Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
554/06-1
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: RECLAMAÇÃO
REGIME DE SUBIDA DO RECURSO
Data do Acordão: 02/27/2006
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA O PRESIDENTE
Decisão: RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE
Sumário:
1. As reclamações para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige servem unicamente para impugnar as decisões que não admitem um recurso ou que o retenham. As reclamações não são o meio próprio para impugnar o efeito da subida dos recursos (suspensivo ou meramente devolutivo) ou o modo de subida destes (em separado ou nos próprios autos).
2. O recurso cuja retenção o torna absolutamente inútil é apenas aquele cuja decisão, ainda que favorável ao recorrente, já não lhe pode aproveitar, por não poder produzir quaisquer efeitos dentro do processo, e não aquele cujo provimento implique a anulação de quaisquer actos, incluindo o do julgamento, por esse ser um risco próprio dos recursos com subida diferida.
Decisão Texto Integral:
No Tribunal Judicial da Comarca de … corre o processo comum nº … em que é arguido ….
Nesse processo o arguido nas contestações que apresentou ao despacho de pronúncia e ao pedido de indemnização, requereu prova pericial e documental.
Esse requerimento veio a ser indeferido com o fundamento de que as diligências requeridas não necessitam de conhecimento técnico para serem respondidas, por um lado, sendo que outras se revelam despiciendas para o objecto do processo.
Não se conformando com este despacho o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora.
O recurso foi admitido a subir nos próprios autos, com aquele que eventualmente seja interposto de decisão que ponha termo à causa e com efeito meramente devolutivo.
É deste despacho que o arguido reclama, nos termos do art.405º do Código de Processo penal, alegando em síntese:
1. Que o julgamento se encontra marcado para o dia 13 de Março de 2006, e que as testemunhas arroladas… são as visadas com a produção da prova requerida e indeferida;
2. Se tais testemunhas não puderem ser confrontadas na audiência de julgamento com o resultado das diligências probatórias requeridas, estas perdem todo e qualquer interesse imediato para a decisão da causa;
3. Ou então, a ser deferida a pretensão do arguido em sede de recurso, teria o julgamento que ser repetido, com prejuízo de todas as partes envolvidas, e do princípio da economia processual;
4. Esta é uma clara inutilidade para o recurso que deriva da sua retenção, pois que, se tiver provimento e das diligências requeridas resultar o que o arguido espera, a decisão que for eventualmente tomada carecerá de elementos quiçá fundamentais;
5. Deve, em consequência, ser fixado ao recurso do arguido efeito suspensivo, com subida imediata.

O Mmº Juiz “ a quo” manteve o despacho reclamado.
Foi cumprido o disposto no art. 688º nº4, 2º parte do CPC, “ ex vi” do art. 4º do CPP, tendo o Ministério Público respondido pugnando pelo indeferimento da reclamação.
Foi ordenada a subida dos autos de reclamação a este Tribunal da Relação de Évora.
Uma vez que a reclamação se mostra instruída com todos os elementos relevantes para a sua decisão cumpre apreciar e decidir:
O art. 405º nº1 do Código de Processo Penal, estatui que: “ Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige”.
Antes de mais importa delimitar o “thema decidendum” frisando que, como decorre do citado artigo 405º do CPP, as reclamações para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige servem unicamente para impugnar as decisões que não admitem um recurso ou que o retenham. As reclamações não são o meio próprio para impugnar o efeito da subida dos recursos (suspensivo ou meramente devolutivo) ou o modo de subida destes (em separado ou nos próprios autos). Na verdade, nos termos do art. 417º nº3, alínea b) do CPP, cabe ao relator do processo, no exame preliminar, verificar se deve manter-se o efeito que foi atribuído ao recurso e, por outro lado, nos termos do art. 406º nº1 e 2 do mesmo diploma legal o modo de subida dos recursos depende apenas do momento da sua subida, pelo que a decisão sobre esse momento determina a subida nos próprios autos ou em separado.
Nesta linha, a questão a decidir nesta reclamação restringe-se apenas a saber se o recurso interposto pelo arguido tem subida imediata ou diferida.
O momento da subida dos recursos, em processo penal, está regulado no art. 407º do CPP, que dispõe:
1 - Sobem imediatamente os recursos interpostos:
a) De decisões que ponham termo à causa;
b) De decisões posteriores às referidas na alínea anterior;
c) De decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção ou de garantia patrimonial, nos termos deste Código;
d) De decisões que condenem no pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código;
e) De despacho em que o juiz não reconhecer impedimento contra si deduzido;
f) De despacho que recusar ao Ministério Público legitimidade para a prossecução do processo;
g) De despacho que não admitir a constituição de assistente ou a intervenção de parte civil;
h) De despacho que indeferir o requerimento para a abertura de instrução;
i) Da decisão instrutória, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º;
j) De despacho que indeferir requerimento de submissão de arguido suspeito de anomalia mental à perícia respectiva.
2 - Sobem ainda imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
3 - Quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.
Para além das situações previstas nas várias alíneas do nº1 da disposição legal transcrita, dispõe o nº2 que também sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
Não se encontrando prevista nas várias alíneas do nº1 do art. 407º a situação em causa (decisão que indeferiu prova pericial e documental) resta apurar se a mesma pode ser enquadrada no nº2, ou seja, se estamos perante uma situação em que a retenção do recurso o tornaria absolutamente inútil.
O regime adoptado no nº 2 do art. 407º do CPP é em tudo semelhante ao previsto no nº2 do art. 734º do CPC, referente aos agravos.
Como lembra Armindo Ribeiro Mendes [1] , o nº2 do art. 734º não constava da versão primitiva do CPC de 1939, tendo sido introduzido pelo DL nº 39.157, de 10/9/1953, fazendo acolher pela lei uma prática jurisprudencial que surgiu na sequência de discussões na doutrina.
O professor Alberto dos Reis [2] dá-nos conta dessa discussão doutrinal iniciada pouco tempo depois do início da vigência do Código, na Conferência da Ordem dos Advogados [3] , concluindo que o espírito da lei e o sistema do Código justificava a subida imediata do agravo cuja utilidade e eficiência dependam dessa circunstância.
Como refere Fernando Amâncio Ferreira [4] “ A salvaguarda da utilidade do recurso impõe igualmente a sua subida imediata, sempre que da sua retenção já não adviessem vantagens para o agravante, por a revogação da decisão recorrida não provocar quaisquer efeitos práticos. Tal acontecerá, como a jurisprudência tem acentuado, apenas quando a retenção do recurso o torne absolutamente inútil para o recorrente, e não por qualquer outra razão, como a economia processual ou a perturbação que possa causar no processo onde foi interposto [5] . A simples inutilização de actos processuais já praticados, em consequência do provimento do agravo, não justifica a sua subida imediata, uma vez que esses actos podem ser renovados”.
Também Cardona Ferreira [6] referindo-se ao nº2 do art.734º do CPC, refere que esta regra se reporta ao “ thema decidendum” do recurso e não à eventualidade de necessidade de repetição do processado.
A doutrina e a jurisprudência de uma forma uniforme têm entendido que a inutilidade do recurso respeita ao próprio recurso e não à lide, ou seja, só se verifica a inutilidade absoluta do recurso quando, seja qual for a solução que o tribunal superior lhe der, ela é já absolutamente inútil no seu reflexo no processo. Essas situações verificam-se quando a eficácia do despacho de que se recorre produz um resultado irreversível oposto ao efeito jurídico pretendido, não abrangendo os casos em que a procedência do recurso determine a inutilização de actos processuais.
Como tem acentuado a jurisprudência [7] a expressão “absolutamente inúteis” deve ser tomada no seu significado rigoroso, restrito, sendo que a ineficiência ou inutilidade que se pretende obviar é a total, a absoluta.
O recurso cuja retenção o torna absolutamente inútil é apenas aquele cuja decisão, ainda que favorável ao recorrente, já não lhe pode aproveitar, por não poder produzir quaisquer efeitos dentro do processo, e não aquele cujo provimento implique a anulação de quaisquer actos, incluindo o do julgamento, por esse ser um risco próprio dos recursos com subida diferida.
No caso concreto dos autos não existe nenhuma razão para que o recurso da decisão que indeferiu prova pericial e documental suba imediatamente nos termos do nº2 do art. 407º do CPP.
Na verdade, atenta até natureza das próprias provas requeridas, o despacho recorrido não é susceptível de produzir um resultado irreversível, o mais que poderá acontecer se o recurso, na altura própria, vier a ser provido é a inutilização de actos processuais já praticados.

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a reclamação apresentada pelo arguido.
Custas a cargo do reclamante, fixando a Taxa de Justiça em três UC, nos termos dos art. 16º nº1 e 18º nº 3 do Código das Custas Judiciais.
( Processado e revisto pelo subscritor, Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora, que assina e rubrica as restantes folhas).
Évora, 2006/02/27
Chambel Mourisco




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[1] Recursos em Processo Civil, 2º edição, pág.236 em nota.
[2] Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, Vol. VI, pág. 111 e segs.
[3] Cfr. também Rev. da Ordem, 1º, nº1, pág. 36 e 37.
[4] Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pág. 221.
[5] Cfr. Acórdão do STJ de 7/02/91, AJ, 15º/16º, p.28.
[6] Guia de Recursos em Processo Civil – 2002, pág. 86.
[7] Cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 16/12/92, JTRP00006477 e de 2/11/94, JTRP00008336; Acórdão da Relação de Lisboa de 13/11/96, JTRL00005886, Reclamação ao Presidente do TRL de 28/10/2004, todos em www.dgsi.pt.