Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2788/04-3
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO À IMAGEM
JOGADOR PROFISSIONAL
Data do Acordão: 02/24/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário:
I - O direito à imagem como direito fundamental da personalidade, incluído no rol dos direitos liberdades e garantias, é um “direito pessoalíssimo”, que não pode ser alienado nem exercido por outrem.
II – Assim a transmissão genérica do direito à exploração da imagem, por configurar uma cedência do próprio direito é nula e de nenhum efeito por ofensa da ordem publica nacional (art. 81º n.º 1 e 280º do CC).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:



Proc.º N.º 2788/04-3

Apelação
3ª Secção
Tribunal Judicial da Comarca de ……………. proc. n.º 967/01

Recorrente:
……… Futebol Clube – SAD ……….
Recorrido:
Asesoramiento ……………., SL.
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Asesoramiento ………. SL, com sede em ………….., intentou contra a R., ……. Futebol Clube – SAD – …………, acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, pedindo a condenação desta a pagar-lhe 40.000.000$00 de capital em dívida, acrescida dos juros vincendos à taxa legal e ainda dos vencidos no montante de 14.715.616$00. Alega, em resumo, que celebrou com a R. um contrato de cedência da exploração da imagem do jogador de futebol, Velli………., pelo período de três anos e pelo montante global de 43.320.000$00, dos quais a R. apenas pagou a quantia de 3.240.000$00, estando em dívida o restante.
A R., citada veio contestar excepcionando a validade do contrato por não estar assinado em conformidade com os seus estatutos e impugnando parte dos factos alegados pela A.. Esta respondeu à matéria excepcionada.
Findos os articulados foi saneado o processo, seleccionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi decidida a matéria de facto e após alegações de direito escritas, foi proferida sentença que julgando a acção procedente por provada, condenou a R. a pagar à A. « a quantia demandada de € 199.519,16, acrescida de € 73.401,18 de juros vencidos à data da propositura da acção (25.10.01), e dos que vencidos e vincendos desde essa data, calculados sobre o capital de € 199.519,16, à mesma taxa de 12% ao ano e até integral pagamento.
Acrescerão juros 5% ao ano nos termos do art.º 829-A do Código Civil desde a data do trânsito em julgado da sentença».
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Inconformada veio a R. interpor recurso de apelação. Admitido este, a recorrente apresentou as suas alegações, rematadas com as seguintes
conclusões:
« A) Direito à imagem é um direito fundamental da personalidade, caracterizado pela sua intransmissibilidade, indisponibilidade e irrenunciabilidade e como tal não pode ser alienado nem exercido por outrém (Acórdão do S.T.J. de 8 de Novembro de 2001, in Col. de Jur., Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, Ano IX, Tomo III, 2001, p. 113 e ss);

B) consentimento previsto no n.° 1 do art. 79° do Código Civil tem de ser interpretado no sentido de ser possível ao próprio titular consentir a outrém a divulgação da sua imagem e não de poder dispor desse direito;

C) No contrato firmado entre a Apelada e o jogador, este dispõe dos direitos inerentes à sua imagem conferindo à Apelada o direito de explorá-los directamente de forma que a Apelada actua por direito próprio, ou seja, como titular dos direitos negociados;

D) Assim sendo, tanto o contrato celebrado entre a Apelada e o jogador como o contrato celebrado entre a Apelada e a Apelante são nulos dado que a limitação voluntária ao exercício dos direitos da personalidade é nula quando contrária aos princípios da ordem pública (arts. 81 ° n.° 1 e 280° n.°s 1 e 2 do Cód. Civil);

E) A Apelada pratica actos próprios de um empresário desportivo segundo a definição que lhe é dada pela al. d) do art. 2° da Lei n.° 28/98 de 26/06 - Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, não tendo demonstrado que está devidamente autorizada pelas entidades desportivas competentes a exercer essa actividade.

F) O agente não credenciado não pode efectuar as negociações sub judice pois os contratos por si firmados com os jogadores estão fulminados pela sanção da inexistência - art. 23° n.° 4 do referido diploma legal (v. neste sentido o Acordão do S.T.J. de 23/04/2002, referente ao processo n.° 02A844 in www.dgsi.pt);

G) O período de duração do contrato firmado entre a Apelada e o jogador Velli ……………..foi estabelecido em 4 (quatro) anos violando os Regulamentos da FIFA que estabelecem a duração máxima de dois anos;

H) Nos termos do contrato de cedência de imagem a Apelada receberia directamente as quantias contratadas quando nos termos do n.° 1 do art. 24° da Lei 28/98, os empresários desportivos só podem ser remunerados pela parte que representam, o que fere de nulidade a dita cláusula;

I) As questões acima referidas nas alíneas G) e H) não foram apreciadas pelo Meritíssimo Juiz a quo pelo que a douta sentença recorrida está inquinada pela nulidade prevista na al. d) do n.° 1 do art. 668° do C.P.C.;

J) A concluir-se que a Apelada não tinha poderes de representação sobre o jogador, o contrato de cedência de imagem teria de ser reduzido, considerando-se apenas válida a intervenção do jogador Velli ………. que não é parte no presente processo;

K) A ilegitimidade da Apelada, não é processual, enquanto posição da parte no litígio mas antes, elemento do próprio direito material controvertido:

L) Meritíssimo Juiz a quo tinha de pronunciar-se relativamente à questão precedente, atendendo a que não só competia à Apelada provar o cumprimento dos condicionalismos legais para o exercício da actividade de empresário desportivo, que reivindicou e por nos termos da lei ser elemento essencial da validade do contrato, como nunca à apelante poderia ser exigida a prova de que a apelada não é uma empresária desportiva credenciada atendendo a que se trata de um facto negativo;

M) Acresce que, a solução de direito terá de ser a que decorre das normas legais pertinentes que o juiz terá de indagar, interpretar e aplicar - cfr. o estatuído no art. 664° do C.P.C. - e não apenas a que as partes invocarem;

N) O jogador Velli ……… deixou de jogar pelo …………… Futebol Clube em 06 de Agosto de 1999;

O) Nesta data deixou de se verificar um dos pressupostos do contrato de cedência de imagem, ou seja, a utilização pelo Clube da imagem do jogador;

P) Sendo o contrato de cedência de imagem um contrato bilateral, e tornando-se impossível a prestação da imagem verificou-se para a Ré a excepção do não cumprimento das obrigações consignadas no.contrato com vencimento posterior à data da rescisão, ou seja, 06 de Agosto de 1999;

Q) Até à data da rescisão do contrato de trabalho desportivo - 06/08/1999 estariam vencidas as prestações relativas a Outubro a Dezembro de 1998 e Janeiro a Agosto de 1999;

R) A douta sentença recorrida condena a Apelante no pagamento integral da quantia demandada - 199.519,16 Euros - sem especificar os fundamentos de direito que justificam tal decisão e, consequentemente, está inquinada pela nulidade prevista na al., b) do n.° 1 do art. 668° do C.P.C..»
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Contra-alegou a recorrida pugnando pela improcedência da apelação e manutenção da sentença.
Uma vez que nas alegações da recorrente foram invocadas nulidades da sentença, o sr. Juiz, antes de ordenar a subida dos autos, apreciou tal nulidade, tendo concluído pela sua inexistência.
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Os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [1] salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Das conclusões decorre que as questões a decidir, para além das invocadas nulidades da sentença, podem resumir-se no seguinte:
1-Nulidade do contrato por violação dos direitos de personalidade;
2- Inexistência do contrato do contrato por falta de prova da inscrição da A. como empresária desportiva;
3- Nulidade do contrato de cedência de utilização de imagem entre celebrado entre a A. e o Jogador;
4- Impossibilidade de cumprimento do contrato a partir do momento em que o jogador deixou de jogar pela R.
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Antes do mais impõe-se a apreciação das arguidas nulidades da sentença.
Diz a recorrente que a sentença é nula por padecer do vício de falta de fundamentação de direito no tocante à procedência integral da acção (art.º 668º n.º 1 al. b) do CPC) e de omissão de pronúncia (art.º 668º n.º 1 al. d) do CPC) por não ter apreciado a “questão” da validade da duração do contrato celebrado entre a apelada e o jogador. Alega para tanto que os regulamentos da FIFA estabelecem um prazo máximo de dois anos e o referido contrato foi celebrado por quatro anos pelo que a dita cláusula seria nula.
Nos termos do art.º 668º, n.º 1 al. b) do Cód. Proc. Civil, a sentença/acórdão (despacho) é nula quando faltem em absoluto os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão. É a sanção para o desrespeito ao disposto no art.º 659º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, que manda que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da sentença/acórdão. Decorre além do mais do imperativo constitucional (art.º 205º, n.º 1 da C.R.P.) [2] e também até do art.º 158º do Cód. Proc. Civil, para as decisões judiciais em geral. E isto é assim, porque a sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido ao juiz, e porque a parte vencida tem direito a saber porque razão a sentença lhe foi desfavorável, para efeitos de recurso. Mas uma coisa é falta absoluta de fundamentação e outra é a fundamentação deficiente, medíocre ou errada. Só aquela é que a lei considera nulidade. Esta não constitui nulidade, e apenas afecta o valor doutrinal da sentença, e apenas corre o risco, a padecer de tais vícios, de ser revogada ou alterada em recurso [3] .
No caso dos autos essa falta de fundamentação é evidentemente inexistente!!!
Efectivamente não só existe fundamentação de facto como também existe suficiente fundamentação de direito. A recorrente pode discordar desta, como tentou discordar da fundamentação de facto ao reclamar extemporaneamente da decisão de facto, mas não pode nem deve imputar-lhe um vício que sabe não existir. Isto é, no mínimo, temerário!!
Quanto à nulidade prevista na al. d) do art.º 668º do CPC (omissão/excesso de pronúncia ) está directamente relacionada com o comando previsto no art.º 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito [4] . Ora o dever imposto no art.º 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença/despacho, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado. [5]
«E o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui (acórdão do STJ de 16.4.98, Proc. nº 116/98). Sublinhe-se, ainda, que a jurisprudência do STJ distingue entre "questões" e "argumentos" ou "razões" (para concluir que só a não apreciação das primeiras constitui nulidade), jurisprudência que também considera que não se verifica esta nulidade (artigo 668º, nº 1, d)) desde que tenham sido analisadas todas as questões colocadas ao tribunal, embora não as meras considerações ou juízos de valor (cfr. acórdãos de 1.2.95, Proc. nº 85.613, de 8.6.95, Proc. nº 86.702, de 30.4.97, Proc. nº 869/96, de 9.10.97, Proc. nº 180/97, de 1.6.99, Proc. nº 359/99 e de 17.10.2000, Proc. nº 2158/00)» - Ac. do STJ de 08/03/2001 in dgsi.pt – (relatror: Cons. Ferreira Ramos).
O Tribunal ao decidir que não se estava em presença de um contrato de trabalho desportivo - em que o “empresário”, para exercer validamente o contrato de mandato carece de estar inscrito como tal no organismo federativo da modalidade - mas sim dum contrato de cedência de exploração de imagem de natureza civil, afastou a aplicabilidade daquele regime específico do mandato representativo respeitante ao contrato de praticante desportivo e consequentemente, com tal solução, improcedeu naturalmente ou ficou prejudicada a questão da validade do contrato de mandato celebrado entre o jogador e a apelada.
Deste modo o tribunal não deixou de apreciar nenhuma das questões que deveria decidir pelo que também não se verifica a referida nulidade. Nega-se pois provimento à arguição das nulidades invocadas na apelação
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Quanto às demais questões suscitadas na apelação, verifica-se que se trata apenas de questões de direito. Não foi posta em causa no recurso e não existem motivos legais para a alterar, a matéria de facto dada como provada na sentença e que é a seguinte:
« ( - Da especificação)
1. A A. é uma sociedade que se dedica à representação e exploração da imagem de desportistas de quaisquer modalidades desportivas, à mediação na contratação de toda a classe de desportistas com clubes desportivos, sociedades anónimas desportivas, casas comerciais, federações desportivas e outras entidades públicas e privadas, e à gestão, assessoria e mediação para a organização de quaisquer eventos desportivos amigáveis e/ou torneios relacionados com o desporto em geral; para além de prestar um serviço de assessoria profissional, gerindo a captação de terceiros interessados na aquisição dos seus serviços de profissional de futebol e gerindo a negociação e assinaturas dos seus contratos profissionais com qualquer terceiro.
2. No âmbito da actividade que exerce, a A. é legitima e exclusiva representante do jogador profissional de futebol Velli ………, natural de Baku, Azerbaijão.
A A. negociou com o referido jogador a aquisição de direitos inerentes à sua imagem de futebolista profissional.
Desta forma, em 1 de Junho de 1997 e por um período de 4 anos o jogador Velli ……… cedeu à A. os direitos inerentes à sua imagem, podendo esta explorar directamente os mesmos ou ceder a sua exploração a terceiros, formalizando quaisquer contratos com referência aos enunciados direitos.
3. Em 16 de Junho de 1998, o jogador profissional de futebol Velli ………….. assinou um contrato de trabalho desportivo com a R., vinculando-se à mesma até 31 de Julho de 2001.
4. Dou por reproduzido o doc. n.º 1 junto com a contestação, original do documento n.º 4 junto com a p.i., dito “Contrato de cedência de imagem”, subscrito pelo futebolista Velli………., por Juan………………. como administrador de “Asesoramiento………., SL” e por um administrador do……….Futebol Clube, S.A.D. em representação deste.
5. Até hoje a R. apenas liquidou à A. as seguintes prestações referentes à temporada 1998/1999:
-Agosto de 1998, PTE 620.000$00
-Setembro de 1998, PTE 620.000$00
-Dezembro de 1998, PTE 2.000.000$00, prestação semestral num total de PTE 3.240.000$00.
Tais importâncias foram liquidadas à A. no dia 20 de Maio de 1999.
6. Dou por reproduzido o documento n.º 2 junto com a contestação, que constitui cópia da certidão notarial de constituição de sociedade anónima desportiva “…….. Futebol Club”, e documento complementar anexo.
(Doravante da base instrutória:)
7. A R. entregou à A. cópias do Contrato de Trabalho Desportivo e Contrato de Cedência de Imagem, quando estavam assinados apenas por um dos seus administradores.
8. A R. não pagou 40.000.000$00 das quantias aludidas nas clausulas 3 e 4 do contrato de cedência de imagem.
9. O A. tentou por diversas vezes, de forma sucessiva, através de contactos pessoais, que a R. procedesse à liquidação das importâncias devidas, embora sem qualquer sucesso.
10. O contrato de cedência de imagem do jogador……… se mostra assinado, do lado da R., apenas pelo administrador Paulo……...
11. O qual bem sabia que o contrato devia ser assinado ainda pelo administrador indicado pela Câmara Municipal.
12. O jogador, por carta de 6 de Agosto de 1999 rescindiu unilateralmente o contrato com a R., e que em Novembro de 1999 assinou contrato com o Imortal ……...
13. A A. ao celebrar o negócio jurídico dos autos com a sociedade R., desconhecia se aquela sociedade era representada apenas por um administrador, por mais de um ou por determinado.
14. Habitualmente a representação da SAD R. era exercida genericamente por todos os seus administradores, em conjunto, e que os contratos, especificamente, eram assinados em regra por dois administradores.
15. Em 6 de Agosto de 1999, o jogador Velli ………., invocando justa causa, rescindiu o contrato de trabalho desportivo que o ligava à R., vindo a ser-lhe reconhecida a existência da justa causa invocada, por Acórdão da Comissão Parital Arbitrária formada entre o Sindicato Nacional de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
16. Em 30.9.99 a Federação Portuguesa de Futebol havia informado o jogador Velli………. que a sua rescisão unilateral do contrato de trabalho desportivo com o ………. Futebol Clube – SAD tinha sido registado.
17. À data da rescisão com justa causa do contrato de trabalho desportivo do jogador Velli ……… com a sociedade R. já decorrera o prazo previsto no contrato para o pagamento de várias prestações em que se havia fraccionado o pagamento do capital devido por esta à sociedade A..
18. O contrato de trabalho desportivo entre o jogador Velli ………. e o Imortal ………….. teve o seu início em 1 de Dezembro de 1999».
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Vejamos agora as restantes questões suscitadas na apelação.
Da nulidade do contrato por violação dos direitos de personalidade
(direito à Imagem)

Quanto à primeira questão, sustenta a apelante que sendo o direito à imagem um direito fundamental da personalidade caracterizado pela sua irrenunciabilidade, intransmissibilidade e indisponibilidade, o titular desse direito (a pessoa concreta do jogador) não poderia cedê-lo à apelada para que esta o explorasse, sendo por isso nulo tal contrato bem como os celebrados pela apelada na base dessa cedência, por violação dos princípios de ordem pública, nos termos do disposto no art.º 81º n.º 1 e 280º n.º 1 e 2 do CC.
Que o direito à imagem é um direito de personalidade é inquestionável. Que é um direito fundamental e especial da personalidade também é certo porquanto assim resulta do disposto no art.º 26º da Constituição da República Portuguesa e art.º 79 n.º 1 do CC.
Os direitos de personalidade quer se entenda que pertencem à chamada categoria dos direitos absolutos, como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros, que os têm que respeitar, quer se considerem como direitos subjectivos da pessoa sobre si mesma [6] é indubitável que são sempre e em todo o caso direitos pessoais.
"Estes direitos emanam da própria pessoa cuja protecção visam garantir. Resulta isto do nº 1 do art. 70º CC, que protege os indivíduos - independentemente de culpa - contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. A protecção assim garantida abrange o homem naquilo que ele é e não naquilo ele tem. Contudo, objecto da respectiva relação jurídica nunca é o indivíduo ou a pessoa ou a sua personalidade, mas sempre o direito de personalidade que incide sobre certas manifestações ou objectivações da mesma" [7] .

O código Civil nos seus art.ºs 72º a 80º, regula os direitos especiais de personalidade, sendo que «tais normas revestem manifestamente o carácter de “leges speciales”» [8] .
O Código Civil, não contendo uma definição geral ou uma definição de direito de personalidade (apenas o art. 70º consagra o direito geral de personalidade), a doutrina considera que este direito geral abrange, na sua protecção, no âmbito do direito civil, todos aqueles "direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extra-patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida" [9] .
Os poderes jurídicos conferidos ao sujeito activo dos direitos de personalidade «dirigem-se imediatamente sobre os bens jurídicos da sua personalidade física e moral, traduzindo uma afectação plena e exclusiva desses bens a favor do seu titular. Neste ponto, eles comparticipam da estrutura dos direitos de domínio. Daí que tais poderes sejam absolutos, isto é, exigíveis face a quaisquer pessoas e oponíveis erga omnes» [10] .
Outra característica desses poderes é a sua intransmissibilidade, «com efeito os bens jurídicos da personalidade humana física e moral constituem o ser do seu titular, pelo que são inerentes, inseparáveis e necessários à pessoa do seu titular e circunscrevem os respectivos poderes jurídicos. Assim, tais poderes não podem ser cedidos, alienados, onerados ou subrogados a favor de outrem, pois dada aquela inseparabilidade, qualquer negócio a esse respeito seria contrário à ordem pública nos termos do art.º 280º n.º 2 do CC e por maioria de razão, do art.º 81º do CC»- op. cit, pag. 403. [11]
Afirma-se ainda que estes poderes são relativamente indisponíveis, na medida em que o só excepcionalmente se admitem auto-limitações ao seu exercício (art.º 81 do CC).
Face a estas características do direito à imagem será que jogador poderia ceder à apelada, validamente, a exploração comercial do seu direito?
Sobre questão idêntica já se pronunciou o STJ no Ac. de 8/11/01, publicado na CJ /STJ, tomo III, pag. 113 e seg., decidindo pela ilegalidade de qualquer negócio que tenha por objecto a cedência genérica por alguém, designadamente jogador de futebol, do seu direito à imagem.
No caso dos autos está assente que ... em 1 de Junho de 1997 e por um período de 4 anos o jogador Velli ……. cedeu à A. os direitos inerentes à sua imagem, podendo esta explorar directamente os mesmos ou ceder a sua exploração a terceiros, formalizando quaisquer contratos com referência aos enunciados direitos. Na sequência deste contrato foi celebrado entre a apelada e a apelante, também com intervenção do jogador Velli ………. o contrato de fls. 53 a 55. Neste contrato consta sob a cláusula primeira o seguinte:
«A sociedade Asesoramiento é representante do jogador, sendo titular do direito de imagem resultante da actividade de futebolista profissional daquele».
A cláusula segunda por sua vez reza assim:
«Pelo presente contrato, a Sociedade Asesoramiento e o jogador obrigam-se a ceder ao ………clube….. todos os direitos de imagem emergentes da actividade de futebolista profissional do jogador».
No proémio da cláusula terceira consta que «pela cedência dos direitos referidos nas cláusulas anteriores, o …….clube……, pagará à Sociedade Asesoramiento, as seguintes quantias....»
Perante este clausulado, não há dúvidas que neste contrato quem se arroga titular do direito à imagem do jogador, quem a cede e quem recebe o preço dessa cedência é a apelada [12] , mas também é certo que o jogador também afirma ceder todos os seus direitos de imagem...
Seguindo de perto o citado aresto do STJ, pode afirmar-se que tais cedências genéricas do direito à imagem não podem deixar de configurar um negócio proibido. Com efeito «como direito fundamental da personalidade, incluído no rol dos direitos liberdades e garantias, o direito à imagem é um “direito pessoalíssimo”, que não pode ser alienado nem exercido por outrem». E no acórdão referido prossegue-se argumentando-se nos seguintes termos:
«Esta característica essencial de intransmissibilidade e indisponibilidade do direito à imagem, parece desmentida pelo n.º 1 do art.º 79º do CC, onde se prevê que o consentimento do titular torna lícita a divulgação, por terceiro, do retrato de uma pessoa». É que «o direito à imagem tem por objecto o retrato físico da pessoa, em qualquer que seja o suporte material e expressa-se no poder que todos têm de impedir que o seu “retrato” seja exposto publicamente, ou seja a apresentado “em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida” [13] . Mas uma coisa é consentir na divulgação do retrato ou imagem ou mesmo na intromissão na privacidade outra bem diferente é ceder a outrem o direito de dispor da sua própria imagem. Ora é nesta diferença que «faz sentido falar, sem perigo de contradição, em ’intransmissibilidade’ e ‘indisponibilidade’ do direito à imagem, por um lado e, em “consentimento autorizante,” por outro.
É uma diferença que exprime aquela outra que existe entre capacidade de gozo dos bens integrantes da personalidade, esta indisponível e a capacidade de exercício dos mesmos direitos, em que são admissíveis limitações voluntárias, desde que não ofensivas dos princípios de ordem pública (art.º 81º n.º 1 do CC).
Assim a transmissão, do direito de imagem, ainda que parcial, limitada ao plano desportivo, é nula por ofensa da ordem pública (art.º 280º n.º 1 e 2 e 81 n.º 1 do CC), porquanto não se reporta à disponibilidade de uma concreta imagem mas sim a toda e qualquer imagem do jogador no plano desportivo.
O art.º 10º n.º 1 do DL n.º 305/95, em vigor à data da celebração dos contratos em causa e consequentemente aplicável (sendo certo que o regime sucedâneo da lei n.º 28/98 de 26/6, nada inovou, nem alterou neste particular) estabelece que «todo o praticante desportivo profissional tem direito a utilizar a sua imagem pública ligada à prática desportiva e a opor-se a que outrem a use ilicitamente para exploração comercial ou para outros fins económicos». Esta estatuição é apenas um corolário do princípio geral estabelecido no art.º 79º n.º 1 do CC, que permite ao titular do direito e só a ele o seu uso e fruição. Daqui não decorre que o jogador possa transmitir a outrem, genérica e abstractamente direito de explorar a sua imagem. Com efeito isto representaria a transmissão do próprio direito à imagem que como se viu, pela sua natureza de direito de especial de personalidade é pessoal, intransmissível e relativamente indisponível e não apenas a autorização para a utilização de certa ou certas imagens concretamente definidas ou determinadas.
Deste modo tanto o contrato de cedência do direito de imagem celebrado entre o Jogador e a apelada como o contrato em apreço (também de cedência do direito de imagem) celebrado entre a apelada e apelante, com intervenção do próprio jogador, são nulos e de nenhum efeito por ofensa da ordem publica nacional [14] (art. 81º n.º 1 e 280º do CC). Esta nulidade tem como consequência a procedência da apelação, pelo que fica prejudicado o conhecimento das restantes questões.
Inexistência do contrato do contrato por falta de prova da inscrição da A. como empresária desportiva
Em todo o caso, de forma abreviada e prevenindo a situação de não acatamento do decidido, sempre se que, no tocante à segunda questão não assiste qualquer razão à apelante, porquanto o quadro normativo que invoca para a arguição da inexistência do contrato ( Lei n.º 28/98 de 26/6) não existia à data da celebração do contrato em apreço e o vigente nessa data ( DL. n.º 305/95) não estabelecia qualquer sanção para a falta de registo e inscrição dos chamados “empresários” ou representantes dos jogadores, tudo se passando no âmbito do contrato de mandato. Acresce que o contrato em causa nestes autos, não tem a natureza de um contrato de trabalho dum praticante desportivo e portanto nunca lhe seria aplicável o regime previsto para tal tipo de contratos.

Nulidade do contrato de cedência de utilização de imagem entre celebrado entre a A. e o Jogador

Quanto à terceira questão, já se demonstrou e já foi decidido supra, que é ilícita e consequentemente nula, toda e qualquer cedência genérica e abstracta do direito à imagem, por se tratar de um direito pessoal e intransmissível.
Impossibilidade de cumprimento do contrato a partir do momento em que o jogador deixou de jogar pela R

Quanto à quarta questão também não assistiria (caso o contrato fosse válido, o que como se demonstrou não é) qualquer razão à recorrente, porquanto, sendo a rescisão imputável à própria recorrente, tal facto não a eximia do pagamento integral do preço acordado, nos termos do disposto no n.º 2 da cláusula quinta (pacta sunt servanta).
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Pelo exposto julgando a apelação procedente, acorda-se em revogar a sentença absolvendo a R. do pedido.
Custas a cargo da apelada, nas duas instâncias.
Registe e notifique.

Évora , em 24 de Fevereiro de 2005.

(Bernardo Domingos – Relator)
(Pedro Antunes – 1º Adjunto)
(Sérgio Abrantes Mendes– 2º Adjunto)




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[1] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[2] Nos termos do art.º 205º, n.º 1 da C.R.P. « as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei ».
[3] Neste sentido vd. J. A. Reis, opus cit., pág. 140.
[4] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 142-143 nota 5 e 53 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 247 nota 5 e 228 nota 2.
[5] Esta causa de nulidade, a que Alberto dos Reis "CPC Anotado", vol. V, pp. 143 e 497-49, chamou omissão de pronúncia, consiste no facto de a sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do disposto no artigo 660º, nº 2 (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª ed., 1985, p. 690; cfr., também, Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC", vol. III, 1972, p. 247).
Desse dever de resolução de todas as questões, são "exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras", pelo que, em relação a estas, não pode haver omissão de pronúncia (acórdão do STJ de 17.2.2000, Proc. nº 1203/99)- Ac. do STJ de 08/03/2001 in dgsi.pt – (relatror: Cons. Ferreira Ramos).
[6] Orlando de Carvalho , A Relação Jurídica e o Direito Subjectivo, pag. 66.
[7] Henrich Horster, in " A Parte Geral do Código Civil Português", Coimbra, 1992, pag. 258.
[8] Rabindranath Capelo de Sousa in O Direito Geral de Personalidade, pág 557.
[9] Rabindranath Capelo de Sousa, "A Constituição e os Direitos de Personalidade", in Estudos sobre a Constituição, vol. 2º, Lisboa, 1978, pag. 93.
[10] Rabindranath Capelo de Sousa in O Direito Geral de Personalidade, pág 401.
[11] Neste sentido cfr. tb. Castro Mendes, in Teoria Geral do Direito Civil, vol.II, pag. 138; e Carvalho Fernandes in Teoria Geral do Direito Civil, II, AAFDL, pag. 1983, pag. 45.
[12] Mas ainda que se entenda que a intervenção do jogador na celebração do contrato, constitui um exercitar do seu direito à imagem, o que é certo é que neste contrato ele não tem quaisquer direitos (para ele seria um contrato leonino!!).
[13] Vide G. Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. Coimbra, 1993, pag. 181.
[14] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cod. Civil anotado, vol I pag. 110.