tal omissão não faculta à Ré o direito de lhe atribuir os serviços que entenda, a seu bel-prazer, quando, para mais esta, nos termos contratuais, estava obrigada prestar à Ré os serviços objecto do contrato, durante a vigência do mesmo, em regime de exclusividade. 2 – Apesar de não ter sido imposta à Ré qualquer contrapartida por esta exclusividade da A., tanto esta como aquela estavam obrigadas a cumprir o contrato, consistindo a prestação da R. na entrega à A. de transportes e distribuições. 3 - Embora não estando a Ré obrigada à atribuição de qualquer volume de serviço mínimo à Autora, nem à aludida exclusividade, estava obrigada, ao menos por via da boa-fé, a não substituir a A., ou seja, a não entregar a terceiro o serviço que, na ausência de quaisquer vicissitudes, seria normalmente entregue àquela. 4 - Considerando aquela obrigação de exclusividade da A., a Ré, ao passar a atribuir a uma terceira pessoa o serviço que, habitualmente, era atribuído à A., incumpriu o contrato, que deveria ser pontualmente cumprido (art. 406º do CC) e constituiu-se na obrigação de indemnizar a A. nos termos dos arts. 483º e segs. do CC e, designadamente, do art. 486º, reparando os danos resultantes dessa violação contratual. 5 - Mas mesmo que assim se não entendesse e se considerasse um direito ou faculdade da Ré, a atribuição a terceiro do serviço que deveria ser distribuído à A, sempre o seu exercício seria manifestamente abusivo, integrando, nos termos do art. 334º do CC, os requisitos do instituto do abuso de direito e, também por via disso, na obrigação de indemnizar a A. pelos danos resultantes, pois bem sabia que a A. estava contratualmente sujeita a exclusividade e que, ao assim proceder, deixou-a sem trabalho. | ||
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Decisão Texto Integral: | R…, LDA. instaurou acção declarativa de condenação na forma sumária contra T…, SA., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 8.487.03. acrescida de juros de mora até integral pagamento. Como fundamento alegou ter celebrado com a Ré um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual se obrigou a realizar o transporte, distribuição e entrega porta a porta de mercadorias e produtos pertencentes aos clientes da Ré. No pagamento dos serviços prestados nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, a Ré descontou as quantias de € 734,22, € 500,00 e € 3.557,94, respectivamente, a título de danos de transporte e artigos danificados. Embora nos termos contratuais os danos em causa tivessem que ser comprovados por meio de documento, tal não sucedeu e, nem sequer, interpelou a Autora para que accionasse o respectivo seguro. Em 7 de Janeiro de 2005 a Ré notificou a Autora, por meio de carta registada com aviso de recepção, de que a partir do dia 6 de Fevereiro de 2005 o contrato de prestação de serviços celebrado se encontrava resolvido, sendo certo que desde o início do ano não distribuiu à Autora qualquer tipo de serviço, atribuindo a terceiro aquele que antes era executado pela Autora. Assim, não tendo a Ré respeitado o prazo de trinta dias contratualmente fixado, deve ser condenada no pagamento da quantia de € 3.524,98, a título de indemnização por tal incumprimento, correspondente ao valor médio mensal dos montantes auferidos pela Autora nos meses de Outubro a Dezembro de 2004, para além da quantia de € 4.792,16 relativa aos descontos a que a Ré, indevidamente, procedeu. Citada, a Ré contestou alegando que as facturas datadas de 31 de Outubro de 2004 e 30 de Novembro de 2004, emitidas e apresentadas pela Autora, foram integralmente liquidadas pela Ré nas respectivas datas de vencimento e que a dedução efectuada por referência ao serviço prestado no mês de Dezembro de 2004, no montante de € 3.557,94 se ficou a dever à circunstância de determinadas mercadorias se terem danificado/extraviado, o que foi documentalmente comprovado junto da Autora. Acrescenta ainda a Ré que a cessação do contrato de prestação de serviço que havia celebrado com a Autora ficou a dever-se a uma quebra significativa do volume de entregas, tendo, em todo o caso, sido observada a antecedência contratualmente estipulada e que a Autora não invocou qualquer tipo de prejuízo que justificasse a atribuição da indemnização peticionada. Saneado o processo, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente e se absolveu a Ré do pedido. Inconformada com esta decisão, interpôs a A. o presente recurso de apelação. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Formulou a apelante, nas alegações de recurso, as seguintes conclusões: “a) - O contrato celebrado entre as partes é de prestação de serviços: b) - A Recorrente provou que nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro a ora Recorrente prestou serviços no valor de € 3.414,56, € 3.555,79 e € 3.604,59 e que a Recorrida não lhe pagou, respectivamente, as quantias de € 734,22, € 500,00 e € 3.557,94; c) - A Recorrida não comprovou as invocadas despesas de € 734,22, € 500,00 e € 3.557,94 referentes, respectivamente, aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro; d) - A Recorrente não tem de provar a inexistência das despesas invocadas pela Recorrida porque tais despesas consubstanciam factos negativos não constitutivos do seu direito de crédito; e) - A Sentença recorrida faz uma aplicação errada do art° 342° do C. Civil porque exige que a Recorrente prove a inexistência de factos constitutivos do direito da Recorrida e a inexistência de factos extintivos do seu direito de crédito; f) - Uma correcta aplicação do preceituado no art° 342° do C. Civil impõe a Recorrida o ónus da prova da existência das despesas por si invocadas, que são, por efeito do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, factos extintivos do direito da Recorrente; g) - Não se tendo provado a existência das despesas invocadas, terá que se concluir que houve uma violação do contrato de prestação de serviços pela Recorrida porque não pagou os valores em dívida integralmente à Recorrente, o que viola o preceituado no art° 762° n.º 1 e art° 763° n.º 1 do C. Civil; h) - O pagamento parcial das quantias em dívida constitui a Recorrida na obrigação de indemnizar a Recorrente nos termos do art° 804° e 806° do C. Civil; i) - Deverá assim a Recorrida ser condenada a pagar à Recorrente, por serviços prestados no mês de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, a quantia de € 4.792,16, juros vencidos e vincendos, nos precisos termos peticionados na petição inicial; j) - Mesmo que assim não se entenda, deverá a Recorrida ser condenada no pagamento do valor de € 1.658,03, acrescida de juros vencidos e vincendos, correspondente a despesa reclamada e que se provou ter dado entrada no seu armazém; k) - A Recorrida deixou de cumprir o contrato celebrado com a Recorrente no início de Janeiro de 2005, atribuindo definitivamente os seus serviços a um terceiro; I) - A carta de revogação enviada a 7 de Janeiro de 2005 pela Recorrida à Recorrente consubstancia uma fraude à lei, porque teve como único objectivo criar uma aparência de legalidade da revogação, quando, de facto, a revogação já tinha ocorrido: m) - A Recorrida actuou com dolo porque sabia que a Recorrente estava vinculada a cláusula de exclusividade e que durante os 30 dias subsequentes ao envio da carta não poderia prestar serviço a terceiros; n) - Uma aplicação correcta do preceituado nos artigos 1156° e 1171 ° do C. Civil determinavam a declaração de revogação tácita do contrato de prestação de serviços pela Recorrida; o) - O Tribunal "a quo" fez uma aplicação incorrecta da lei, porque não adequou o artº 1171 ° do C. Civil ao contrato celebrado entre as partes, nomeadamente porque não considerou que se tivesse provado quando é que a Recorrente teve conhecimento da atribuição do seu serviço a terceiros; p) - Uma adequação correcta do art° 1171° do C. Civil determinava o conhecimento imediato da atribuição do serviço a terceiros, desde o inicio de 2005, porque a Recorrente tinha de se deslocar todos os dias às instalações da Recorrida e desde essa data não lhe foi atribuído qualquer serviço; q) - Deve assim a Recorrida ser condenada no pagamento de € 3.524,98 (acrescido de juros vencidos e vincendos nos termos peticionados) por revogação tácita do contrato de prestação de serviços ou, se assim não se entendesse, por violação do contrato de prestação de serviços, nomeadamente porque desde o inicio de 2005 não atribuiu qualquer serviço a Recorrente, mesmo sabendo que esta tinha um contrato de exclusividade consigo.” As conclusões, como se sabe, delimitam o objecto do recurso [1] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal. QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões formuladas, as questões submetidas pela apelante à nossa apreciação consistem em saber: 1 – A quem cabe o ónus da prova das despesas deduzidas pela recorrida nos pagamentos que efectuou à recorrente; 2 – Se a recorrida deve ser condenada a reembolsar a recorrente das quantias que deduziu; 3 – Se a recorrente deve ser indemnizada pelo facto da recorrida não lhe ter entregue qualquer transporte no mês de Janeiro de 2005. Estão provados os seguintes factos: “1. No dia 1 de Setembro de 2003, Autora e Ré celebraram entre si um contrato de prestação de serviço, pelo período de um ano, renovável automaticamente por iguais períodos). No âmbito desse contrato, ficou acordado entre as partes, que a Autora se obrigava a realizar o transporte, distribuição e entrega, porta a porta, de mercadorias e produtos pertencentes aos clientes da Ré, procedendo à entrega dos mesmos a partir dos locais indicados por esta nas moradas dos clientes finais daqueles, mediante pagamento das correspondentes retribuições. 3. Autora e Ré acordaram ainda, na cláusula 2ª do contrato mencionado em 1 que: «1 - A prestação dos serviços compreendidos na cláusula antecedente será remunerada mensalmente nos termos apurados através da seguinte fórmula de cálculo: N (Valor das Entregas Realizadas) - X (Despesas Variáveis) = Valor da Prestação de Serviços * proporcionais, ao período de utilização do mês inicial e final do presente contrato a) Os Valores das Entregas Realizadas são os constantes da tabela anexa ao presente contrato, do qual faz palie integrante – ANEXO A. b) As Despesas Variáveis são as mensalmente apuradas, por forma documental, e apenas as constantes do preenchimento dos itens estabelecidos na tabela anexa ao presente contrato do qual faz parte integrante – ANEXO B. 2 - Mensalmente o SEGUNDO CONTRAENTE entregará à T… um mapa por si elaborado com indicação discriminada das entregas realizadas. 3 - No final de cada mês a T… elaborará uma Folha de Cálculo dos Serviços Prestados, na qual discriminará o Valor das Entregas Realizadas, as Despesas e o Valor da Prestação de Serviços. 4 - O pagamento do valor da prestação de serviço apurado nos termos da fórmula de cálculo prevista no n. 1 será pago pela T… ao SEGUNDO CONTRAENTE, 30 (trinta) dias após a data das facturas por este apresentadas.» 4. Do Anexo B ao contrato mencionado em 1 constam, como despesas variáveis, os danos de transporte e artigos danificados. 5. Nos termos estipulados na cláusula 4ª do contrato mencionado em 1, «no âmbito do objecto definido na Cláusula 1ª, são obrigações do SEGUNDO CONTRAENTE, nomeadamente: (...), b) Executar perfeita e pontualmente todos os serviços que lhe forem atribuídos pela T…, de acordo com as regras e procedimento por esta estabelecidos; c) Velar pelo correcto acondicionamento de produtos, embalagens e caixas que contiverem as mercadorias e/ou produtos dentro dos veículos: (…), e) Informar a T… sobre a execução das tarefas e serviços compreendidos no presente contrato, bem como sobre qualquer imprevisto, anomalia ou irregularidade na execução das tarefas objecto do presente contrato que possa afectar a boa realização dos transportes e entregas, nomeadamente a ocorrência de qualquer sinistro ou dificuldade que impossibilite a efectivação dessas entregas aos clientes finais, fornecendo-lhe, sempre que solicite, informações sobre as mesmas e outras que esta razoavelmente requeira: (...), m) Proceder ao pagamento atempado dos prémios de seguro automóvel, transporte de mercadorias e ocupantes e acidentes de trabalho, mantendo os mesmos em vigor durante a execução do presente contrato, apresentando mensalmente à T… os certificados de pagamento emitidos pelas Companhias Seguradoras: (...), p) Prestar os serviços objecto do presente contrato, durante a vigência do mesmo, de forma exclusiva, à T… (…)». 6. Na cláusula 15a do contrato mencionado em 1, as partes estipularam que: «1 - O presente contrato poderá ser livremente revogado por qualquer das partes, independentemente de justa causa, mediante comunicação feita à outra parte, por escrito, com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias. 2 - Desde que feita nos termos do número anterior, não haverá lugar a qualquer indemnização por prejuízos decorrentes da revogação do presente contrato.» 7. Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, a Autora prestou serviços à Ré. 8. Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, as entregas efectuadas pela Autora cifraram-se, respectivamente, em € 3.414,56, € 3.555,79 e € 3.604,59. 9. A Ré descontou à Autora, relativamente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, a título de despesas de transporte e artigos danificados, respectivamente, as quantias de € 734,22, € 500,00 e € 3.557,94. 10. As reclamações dos clientes eram efectuadas directamente à Ré. 11. A Ré não interpelou a Autora para que esta accionasse o respectivo seguro face aos danos e perdas de mercadorias. 12. No início do ano de 2005, a Ré passou a atribuir a uma terceira pessoa o serviço que, habitualmente, era atribuído à Autora. 13. A partir do início de 2005, a Ré não distribuiu à Autora qualquer tipo de serviço, ficando a mesma sem trabalho junto da Ré. 14. Em Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, a Autora auferiu, a título de proveitos, a quantia global de € 10.574,94. 15. O computador reclamado pela Ré como não tendo sido entregue pela Autora, no valor de € 1.658,03, deu, efectivamente, entrada em armazém. 16. A Autora procedeu à emissão da factura nº 30 de 31 de Outubro de 2004, que apresentou à Ré, constando da mesma que o valor da prestação dos serviços se cifrava em € 2.344,34, valor esse acrescido de IVA à taxa de 19%, no montante de € 445,42, perfazendo a quantia total de € 2.789,76). 17. A Autora procedeu à emissão da factura n.º 31, de 30 de Novembro de 2004, que apresentou à Ré, constando da mesma que o valor da prestação dos serviços se cifrava em € 3.055,79, valor esse acrescido de IVA à taxa de 19%, no montante de € 580,60, perfazendo a quantia total de € 3.636,39. 18. A Autora procedeu à emissão da factura nº 32, de 31 de Dezembro de 2004, que apresentou à Ré, constando da mesma que o valor da prestação dos serviços se cifrava em € 3.604,59, valor esse acrescido de IVA à taxa de 19%, no montante de € 684,87, perfazendo a quantia total de € 4.289,46. 19. A 7 de Janeiro de 2005, a Ré remeteu à Autora uma carta registada com aviso de recepção, da qual consta o seguinte: «Dado se ter verificado uma quebra significativa do volume de entregas, vimos por este meio, nos termos do artigo 15°, n.º 1, do contrato de prestação de serviços celebrado em 1 de Novembro de 2003, revogar o mesmo com a antecedência de 30 dias, com efeitos para o próximo dia 6 de Fevereiro de 2005». 20. A 1 de Março de 2005, a Autora interpelou a Ré, por meio de carta registada, para liquidar as quantias descontadas nas facturas de Novembro de 2004, Dezembro de 2004 e Janeiro de 2005.” Vejamos então cada uma das questões formuladas. 1 – A quem cabe o ónus da prova das despesas deduzidas pela recorrida nos pagamentos que efectuou à recorrente. Não vem questionada a qualificação jurídica do contrato efectuada pelo tribunal “a quo”, como sendo de prestação de serviços, em consonância, aliás, com a que as partes haviam feito. Nos termos do contrato em causa, a Autora obrigou-se a realizar o transporte, distribuição e entrega, porta a porta, de mercadorias e produtos pertencentes aos clientes da Ré, procedendo à entrega dos mesmos a partir dos locais indicados por esta nas moradas dos clientes finais daqueles, mediante pagamento das correspondentes retribuições, calculadas mensalmente nos termos apurados através da seguinte fórmula de cálculo: N (Valor das Entregas Realizadas) – X (Despesas Variáveis) = Valor da Prestação de Serviços. Nos termos do contrato, as Despesas Variáveis seriam mensalmente apuradas, por forma documental, e apenas as constantes do preenchimento dos itens estabelecidos na tabela anexa ao presente contrato do qual faz parte integrante – ANEXO B e, entre estas, os danos de transporte e artigos danificados. Ficou acordado que mensalmente a ora recorrente entrega[ria] à T… um mapa por si elaborado com indicação discriminada das entregas realizadas e que, no final de cada mês a T… elaborar[ia] uma Folha de Cálculo dos Serviços Prestados, na qual discriminar[ia] o Valor das Entregas Realizadas, as Despesas e o Valor da Prestação de Serviços. Resulta daqui que, competia à ora recorrente elaborar o mapa referente às entregas efectuadas e que a ora recorrida efectuaria o pagamento de acordo com esse mapa. Havendo Despesas Variáveis, passíveis de dedução e mensalmente apuradas pela ora recorrida, por forma documental, esta procederia à dedução no valor resultante do mapa apresentado pela ora recorrente, a quem pagaria o remanescente. Desta análise resulta com clareza que competia à ora recorrente apresentar o montante total que lhe era devido de acordo com as entregas realizadas, competindo à ora recorrida apresentar as despesas dedutíveis. Assim, e transpondo para o ónus da prova, e tendo por horizonte o estabelecido no art. 342º, nºs 1 e 2 do CC, conclui-se que, caberia à ora recorrente alegar e provar as entregas realizadas, já que daí emerge o direito ao pagamento respectivo (de que se arroga) e à recorrida alegar e provar as Despesas Variáveis, pois que delas emerge o direito, de que arroga, à sua dedução nos valores devidos à recorrente, constituindo estes, como tal, factos modificativos e parcialmente impeditivos do direito desta. Respondendo à questão formulada diremos que, caberia à recorrida o ónus da prova das despesas que deduziu nos pagamentos que efectuou à recorrente. 2 – Se a recorrida deve ser condenada a reembolsar a recorrente das quantias que deduziu. Como atrás se concluiu, impendia sobre a Ré/recorrida o ónus da prova da efectiva ocorrência das despesas que deduziu. Está provado que nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, as entregas efectuadas pela Autora cifraram-se, respectivamente, em € 3.414,56, € 3.555,79 e € 3.604,59 (8), tendo esta proced[ido] à emissão da factura nº 30 de 31 de Outubro de 2004, que apresentou à Ré, constando da mesma que o valor da prestação dos serviços se cifrava em € 2.344,34, valor esse acrescido de IVA à taxa de 19%, no montante de € 445,42, perfazendo a quantia total de € 2.789,76) (16), da factura n.º 31, de 30 de Novembro de 2004, que apresentou à Ré, constando da mesma que o valor da prestação dos serviços se cifrava em € 3.055,79, valor esse acrescido de IVA à taxa de 19%, no montante de € 580,60, perfazendo a quantia total de € 3.636,39 (17) e da factura nº 32, de 31 de Dezembro de 2004, que apresentou à Ré, constando da mesma que o valor da prestação dos serviços se cifrava em € 3.604,59, valor esse acrescido de IVA à taxa de 19%, no montante de € 684,87, perfazendo a quantia total de € 4.289,46 (18). Vem também provado que a Ré descontou à Autora, relativamente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, a título de despesas de transporte e artigos danificados, respectivamente, as quantias de € 734,22, € 500,00 e € 3.557,94 (9). Resulta destes factos provados que a Ré/recorrida descontou efectivamente aquelas quantias referentes a Despesas Variáveis, que a recorrente alegou não terem ocorrido. Como referido, competia à recorrida fazer a prova dos factos integradores de tais Despesas Variáveis, pois é da sua efectiva ocorrência que emerge o seu direito a sua dedução, prova essa por forma documental como contratado. Porém, se é certo que vem provada a dedução, também não é menos certo que no elenco dos factos provados não consta que se tenham verificado os factos integradores de tais Despesas Variáveis a título de despesas de transporte e artigos danificados, ou seja, os danos efectivos imputáveis à recorrente. E por mais esforços que tenhamos feito, não descortinamos que os documentos juntos aos autos [2] provem esses danos da responsabilidade da recorrente. Pode-se inferir de tais documentos que foram debitadas à Ré/recorrida as quantias que deduziu à A./recorrente. Porém não demonstram que as mercadorias em causa tenham sido entregues à A./recorrente e que o seu extravio tenha ocorrido enquanto estavam à sua guarda. Importa sublinhar que, apesar da referenciada omissão nos factos provados, não vem requerida a alteração da decisão da matéria de facto, não tendo a Ré interposto recurso e nem mesmo contra-alegado no recurso da A. Em suma, impendendo sobre si a prova da ocorrência dos danos efectivos e a sua imputabilidade à A./recorrente e não tendo tal prova sido feita, conclui-se que a Ré/recorrida deve restituir à A/recorrente as quantias que deduziu. Estando provado que a Ré descontou à Autora, relativamente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004, a título de despesas de transporte e artigos danificados, respectivamente, as quantias de € 734,22, € 500,00 e € 3.557,94, no total de € 4.792,16, pelas razões referidas, deve a Ré/recorrida ser condenada no respectivo ressarcimento à A./recorrente. E dado que se trata de obrigação de prazo certo, os juros de mora são devidos desde a data em que os pagamentos deveriam ter sido efectuados ou seja, como expressamente contratado, “30 (trinta) dias após a data das facturas… apresentadas pela recorrente. Tendo as facturas sido apresentadas em 31 de Outubro de 2004 (factura nº 30) no montante de € 2.344,34, valor esse acrescido de IVA à taxa de 19%, no montante de € 445,42, perfazendo a quantia total de € 2.789,76) (16), em 30 de Novembro de 2004 (factura n.º 31) no montante de € 3.055,79, valor esse acrescido de IVA à taxa de 19%, no montante de € 580,60, perfazendo a quantia total de € 3.636,39 (17) e 31 de Dezembro de 2004 (factura n° 32), que apresentou à Ré, constando da mesma que o valor da prestação dos serviços se cifrava em € 3.604,59, valor esse acrescido de IVA à taxa de 19%, no montante de € 684,87, perfazendo a quantia total de € 4.289,46 (18) os juros são devidos, sobre o montante de € 734,22 desde 30 de Novembro de 2004, sobre o montante de € 500,00 desde 30 de Dezembro de 2004 e sobre o montante de € 3.557,94 desde 31 de Janeiro de 2005. 3 – Se a recorrente deve ser indemnizada pelo facto da recorrida não lhe ter entregue qualquer transporte no mês de Janeiro de 2005. Está provado que as partes acordaram que o contrato poder[ia] ser livremente revogado por qualquer das partes, independentemente de justa causa, mediante comunicação feita à outra parte, por escrito, com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias e que desde que feita nos termos referidos, não haverá lugar a qualquer indemnização por prejuízos decorrentes da revogação do presente contrato. Está também provado que a 7 de Janeiro de 2005, a Ré remeteu à Autora uma carta registada com aviso de recepção, da qual consta o seguinte: «Dado se ter verificado uma quebra significativa do volume de entregas, vimos por este meio, nos termos do artigo 15°, n.º 1, do contrato de prestação de serviços celebrado em 1 de Novembro de 2003, revogar o mesmo com a antecedência de 30 dias, com efeitos para o próximo dia 6 de Fevereiro de 2005». É assim inequívoco que o contrato cessou em 6 de Fevereiro de 2005, data até à qual se manteve em vigor. É certo que, como acertadamente, se refere na douta sentença recorrida “nos termos do referido contrato, não foi estipulada a obrigatoriedade da atribuição de qualquer volume de serviço mínimo à Autora ou, sequer, a atribuição de exclusividade relativamente a determinado tipo de serviço que a Ré distribuísse pelos seus colaboradores”. Todavia, esta omissão não faculta à Ré/recorrida o direito de atribuir serviços à A/recorrente os serviços que entenda, a seu bel-prazer. Na verdade, não pode olvidar-se que a A./ recorrente estava obrigada prestar os serviços objecto do… contrato, durante a vigência do mesmo, de forma exclusiva, à T... É certo que no contrato não foi imposta à Ré qualquer contrapartida por esta exclusividade. Todavia, tanto a recorrente como a recorrida estavam obrigadas a cumprir o contrato, consistindo a prestação desta na entrega de transportes e distribuições à recorrente, pese embora a não contratualização de qualquer exclusividade por parte da Ré/recorrida relativamente a tais entregas à recorrente. Porém, apesar de não estar obrigada à atribuição de qualquer volume de serviço mínimo à Autora, nem à aludida exclusividade, estava obrigada, ao menos por via da boa-fé [3], a não substituir a A., ou seja, a não entregar a terceiro o serviço que, na ausência de quaisquer vicissitudes, seria normalmente entregue à A./recorrente. Provou-se, porém, que no início do ano de 2005, a Ré passou a atribuir a uma terceira pessoa o serviço que, habitualmente, era atribuído à Autora (12) e que a partir do início de 2005, a Ré não distribuiu à Autora qualquer tipo de serviço, ficando a mesma sem trabalho junto da Ré (13). Considerando, por conseguinte, aquela obrigação de exclusividade da A./recorrente (seguramente exigida pela recorrida), a Ré/recorrida ao passar a atribuir a uma terceira pessoa o serviço que, habitualmente, era atribuído à Autora, incumpriu o contrato [4], que deveria ser pontualmente cumprido (art. 406º do CC) e constituiu-se na obrigação de indemnizar a A./recorrente, nos termos dos arts. 483º e segs. do CC e, designadamente, do art. 486º, reparando os danos resultantes dessa violação contratual. Mas mesmo que assim se não entendesse e se considerasse um direito ou faculdade da Ré/recorrida, a atribuição a terceiro do serviço que deveria ser distribuído à A/recorrente, sempre o seu exercício seria manifestamente abusivo, integrando, nos termos do art. 334º do CC, os requisitos do instituto do abuso de direito [5] e, também por via disso, na obrigação de indemnizar a A./recorrente pelos danos resultantes [6], pois bem sabia que a A./recorrente estava contratualmente sujeita a exclusividade e que, ao assim proceder, deixou-a sem trabalho a partir do início de 2005. Estabelece o art. 562º do Código Civil, que quem estiver obrigado a reparar o dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (princípio da reposição natural). Esta reposição ou reconstituição natural, nos termos do art. 566º do Código Civil, não terá lugar quando não seja possível, caso em que é substituída por indemnização fixada em dinheiro e que “se destina a compensar, tão só monetariamente o dano sofrido e não a proporcionar ao lesado algum enriquecimento, que seria sempre indevido, do seu património” [7]. Como parece evidente, no caso, não pode ter lugar a reconstituição natural, já que não é possível voltar atrás no tempo e o contrato foi validamente rescindido e, por isso, aquela terá que ser substituída por indemnização fixada em dinheiro, como, aliás, vem peticionado. Estabelece o art. 566º, n.º 3 que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. No caso, os danos corresponderão aos serviços que a Ré/recorrida não atribuiu à A./recorrente e entregou ao terceiro, como provado e cujo valor se desconhece, não tendo sido, sequer, alegado. Como não se provou o montante exacto dos danos, a sua indemnização deverá ser fixada com recurso a critérios de equidade, afigurando-se-nos, perfeitamente adequado fazê-la corresponder à média do serviço efectuado pela A./recorrente nos 3 meses em que prestou serviço efectivo, como, aliás, vem peticionado. Está provado que os serviços que a A./recorrente prestou à Ré/recorrida se cifraram em € 2.344,34 (Outubro), € 3.055,79 (Novembro) e € 3.604,59 (Dezembro) perfazendo, assim a média mensal de € 3.001,57 [8], montante em que deverá, pelas razões aduzidas, ser a indemnização fixada. Sobre este montante acrescem os juros de mora à taxa legal a contar da citação (art. 805º, nºs 1 e 3 do CC). Pelas apontadas razões, o recurso merece provimento parcial. DECISÃO Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação: 1. Em conceder provimento parcial ao recurso; 2. Em revogar a sentença recorrida; 3. Em condenar a Ré/recorrida a pagar à A./recorrente a quantia de € 7.793,73 acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar das seguintes datas: a) sobre a quantia de € 734,22 desde 30 de Novembro de 2004; b) sobre a quantia de € 500,00 desde 30 de Dezembro de 2004; c) sobre o montante de € 3.557,94 desde 31 de Janeiro de 2005 e sobre o montante de € 3.001,57 desde a data da citação; 4. Em condenar a recorrente e a recorrida nas custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento e que se fixa em 10% para a A./recorrente e em 90% para a Ré/recorrida. Évora, 5.05.10 (António Manuel Ribeiro Cardoso) (Acácio Luís Jesus Neves) (José Manuel Bernardo Domingos) __________________________________________________ [1] Cfr. arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111. [2] A omissão no elenco dos factos provados não obsta a que se considerem os documentos juntos aos autos e os factos que demonstrem, ex vi do art. 659º/3 do Código de Processo Civil. [3] “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé” – art. 762º/2 do CC. [4] Refira-se que a A./recorrente, na sua petição, qualifica este incumprimento como revogação tácita do contrato. [5] Cuja apreciação judicial não depende da invocação do interessado (Vaz Serra, in RLJ, 112º/131), sendo, consequentemente, do conhecimento oficioso do tribunal - ac. da RC de 12.7.94, in BMJ 439º/656; da RL de 22.02.94, in BMJ 434º/670; do STJ de 21.09.93, in CJ/STJ, 1993, 3º/19 e de 02-07-2009, documento nº SJ200907020005342, in www.dgsi.pt, entre outros. [6] “O abuso de direito é uma forma de antijuridicidade ou ilicitude. As consequências, portanto, do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito. Pode, assim, haver lugar à obrigação de indemnização desde que nos termos gerais da responsabilidade civil (arts. 483º e ss.), ao facto voluntário e ilícito do agente (comportamento abusivo) se juntem os restantes pressupostos da responsabilidade civil” J. M. Coutinho de Abreu, in Do abuso de direito, 1983, págs. 76 e 77. Acs. STJ de 13-12-2007, documento nº SJ200712130030231; de 07-12-83, documento nº SJ198312070708941, ambos in www.dgsi.pt. [7] Ac. STJ de 20/5/95, in CJ, S, 1995, II/97. [8] A A./recorrente quantifica o montante indemnizatório em € 3.524,98 que corresponde sensivelmente, a este valor agora encontrado acrescido do IVA, o qual, com o devido respeito, não é devido já que se trata de indemnização e não da prática efectiva de acto passível de tributação em sede de IVA. |