Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | ACÁCIO NEVES | ||
| Descritores: | PROTECÇÃO DE CRIANÇAS EM PERIGO | ||
| Data do Acordão: | 12/13/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Sumário: | O interesse superior da criança é o fim último de qualquer medida a tomar pelos Tribunais. | ||
| Decisão Texto Integral: | * O Ministério Público instaurou, em 24.05.2006, processo de promoção e protecção relativo aos menores “A”, nascido em 12.04.1998, e “B”, nascida em 12.07.2000, filhos de “C” e de “D”, requerendo que, para salvaguardar a situação de perigo para a saúde e segurança dos menores, caso estes fossem entregues à progenitora, fosse proferida decisão provisória que confirmasse a institucionalização dos mesmos no “E” e na “F” PROCESSO Nº 2395/07 – 2 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * Alegou para tanto e em resumo que os pais dos menores, devido a alcoolismo do pai e debilidade mental da mãe, revelam uma total incapacidade para cuidar dos menores. Pondo em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento; que a mãe saiu de casa em Abril de 2004, deixando os menores entregues ao pai, que não cuidou da sua alimentação e higiene, o que tinha apenas era feito pontualmente por uma tia paterna, e que se embriagava com frequência, tornando-se agressivo para os menores. Mais alegou que por acordo de promoção e protecção celebrado em 23.11.2005 os menores foram institucionalizados nas instituições acima referidas por seis meses mas que, tendo o pai sido preso por indícios de abuso sexual da menor “B”, a mãe se opõe à revisão do acordo, pretendendo que os menores lhe sejam entregues, sendo que esta, que vive com um companheiro e apenas trabalha ocasionalmente em serviços de limpeza, apenas esteve com os menores aos fins de semana e sempre se alheou da sua formação, educação e saúde. Foi proferida decisão provisória nos termos da qual foi confirmada a colocação da menor “B” na “F” e o menor “A” em “E”. Teve lugar a instrução do processo, após o que, por se considerar manifestamente inviável a obtenção de decisão negociada, se ordenou se procedesse à notificações previstas no art. 114°, n° 1 da Lei n° 147/99 de 01 de Setembro (adiante designada por LPCJP). Na sequência de tal notificação, apresentou o defensor oficioso dos menores as suas alegações, no âmbito das quais pugnou pela entrega da guarda dos menores à progenitora, sendo a medida aplicada substituída pela medidas necessárias numa primeira fase a garantir a estabilidade e segurança necessárias durante a sua integração na família constituída pela mãe e pelo actual companheiro desta. O M.P. pronunciou-se no sentido da manutenção da medida de acolhimento nas já referidas instituições. Procedeu-se à realização do debate judicial, após o que, veio a ser proferido acórdão, nos termos do qual se decidiu aplicar aos menores a medida de acolhimento familiar até à maioridade. Inconformada, interpôs a mãe dos menores, “D”, em cujas alegações, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, satisfazendo os interesses e direitos dos menores, se mostre menos excessiva e desproporcional, salvaguardando os vínculos afectivos próprios da filiação que existem, dado tratar-se de uma medida temporária, apresentou as seguintes conclusões: A - Por sentença proferida nos autos em epígrafe, foi aplicada ao menores “A” e “B”, a medida de promoção e protecção de acolhimento familiar até à maioridade. B - Fundamentada pela demonstrada falta de capacidade parental da progenitora. C - Por um lado por não ter cumprido os seus deveres parentais durante o período que deixou os menores entregues ao pai, colocando-os numa situação de perigo e negligência e, D - Por outro, por ausência de capacidade de cuidar e orientar os menores com o mínimo de bem-estar, educação, afecto, higiene e saúde. E - Considerou assim o Tribunal a quo não ser possível entregar os menores à progenitora, assim como ao pai, dado o mesmo ter sido condenado na pena de 6 anos de prisão por um crime de abuso sexual de criança agravado e inibido do poder paternal por 9 anos relativamente à menor “B”. F - Sendo assim necessária a aplicação de uma medida de promoção e protecção. G - Tendo como princípio basilar o interesse superior dos menores, que neste caso concreto seria o de afastar da situação de perigo e proporcionar o seu crescimento integral de forma tranquila e sã. H - Excluídas que estavam, pelas razões expostas, as medidas de apoio junto dos pais, assim como junto de outros familiares, dada a ausência de condições e de interesse demonstrado, I - Apenas restariam as de acolhimento em instituição, acolhimento familiar e confiança judicial a pessoa ou instituição com vista a futura adopção. J - No caso da primeira, considerou o douto Tribunal a quo preteri-la já que, apesar da boa adaptação, os menores demonstraram vontade em ter uma família. L - Excluindo também a adopção porque esta pressupõe que não existam ou estejam seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação. M - Acabou por considerar que a medida adequada seria a de acolhimento familiar prolongado, fixando-o até à maioridade. N - Não aceita a ora Recorrente a aplicação, sem quaisquer outros termos, a supra referida medida. O - Desde o acordo firmado entre os progenitores e a CPPCJ, em 25 de Novembro de 2005, onde se estabeleceu a institucionalização dos menores por 6 meses, fixou-se igualmente um regime de visitas. P - Regime esse sempre cumprido pela progenitora, apenas relativamente à menor “B”, já que relativamente ao “A” a mesma se encontra impedida de o visitar, telefonando contudo frequentemente para a Instituição para saber noticias do mesmo. Q - Se o Tribunal a quo reconhece a existência de afectos da “B” à mãe, tendo manifestado a menor gosto em vê-la, R - Assim como a possibilidade dos sentimentos tidos actualmente pelo menor “A” relativamente à progenitora virem a ser alterados com o decorrer do tempo e o devido acompanhamento psicológico e/ ou pedopsiquiátrico, S - Razões estas tidas em consideração e que levaram o douto Tribunal recorrido a afastar a possibilidade de adopção, T - Não se aceita que a supra referida medida seja fixada por tão longo período sem que sejam acautelados os sentimentos e afectos existentes. U - Uma vez que as medidas de promoção e protecção previstas nas alíneas a) a f) do nº 1 do artigo 35° da LPCJP apenas limitam o exercício do poder paternal, V - Ao contrário da adopção, prevista na alínea g) daquela disposição legal, que efectivamente priva a titularidade e o exercício do poder paternal. Z - E reconhecendo o Tribunal a quo a existência de vínculos afectivos próprios da filiação entre os menores e a progenitora, Z - Prevendo, por outro lado, a medida de acolhimento familiar prolongado o previsível retorno à família natural - artigo 48. ° LPCJP. AA - Questiona-se: sendo esta uma medida temporária, apesar de fixada por um longo período, como ficam esses laços afectivos próprios da filiação? AB - Tendo actualmente o “A” 9 anos e a “B” 7 anos, como se ajusta essa medida com esse vínculo afectivo existente durante os 9 e 11 anos que respectivamente medeiam a sentença e a maioridade dos menores? AC - Não sendo estabelecido qualquer regime de visitas ou contactos, como se salvaguarda a possibilidade de retorno à família natural assim como a mudança de sentimentos e vontades dos menores relativamente à mãe? AD - Mesmo que se aceite que, teoricamente, talvez fosse prematura a entrega dos menores à guarda e cuidados da mãe atendendo à sua fragilidade psíquica e profissional, assim como ao ainda necessário acompanhamento psicológico dos menores, AE - Apesar dos reconhecidos esforços da progenitora para reunir as condições necessárias para os receber, AF - Não se compreende que a medida seja aplicada por tão longo período. AG - Sem qualquer preocupação em acautelar o relacionamento já existente entre os menores e a progenitora. AH - A intervenção para promoção e protecção de crianças e jovens em perigo é orientado por vários outros princípios além do interesse superior do menor. AI - Como o da Proporcionalidade e Actualidade assim como o da Prevalência da família - art. 4.° als. a), e) e g) da LPCJP. AJ - Considera-se, por isso, desproporcional, desnecessária e desadequada a medida concretamente aplicada, dado que já não se verifica a situação de perigo e negligência que despoletou a intervenção da CPPCJ. AL - Sendo excessiva atendendo ao momento em que a mesma é aplicada. AM - E ainda que presentemente se aceite a medida de acolhimento familiar, é infundada a sua fixação até à maioridade. Contra-alegou o defensor oficioso dos menores, pugnando pela procedência do recurso. Contra-alegou o M.P., pugnando, pelo contrário, pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Em face do conteúdo das conclusões das alegações da agravante, enquanto delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684°, n° 3 e 690°, n° 1 do CPC), a questão de que cumpre conhecer consiste em saber se a medida aplicada, relativamente a ambos os menores (acolhimento familiar até à maioridade) se mostra excessiva, nomeadamente no que toca à sua duração. Factualidade assente, dada como provada na 1ª instância: 1) O menor “A” e a menor “B” nasceram em 12.04.1998 e em 12.07.2000, respectivamente, e são ambos filhos de “C” e de “D”; 2) Os progenitores dos menores são casados entre si e não vivem juntos desde 24 de Abril de 2004, data em que “D” saiu de casa para ir viver na companhia “G”, na cidade de …; 3) Quando a progenitora dos menores saiu de casa, os filhos “B” e “A” ficaram a viver na companhia de seu pai, na Rua …, em …, situação que perdurou até 23 de Novembro de 2005; 4) A casa onde o pai dos menores vivia com eles estava degradada e apresentava-se desarrumada e com falta de higiene; 5) Durante o período de tempo que os dois menores estiveram à guarda e cuidados de seu pai, aqueles passavam fins-de-semana com a mãe; 6) Durante o período de tempo em que os menores estiveram à guarda e cuidados do pai, sobretudo depois de este último ter começado a trabalhar na …, em …, os menores passaram a apresentar uma higiene diária pouco cuidada, a irem para a escola sem o pequeno almoço tomado e a permanecerem sozinhos em casa nomeadamente à noite, sendo uma tia paterna, de nome “H”, quem assumia pontualmente os cuidados alimentação e higiene dos dois sobrinhos e era ela quem os ia buscar aos respectivos estabelecimentos de ensino; 7) A tia paterna dos menores, “H”, vive em habitação degradada e é também beneficiária de rendimento de inserção social; 8) O relacionamento entre a progenitora dos menores e o seu actual companheiro iniciou-se quando aquela ainda vivia com o pai do “A” e da “B” e com o conhecimento deste último, o qual chegava a levar a mulher para a companhia de “G”; 9) Enquanto os progenitores dos menores viveram juntos foram acompanhados no âmbito do Projecto de Luta Contra a Pobreza "Melhor Viver" na reconstrução da sua habitação que se encontrava bastante degradada, desorganizada e suja, tendo á mãe dos menores recebido formação profissional; 10) A família “A;B;C;D” já tinha sido sinalizada junto da Comissão de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens, no ano de 2002, nomeadamente devido ao facto de o progenitor do menor “A” se fazer acompanhar do mesmo quando frequentava adegas, tendo corrido um processo naquela Comissão que foi arquivado em 24 de Outubro de 2004; 11) Em 23 de Novembro de 2005, ambos os progenitores dos menores firmaram na Comissão de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens um acordo, com uma duração ele seis meses, com vista à institucionalização de ambos os filhos; 12) Desde 25 de Novembro de 2005 que os menores “B” e “A” estão institucionalizados, ele no “E” e ela na “F”; 13) Ambos os menores se encontram integrados nas instituições supra referidas e ambos têm apoio psicológico, sendo que o “A” tem também apoio pedopsiquiátrico; 14) Durante o período correspondente à 1ª semana de institucionalização do menor “A” este apresentava episódios de enurese nocturna e tinha pesadelos; 15) Em finais de Outubro de 2005, o menor “A” denunciou à sua tia “H” a situação de abuso sexual praticada pelo pai sobre a irmã “B”; 16) “C” foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva por indícios de abuso sexual da menor “B”; 17) Mediante acórdão transitado em julgado em 8 de Novembro de 2006, “C”, pai dos menores “A” e “B”, foi condenado numa pena de seis anos de prisão pela prática de um crime de abuso de crianças agravado na pessoa da sua filha “B” e inibido do exercício do poder paternal relativamente à filha pelo período de 9 anos; 18) O progenitor dos menores é alcoólico, embora já se tivesse sujeitado a tratamento; 19) Ambos os menores se adaptaram bem à respectiva institucionalização, mas ambos, e sobretudo o menor “A”, manifestam o desejo de ter uma família nova; 20) O menor “A” não quer ir viver com a mãe e fica perturbado quando se aproximam as férias escolares por receio de as passar com a mãe; 21) O menor “A” acusa a mãe de os ter abandonado "para ir viver com outro homem" e de não os (a ele e à irmã) ter protegido do pai; 22) A menor “B” manifesta gosto em ver a mãe; 23) A progenitora dos menores é uma pessoa conflituosa; 24) A mãe do menor não visita o filho “A” desde Abril de 2006 por estar impedida de entrar na Instituição onde aquele se encontra em virtude de ter provocado escândalos; 25) A mãe do menor telefona frequentemente para “E” para ter notícias do filho; 26) A mãe da menor visita a filha com assiduidade, embora cada visita não ultrapasse os 30 minutos, e às vezes telefona; 27) A mãe dos menores relatou a terceiros a situação de abuso sexual vivida pela filha; 28) Foi também a mãe dos menores que informou o filho “A” que o pai tinha sido preso; 29) Actualmente e desde Outubro de 2006, a progenitora dos menores reside na Avenida …, em casa arrendada, na qual existe um quarto que aquela destinou à menor “B”; 30) A progenitora dos menores recebeu subsídio de desemprego até Julho de 2006, no valor de € 164,17 mensais e já solicitou rendimento de inserção social; 31) O companheiro da progenitora dos menores é funcionário da Câmara Municipal de … e aufere o ordenado líquido de € 485,11; 32) “D” tem um QI na área da normalidade baixa; Apreciando: Está em causa a medida aplicada pelo tribunal "a quo", relativamente a ambos os menores, de "acolhimento familiar até à maioridade". Conforme facilmente se alcança do conteúdo das alegações de recurso e, mais especificamente, das respectivas conclusões, a recorrente, mãe dos menores, apenas de forma muito ténue acaba por questionar a medida de acolhimento familiar, em si mesma, acentuando a tónica da sua discordância no que toca à sua duração (até à maioridade dos menores). Com efeito, embora refira que a medida concretamente aplicada se mostra excessiva atendendo ao momento em que a mesma é aplicada e dado que já não se verifica a situação de perigo e negligência que despoletou a intervenção da comissão de protecção de menores, a recorrente até acaba por admitir a medida em si mesma, assumindo uma verdadeira posição de discordância apenas em relação à duração da medida ("mesmo que se aceite teoricamente, talvez fosse prematura a entrega dos menores à guarda e cuidados da mãe atendendo à sua fragilidade psíquica e profissional, assim como ao ainda necessário acompanhamento psicológico dos menores, apesar dos reconhecidos esforços da progenitora ... não se compreende que a medida seja aplicada por tão longo período). Não está minimamente em causa a justeza da medida aplicada no que a mesma respeita à relação dos menores com o progenitor (não recorrente). Aliás, face aos seus apurados comportamentos, especialmente no que se refere aos abusos sexuais perpetrados contra a filha “B”, o que se poderia questionar era a insuficiência da medida aplicada. Haveremos assim que atentar na situação pessoal e comportamental da progenitora, ora recorrente, especialmente no que se refere à sua relação com os menores e no que se refere à relação destes com aquela. Ora, desde já se diga que, perante a factualidade dada como provada (a qual nem sequer foi objecto de impugnação), se nos afigura inquestionável a justeza da medida aplicada (isto, sem prejuízo da questão da sua duração), uma vez que, conforme se salienta na decisão recorrida, os factos apurados demonstram claramente a falta de competência parental da recorrente. É certo que, conforme refere a recorrente, no momento da aplicação da medida já não se verificava a situação de perigo e negligência que despoletou a intervenção da comissão da protecção de menores. Todavia também é certo que tal constatação se deve única e exclusivamente ao facto de, mercê das medidas de promoção e protecção entretanto adoptadas, os menores estarem institucionalizados em determinadas instituições (“E” e a “F”), onde se encontram integrados e têm apoio psicológico (tendo o “A” ainda apoio pedopsiquiátrico). E se a situação (de perigo para a saúde e segurança) em que os menores se encontravam, que justificou a intervenção da comissão de menores e, posteriormente a instauração do presente processo, se deveu ao comportamento inadequado e censurável da progenitora (e não apenas do progenitor), o certo é que esta não demonstrou estar já em condições de assumir, de forma minimamente adequada, as suas obrigações parentais, em ordem à adequada e normal integração dos menores no seu meio familiar. Com efeito, se é certo que o presente processo se iniciou por causa da crítica situação vivida pelos menores, quando estavam a viver com o progenitor (falta de higiene e alimentação, abusos sexuais ... ), o certo é que tal situação também era da inteira responsabilidade da progenitora, ora recorrente. Ao sair de casa para ir viver com outro homem, a recorrente bem sabia da situação em que os menores ficavam (até porque se provou que os menores passavam consigo os fins de semana), tendo-se alheado das suas obrigações maternais e contribuindo de forma relevante, por omissão, para a situação de perigo, para a saúde e segurança, em que os menores se encontravam. Por outro lado, verifica-se que tal situação de incúria (relacionada com a higiene e alimentação) até já se verificava em momento anterior, pois que se provou que enquanto os progenitores dos menores viveram juntos foram acompanhados por determinado projecto de luta contra a pobreza na reconstrução da sua habitação "que se encontrava bastante degradada desorganizada e suja". É certo que a recorrente vive com um companheiro que trabalha (na Câmara Municipal de …, auferindo € 485,11), visita a filha com assiduidade e telefona frequentemente para “E” para ter notícias do filho (estando impedida de ali entrar), demonstrando a “B” gosto em ver a mãe. Todavia, também se constata que, para além do seu baixo nível social e intelectual (QI na área da normalidade baixa), a recorrente é uma pessoa conflituosa, estando impedida de ir visitar o filho à instituição “E” onde o mesmo se encontra, precisamente pelo facto de ali ter provocado escândalos. E, se a filha manifesta gosto em a ver, o certo é que o filho não quer ir viver com ela, ficando perturbado quando se aproximam as férias escolares por ter receio de as ir passar com a mãe. Para além disso, o comportamento da recorrente do ponto de vista ético não pode deixar de ser visto com manifestas reservas. Com efeito, para além do já referido sobre a sua conflitualidade e da falta de propensão para o trabalho (apesar de ter recebido formação profissional aquando do apoio de reconstrução da casa, esteve a receber subsídio de desemprego até Julho de 2006 tendo solicitado o rendimento de inserção), constata-se que a recorrente se começou a relacionar com o actual companheiro quando ainda vivia com o marido, chegando a ser este a levá-la para a companhia daquele, não se coibindo de relatar a terceiros a situação de abuso sexual vivida pela filha. Desta forma haveremos de concluir no sentido de que nada indica, bem pelo contrário, que os menores, indo viver com a mãe, neste momento ou nos tempos mais próximos, não voltem à situação de risco em que se encontravam aquando da intervenção da comissão de protecção de menores. E, no seguimento do apoio e recuperação que têm tido nas instituições em que se encontram acolhidos, afigura-se-nos que, com vista à futura integração dos menores na família (da mãe) nada melhor que a aplicação da medida de acolhimento familiar a qual consiste, nos termos do disposto no n° 1 do art. 46° da LPCJP "na atribuição da confiança da criança ou jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o efeito, visando a sua integração em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral”. Todavia, conforme resulta do disposto no art. 48° da LPCJP, a aplicação da medida de acolhimento familiar pressupõe necessariamente que seja previsível o retorno da criança ou do jovem à sua família natural (vide Tomé d' Almeida Ramião in Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, anotada e comentada, 53 ed., pago 92). Ora, embora a actual situação (e dos tempos mais próximos) da recorrente não dê um mínimo de garantia de que os menores não voltem à situação de risco em que se encontravam, o certo é que também nada garante que o contrário não venha a ocorrer a médio prazo, atendendo ao facto de estar a viver com alguém (cuja personalidade e demais elementos identificadores desconhecemos) que parece ter vida estável em termos laborais e ao facto de, mau grado a relutância do “A”, manter um constante contacto com os filhos, manifestando a “B” gosto em a ver. Desta forma, não faz a nosso ver qualquer sentido que a medida de acolhimento se estenda até à maioridade dos menores - havendo, neste aspecto que concordar com a posição da recorrente. É certo que, conforme defende o M.P. nas suas contra-alegações, para além de a recorrente poder continuar a visitar os filhos (devendo o respectivo regime ser estabelecido oportunamente, de acordo com a situação concreta, aquando da execução da medida), atenta a natureza (de jurisdição voluntária do processo) sempre as medidas tomadas, a ser objecto de revisão, podem ser alteradas, substituídas ou até cessadas (vide art. 62° da LPCJP). Todavia, se tal argumento vale para a defesa da medida nos termos em que foi aplicada, por maioria de razão valerá para a sua aplicação por um período de menor duração, ainda que de acolhimento familiar prolongado (porque superior a 6 meses - vi de art. 48° do mesmo diploma) se trate. Ora, a estender-se a medida de acolhimento familiar até à maioridade dos menores, (o que, atenta a idade dos menores, implicaria uma duração de 9 e 7 anos, respectivamente, para o “A” e para a “B”) momento esse em que, presumivelmente, os menores estarão em condições de seguir o seu próprio caminho, sem dependência dos pais ou de terceiros e da integração familiar, prejudicado ficaria ab initio o objectivo diferenciador da medida a que já acima aludimos: o regresso da criança ou jovem à sua família natural. Desta forma, e sem que se deva por em causa o carácter prolongado da medida, afigura-se-nos que a mesma se deve prolongar por um período que, sendo razoável (por forma a que sejam atingidos os seus objectivos, referidos no n° 1 do art. 46° da LPCJP), respeite esse objectivo de regresso. Nestes termos, e face á mencionada actual situação da mãe, afigura-se-nos adequado fixar em cerca de metade do tempo que falta para a maioridade, ou seja em quatro anos, o tempo de duração da medida - prazo esse que, aliás, em sede de revisão sempre poderá vir a ser aumentado (ou diminuído) desde que tal se justifique. Embora mantendo a medida de acolhimento familiar que foi aplicada, impõe-se assim reduzir a sua duração para 4 anos. Procedem assim, parcialmente, nesta conformidade as conclusões do recurso. Termos em que, concedendo-se parcial provimento ao agravo, se acorda: a) Em revogar a decisão recorrida, na parte em que estabeleceu que a medida de acolhimento familiar (aplicada em relação aos menores “A” e “B”) se estenderia até à maioridade destes; b) Determinando-se que tal medida se prolongue por um período de quatro anos, a contar da presente data. Custas pela agravante, na proporção de metade, pela agravante. Évora, 13 de Dezembro de 2007 |