Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA | ||
Descritores: | VIOLAÇÃO DE SEGREDO DE JUSTIÇA NULIDADES VÍCIOS DA MATÉRIA DE FACTO IN DUBIO PRO REO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 371.º DO CP | ||
Data do Acordão: | 02/14/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Sumário: | 1. A violação de um normativo constitucional não conduz à nulidade de qualquer acto mas, quanto muito, a uma inconstitucionalidade, por preterição da aplicação dos princípios que estarão contidos na norma pretensamente atingida. 2. A omissão de diligências que possam reputar-se de essenciais para a descoberta da verdade configura nulidade, por força do disposto no artº 120º/ 2-d), do CPP. Contudo, a mesma é sanável, pelo que carece de ser arguida, em obediência ao regime estabelecido no nº 3 do referido artº 120º. 3. A exigência de fundamentação tem natureza imperativa, é um princípio geral, que a própria Constituição consagra no art. 205°/1, que carece de ser observado nas decisões judiciais. O dever de fundamentação visa atingir uma tríplice finalidade: permitir a compreensão da decisão e, consequentemente, a sua aceitação pelos destinatários e pela comunidade jurídica em geral; garantir que a prova foi apreciada de forma racional, e garantir, efectivamente, que direito ao recurso se faça na plena compreensão do acto de que se recorre. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: Em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, o Ministério Público deduziu acusação contra: M.T., advogada, residente ….,Albufeira, Imputando-lhe a prática de um crime de violação do segredo de justiça, p. e p. pelo art.º 371.º/1, do CP. A arguida apresentou contestação, negando a prática dos factos. No decurso da audiência foi proferido o seguinte despacho: «Vem arguida requerer para a descoberta da verdade material a inquirição da Sra. Juiz que presidiu ao 1° interrogatório Judicial de arguido detido no dia 27 de Julho de 2007. Para tanto invoca que as testemunhas referiram que o Sr. oficial de justiça se dirigiu à referida Juiz para proceder à rectificação da acta da diligência, ou para que dela passasse a constar que se determinara a extracção de certidão para investigação de factos imputados à GNR. Sucede porém, que o facto em causa é meramente instrumental pois que não permite do mesmo retirar-se efectivamente a arguida terá chamado a atenção para tal omissão na secretaria que era, o facto que importava à defesa comprovar. Acresce, que para além, de se tratar e de um facto sem relevo para o objecto do processo, as testemunhas aqui inquiridas disseram terem presenciado que o oficial se dirigiu à Sra. Juiz porque na verdade o que descreveram foi o regresso do Sr. funcionário à sala onde decorreu a diligência, ora é na referida sala que se encontra o computador e a impressora necessário quer à elaboração da acta, quer à rectificação da mesma donde em nenhum momento da prova produzida, se dá como certo o conhecimento da referida à Sra. Juiz dos factos cuja demonstração se pretende, assim revela-se que a inquirição da mesma seria irrelevante, pelo que vai a mesma indeferida nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 340.° n° 4 al. a) do CPP. Mais veio a arguida requerer se efectivamente a certidão que deu origem aos presentes autos resultou a instauração de um inquérito, ora nos presentes autos visam manter por objecto factos que se enquadram na prática de um crime de violação de segredo de justiça por ter sido requerida a extracção de uma certidão no âmbito de uma diligência vedada ao público. Tudo o que seja posterior a tal facto ou seja o inquérito originado na referida certidão não tem qualquer relevo para o objecto deste processo sendo certo que nada impedia à arguida dirigir-se aos serviços do Ministério Público de Silves para aí manifestar a posição aqui assumida, nestes termos por se julgar que tal requerimento só pode ter uma finalidade meramente dilatória para além de ser manifestamente irrelevante a prova requerida como o mesmo fundamento legal, indefere-se o requerido». Dele interpôs recurso a arguida, concluindo a sua alegação nos termos que se transcrevem: «1º Em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, requereu, a ora recorrente, que fosse admitida a depor, no Julgamento. A Mm JIC, que presidiu à diligência a que se reporta os autos. 2º Pretendia a mesma produzir prova no sentido de ter solicitado a rectificação da acta, onde deveria constar que havia sido requerida a extracção de certidão, para a investigação de factos perpetrados pela GNR. 3º O Sr. funcionário refere não se recordar. 4º Duas outras testemunhas atestam este facto. 5º Efectivamente a testemunha dirigiu-se, ao que se presume, à Mma JIC, não se aferindo do sucedido em virtude da testemunha referida na conclusão 3- não se recordar, e as testemunhas referidas na conclusão 4ª, como óbvio não poderem presenciar tal contacto. 6° Com a diligência requerida, (inquirição da Mm JIC), pretende-se lograr prova do mesmo. 7° Sendo que a mesma a ser feita seria pela conjugação de todos os meios de prova alicerçado nas regras de experiência comum. 8° Pelo que não é irrelevante a prova requerida, e está perfeitamente ao alcance do Tribunal "a quo". 9° Pelo que deve ser considera nulo o despacho, por violação do art° 320 n° 1 da CRP, por ref. ao art° 340º n. 4 al. a) do CPP, quando interpretado no sentido de ser irrelevante um diligência de prova, requerida, pelo facto de uma testemunha não se recordar de determinado facto, sendo que as restantes, presenciaram parcialmente ao mesmo». Realizado julgamento, a arguida foi condenada pela prática de um crime de violação do segredo de justiça, p. e p. pelo art.º 371.º/1 do CP, na pena de 170 dias de multa, à razão diária de € 15,00, num total de € 2.550,00, ou, subsidiariamente, na pena de 112 dias de prisão. A arguida recorreu, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos, que se transcrevem: «1º Violou o Tribunal "a quo" o artigo 410º nº 2 alínea c) do CPP, no que concerne à matéria dada como provada, constituindo um vicio de apuramento da matéria de facto. 2º Violou o Tribunal “a quo” os artigos 374º nº2; do C.P.P., não respeitando, ainda o preceituado no art.º 32.º e 205.º n.º 1 da CRP, ao dar como provado a prática dos factos, que não resultam da prova produzida em Audiência 3º Violou o Tribunal "a quo", o exame crítico das provas e, salvo melhor opinião, por “defeito” a enumeração da fundamentação dos factos dados como provados, segundo o artigo 374º nº 2 e 374º nº 2 e 379º nº 1 alínea a) ambos do CPP, gerando um vício de forma, a nulidade, 4º Não deveria ser dado como provado os constantes, os pontos 3, 6 7, e 8 da sentença. 5º e para além destes e dos demais factos, deverá ser considerado provado que arguida, ora recorrente: 6º após finda a diligência a então aí mandatária e o seu constituinte dirigiam-se da sala de audiência à secretaria, onde foram trocando impressões acerca do teor da diligência (ambos estavam presentes), extracção de uma certidão por crime diverso daqueles que estavam a ser tratados na diligência; 7º No átrio do tribunal, que separa a sala onde ocorreu a diligência e a secção, entre outros, encontravam-se duas pessoas não identificadas que se veio a apurar mais tarde serem jornalistas, e que terão seguido a recorrente e o seu cliente até à secção, sem que aqueles desses por isso, tendo em consequência assistido e ouvido tudo o que ali ocorreu, reproduzindo a posteriori sem o consentimento de advogada e cliente; 8º A arguida/recorrente não prestou declarações aos jornalistas, nem por estes foi interpelada; 9º A diligência terminou formalmente às 18h40 naquele Tribunal, como resulta da acta de interrogatório, onde só os interessados deveriam estar presentes e não pessoas estranhas ao tribunal, pelo avançado da hora. 10º No caso vertente em apreço, existe falta de exame crítico das provas, violando o Mmo Juiz do Tribunal "a quo" o artigo 118 nº 1; 374.º n.º 2; 410 nº 2 todos do C.P.P., 11º Por outro lado o artº 371º do CP é inconstitucional, por violação do estatuído nos art.º 13º, 32.º nº1 e 205º da CRP, quando entendido, como "in casu", que viola o segredo de justiça o advogado, que ao conferenciar com o seu constituinte dentro das instalações do tribunal após interrogatório de arguido detido, sejam do teor da conversa reproduzida pelos meios de comunicação social, sem que para isso a advogada tenha prestado qualquer declaração aos agentes de comunicação. 12º Encontra-se violado o are 6" da Convenção Europeia dos Direito do Homem. 13º Daí que a sentença é por si só, por esta via nula, com necessidade de correcção, por apelo ao disposto nos artigos 374º nº 2 e 379º nº 1, alínea a) e alínea c), ambos do C.P.P 14º Está verificado o vício plasmado no art. 410º, nº.2, al. b), que pelo presente se deixa aqui arguido com as legais consequências daí resultantes por violação do art. 379º, nº 1, por referência ao art. 374º, nº 2, ambos do CPP. 15º O que importa a absolvição da recorrente por notória ausência de prova, que consubstancie o crime. 16º Não está verificado tipo ilícito do crime, por falta de integração dos elementos essenciais, para a verificação do mesmo que a lei visa acautelar. 17º Por não o estarem preenchidos os “plurimos significados axiológicos” integradores do segredo de justiça. 18º Assim, e na esteira do ora expendido, é inconstitucional o art. 371º, nº.1 do CP, por violação do estatuído nos art.º 13º, 32.º nº1 e 205º da CRP artº 6º da Convenção Europeia dos Direito do Homem, quando entendido, confio “in casu” que se verifica a violação do segredo de justiça, quando é difundida noticia de extracção de certidão para inquérito criminal, mesmo que o requerimento tenha sido apresentado em diligência processual, mas que não afecte a validade desta, e não se encontrando concretizados na noticia, pessoas especificas e factos concretos, que ponham em causa a efectivação da justiça. 19º Pelo que por esta via importa a absolvição da recorrente. 20º A arguida/recorrente, e atendendo, ao principio de “in dubio pro reu” deverá ser absolvida da prática dos factos pela qual vinha acusada. 21º O que pelas regras de experiência comum, e de análise criteriosa feita da prova seria condição necessária e suficiente para determinar esta solução. 22º A recorrente é primária e encontra-se inserida familiarmente e profissionalmente, 23º A arguida, não sabe em que medida o Tribunal "a quo" atendeu, ou não, às condições pessoais da arguida e à sua situação económica, tal como resulta do artigo 71º nº1 alínea d) do C.P, 24º A Mm. Juiz do Tribunal “ a quo” na escolha da medida da pena, em qualquer momento fez, referência as condições pessoais, familiares e económicas do arguido. 25º Limitando--se o Tribunal a fazer um enquadramento jurídico relativamente à escolha da medida da pena e da sua determinação. 26º A prevenção especial positiva, nomeadamente a preocupação de evitar a quebra da inserção social do agente, não foi atendida pelo Tribunal "a quo"». Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações no sentido da improcedência de ambos os recursos. Nesta instância, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto da sentença. II- Questões a decidir: Conforme resulta do artº 412º/1, do CPP – na redacção dada pelo DL nº 303/2007, de 24/8, aplicável aos autos – a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pelas conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Deste dispositivo se retira, unanimemente, que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso (cf. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, in B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998, in B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, in B.M.J. 477º-271), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (cf. artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995). As questões colocadas pela recorrente, arguida, são aferir: 1- Quanto ao recurso interlocutório, se foi cometida nulidade por violação do artº 32º/CRP, por referência ao artº 340º/4, a) do CPP; 2- Quanto ao recurso da sentença: A) Da existência, ou não, de nulidade na sentença, por força do disposto nos artºs 379º/1-a e c), e 374º/2, do CPP; B) Da existência, ou não, de vício de contradição da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; C) Da existência, ou não, de vício de erro notório na apreciação da prova e da violação do princípio «in dubio pro reu»; D) Do pedido de reapreciação da prova; E) Da ocorrência de inconstitucionalidade do 371º/CPP, por violação dos artºs 13º, 32°/1 e 205º da CRP, quando interpretado no sentido de que «viola o segredo de justiça o advogado, que ao conferenciar com o seu constituinte dentro das instalações do tribunal após interrogatório do arguido detido, sejam do teor da conversa reproduzida pelos meios de comunicação social, sem que para isso a advogada tenha prestado qualquer declaração aos agentes de comunicação»; F) Da ocorrência de inconstitucionalidade do 371º/CPP, por violação dos artºs 13º, 32°/1 e 205º da CRP e artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos dos Homem, quando interpretado no sentido de que «há violação do segredo de justiça quando é difundida noticia de extracção de certidão para inquérito criminal, mesmo que o requerimento tenha sido apresentado em diligência processual, mas que não afecte a validade desta e não se encontrando concretizados na noticia, pessoas especificas e factos concretos, que ponham em causa a efectivação da justiça»; G) Da falta de consideração das condições pessoais e económicas da arguida, na escolha da medida da pena; H) Da omissão de ponderação da quebra da inserção social da arguida, na aplicação da pena. III- Fundamentação de facto: Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos: 1. No dia 27 de Julho de 2007, entre as 11h20 e as 18h40, decorreu neste Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, no âmbito do NUIPC ---JAPTM, o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no qual a arguida interveio na qualidade de mandatária do arguido. 2. Nessa diligência de acto processual penal a M.ª Juiz de Instrução Criminal que presidiu à mesma, ordenou que «face à gravidade das situações enunciadas pela ilustre mandatária do arguido e as quais alegadamente tiveram lugar por parte dos senhores militares da GNR, determino que se extraia certidão das mesmas e se entregue para os devidos efeitos ao Ministério Público». 3. Após o termo da referida diligência processual penal, no átrio do 4.º piso deste Tribunal Judicial de Portimão onde decorreu a diligência em causa, a arguida foi interpelada pelos jornalistas P…do “…” e J. da Agência de Notícias “Lusa” sobre a diligência processual que tinha terminado, ao que a arguida, não ignorando a profissão daqueles e que actuavam no exercício da mesma declarou que: «foi extraída uma certidão contra crimes perpetrados por militares da GNR à advogada, nomeadamente coação física e moral, entre outros». 4. A arguida aparentava indignação. 5. Às mencionadas declarações da arguida foi dada publicidade através dos meios de comunicação social, tendo sido publicadas no dia seguinte, 28 de Julho de 2007, na página 10 do diário “…” e na página 10 do diário “…”, com base nas divulgações da arguida sobre o teor do acto processual em que interveio. 6. A arguida, na qualidade de advogada, bem sabia que, por não se encontrar autorizada, divulgava, ilegitimamente, parte de acto de processo penal, que se encontrava coberto por segredo de justiça e a cujo decurso não era permitida a presença do público em geral. 7. A arguida bem sabia que ao agir como agiu assim punha em crise o interesse do Estado numa Justiça isenta e independente, poupada a intromissões de terceiros e a especulações sensacionalistas, resultado que quis e alcançou. 8. A arguida bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, encontrando-se livre para se determinar e motivar por esse conhecimento. 9. A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente. 10. A arguida, após a diligência, dirigiu-se ainda à secretaria, aos serviços de atendimento do JIC com vista a solicitar cópia do despacho resultante do interrogatório judicial. 11. Após o interrogatório, os elementos da comunicação social dirigiram-se ao arguido, formulando diversas questões. 12. A arguida não tem antecedentes criminais. 13. A arguida é advogada, possui escritórios, juntamente com um colega, em Albufeira e nos Açores. Factos Não Provados Nenhum outro facto se apurou, nomeadamente que: 1. Os factos ocorreram no 3.º piso deste Tribunal. 2. A arguida não falou ou prestou qualquer comunicado à comunicação social. 3. A arguida solicitou ao seu constituinte que não prestasse qualquer informação/declaração aos jornalistas. 4. A arguida nunca, em momento algum, falou acerca do teor dos autos, directamente ou de outra forma, para os jornalistas. 5. A arguida, quando confrontada com o teor da acta constatou que faltava no despacho a determinação da extracção da certidão requerida, reportando que seria para entregar à própria, por factos alegadamente praticados pela GNR, solicitando à senhora oficial de Justiça que falasse com a Mmª JIC com vista a requerer a rectificação da acta do 1.º interrogatório judicial, o que se logrou obter, conversa esta mantida apenas entre a arguida e a senhora funcionária. IV- Fundamentação probatória: O tribunal a quo ponderou o seguinte: «A prova, nos termos do art.º 127.º do CPP, deve ser apreciada, no seu conjunto, segundo as regras da experiência e segundo a livre convicção do julgador, salvo quando a lei disponha diferentemente. Assim, indicam-se, em conformidade com o no n.º 2 do art.º 374.º do CPP, os meios de prova que serviram para fundar a convicção do Tribunal: No que concerne aos factos dados como provados 1) Prova testemunhal: 1 a) Depoimento da testemunha J.: Jornalista da Agência Lusa, desde há cerca de 10 anos, o qual presenciou os factos, tendo esclarecido que se encontrava no átrio do Tribunal a aguardar pela medida de coacção aplicada a um militar da GNR que estava a ser ouvido em 1.º interrogatório judicial, tendo referido que a advogada desse militar se dirigiu ao próprio e a P., também jornalista, e, em voz alta, afirmou “podem escrever”, “vou extrair certidão para processar militares por crimes de coação física e psicológica sobre a advogada”, razão pela qual citou tais afirmações para divulgação através da Agência Lusa (tal como veio a suceder com a publicação da notícia no jornal “…”). Confirmou a autoria do texto constante de fls. 198 e 199, que foram a base da notícia publicada. Mais esclareceu que se encontravam no átrio do tribunal outras pessoas: militares da GNR, familiares do arguido e 2 advogados, para além do próprio e do seu colega. Tendo deposto de modo que não suscitou dúvidas quanto à sua isenção e tendo o seu depoimento sido coerente com a prova documental junta aos autos e com o depoimento da testemunha P., foi merecedor de credibilidade e, consequentemente, foi valorado o seu depoimento. 1 b) Depoimento da testemunha P.: Jornalista … (Delegação de Portimão), o qual se encontrava presente no Tribunal de Portimão na data dos autos a aguardar pelo final do 1.º interrogatório de um arguido detido com vista a saber qual seria a medida de coação aplicada, tendo esclarecido que falou com a advogada desse arguido e que no final do referido interrogatório a aqui arguida dirigiu-se aos jornalistas (ao próprio e à testemunha anterior) e, em voz alta, perturbada e com indignação, disse-lhes “podem escrever”, tendo ainda proferido as expressões que anotou e citou na notícia publicada no dia seguinte naquele periódico e da qual foi o seu autor. Mais esclareceu que a advogada sabia que eram jornalistas, mesmo porque a própria, em conversa anterior terá feito um comentário para ambos acerca de virem ali “procurar notícias”. Considerando que a testemunha depôs de modo coerente, quer no seu depoimento em si, quer com o depoimento da testemunha presencial J., sem que tivesse suscitado dúvidas quanto à sua isenção, mostrou-se o seu depoimento credível, tendo sido o mesmo valorado para o apuramento dos factos. 1 c) Depoimento da testemunha S.: constituinte da arguida à data dos factos, o qual esclareceu que no final do seu interrogatório saiu juntamente com a sua advogada e que ambos comentaram o sucedido num tom de voz normal, admitindo que poderia ser ouvido pelas pessoas que se encontrassem ali perto. Nessa altura não se recorda de ter visto a sua advogada falar com jornalistas mas recorda-se de ter falado numa certidão junto ao balcão da secretaria. Confirmou ter sido abordado por jornalistas, os quais se identificaram nessa qualidade. Ora esta testemunha, no decurso do seu depoimento revelou uma fraca memória de alguns dos factos ocorridos nessa data (o que é compreensível, se se atentar que o mesmo havia sido constituído arguido e interrogado por um Juiz). O que se achou curioso foi que não obstante não guardar memória de alguns acontecimentos, a testemunha recordava-se bem de ter sido falado com a aqui arguida, justamente, qualquer coisa a respeito de extrair uma certidão. Ora, este facto, a par de ser a arguida a sua defensora no âmbito daqueles autos, suscitaram dúvidas a respeito da sua isenção, razão pela qual apenas se valoraram as suas declarações na parte em que não foram contrariadas pelos outros meios de prova (sendo de notar que, no que concerne às declarações proferidas pela arguida aos jornalistas, esta testemunha não mereceu credibilidade, uma vez que, nesta parte foram as suas declarações contrariadas por duas testemunhas presenciais, as quais não têm qualquer interesse no desfecho da causa e, por isso se mostraram isentas). 1 d) Depoimento de R: Advogada Estagiária, a qual se encontra a realizar o seu estágio profissional no mesmo escritório da arguida, desde há cerca de um ano, e que, na data dos autos acompanhou a arguida ao Tribunal de Portimão (pese embora ainda não fosse advogada estagiária). A testemunha esclareceu que no final do interrogatório a arguida dirigiu-se com, o seu cliente, à secretaria, tendo então notado a falta de menção no auto da extracção da certidão, o que referiu em voz alta, podendo, pois, ser ouvida por quem se encontrasse perto do local. Ora, a testemunha mencionou também que a diligência terminou pelas 20h30m. Sucede que tal não corresponde à verdade, como resulta do respectivo auto. É certo que se poderia considerar tal como um lapso de percepção desculpável atento o tempo entretanto decorrido. Todavia, a juntar a tal lapso, a testemunha revelou contradições no seu depoimento relativamente ao depoimento de S.. Com efeito, enquanto que este referiu ter mantido uma conversa num tom de voz normal com a aqui arguida após o final da diligência e enquanto se dirigiam para a secretaria, já esta testemunha referiu que ambos se dirigiram para a secretaria sem que tivesse havido qualquer conversa entre si. E se a estas circunstâncias acrescentarmos que a testemunha realiza o seu estágio profissional no mesmo escritório da arguida (carecendo de um parecer positivo do seu Patrono para ingresso na profissão) suscitaram-se sérias dúvidas a cerca da sua isenção. Assim, por não ter merecido credibilidade, não foram valoradas as suas declarações na parte em que foram as mesmas directamente contrariadas pelos demais meios de prova (nomeadamente, pelo depoimento dos jornalistas). 1 e) Depoimento da testemunha C.: Oficial de Justiça, o qual, à data dos factos, exercia funções como escrivão auxiliar junto do Juiz de Instrução de Portimão, e que apenas se recordou vagamente do interrogatório que deu origem aos presentes autos, nada mais sabendo esclarecer. Dado o desconhecimento dos factos o seu depoimento não se mostrou relevante para o apuramento dos factos. 2) Prova Documental: 2 a) folha 10 do jornal diário “…”, datado de Sábado, 28 de Julho de 2007 (constante de fls 2 dos autos) de onde se extrai a autoria da notícia pelo jornalista P. e que ali foi noticiado, com o sub-título «Advogada de S. acusa militares da GNR de “coacção física e moral”», que, no final do primeiro interrogatório de S. na qualidade de arguido, ocorrida na véspera, no Tribunal de Portimão, a advogada M. T. afirmou ter sido extraída uma certidão contra crimes perpetrados por militares da GNR à mesma, nomeadamente coacção física e moral e, bem assim que a mesma iria «recorrer da preventiva», tendo ainda constado da notícia que mesma tinha sido confrontada com crimes de que não tinha conhecimento. O teor de tal notícia bem contraria a versão pugnada pela arguida, revelando que a mesma efectivamente prestou declarações concretas aos jornalistas sobre o caso em que interveio e sobre parte do que aconteceu na diligência dos autos. 2 b) folha 10 do jornal diário “…”, datado de Sábado, 28 de Julho de 2007 (constante de fls 3 dos autos), de onde se extrai a autoria da notícia pela jornalista T. e que ali foi noticiado o interrogatório de S. na qualidade de arguido, na véspera, no Tribunal Judicial de Portimão, tendo a advogada do arguido, M.T., informado que foi extraída uma certidão do processo contra os militares do Posto de…para que fossem indiciados por crimes de coacção física e moral, entre outros, à própria advogada. Importa conjugar esta notícia com o teor do texto constante de fls 198 e 199 e o depoimento de J., comprovando a cadeia de divulgação dos factos noticiados (arguida> jornalista J.> jornalista T.> publicação da notícia). 2 c) cópia do auto de primeiro interrogatório de arguido detido (constante de fls 5 a 32 dos autos) de onde se extrai ter sido tal diligência realizada no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, em 27.07.2007, com início às 11h20m e encerramento às 18h40m (e uma interrupção após a prestação de declarações pelo arguido, entre as 13h40 e 14h50), no âmbito do NUIPC ----JAPTM, onde era arguido S. e a sua Defensora constituída a Dr.ª M.T.. Mais resulta do referido auto que, quando foi à aqui arguida dada a palavra para se pronunciar sobre os indícios existentes e a medida de coação promovida pelo Ministério Público (portanto, já na parte da tarde desse dia), a mesma ali fez consignar que o arguido não foi confrontado com a prática de determinados factos e crimes mencionados na promoção (justamente uma das informações veiculadas pela comunicação social, comprovando que os jornalistas entrevistaram a advogada, única fonte de tais factos) e que a vítima de um dos imputados crimes tinha sido instigada pela GNR a formalizar a queixa, tendo-se os militares em causa prontificado a redigir o teor da queixa e a entregar ao M.ºP.º. Mais se comprova, nesse auto e em face desta denúncia, que foi proferido um despacho judicial a ordenar a extracção de certidão quanto aos factos narrados pela aqui arguida para que, pelos mesmos, fosse instaurado o competente inquérito. 2 d) certidão do teor da decisão do M.ºP.º de Silves de sujeição dos autos com o NUIPC ----a segredo de justiça e respectiva validação judicial datada de 18.09.2007 (constante de fls 41 a 44 destes autos). 2 e) documento de fls. 164, que corporiza uma declaração do Director do “…” a referir que a notícia publicada nesse periódico no dia 28.07.07, resulta do teor de dois telexes enviados pela Agência Lusa. 2 f) documento de fls. 170, que corporiza uma declaração do Director de Informação da Agência Lusa a informar que a autoria das notícias é do correspondente em Portimão, J... 2 g) folhas de rosto dos requerimentos apresentados pela arguida, em seu nome pessoal, que comprovam os locais em que a arguida tem escritório (Albufeira e Açores) juntamente com um Colega, e onde constam números de telefone, fax e e-mails (revelando a existência de aparelhos de telefone, fax e computadores, pelo menos, para o exercício da sua actividade profissional). 2 h) CRC da arguida. A situação pessoal e profissional da arguida apurou-se com base nos elementos constantes dos autos, uma vez que a mesma não compareceu à audiência de julgamento e não colaborou com os Serviços do IRS (como ilustra o teor de fls 485). Assim, tendo por base as folhas de rosto dos requerimentos juntos pela arguida aos autos em seu nome pessoal foi possível apurar a sua profissão, quantos escritórios possui e o número de aparelhos de telefone de fax que ali possui, juntamente com o seu Colega de escritório. No que concerne aos factos dados como não provados: Quanto à localização do piso em que ocorreu a diligência, atendeu-se ao depoimento dos jornalistas, que mencionaram encontrar-se no local uma máquina de café. Ora, o único piso deste Tribunal onde existe uma máquina de café é o 4.º piso, razão pela qual se deu como não provado que os factos pudessem ter ocorrido no 3.º piso. Quanto aos demais factos dados como não provados resultam, justamente, do apuramento dos factos contrários. Com efeito, em face da prova documental existente nos autos e dos depoimentos dos dois jornalistas, resulta comprovado que a arguida prestou declarações aos mesmos, sabendo em que qualidade ali se encontravam, sendo esta a única fonte das informações que acabaram por ser noticiadas (para além da entrevista dada pelo próprio constituinte). Mais se apurou tratar-se de um funcionário e não de uma funcionária. Nestes termos, do cotejo dos meios de prova produzidos nos autos, a versão apresentada pela arguida não foi adequada sequer a gerar dúvidas sobre a realidade dos factos». V- Fundamentos de direito: 1) Quanto ao recurso interposto em acta: Pugna a recorrente, ao que se entende, pela nulidade do despacho que indeferiu o pedido, que formulou em audiência, para ser ouvida a Mmª Juiz que presidiu à diligência na sequência da qual ocorreram os factos pelos quais foi acusada nestes autos. Entende que é nulo, por violar o artº 32º/CRP, com referência ao artº 340º/4, a), do CPP. Contudo, a violação de um normativo constitucional não conduz à nulidade de qualquer acto mas, quanto muito, a uma inconstitucionalidade, por preterição da aplicação dos princípios que estarão contidos na norma pretensamente atingida. Não tem, consequentemente, cabimento jurídico a alegada nulidade. Olvidando a referência à pretensa inconstitucionalidade, por força da qual o artº 340º/4, a), do CPP, foi chamado a terreiro, num esforço interpretativo daquilo que são as conclusões e o corpo da motivação do recurso, admite-se como possível o entendimento de que a recorrente tenha querido invocar a nulidade, com fundamento não na pretensa violação do nº 4, mas do princípio da investigação oficiosa, vertido no nº 1. Na realidade, a omissão de diligências que possam reputar-se de essenciais para a descoberta da verdade configura nulidade, por força do disposto no artº 120º/ 2-d), do CPP. Contudo, a mesma é sanável, pelo que carece de ser arguida, em obediência ao regime estabelecido no nº 3 do referido artº 120º. No caso, a arguida não invocou nulidade. Das nulidades reclama-se; das decisões recorre-se – este é um princípio base do regime recursório vigente. Porque a arguida não reclamou da pretensa nulidade, antes de findo o julgamento, como necessitava de fazer para lhe ser facultada a via do recurso para fazer valer a sua pretensão, está agora precludida a possibilidade de invocação da omissão de diligências probatórias, em sede de audiência de julgamento, como fundamento de recurso. Improcede, consequentemente, a questão em apreço. 2) Quanto ao recurso da decisão final: A) Da nulidade da sentença, nos termos do disposto nos artºs 379º/1-a e c), e 374º/2, do CPP: A recorrente invoca a sobredita nulidade, ao que se entende, com dois fundamentos: por falta de exame crítico das provas e por violação do disposto nos artigos 13º, 32º/1 e 205º da CRP e artº 6º da CEDH. Não colhe a argumentação de nulidade de sentença emergente da violação de preceitos constitucionais ou da DEDH. As nulidades de sentença são as taxativamente enumeradas no artº 379º/CPP e nenhuma mais. A violação de normas constitucionais apenas é apta a gerar inconstitucionalidades e não nulidades, que são vícios determinados pela violação ou inobservância das leis de processo, nos termos fixados pelo artº 118º/CPP. A invocação da nulidade contida na alínea c) do nº 1, do artº 379º/CPP, não tem correspondência com qualquer argumentação utilizada pela recorrente, em sede de motivação do recurso. Aparece desgarrada, emergente apenas da invocação do preceito. Ora versando matéria de direito, as conclusões do recurso, reflectindo a argumentação constante do corpo da motivação, carecem de indicar, não só as normas jurídicas violadas, como o sentido em que o tribunal a quo as interpretou ou aplicou e aquele em que as deveria ter interpretado ou aplicado (artº 412º/2, do CPP). Não consta nem das conclusões do recurso, nem do corpo da motivação, qualquer referência a eventual omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo, relativamente a questões efectivamente suscitadas, nem a apreciação de questões não suscitadas, que não sejam de conhecimento oficioso. Falece, assim, o pedido de reapreciação da sentença recorrida à luz da norma contida no artº 379º/1-c), do CPP. Resta, pois, a apreciação da nulidade por falta de exame crítico das provas, que se encontra prevista pela alínea a) do supra referido preceito. No termos dos artºs 379º/1-a) e 374º/2, do CPP, é nula a sentença que não contiver, entre o mais, a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas quer serviram para formar a convicção do Tribunal. A exigência de fundamentação tem natureza imperativa, é um princípio geral, que a própria Constituição consagra no art. 205°/1, que carece de ser observado nas decisões judiciais. O dever de fundamentação visa atingir uma tríplice finalidade: permitir a compreensão da decisão e, consequentemente, a sua aceitação pelos destinatários e pela comunidade jurídica em geral; garantir que a prova foi apreciada de forma racional, e garantir, efectivamente, que direito ao recurso se faça na plena compreensão do acto de que se recorre [1] . «Só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, ‘convencer’ as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por ‘convencido’ sugere» [2] A fundamentação da matéria de facto, nas decisões judiciais penais, desdobra-se em dois níveis de exigência: a enumeração dos factos provados e não provados (tendo-se já entendido que na falta de contestação a enumeração destes últimos é dispensável [3] e a explicitação do exame crítico das provas, feito pelo julgador, de tal forma que se entenda como, juntamente com as regras de experiência comum e da lógica, se formou a convicção do Tribunal [4] A exposição dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, deve ser completa mas concisa, contendo as provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo Tribunal – o que não é sinónimo de realização de assentadas reportadas a declarações e depoimentos produzidos em audiência – bem como a análise critica da prova. Esta análise deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais determinado meio de prova, ou determinados meios de prova, foi ou foram valorados num certo sentido e outros não o foram, e da medida em que o foram ou não; ou seja, a explicação dos motivos que levaram o Tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis e, ainda, na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada. Só com a demonstração de que a concreta opção tomada não é ilógica, arbitrária ou violadora das regras de experiência, a decisão se torna transparente e permite a sua compreensão, intra e extraprocessualmente [5] Marques Ferreira [6] expendeu as seguintes considerações, a propósito da questão: «No futuro processo penal português, em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no artº 320º, nº 1 e no artº 210º, nº 1, da CRP, exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. (…) A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o artº 410º, nº2. (….) E extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade». Mais do que uma mera referência dos factos às provas, é necessário um correlacionamento dos mesmos com as provas que os sustentam, de forma a poder concluir-se quais as provas e, em que termos, garantem que os factos aconteceram ou não da forma apurada. Não se vê como se sustenta, no caso em apreço, a invocada nulidade. A sentença recorrida fez uma análise detalhada de cada uma das provas produzidas, correlacionou-as e concluiu pela ocorrência dos factos que considerou assentes e pela não ocorrência dos demais, invocados no processo. A análise das provas, que fez, não peca por irrazoabilidade, quer face às circunstâncias do caso em apreço, quer face às regras de experiência. Antes pelo contrário, mostra-se ponderada, cautelosa, criteriosa na escolha dos elementos de convicção e aplicadora das regras de experiência de forma reveladora de um bom conhecimento do contexto em que cada um dos depoimentos foi produzido. Face a todo o exposto, conclui-se que não ocorre falta de fundamentação, mas, antes pelo contrário, a fundamentação feita mostra-se coerente, lógica e reveladora de um percurso cognitivo muito ponderado e feito em pleno acordo com as regras da experiência comum. Aliás, resulta dos termos do recurso interposto, nomeadamente das alegações, que a recorrente entendeu a decisão recorrida, na vertente da aquisição fáctica, pelo que sempre teríamos que concluir que a decisão se encontra, pelo menos, suficientemente fundamentada. Da motivação e conclusões de recurso percebe-se que a agravante entendeu a solução dada pela instância, mas apenas discordou dela. Tal discordância é meramente intelectual e não se prende com qualquer vício da sentença, que não existe. Não é, pois, assacável vício de nulidade à sentença recorrida. B) Do vício de contradição da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão: Nos termos da alínea b) do artº 410º/2, do CPP; a contradição insanável entre os fundamentos e a decisão é um dos possíveis fundamentos de vício da sentença. O referido vício pressupõe posições antagónicas e inconciliáveis entre si, nos factos descritos ou entre essa descrição e fundamentação. Existe o vício de contradição insanável de fundamentação quando, «de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, ente facto provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal»[7]. Verifica-se vício de contradição entre a fundamentação e a decisão quando «segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou, quando, seguindo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida, quer porque existe contradição entre os fundamentos e a decisão, quer porque se dá como provado e como não provado o mesmo facto» [8] . A recorrente alega que a sentença recorrida padece destes vícios, se bem que o fundamento que invoca, para ambos, não seja mais do que uma pura divergência de entendimento a respeito da prova produzida. Esse fundamento não tem correspondência com a natureza dos vícios em apreço e não se vislumbra contradição quer na fundamentação, quer entre a fundamentação e a decisão, pelo que soçobram estes fundamentos de recurso. C) Do vício de erro notório na apreciação da prova e da violação do princípio «in dubio pro reu»: Existe erro notório na apreciação da prova (o terceiro vício contemplado pelo nº 2 do artº 410º/CPP) quando, considerado o texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras de experiência comum, se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum. Ocorre o vício quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica normal, revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados entre si, ou entre os provados e os não provados, ou traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta [9] . O vício consiste numa uma «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, (…) denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provadas factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável» perceptível «perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum» [10] . Concorrem, na jurisprudência, dois entendimentos sobre as características que deverão verificar-se no avaliador do vício: um, que perfilha que o erro notório carece de ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja como aquele facto de que o cidadão comum se aperceberá, directamente, ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório [11] ; um outro, que entende que o erro carece de ser notório apenas para o julgador, dotado da especial formação e experiência, típicas do julgador médio, com uma perspectiva própria de quem decide em Tribunal [12]. O erro notório na apreciação da prova é um vício que ocorre quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária aquela que foi proferida. Este vício prende-se com os limites a que está sujeito o princípio da livre apreciação da prova, p. no artigo 127.º/CPP. «Este princípio deve ser entendido como o dever de "...perseguir a verdade material, de tal sorte que a apreciação da prova há-se ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controle"....; a livre apreciação da prova, porque não impressionista nem meramente arbitrária, deverá ter sempre subjacente, tal como encontra eco no art. 374º, nº 2 do C. P. Penal, uma motivação ou fundamentação, ou seja, os motivos de facto que fundamentam a decisão, os quais não são nem os factos provados ("thema decidendum") nem os meios de prova ou os factos probatórios ("thema probandum"), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de certa forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (vide Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 227) [13] ». No mesmo sentido, veja-se Maia Gonçalves, (Código de Processo Penal Anotado, 9ª ed., pág. 322) e Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, vol. II, págs. 126 e segs.) - que entende a livre apreciação da prova como uma «valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão». A livre apreciação da prova «não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável: Há de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão» [14] . O princípio da livre apreciação da prova «não deve traduzir-se em mais que não aprisionar o juiz em critérios preestabelecidos pela lei para formar a sua convicção, mas não para o isentar de obediência às regras da experiência e aos critérios da lógica. Neste sentido, um elemento de legalidade entra de novo no problema da apreciação da prova. Ainda que não fixadas pela lei, ele implica, na verdade, que certas regras de direito (nas quais podem transformar-se as leis da lógica e da experiência) presidam à avaliação da prova pelo juiz, mesmo onde falamos de livre convicção. Ideia que implica, por um lado, a possibilidade de apreciar em via de recurso a violação de tais leis na apreciação da prova e, por outro lado, (…) conduz à necessidade de motivar as decisões em matéria de facto» [15] . «A liberdade de que aqui se fala [princípio da livre convicção] não é nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionisto-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação. Trata-se de uma liberdade para a objectividade – não aquela que permita uma “intime conviction”, meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objectividade (…), i.e. uma verdade que transcenda a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros – que tal só pode ser a verdade do direito e para o direito.(…) Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito … ainda no domínio da convicção probatória (…) [ e por isso] não deixará de ser controlável pelos tribunais de recurso com competência apenas “de direito” (STJ como tribunal de revista), sempre que a violação do princípio da objectividade for evidente sem outras averiguações probatórias» [16] . Em processo penal figura, como critério positivo de prova de um facto, o parâmetro da prova além da presunção de inocência [17] , vindo do direito processual anglo-saxónico, onde é entendido como prova para além de toda a dúvida razoável [18] . Articula-se com o princípio da livre convicção como se fossem «dois círculos concêntricos de salvaguarda que o sistema processual penal coloca em defesa do cidadão inocente de não correr o risco de ser condenado. Ambos incidem sobre o momento da valoração da prova pelo juiz; momento verdadeiramente crucial para tornar efectivo o direito individual a ver reconhecida a própria inocência, se não resulta provada a sua culpa. O primeiro círculo, com a afirmação do princípio da livre convicção (…) coloca o momento da valoração da prova a coberto dos efeitos devastadores produzidos pelo sistema precedente da prova legal (…).O acusado, com efeito, não pode sofrer condenação em resultado do emprego de regras probatórias formais, como as que resultam do modelo aritmético da prova e tem, sem dúvida, o direito de exigir que a garantia da sua presunção de inocência seja efectivamente accionada no caso concreto colocado à valoração do juiz. Com o segundo círculo de salvaguarda, procura evitar-se que a livre valoração do juiz se transforme em arbítrio. O juiz não está sujeito a vínculos normativos externos, mas deve chegar à formação da sua convicção através do emprego de critérios racionais, próprios da lógica, da ciência e do conhecimento comum. A certeza probatória que desse modo o juiz alcança (…) [trata-se] naturalmente de uma certeza lógica, aplicada ao caso concreto e modelada segundo um itinerário argumentativo objectivamente susceptível de controlo» [19] . Funciona também como base ou pressuposto do princípio in dubio pro reu. «Ao pedir-se ao juiz, para prova dos factos, uma convicção objectivável e motivável, está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja: quando possa objectivar e motivar uma dúvida. Espera-se deste modo que a decisão convença. Convença o juiz no seu íntimo, mas contenha em si igualmente a virtualidade de convencer o arguido e, nele, a inteira comunidade jurídica (…). O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no “in dubio pro reo” o seu limite normativo: ao mesmo tempo que transmite o carácter objectivo à dúvida que acciona este último. Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva.» [20] . O princípio in dubio é uma regra de decisão, que funciona na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos. Assim o impõe o processo penal da presunção de inocência, leal e respeitador da confiança legítima dos cidadãos nas decisões dos Tribunais [21] . A sua aplicação desdobra-se em dois momentos: no da avaliação probatória directa, imediata, em primeira instância ou em sede de efectiva reapreciação de prova, na fase de recurso e no da apreciação do processo de aquisição processual da prova fixada, na vertente da avaliação sobre a existência ou não de vício de erro na sua apreciação. Numa primeira fase «o universo fáctico – de acordo com o «pro reo» passar a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para prova dos segundos se exige certeza» [22] . Numa segunda fase, funciona aquando da sua aplicação em Tribunal de recurso: sempre que resulta do texto da decisão recorrida a existência de dúvida sobre factos desfavoráveis ao arguido, ou ainda que não constando, ocorra que a dúvida se instala, quando apreciado o iter cognitivo do julgador. «Entendidos, assim, objectivamente, os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, sempre será de considerar este princípio violado quando o tribunal dá como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que o tribunal não tenha manifestado ou sentido a dúvida que, porém, resulta de uma análise e apreciação objectiva da prova produzida à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório (cfr art. 127º do CPP)» [23] . No caso concreto o vício, supra descrito, foi suscitado na sequência de discordância da arguida relativamente à factualidade considerada assente pelo Tribunal. Contudo a invocação de erro notório na apreciação da prova não se identifica com a impugnação da matéria de facto, que será aquilo que a recorrente pretende, afinal. São realidades jurídicas distintas, com pressupostos de apreciação diversos e conducentes a resultados distintos. Não se vislumbra em que passagem da motivação probatória a recorrente encontre manifestações do vício que apontou, ao abrigo do artº 410º/2-c), do CPP. E, lida a referida fundamentação, também não se logra encontrar fundamento para aludido vício, cognoscível oficiosamente. Também quanto a este fundamento de recurso se verifica motivo de improcedência. No que concerne à alegada violação do princípio in dubio, também não se encontra manifestação de que, em qualquer das suas vertentes, o princípio tenha sido atingido com a aquisição probatória considerada na instância. Aliás, nem a recorrente indica em que passagem da fundamentação probatória teria sido violada a presunção de inocência de que beneficia, pela consideração de factualidade provada, relativamente à qual o Tribunal recorrido tivesse dúvida ou tivesse fundamento para a manifestar. Improcede, consequentemente, também esta questão trazida a recurso. D) Da impugnação da matéria de facto provada: A recorrente, ao invocar os vícios supra apontados, mais não quis do que mostrar a sua discordância para com a factualidade que o Tribunal considerou assente. Pressupostamente, entende-se que pretenderá a reapreciação da prova, se bem que não o refira expressamente em local algum. Este é, no entanto, um pedido normalmente decorrente da manifestação de discordância com a prova produzida. Do processo não constam todos os elementos de prova que serviram de base à aquisição probatória feita na instância, pelo que a reapreciação da prova sem recurso à gravação dos depoimentos onde, em parte, se fundou aquela aquisição, se revela legalmente inviável – artº 431º/a, do CPP. Não houve renovação de prova nesta instância, nem ela era cabida. A decisão proferida sobre a matéria de facto pode ser modificada pelo Tribunal da Relação, quando a prova tiver sido impugnada nos termos do artº 412º/3 e 4, do CPC – cf. artº 431º/b), do mesmo diploma. O recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um tríplice ónus: - Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados; - Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação; - Indicar que provas pretende que sejam renovadas, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação. O recurso da matéria de facto vem concebido pela lei como remédio jurídico e não como instrumento de refinamento jurisprudencial [24]. Dito de outro modo, o recurso da matéria de facto não foi concebido como instrumento ao serviço da realização de novo julgamento, com reapreciação de toda a prova que fundamenta a decisão recorrida, como se o julgamento efectuado na primeira instância não tivesse existido. Trata-se, tão-somente, de um instrumento concebido para a correcção de erros de julgamento e de procedimentos, devidamente discriminados pelas partes [25]. Não indica a recorrente, no caso, quais os segmentos da matéria de facto que pretende ver reapreciados, nem as concretas provas que determinariam a aquisição de factualidade diversa. Tais deficiências violam o princípio da disponibilidade, que estrutura o nosso sistema, do recurso remédio. Veja-se o Ac. do STJ, de 01/07/05, tirado no proc. nº 1681/01-3: «Com o estipulado no artº 412º do CPP e outras normas complementares o que se pretende, ao ser imposto recurso, é criar um conjunto de regras de natureza prática que permitam, uma vez observadas pelos recorrentes, colocar perante o tribunal ad quem, de forma clara, as razões fácticas e jurídicas que os levam a discordar e a atacar as decisões recorridas, de modo a que o tribunal possa apreciá-las com rigor, nem mais nem menos do que é pedido (salvo obviamente a margem de actuação oficiosa). A formulação de conclusões exigindo-se a sua articulação, insere-se no mesmo propósito, mas agora de molde a apresentar-se um quadro sintético, um resumo das questões que se pretende ver submetidas ao tribunal para que se recorre. Já se tem dito que se apela ao dever de colaboração das partes e dos seus representantes com o tribunal na administração da justiça, assegurando em última instância a defesa dos direitos e objectividade da sua realização». Por falta de cumprimento do disposto no artº 412º/3, a) e b) e 4, do CPP, quer no corpo da motivação de recurso, quer nas conclusões, a este Tribunal está precludida a hipótese legal de reapreciação da matéria de facto. A falta da indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas alíneas a) e b) não tem como efeito o convite a aperfeiçoamento das conclusões formuladas, nos casos de falta de indicação das referidas menções não só nas conclusões como na própria motivação, uma vez que a própria motivação apresenta deficiências de fundo, por não satisfazer exigências legais imperativas [26] . O aperfeiçoamento, neste caso, equivaleria a violar a regra de que as conclusões são mero resumo da motivação e a permitir a concessão de novo prazo para recurso, inadmissível [27] . Na conformidade, não se procede a reapreciação da matéria de facto. E) Da inconstitucionalidade do 371º/CPP (leia-se CP), por violação dos artºs 13º, 32°/1 e 205º da CRP, quando interpretado no sentido de que «viola o segredo de justiça o advogado, que ao conferenciar com o seu constituinte dentro das instalações do tribunal após interrogatório do arguido detido, sejam do teor da conversa reproduzida pelos meios de comunicação social, sem que para isso a advogada tenha prestado qualquer declaração aos agentes de comunicação»: A arguida socorreu-se do reduto da inconstitucionalidade, invocando-a nos termos supra descritos. Não se encontra sentido literal na frase transcrita. Nem se encontra senso em que se escreva uma peça ao correr da pena e se remeta a mesma como pedido de recurso, sem cuidar de verificar do seu sentido, da adequação das palavras escritas à pretensão de actuação do Tribunal – partindo do princípio que o recurso interposto visa um determinado efeito no processo a que respeita e não serve, apenas, para ajudar a agravar as condições de funcionamento do sistema judicial. Nessa perspectiva e em busca de um sentido para a alegação de recurso, admite-se que a recorrente pretenda invocar a inconstitucionalidade do artº 371º/CPP (leia-se CP), quando interpretado no sentido em que viola o segredo de justiça o advogado que, depois de conferenciar com o seu constituinte, dentro das instalações do tribunal, após interrogatório deste na condição de arguido detido, venha a constatar que o teor da sua conversa foi reproduzida por meios de comunicação social sem que lhes tenha prestado declarações. Diremos que, tal condenação, a acontecer – que não aconteceu, nestes autos – não seria eivada de inconstitucionalidade mas de absoluta ilegalidade, porquanto não haveria crime nas circunstâncias descritas. Mas em nada aproveita à arguida a ilegalidade (ou inconstitucionalidade) da situação descrita, porque não tem qualquer correspondência com o que se provou nesta acção. O que se provou foi substancialmente diverso; e não aproveita à arguida qualquer inconstitucionalidade de uma hipótese de condenação. Os Tribunais não decidem sobre hipóteses de trabalho, ou questões académicas, mas sobre casos concretos. E concretamente, o que se prova é que a arguida prestou informações a agentes de órgãos da comunicação social sobre o teor de um despacho judicial, emitido a coberto do segredo de justiça. E prestou-as de modo a que um normal destinatário da notícia, que quis criar, seria, naturalmente, levado a pôr em causa a actuação policial, de forma abrangente da legalidade da detenção da pessoa do cliente que, na altura, a arguida defendia. Mas, ainda que assim não fosse, sempre haveria que considerar que: i) O direito ao recurso não coincide com o direito à tutela jurisdicional, tout court, mas sim com o direito à impugnação, como concretização do direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional. Dito de outro modo: o direito ao acesso ao direito e à efectiva tutela jurisdicional concretiza-se, por princípio, pelo direito de acesso aos Tribunais, concebido enquanto direito à protecção, do particular, pelo Estado, e dever de prestação dessa protecção, por parte do Estado. O direito ao recurso tem subjacente a ideia de que essa tutela, manifestada através das decisões judiciais, comporta, inexoravelmente, uma margem de erro ou imperfeição, da qual o particular há de poder salvaguardar-se. Nasce então o direito ao recurso, como direito à protecção judicial contra as próprias decisões judiciais. ii) Manifestamente, o nosso direito processual penal adoptou, em matéria de recursos, a orientação de que estes se regem pelo princípio do dispositivo, isto é, são as partes que dispõem do direito de impugnar ou não impugnar as decisões. iii) Sendo a manifestação de uma discordância em relação à decisão judicial proferida, o recurso é o remédio jurídico de que a parte dispõe, para ver essa decisão substituída por outra que, no seu entendimento, melhor tutele o seu direito. Consequentemente, ao recorrente cabe um duplo ónus: o de indicar com precisão, o que entende que foi mal julgado e o de propor a solução que entende que melhor se adequa à aplicação da lei. iv) A proposta de solução há-de ser concreta, precisa e susceptível de rigorosa apreciação pelo Tribunal de recurso, quer na perspectiva dos factos em que se alicerça, quer na do direito cuja aplicação resultaria numa decisão mais conforme com a lei, ou com o direito, no entendimento do recorrente. v) O art.º 32º/CRP desdobra-se em 10 itens, relativos a variados princípios materiais de processo criminal; o artº 13º/CRP refere-se ao princípio da igualdade, enunciando a proibição de discriminação em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual; o artº 205º/CRP reporta-se às decisões dos Tribunais, enunciado o dever de fundamentação e o princípio da prevalência. vi) É ónus da recorrente indicar, com precisão, qual o vício de que padece a decisão recorrida, o que não fez no presente recurso: remete para três normativos constitucionais, que consagram os diversos princípios materiais, dentre os quais os do processo criminal a que a lei ordinária há-de subordinar-se e, deixa no tinteiro, qual a efectiva violação que entende decorrer do despacho impugnado. Ao remeter para os artsº 13º, 32º/1 e 205º, da CRP, quer no corpo da motivação do recurso, quer na conclusão, a recorrente não deixa transparecer em que segmento desses normativos alicerça o seu pedido de declaração de inconstitucionalidade, não sendo dever deste tribunal procurá-lo, em todas as vertentes possíveis. Ao Tribunal de recurso cabe apreciar questões, concretamente colocadas. A recorrente não coloca qualquer questão concreta a este Tribunal, antes parece querer remetê-lo para uma busca incansável de um qualquer vício que possa afectar a decisão recorrida, o que não tem cobertura legal. Extravasa a função do Tribunal de recurso a procura de vícios da decisão recorrida. Soçobra assim o pedido de declaração de inconstitucionalidade. F) Da inconstitucionalidade do 371º/CPP (leia-se CP), por violação dos artºs 13º, 32°/1 e 205º da CRP e artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos dos Homem, quando interpretado no sentido de que «há violação do segredo de justiça quando é difundida noticia de extracção de certidão para inquérito criminal, mesmo que o requerimento tenha sido apresentado em diligência processual, mas que não afecte a validade desta e não se encontrando concretizados na noticia, pessoas especificas e factos concretos, que ponham em causa a efectivação da justiça»: O que acima se referiu quanto à viabilidade de invocação de inconstitucionalidades em abstracto, em sede de recurso, aplica-se, tal e qual, à pretensa enunciada inconstitucionalidade. Ao remeter para os artsº 13º, 32º/1 e 205º, da CRP, quer no corpo da motivação do recurso, quer na conclusão, a recorrente não deixa transparecer em que segmento desses normativos alicerça o seu pedido de declaração de inconstitucionalidade, não sendo dever deste Tribunal procurá-lo, em todas as vertentes possíveis. Ao remeter para o artº 6º da CEDH não invoca, a recorrente, uma qualquer inconstitucionalidade, mas quanto muito, a desconformidade entre essa CEDH e uma qualquer decisão, cujas consequências se desenharão longe do abrigo da Constituição. Não procede, na conformidade, qualquer das alegadas inconstitucionalidades. Diga-se, no entanto – mais uma vez na busca da possível intenção, juridicamente relevante, mas duvidosamente transmitida – que se afigura viável o entendimento de que o que a recorrente tenha querido, ao invocar semelhante inconstitucionalidade, seria impugnar a aptidão da sua conduta para integrar a previsão normativa pela qual foi condenada. Querer-se-ia argumentar que a difusão da notícia de extracção de certidão, que não afecta a prossecução dos objectivos da diligência onde foi ordenada, nem identifica pessoas específicas ou factos concretos, não põe em causa a efectivação da justiça e, como tal, não constitui violação do segredo de justiça? Provavelmente sim. Mas não colhe o entendimento. É que o manto do sigilo profissional abrange todos os actos praticados na fase processual de inquérito, cobertos pelo segredo de justiça, ou a que não seja permitida a assistência de público, sem restrições daqueles que, em razão da sua natureza, possam não relevar, directa e imediatamente, para a averiguação daquela precisa conduta a que se reporta a investigação em curso no processo (artº 371º/1, do CP). Mas, mesmo que assim não fosse, não se poderá, com precisão dizer, que a revelação que a arguida fez fosse, de todo, inócua ao curso do processo. É que, porque foi feita a seguir ao primeiro interrogatório de arguido detido daí resultaria que a notícia gerada seria, inevitavelmente, relacionada, por qualquer destinatário normal, com o objecto do inquérito já em curso; e sendo-o fez periclitar, na opinião pública, o bem fundado da detenção e até mesmo da imputação de factos criminosos ao arguido que a arguida, à data, defendia. Dizer-se, na sequência de um primeiro interrogatório, que a entidade policial cometeu crimes de coacção contra a advogada, de tal forma indiciados que determinaram a extracção de certidão para processo-crime, equivale a dizer-se que a entidade policial agiu ilegalmente no decurso de diligência reportada ao processo em curso, o que tem a aptidão de fazer nascer no espírito do leitor normal, ou juridicamente menos cauteloso, que aquele processo está eivado de ilegalidades que inquinam a validade da detenção ou da imputação delituosa a quem foi defendido pela mesma advogada. Foi esta a mensagem que, subliminarmente, foi passada. E disso, a arguida tinha perfeito conhecimento: de outra forma não se entende qual o interesse na divulgação da noticia. Ficou seriamente prejudicada a credibilidade pública da actuação do órgão de polícia, que também é órgão de investigação criminal; consequentemente ficou potencialmente prejudicado o normal decurso da investigação naquele preciso processo. Não colhe, na conformidade, a argumentação em análise. G) Da falta de atendimento das condições pessoais e económicas da arguida, na escolha da medida da pena: Invoca a arguida que não foram consideradas, quando da escolha da medida da pena, nem a sua condição económica nem as suas condições pessoais. Consta da sentença que foi ponderada a inserção social da arguida e bem assim aquilo que se sabe susceptível de constituir meio exterior de riqueza, já que nada mais se apurou. Consta da sentença que: «Considerando que a arguida não regista antecedentes criminais e se mostra socialmente inserida, justifica-se a aplicação de uma pena de multa, por esta realizar de forma adequada as finalidades da punição. (…) (taxa esta fixada em função do valor médio da remuneração de um advogado, sob ponderação do local onde a arguida tem domicílio profissional – Albufeira – e da existência de um outro escritório nos Açores – sendo legítimo concluir, à luz das regras da experiência, pela existência de clientes suficientes para garantir, pelo menos, o pagamento das despesas inerentes ao funcionamento de dois escritórios e a subsistência da arguida)». Constata-se, assim, que a sentença em análise ponderou, efectivamente, os indícios que se conseguiram apurar sobre as condições económicas e sociais da arguida. E se mais não se apurou tal deveu-se à atitude de absoluta falta de colaboração da arguida, que se eximiu à elaboração de relatório social, pedido pelo Tribunal e efectivamente diligenciado pelos serviços próprios, mas não conseguido por falta de comparência da arguida nos serviços da DGRS, para o que foi convocada por três vezes. Se a arguida entende que um conhecimento mais apurado da factualidade relativa às suas condições de vida, sociais familiares ou económicas lhe seria favorável, pois não lhe resta senão sofrer as consequências da lei que ela própria impôs - “tu pater elegem quam fecisti”. Se há alguém a quem imputar o desconhecimento do Tribunal desses eventuais factos favorecedores, é à própria: não tem de que se queixar. H) Da não ponderação da quebra da inserção social da arguida, na pena aplicada: Por fim, vem a arguida invocar a questão em epígrafe. Mal se entende a mesma, que aliás não vem concretizada. A problemática da inserção social coloca-se a propósito das penas detentivas de liberdade – e à arguida foi aplicada pena de multa, pelo que a questão nunca se colocará. VI- Decisão: Acorda-se, pois, em negar provimento ao recurso Custas pela recorrente, com taxa de justiça de oito ucs. Texto processado e integralmente revisto pela relatora. Évora, 14/02/2010 _____________________________________ (Maria da Graça dos Santos Silva) _____________________________________ (António Alves Duarte) ___________________________ [1] Cf. o Ac. nº 55/85 do TC, de 25.3.1985: Acs. TC, 5.°- 467 e ss. [2] Cf. Eduardo Correia em “Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o art. 653º do projecto, em 1ª revisão ministerial, de alteração do Código de Processo Civil”, Boletim Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXV (1961), p. 184. [3] Cf. o Ac. RP, de 16/06/99, no processo 9810901. [4] Cf. os Acs TC, nº 408/07, de 11/07 e nº 680/98, de 02/05, proc. 456/95, 2ª secção, em www.tribunalconstitucional.pt. [5] Cf. Prof. Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, III, 2ª ed. 294; Acs do STJ em CJSTJ, 2000, I, 226; CJSTJ, I, 178; da RC em CJ, 2000, IV, 53, e de 17/05/2000, proc. 893/2000, em www.dgsi.pt. [6] Cf. “Jornadas de Direito Processual Penal”, pág.229 e 230. [7] Cf. Ac. do STJ, de 13/10/1999, em CJSTJ, ano XXIV, III, pág.184. [8] Cf. Ac. do STJ, de 10/12/1996, em www.dgsi.pt. [9] Cf. Ac. do STJ, de 24/03/2004, proferido no processo nº.03P4043, em www.dgsi.pt. [10] Cf. Simas Santos e Leal Henriques, em “Recursos em Processo Penal” 7ª edição, actualizada e aumentada, 2008, pág. 77. [11] Cf. Ac. do STJ de 6.04.1994, in CJSTJ, ano II, tomo II, pág.185. [12] Cf. o Conselheiro Sousa Brito, em AC. T.C., nº 322/93, no BMJ 427º-124. [13] Cf. o Acórdão RE, de 16/3/2004, no proc. nº 1915-03-1, em www.dgsi.pt. [14] Cf. o Ac. do TC nº 1165/96 e 464/97. [15] CF. Eduardo Correia, em “Les Preuves en Droit Penal Portugais”, na RDES, XIV, Janeiro-Junho/1967, 1-2, 29. [16] Cf. Castanheira Neves, em “Sumários de Processo Criminal”, 1967-1968, ed. dactilografada por João Abrantes, Coimbra, 1968, pág. 50-1. [17] Colhido pela CRP – artº 32º/2- e pelo CEDH – artº 6º§2. [18] “Prof beyond any reasonable doubt”, ou “guilt beyond any reasonable doubt”. [19] Cf. Enzo Zappalà, em AAVV, Il Libero Convincimento Del Giudiuce Penale. Vechie e Nouve Esperienze, Milano – Dott. A. Guiffrè Editore, 2004, 117, citado no AC.RE., nº 2457/06-1, de 30/01/2007, em www.dgsi.pt. [20] Cf Cristina Líbano Monteiro, em “Perigosidade de Inimputáveis” e «In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora, 1997, 51-53. [21] CF os Acs do TC nº 429/95, 39/2004, 44/2004, 159/2004 e 722/2004. [22] Cf Cristina Líbano Monteiro, em “Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997, 53. [23] CF. AC.RE., nº 2457/06-1, de 30/01/2007, em www.dgsi.pt. [24] Cf. Simas Santos e Leal Henriques, em “Recursos em Processo Penal” 7ª edição, actualizada e aumentada, 2008, pág. 105. [25] Cf. Ac. do TC n 59/206, de 18/01/2006, no proc. 199/2005, em www.tribunalconstitucional.pt, e Acs. dos STJ de 27/01/2009, e de 20/11/2008, tirados respectivamente nos procs. 08P3978 e 08P3269, em www.dgsi.pt, e de 17/05/2007, na CJSTJ, 2007, II, 197. [26] Cf. Ac STJ, de 15/7/2004, no proc. 2360/04-5ª. [27] Cf. Ac do TC nº 259/2002, de 18/06/2002, no proc. 101/02, DR, II série, de 13/12/2002. |