Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2187/04.4TBEVR.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: EMPREITADA
DENÚNCIA DOS DEFEITOS
CADUCIDADE DO DIREITO À ELIMINAÇÃO DO DEFEITO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 03/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - Os defeitos aparentes (visíveis ou reconhecíveis) presumem-se conhecidos tenha havido ou não verificação da obra, por força do disposto no artº 1219º n.º 2 do CC, cabendo ao dono da obra ilidir tal presunção de conhecimento a fim afastar a excepção de caducidade invocada pelo empreiteiro, quando vier reclamar defeitos, passados que forem 30 dias após a aceitação da obra sem ter posto quaisquer reservas.
II - No caso dos autos as realidades (sejam ou não consideradas como verdadeiros defeitos) inerentes às caixas de esgotos externas, ao interruptor da garagem e aos pilares do muro de vedação do lado esquerdo, são nitidamente visíveis e reconhecíveis, pelo que não tendo sido denunciadas à autora pelos réus, a não ser com a apresentação da contestação na acção, se tem de considerar, quanto a elas, ter operado a invocada excepção da caducidade de direitos, designadamente no que respeita à eliminação de defeitos.
III- o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal – obrigações de carácter intuitus personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem – fazendo dela um processo subsidiário onde a execução específica não tem lugar.
IV – Se no pedido de eliminação dos defeitos da obra o credor manifesta a preferência de que os trabalhos sejam executados por terceiro, que não o devedor, embora suportados põe este, significa isto que a obrigação de eliminação dos defeitos não é infungível e consequentemente não pode o devedor ser condenado na sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 829-A do CC.
Decisão Texto Integral:


Apelação n.º 2187/04.4TBEVR.E1 (1ª secção cível)

ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


A…, Lda., intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Évora (2º Juízo Cível), a presente acção declarativa, com processo ordinário contra C…, e S…, alegando, em síntese, que celebrou com estes um contrato de empreitada para construção de uma moradia unifamiliar, o que efectivamente fez, mas os réus recusam-se a pagar os trabalhos a mais no valor de € 20.012,31 que foram feitos a seu pedido.
Concluindo peticionam a condenação dos réus a pagar-lhe uma indemnização de € 20.012,31, acrescida de juros de mora vencidos no valor de €1. 499,55 e vincendos até integral pagamento.
Citados os réus vieram contestar e reconvir, negando, naquela sede, qualquer dívida afirmando que pagaram todos os trabalhos efectivamente levados a cabo em condições e sem defeitos, alegando ainda que a autora abandonou a obra no final de 2003 e deixou a construção com infiltrações, fendas rachas nas paredes e muros, deficiências nas portadas, uma deficiente instalação eléctrica e outras deficiências, invocando em consequência a excepção do não pagamento, caso se entenda, estarem em dívida para com a autora.
Concluem pela improcedência do pedido.
Em sede de reconvenção peticionam que seja condenada à eliminação dos defeitos que o imóvel apresenta e à execução das obras prometidas naquele ou em alternativa, que seja liquidada a quantia de € 15.000,00, solução esta que indicam como preferencial ou ainda, operando-se a redução do preço, caso o pedido formulado pela autora seja procedente, na aludida importância de € 15.000,00, que seja condenada no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 3.000,00 em qualquer dos casos que as importâncias reclamadas sejam acrescidas de juros de mora até efectiva e integral liquidação e, finalmente, que a autora seja condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento do peticionado quanto à eliminação dos defeitos.
Em sede de réplica a autora invocou a caducidade do direito a que os réus se arrogam, por a obra ter sido entregue e estes não terem denunciado qualquer defeito até ao prazo de um ano a contar da aceitação, negando que tenham existido atrasos na obra, a existência de defeitos e que os réus tenham sofrido quaisquer danos, concluindo pela improcedência da reconvenção.
No saneador relegou-se para final o conhecimento da excepção caducidade.
Julgado o processo após realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que no que concerne ao seu dispositivo reza:
“Pelo exposto:
Julgo a acção improcedente e consequentemente absolvo os RR do pedido.
Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional e consequentemente condeno a A. a proceder á eliminação dos defeitos que o imóvel apresenta e no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento do peticionado.
Julgo improcedente o pedido reconvencional na parte de condenação da A. no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais e absolvo do mesmo a A.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento, sendo “4/5 para a A. e 1/5 para os RR. (art. 446º , números 1 e 2 do CPC ) .”
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Desta sentença foi interposto recurso, pela autora, terminando por formular as seguintes “conclusões”[1] que se transcrevem:
Sobre a excepção de não cumprimento
1. No entender da A., a douta sentença errou ao considerar procedente a excepção de não cumprimento invocada pelos RR;
2. Violando os artigo o artº. 659º, n.º 3, do C.P.C., nomeadamente ao não ter em conta, criticamente, e de forma correcta, o relatório pericial, sendo assim nula a decisão na medida em que os fundamentos de facto se encontram em oposição com a decisão - cfr. art. 668º, n.º 1, al. c), do C.P.C;
3. Efectivamente, os factos provados foram tidos erroneamente em conta pela douta decisão, não tendo esta em devida conta o relatório pericial de fls. 228 e sgs dos autos;
4. Não é defeito da obra, porque não viola o projecto ou o acordo das partes, a colocação do interruptor da garagem no interior da parede (cfr. nº 19 do ponto 3- factos assentes - da sentença), tendo isso sido feito para o proteger da chuva;
5. Igualmente não se sabe qual é muro da vedação defeituoso: o do lado esquerdo, cujos pilares estão mais elevados que os blocos (cfr. n.º 20 do citado ponto 3), ou o muro da vedação do lado direito, que se encontra executado com blocos de betão e os pilares encontram-se ao nível dos blocos (cfr. 31, do citado ponto 3)?;
6. Qual deles viola o projecto ou o acordo das partes, para que possa ser considerado como defeito?;
7. Ou qual a forma alternativa correcta para a construção dos muros, decorrente do projecto ou de acordo das partes, por forma a que ambos fossem defeituosos?;
8. Quanto às lâmpadas não ligadas à terra (cfr. n.º 30 do citado ponto 3), não se vê como isso possa ser um defeito, porquanto não existem lâmpadas que o possam ser: isto é, não se conhecem no mercado lâmpadas com ligação directa à terra, logo não podia a A. adquiri-las, montá-las e ligá-las à terra;
9. Quanto aos líquidos que não conseguem ser drenados (cfr. 39 do citado ponto 3), provou-se através do relatório pericial que a drenagem existente é suficiente (cfr. fls. 229, dos autos, relatório pericial, resposta aos quesitos 12 e 13), pelo que, assim, não há defeito;
10. De igual modo se entende ser um defeito não estarem assinaladas as caixas de esgoto exteriores (cfr. nº 18 do citado ponto 3), pois que defeito seria as caixas estarem mal feitas, sendo prática comum não serem assinaladas;
11. Mais: no caso presente elas não existem, nem têm que existir, porque a respectiva canalização é feita directamente para a fossa séptica, o que foi comprovado pelo relatório pericial, de fls. 230 dos autos (cfr. nº 33 deste relatório);
12. Quanto às infiltrações da habitação e do anexo, não põem em perigo a habitação (não causam humidade em todas as divisões e perigo iminente de curto-circuito no imóvel);
13. Ou seja, através do relatório pericial, a fls. 228 e sgs. dos autos, apenas se provou infiltração numa instalação sanitária e não generalizada ou capaz de provocar curto-circuitos em qualquer divisão – cfr. nº 10 do relatório pericial, a fls. 228;
14. O facto de a fossa não estar estanque não significa que tenha havido necessariamente erro de construção, o mesmo é dizer que não significa defeito da obra;
15. No relatório pericial, os peritos concluem que a parede visível do exterior da fossa é em blocos de betão, afirmando no entanto que a mesma não está estanque, não esclarecendo o porquê disso acontecer (cfr. nº 18 do relatório, a fls. 229 dos autos);
16. Devia a Meritíssima Juíza daqui extrair (o que não fez) que não há defeito de construção da fossa, porque feita em betão, sendo da experiência comum que estando a fossa enterrada está sujeita às dilatações naturais do terreno, às quais a A. é alheia, não podendo por isso ser-lhe assacada a falta de estanquicidade, como e enquanto defeito da obra;
17. O mesmo se diga relativamente às fendas, rachas e fissuras localizadas nas paredes e nos muros do imóvel devidas a dilatações naturais do terreno, o que se encontra provado e que, como é evidente, não se devem a incorrecções das obras feitas pela A., mas sim a causas naturais, pelo que não podem ser consideradas defeitos de má execução;
18. Em bom rigor, não ficaram provados defeitos de execução da obra, entendidos estes na acepção do n.º 1 do artigo 1218º do Código Civil;
19. Pelo menos, defeitos significativos e ou devidos a má execução por parte da A., capazes de justificar, em termos proporcionais e de justiça relativa, a invocação da excepção de não cumprimento do artigo 428º, n.º 1, do Código Civil, por parte dos RR;
20. Pelo que, assim sendo, a douta sentença, ao decidir com decidiu, aplicou erradamente também este preceito;
21. Por outro lado, na douta sentença foi feita uma errada interpretação da matéria de facto provada, nomeadamente da prova documental consubstanciada no relatório pericial, o qual não foi correcta e criticamente interpretado, violando-se, como já se disse, assim, os artigos 659º, n. 3, e 668º, n.º 1, al. c), do C.P.C;
22. Sendo nula, por isso, a douta sentença;
Sobre a caducidade
23. Não aceita igualmente a A. que tenha sido indeferida a excepção de caducidade que invocou;
24. Efectivamente, ficou provado que a entrega das obras ocorreu em finais de Dezembro de 2003, não tendo os RR. apresentado qualquer reclamação e aceitado as ditas obras sem reservas (cfr. nº 13 ponto 3 – factos assentes – da douta sentença);
25. Igualmente se provou que os RR. nunca comunicaram à A. quaisquer defeitos nas obras por si executadas (cfr. 21 do citado ponto 3), no seu decurso ou após a sua conclusão;
26. Por outro lado não se provaram quaisquer datas de conhecimento dos RR. relativamente aos supostos defeitos das obras;
27. Mas mais se provou, no entender da recorrente, que não há defeitos de execução na obra que sejam da sua responsabilidade – é o que resulta da correcta interpretação do relatório pericial de fls. 228 e sgts. dos autos;
28. Mas mesmo que houvesse defeitos, estes teriam de ser denunciados nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, o que nunca aconteceu;
29. Mais se diga que nunca os RR. denunciaram a existência de defeitos, senão no âmbito da presente acção;
30. Ora, a boa interpretação das regras de caducidade, constantes dos artºs. 1220º e segts. do C. Civil deve corresponder à possibilidade da caducidade operar se os defeitos não foram denunciados em sede extrajudicial;
31. Nesta medida, não pode a Meritíssima Juíza decidir que a A. não pode pedir o pagamento dos trabalhos, como o fez, precisamente por existirem supostos defeitos na obra;
32. A A. tinha toda a legitimidade para intentar a acção, obter nela provimento, condenando-se os RR. a pagar;
33. Entende a recorrente que a douta decisão recorrida, ao não decidir assim, violou o artº. 1220º do C. Civil;
Sobre a reconvenção
34. Não aceita a recorrente que a obra enferme dos defeitos que lhe são assacados, pelo menos que existam defeitos da sua responsabilidade, ou que motivem a condenação tal como consta da douta decisão recorrida;
35. De acordo com o relatório pericial, a existirem alguns problemas na obra, a serem resolvidos pela A, estes deveriam ter sido objecto de identificação e quantificação na douta sentença recorrida, o que não foi feito;
36. Por outro lado, é inaceitável a condenação na sanção pecuniária compulsória de €50 por cada dia de atraso da A. no cumprimento do peticionado pelos RR., pelo simples facto de não se estar perante prestação de facto infungível;
37. Efectivamente, estamos perante obras de construção civil correntes e sem especial complexidade, pelo que podiam e podem ser efectuadas por qualquer empresa do ramo, não sendo assim imprescindível ou impossível a sua realização por outrem que não a A.;
38. Violou a douta sentença, no entender da recorrente, o disposto no artº. 668º, nº 1 al. d), do CPC, porquanto não se pronunciou sobre a determinação de quais os defeitos que A. ficava obrigada a reparar;
39. Mas violou também o disposto nos artºs. 828º e 829º-A do C. Civil, ao ter estipulado a sanção pecuniária compulsória, como erradamente o fez;
40. Quando é inequívoco que não se está perante obrigações infungíveis.”
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Os réus apresentaram alegações defendendo a manutenção do julgado no que respeita à sua absolvição do pedido formulado pela autora, e vêm, por seu turno, ao abrigo do disposto no artº 684º-A do CPC, ampliar o âmbito do recurso, com vista a que este tribunal de recurso, após alteração da decisão sobre matéria de facto, considere que eles nada devem à autora, tendo formulado as seguintes conclusões, no que a esta concreta problemática respeita:
a) Os R.R. demonstraram documental e inequivocamente que nada deviam à A. a nenhum título ou natureza, por efeito do pagamento da factura número 25 - Cfr. ponto 16 da matéria reputada por provada.
b) Os R.R. deveriam ter sido absolvidos do pedido, atentos os pagamentos efectuados à sociedade A., ora recorrente, documentalmente comprovados, ao invés do doutamente considerado - Cfr. ponto 16 da matéria reputada por provada.
c) Em consequência, requer-se a alteração da indicada decisão sobre matéria de facto, considerando-se que os R.R. nada devem à A. - Cfr. art.712°, n°.1, al.a) do CPC.
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Apreciando e decidindo

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º todos do Cód. Proc. Civil.
Assim, as questões nucleares que importa apreciar são as seguintes:
1ª - Da nulidade da sentença por alegada oposição entre os fundamentos de facto e a decisão e por alegada omissão de pronúncia;
2ª – Da requerida alteração da matéria de facto a coberto do disposto no artº 712º n.º 1 al. a) do CPC;
3ª – Da alegada inexistência de defeitos significativos que justifiquem a invocação da excepção do não cumprimento (pagamento) por parte dos réus;
4ª – Da alegada existência de factos que conduzem à procedência da excepção da caducidade de direitos peticionados em sede de reconvenção.
5ª – Da alegada inadequação de condenação da autora em sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na correcção dos defeitos.
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No Tribunal a quo, foi considerado como provado o seguinte quadro factual:
1) A A. dedica-se à actividade de construção civil.
2) No final do ano 2000, A. e RR. acordaram que a A. procedesse à construção de uma moradia unifamiliar com anexo, destinada à habitação dos RR., mediante pagamento de preço – cfr. docs. juntos aos autos a fls. 112 a 118, que atenta a sua extensão se dão por integralmente reproduzidos.
3) Os RR. pagaram o preço da obra referida em 2).
4) Aquando da conclusão da obra referida em 2), a A. declarou entregar a obra, tendo os RR. verificado a mesma, declararam aceitar e não apresentaram reclamação.
5) Durante o primeiro semestre de 2002, a A. realizou por ordem dos RR. mais trabalhos dos que inicialmente acordados, designadamente, construção de muro lateral, com 1,20m de altura; construção de muro na zona do portão; abertura de vala de fundação, na travessia do portão, com aplicação de betão pronto; trabalhos de electricista na modificação do posicionamento do quadro eléctrico à entrada e nos disjuntores da casa da bomba - cfr. doc. junto a fls. 6 (“Trab-a-Mais nº 01”), que se dá por integralmente reproduzido.
6) No final do mês de Março de 2002, a A. concluiu a execução do muro lateral direito - referido em 5) - e a execução do canil, declarou entregar aos RR, tendo estes declarado aceitar as obras e não apresentaram reclamação.
7) Em 29 de Julho de 2003, A. e RR. acordaram que a A., executava os trabalhos necessários ao arranjo dos espaços exteriores, que se traduziram em: trabalhos de mão-de-obra e mecânicos, no espalhamento das terras vegetais e limpeza das fundações já executadas; compactação de terras vegetais junto aos edifícios, com utilização de bate-mate; fornecimento e aplicação de enroncamento em brita 15/25 para preparação do massame dos passeios, com 15 cm de altura; fornecimento e aplicação de betão pronto B20, para execução do massame de regularização dos passeios 5 cm de altura; fornecimento e assentamento de mosaico de calçada direita 33x33; tapamento das juntas; execução de regularização em argamassa das fundações para assentamento dos blocos; execução de muro em bloco de betão cru, com junta fechada 1,20m/h; execução de muro em bloco de betão cru, com junta fechada 0,40m/h; execução de muretes de suporte para assentamento de muros no atravessamento da quinta em betão pronto com 30x30, incluindo abertura da vala mecânica, incluindo pilares; execução de muro em bloco de betão cru, com junta fechada 1,20m/h no atravessamento; conclusão dos trabalhos referentes à instalação do aquecimento central - cfr. doc. junto a fls. 7 a 10 (“Orçamento TM 012”), que se dá por integralmente reproduzido.
8) As obras referidas em 7) foram executadas, pela A., durante o segundo semestre de 2003.
9) Relativamente à obra referida em 7), A. e RR. acordaram na execução de mais trabalhos, nomeadamente: execução de muro em bloco de betão cru, com junta fechada, no muro lateral esquerdo à entrada da quinta; reparação de curto-circuito na instalação eléctrica, que a A. executou. Tendo, para o efeito, efectuado uma deslocação e despendida 2 horas de mão-de-obra de electricista – cfr. doc. junto aos autos a fls. 19 (“Orçamento TM 012 Trab.-a-Mais/Menos”), que se dá por integralmente reproduzido.
10) Relativamente à obra referida em 7), A. e RR. acordaram na execução de menos trabalhos, que consistia na instalação de aquecimento de central, no valor de €3.538,91, com IVA incluído.
11) Em 14 de Novembro de 2003, A. e RR. acordaram que a A. executasse determinadas obras, designadamente: abertura de vala para passagem de cabo eléctrico; execução de fundações, para as laterais do portão, com 30x30; execução de parede em blocos de cimento, com acabamento cru; execução de parede em tijolo 22, para rebocar, nas laterais do portão; execução de pilares, em betão armada, com 2,50mx0,30mx0,30m; reboco com massas finas nas zonas de tijolo cerâmico; fornecimento e assentamento de soleira em betão pré-fabricado 3,50mx0,60mx0,40m; fornecimento e assentamento das pedras em betão, no acabamento dos pilares; trabalhos de electrificação da zona do portão e fornecimento de kit de porteiro de vídeo, caixas de aplique, caixas de derivação, tubos, cabos, rede de sinalização - cfr. doc. junto a fls. 11 a 13 (“Orçamento TM 023”), que se dá por integralmente reproduzido.
12) A obra referida em 11) foi executada pela A. durante os meses de Novembro e Dezembro de 2003.
13) A construção do muro lateral esquerdo e a aplicação de passeios e espalhamento de terras vegetais, em redor da moradia e do anexo, referidas em 7), bem como, a construção de fundações, paredes laterais e electrificação do local do portão da entrada principal, referidas em 11), foram concluídas pela A. no final do mês de Dezembro de 2003; nessa data, a A. declarou entregar as obras aos RR., estes declararam aceitar e não apresentaram reclamação.
14) Não foi fornecido o kit porteiro vidro, no valor de € 727,90, com IVA incluído.
15) A A. emitiu a factura nº 25, datada de 15/03/2004, constando inscrito na mesma: “factura relativa aos trabalhos a mais, contratados com a assinatura dos n/Orçamentos n.ºs 12 e 23”, “vencimento: 14-04-2004” – cfr. doc. junto aos autos a fls. 14, que se dá por integralmente reproduzido.
16) Os RR. não pagaram a factura nº 25, referida em 15).
17) Em 28 de Abril de 2004, a A. remeteu aos RR. uma carta, contendo os documentos juntos aos autos a fls. 77 a 83 (“Orçamento TM 012 Trab.-a-Mais/Menos”, “Trab.-a-Mais N.º 01 Correcção”)).
18) No anexo, as caixas de esgoto exteriores não estão assinaladas.
19) O interruptor da garagem está colocado no interior da parede.
20) No muro da vedação do lado esquerdo, os pilares estão mais elevados que os blocos.
21) Os RR. nunca comunicaram à A. a existência de quaisquer defeitos nas obras por si executadas.
22) Os trabalhos referidos em 5) tiveram um custo de € 2.001,03, com IVA incluído.
23) A. e RR. acordaram que a obra referida em 7) teria um custo de € 16.060,53.
24) A obra referida em 9) teve um custo de € 2.324,97, com IVA incluído.
25) A obra referida em 11) teve um custo de € 3.952,09, com IVA incluído.
26) De acordo com o livro de obra esta terminou em 10.04.2004.
27) A habitação e o anexo referidos em 2) têm infiltrações no terraço, causadas pela deficiente impermeabilização do imóvel.
28) Se tais infiltrações não forem reparadas podem espalhar-se pelo imóvel e podem provocar curto-circuitos localizados nas instalações sanitárias.
29) Existem fendas e rachas nas paredes e muros do imóvel e há fissuras pequenas localizadas em 3 zonas e no muro da entrada (circular) há 1 fissura vertical, fissuras essas que se devem a dilatações naturais de fácil reparação.
30) Nem todas as lâmpadas estão ligadas à terra.
31) O muro da vedação do lado direito encontra-se executado com blocos de betão e os pilares encontram-se ao nível dos blocos.
32) A fossa não está estanque.
33) A impermeabilização do terraço da habitação tem um custo de € 500,00 mais IVA.
34) Os RR. sofreram aborrecimentos devido à construção.
35) A moradia e anexo foram construídos sobre uma estrutura em betão armado, elevando-os 50 cm do solo, para evitar a infiltração de humidade nos pavimentos.
36) As paredes da moradia foram construídas de acordo com o projecto, em parede de tijolo 30x20x11, intercalada de placa isolante, marca wollmate, de 3 cm de espessura.
37) As paredes do anexo foram construídas em tijolo 30x20x15.
38) Há um erro de execução correspondente a falta de material de impermeabilização no terraço, provocando uma infiltração que desce.
39) Os líquidos não conseguem ser drenados.
40) O escoamento é feito através dos colectores interiores e respectiva canalização, directamente para a fossa séptica, não necessitando, por isso, de caixas de esgoto.
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Conhecendo da 1ª questão
Defende a autora recorrente que a sentença impugnada é nula, por um lado, por os “fundamentos de facto se encontrarem em oposição com a decisão” e ter feito “uma errada interpretação da matéria de facto provada, nomeadamente da prova documental, consubstanciada no relatório pericial” e, por outro lado, “não se pronunciou sobre a determinação de quais os defeitos que a autora ficava obrigada a reparar”.
A nulidade prevista no artº 668º n.º 1 al. c) do Cód. Proc. Civil ocorre quando se verifica um vício real no raciocínio expendido pelo julgador que leve a que se conclua em sentido oposto ou diferente de toda a lógica expressa na formação da decisão,[2] o que, manifestamente, cremos não se verificar na sentença sob recurso, pois, o alegado vício só se terá por verificado quando, perante as premissas de facto e de direito que tinha por apuradas, a lógica do raciocínio do julgador levasse à prolação de decisão em sentido oposto ou diferente daquela que veio a proferir.
Pressupõe-se, assim, a existência de um erro lógico no processo final da argumentação jurídica, de modo que os fundamentos invocados apontam num sentido e inesperadamente contra a conclusão decisória esperada, dentro da linha de raciocínio adoptada, veio a optar-se por decisão diversa.[3]
Fora destas situações não se poderá defender a existência de nulidade da decisão alicerçada em contradição, podendo, no entanto existir erro de julgamento, ou seja erro de interpretação dos factos ou do direito ou na aplicação deste, a mas que não cabe apurar na sede da apreciação e conhecimento de nulidades.
Não nos parece haver dúvidas que a decisão se apresenta coerente e lógica perante os factos dados como provados e a interpretação que deles fez o julgador para lhes aplicar o direito que entendeu ser o adequado, sendo irrelevante a interpretação que em sede de perícia outros podiam ter feito de determinados factos e que a recorrente agora parece pretender chamar à colação.
Nestes termos, entendemos não se verificar a existência da nulidade prevista na c) do n.º 1 do artº 668º do Cód. Proc. Civil.
O artº 668º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil, fulmina de nulidade a sentença em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não devia tomar conhecimento, sendo que a mesma está directamente relacionada com o consignado no n.º 2 do artº 660º do CPC, servindo de cominação ao seu desrespeito.
Tais questões, no entanto, não devem confundir-se com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes, já que a estes não tem o tribunal de dar resposta especificada ou individualizada limitando-se, se for caso disso, a abordá-los caso contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido.
Apreciada a arguição, constatamos que não se verifica a alegada nulidade, já que entendemos que existiu sobre as questões concretas, inerentes à pretensão reconvencional, designadamente no que se refere aos defeitos que deveriam ser alvo de eliminação, emissão de pronúncia, pois, bem ou mal, foram referidos os trabalhos incorrectamente efectuados (constantes dos pontos 18 a 20, 27 a 32, 38 e 39 dos factos assentes) conforme se pode constar do conhecimento da “excepção do não cumprimento/defeitos da obra”, salientando-se expressamente que “deve ser consagrada a possibilidade de reparação dos defeitos de acordo com a 1ª parte do pedido dos réus”, donde se conclui, que no entendimento do Julgador a quo e tal como resulta, quanto a nós, inequívoco da sentença e da posição assumida são esses os defeitos a regularizar.
Nestes termos, entendemos, também, não se verificar a existência da nulidade prevista na d) do n.º 1 do artº 668º do Cód. Proc. Civil.

Conhecendo da 2ª questão
Os réus no âmbito da ampliação da apelação vêm invocar que fizeram prova de que nada deviam ao autor, atendendo a que juntaram documentos que demonstram que liquidaram a factura n.º 25 datada de 15/03/2004, relativa aos “trabalhos a mais” a que se alude nos pontos 15 e 16 dos factos provados.
Antes do mais convém esclarecer que os pontos 15 e 16 dos factos dados como assentes, reproduzem as alíneas O) e P) dos factos assentes, sendo que tal matéria se teve ab initio por confessada após os articulados não se fazendo constar a mesma da Base Instrutória, e como tal, não foi sujeita a produção de prova.
É certo que os réus reclamaram da selecção da matéria de facto, no sentido de tal matéria ser integrada na Base Instrutória e retirada dos factos assentes, mas tal requerimento foi indeferido por despacho de 26/01/2006, despacho este que os réus não impugnam, não obstante ponderem fazê-lo como prevê o disposto no artº 511º n.º 3 do CPC, pelo que o mesmo se tem por definitivo de modo a que a matéria assente na fase do saneamento do processo se tem por imutável.
Também é verdade que os réus, em 18/02/2008, vieram requerer a junção de 10 documentos salientando terem os mesmos “extrema relevância para o apuramento da verdade material”, sem no entanto indicarem os pontos concretos da BI de que queriam fazer prova ou contraprova, que embora tendo sido admitidos, o seu conteúdo não deixou de ser impugnado pela autora, concluindo que os mesmos não se referem aos trabalhos executados por ela, cujo pagamento reclama.
Estes documentos são apreciados livremente pelo tribunal e não se destinando a provar pontos concretos de factualidade controvertida, não foram relevados pelo Julgador a quo nos termos que os réus pretendem, como também não poderá este Tribunal Superior atender à sua pretensão, até porque a factualidade que agora se pretende pôr em causa, como se referiu, foi considerada como assente quando do saneamento do processo, sendo reiterada pelo despacho que indeferiu a reclamação contra a selecção da matéria de facto, o qual não foi atacado via recursiva e, como tal, se tem por definitivo, não havendo, assim, por qualquer meio, nomeadamente documental que fazer prova ou contraprova de factos que se tiveram e têm por assentes.
Improcede, assim, a pretensão dos réus no âmbito da ampliação da apelação.

Conhecendo da 3ª questão
A autora salienta em defesa da sua tese que não existem, nas obras por si realizadas, defeitos significativos que justifiquem a invocação da excepção do não cumprimento (pagamento) por parte dos réus, não se tendo, na decisão impugnada, em conta o relatório pericial constante nos autos.
Caberá salientar que o relatório pericial, serviu como meio de prova para a resposta a dar aos quesitos da Base Instrutória, sendo os factos apurados com base nele e em outros meios de prova e que consubstanciam a matéria factual dada como assente que relevam para efeitos de subsunção factual ao direito aplicável e não o conteúdo do aludido relatório pericial, que apenas é um dos elementos de prova, como parece defender a autora.
As relações entre as partes têm subjacente um contrato de empreitada, em que os réus invocam o instituto da excepção do não cumprimento do contrato salientando existir cumprimento defeituoso da prestação, por parte da autora, a que estava adstrita o que lhes dá direito à recusa de efectuarem o pagamento total da empreitada, enquanto os defeitos não foram corrigidos.
A doutrina e a jurisprudência parecem ser unânimes em aceitar tal excepção para os casos de cumprimento parcial ou de cumprimento total mas defeituoso.[4]
O Julgador a quo para efeitos de fazer operar a exceptio non rite adimpleti contractus invocada pelos réus teve em conta que alguns dos trabalhos foram realizados incorrectamente salientando relevarem os seguintes factos:
18) No anexo, as caixas de esgoto exteriores não estão assinaladas.
19) O interruptor da garagem está colocado no interior da parede.
20) No muro da vedação do lado esquerdo, os pilares estão mais elevados que os blocos.
27) A habitação e o anexo referidos em 2) têm infiltrações no terraço, causadas pela deficiente impermeabilização do imóvel.
28) Se tais infiltrações não forem reparadas podem espalhar-se pelo imóvel e podem provocar curto-circuitos localizados nas instalações sanitárias.
29) Existem fendas e rachas nas paredes e muros do imóvel e há fissuras pequenas localizadas em 3 zonas e no muro da entrada (circular) há 1 fissura vertical, fissuras essas que se devem a dilatações naturais de fácil reparação.
30) Nem todas as lâmpadas estão ligadas à terra.
31) O muro da vedação do lado direito encontra-se executado com blocos de betão e os pilares encontram-se ao nível dos blocos.
32) A fossa não está estanque.
38) Há um erro de execução correspondente a falta de material de impermeabilização no terraço, provocando uma infiltração que desce.
39) Os líquidos não conseguem ser drenados.
Há que referir que nos autos não consta documentação minuciosa donde se retire que em pontos concretos os trabalhos devem ser efectuados de uma maneira ou de outra, encontrando-se, no entanto os projectos e arquitectura e respectivas memórias descritivas e justificativas (fls. 378 a 396), que se terão ter em conta se não existiram modificações, nomeadamente decorrentes de acordo das partes.
A autora defende que não se evidencia a existência de defeitos significativos resultante de má execução da obra que permitam alicerçar a excepção do não cumprimento.
No entanto, ao contrário do que defende a autora, nos factos supra descritos existem situações que no seu conjunto provocam redução do valor das obras, bem como põe em causa a aptidão para o uso normal, para que foram delineadas e construídas, designadamente as concretas referências efectuadas nos pontos n.ºs 20, 27, 28, 32, 38 e 39.
Pois, não é normal que numa construção recente existam infiltrações no terraço que causam humidade no interior da habitação (conforme se pode constatar facilmente pelas fotografais constantes a fls. 84 a 86 dos autos), e sendo essas infiltrações decorrentes de erro de execução dos trabalhos de impermeabilização é manifesto que a empresa construtora não pode deixar de ser responsabilizada a corrigi-los bem como a reparar as anomalias provocadas por essas infiltrações.
No que se refere em particular à impermeabilização do terraço a falta da autora, enquanto construtora, não pode deixar de considerar-se grave atentas as consequências resultantes de tal omissão para o interior habitação.
Diga-se que das demais anomalias que foram enunciadas pelo Julgador a quo, só as referenciadas como constantes nos pontos 18 e 31 se devem considerar como inexistentes, já que não consta da memória descritiva do projecto de arquitectura a existência de caixas de esgoto exteriores, atendendo a que a “drenagem é feita directamente para a fossa séptica”, nem que os pilares implantados no muro tenham de ser salientes na respectiva altura, antes pelo contrário, devendo, tão só “acompanhar o declive do terreno, mantendo sempre a altura de 2 m” sendo necessário “efectuar quedas no muro”.
No mais as referências feitas nos outros pontos não podem deixar de considerar-se anomalias ou imperfeições.
No que respeita à colocação do interruptor da garagem, mesmo que se mostre adequado a sua colocação no interior da parede, a foto junta aos autos a fls. 87 é elucidativa de que o trabalho não está concluído ou se está, não se mostra de todo apresentável, devendo ser rectificado.
Também as fendas e rachas que apresentam as paredes dos muros não
são normais numa construção devidamente executada, que não pode deixar de prever a maior ou menor compactação dos terrenos envolventes.
No que respeita à parte eléctrica diz a recorrente que não conhece no mercado lâmpadas que possam ser ligadas à terra. Apesar da formulação usada no ponto 30 dos factos assentes, o que na “gíria dos electricistas” se quis referir é que nem todo o circuito eléctrico destinado à implantação de lâmpadas está ligado a terra. Ou seja, circuito este, que não tem eficiente e em condições de funcionar, caso seja necessário numa situação de descarga eléctrica (para além dos fios, neutro e de corrente [no sistema monofásico]), o fio terra, que não pode deixar de estar operacional, tendo em conta as condições de segurança impostas relativamente aos circuitos eléctricos implantados nas habitações.
Por fim, diga-se que a fossa séptica deve ser estanque e construída em betão armado, conforme decorre do projecto de arquitectura. Se não está estanque, não pode deixar de considerar-se anomalia a suprir pela autora enquanto construtora, anomalia ou defeito que conduz a que possa haver possível contaminação do solo e culturas. Pois, chamando à colação o que dizem os peritos, esta diz ser “visível que a parede exterior da fossa é em blocos de betão” o que não é o mesmo que ser construída em betão armado. Os blocos de betão (também usados na construção do muro), como parece ser evidente, não dão estanquicidade, à construção, já que são aplicados e ligados como os tijolos, só a construção em betão armado, devidamente impermeabilizada é que pode obviar a perdas de líquidos e ser estanque.
Nestes termos entendemos que os defeitos existentes justificam a invocação da excepção do não cumprimento (pagamento de parte do valor total do contrato) por parte dos réus, não pondo em causa os princípios da boa fé e da proporcionalidade, pelo que nesta parte improcede o recurso da autora.

Conhecendo da 4ª questão
A autora defende que os réus não denunciaram os defeitos tempestivamente, pelo que operou a caducidade do direito de denúncia e como tal a decisão recorrida ao não entender assim, violou o disposto no artº 1220º do CC.
Da matéria de facto resulta que os réus até à apresentação da contestação nunca comunicaram à autora a existência de quaisquer defeitos nas obras por si executadas, cuja conclusão e entrega ocorreu por fases, sendo em Dezembro de 2003, concluída e entregue a última fase, tendo os réus sempre aceite as obras sem apresentarem reclamações.
O Julgador a quo entendeu que “não ficaram demonstradas as datas do conhecimento dos RR relativamente aos defeitos” sendo que “o ónus da prova a tal respeito cabia à A, por ter sido quem invocou tal excepção” e como tal julgou improcedente a excepção da caducidade.
É certo que conforme resulta dos princípios gerais do ónus da prova, vertidos nos artºs 342º n.º 1 e 343º n.º 2, ambos do CC, o ónus da prova pertence ao empreiteiro, incumbindo-lhe por isso demonstrar que o dono da obra não denunciou os defeitos dentro de 30 dias seguintes ao seu descobrimento,[5] mas isso não significa que relativamente a todos os invocados defeitos não se tenha feito prova que o dono da obra os ficou a conhecer logo na altura que aceitou a entrega da obra e não impôs reservas.
Os defeitos aparentes (visíveis ou reconhecíveis) presumem-se conhecidos tenha havido ou não verificação da obra, por força do disposto no artº 1219º n.º 2 do CC, cabendo ao dono da obra ilidir tal presunção de conhecimento a fim afastar a excepção de caducidade invocada pelo empreiteiro, quando vier reclamar defeitos, passados que forem 30 dias após a aceitação da obra sem ter posto quaisquer reservas.
No caso dos autos as realidades (sejam ou não consideradas como verdadeiros defeitos) inerentes às caixas de esgotos externas, ao interruptor da garagem e aos pilares do muro de vedação do lado esquerdo, são nitidamente visíveis e reconhecíveis, pelo que não tendo sido denunciadas à autora pelos réus, a não ser com a apresentação da contestação na acção, se tem de considerar, quanto a elas, ter operado a invocada excepção da caducidade de direitos, designadamente no que respeita à eliminação de defeitos.
No mais, relativamente, às outras realidades porque não aparentes, não estabelece a lei presunção de conhecimento por parte do dono da obra, pelo que nada há a objectar relativamente à posição seguida na decisão impugnada, tendo em conta o disposto nos artº 1220º n.º 1, 1224º n.º 1 e 1225º n.º 1 e 2, todos do CC.
Nestes termos, embora proceda nesta vertente, parcialmente, o recurso, tal procedência não releva para efeitos dos réus não verem ser-lhes reconhecida a excepção do não cumprimento do contrato, uma vez que continuam a existir defeitos graves que necessitam de ser corrigidos, conforme de referiu supra.

Conhecendo da 5ª questão
A autora no que respeita à sua condenação em sanção pecuniária compulsória salienta que a mesma é desajustada porque “estamos perante obras de construção civil correntes e sem especial complexidade, pelo que podiam e podem ser efectuadas por qualquer empresa do ramo, não sendo, assim, imprescindível ou impossível a sua realização por outrem que não a autora”, não se estando perante obrigações infungíveis.
Na decisão sob censura a coberto do disposto no artº 829º- A do CC no qual se estipula “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo as que exigem especiais qualidades cientificas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor condenar o devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento de cada infracção conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso,” porque os réus o solicitaram proceder à condenação da autora no pagamento de sanção pecuniária compulsória por “precaução de moralidade e eficácia”.
Por definição, as obrigações infungíveis são aquelas que não podem ser realizadas por outra pessoa que não o próprio devedor.
“Em regra as obrigações de prestação de facto são fungíveis”[6] devendo ter-se em conta em benefício do credor o disposto no artº 767º n.º 2 do CC, que não pode ser constrangido a receber de terceiro a prestação, quando se tenha acordado expressamente em que esta deva ser feita pelo devedor, ou quando a substituição o prejudique.
“A questão da fungibilidade ou infungibilidade da prestação resolve-se, assim, no aspecto prático, pela possibilidade ou impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro. Se de acordo com o critério contido no artº 767º do CC, o cumprimento por terceiro é admissível, a prestação é fungível, se ao invés, o cumprimento por terceiro for de excluir a prestação é infungível.”[7]
No caso em apreço e tendo como critério decisivo da determinação da fungibilidade da prestação o interesse do credor não podemos deixar de concluir que a prestação não pode deixar de ser fungível.
Pois, ab initio é o próprio credor (os ora réus) que no seu petitório indica como preferencial a solução indemnizatória com vista a “que a obra seja adjudicada a terceiros” a fim destes corrigirem os vícios, em detrimento da correcção ser efectuada pela autora, enquanto construtora, sendo que só efectua o pedido de condenação desta a eliminar os defeitos em virtude de ter de exercer os seus direitos de modo sequencial, atento o disposto nos artºs 1221º e segs. do CC.
Assim, sendo não tem aplicação o disposto no artº 829º-A do CC ao caso dos autos, já que “o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal – obrigações de carácter intuitus personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem – fazendo dela um processo subsidiário onde a execução específica não tem lugar.”[8]
Mas mesmo que se entenda que estamos, no âmbito da correcção dos defeitos, perante uma prestação de facto infungível sempre se dirá que a existência ou subsistência da sanção pecuniária compulsória sempre pressuporá para além da viabilidade do cumprimento da obrigação a que se reporta, também a culpa do devedor inerente ao não cumprimento.[9]
Esta sanção é um meio indirecto de constrangimento de fazer com o devedor cumpra a obrigação sem demoras ou delongas de qualquer espécie, de modo a vencer a sua constatada rebeldia.
No caso dos autos, à autora enquanto devedora e no que se refere à obrigação de reparação dos defeitos, nenhuma culpa lhe pode ser imputada, em termos de menor celeridade ou rebeldia nessa execução de reparação, já que dos factos provados resulta inequívoco, que só com a notificação da contestação nesta acção, por si interposta com vista à cobrança de dívida, foi conhecedora de que o obra por si realizada apresentava defeitos que necessitavam de ser corrigidos. Não se pode, por isso, impor uma sanção pelo cumprimento da obrigação de reparação dos defeitos, quando os réus que peticionaram a condenação nessa sanção não haviam dado conhecimento da existência de defeitos nem solicitaram a sua correcção, pelo que nada indica que a autora, agora sabendo da existência dos defeitos, ofereça resistência à reparação, tanto mais que da sua reparação célere resulta, também, o termo da invocação da excepção no não cumprimento do contrato por parte dos réus, que assim, não poderão deixar de proceder à liquidação da quantia, ainda em dívida.
Desconhecendo, assim, a autora a existência de defeitos o eventual incumprimento pela reparação dos mesmos não lhe pode ser imputável, pelo que não se justifica a aplicação de sanção pecuniária compulsória.
Merece procedência, nesta vertente, o recurso.
**


DECISÂO
Pelo exposto, decide-se:
a) – Julgar parcialmente procedente o recurso da autora e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte em que, no âmbito da pretensão reconvencional, condenou a autora no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, bem como na parte que a condenou à eliminação de todos os defeitos, os quais são, apenas, aqueles supra referenciados e cujo direito de reparação não se encontra caduco.
b) – Julgar improcedente o recurso ampliado dos réus.
Custas por Apelante e Apelados na proporção de 1/3 para aquela e 2/3 para estes.

Évora, 24 de Março de 2011

Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa

Rui Machado e Moura






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[1] _ - Consignámos conclusões entre aspas, porque a autora limita-se a fazer o resumo, em quarenta artigos, da matéria explanada nas alegações, sem apresentar umas verdadeiras conclusões tal como a lei prevê, as quais devem ser sintéticas, concisas, claras e precisas – v. Ac. STJ de 06/04/2000 in Sumários, 40º, 25 e Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 73; Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 124.


[2] - v. ac. STJ de 12/02/2004 in http://www.dgsi/jstj, no processo referenciado com o nºs 03B1373.
[3] - v. Ac. STJ de 26/04/1995 in Col. Jur. Vol. II, 57.
[4] - Vaz Serra, Excepção do contrato não cumprido, in BMJ 67º, 37; Antunes Varela, Parecer, Col. Jur. 1987, tomo 4º, 21 e Código Civil Anotado, 2ª edição, vol. 2, 733; Menezes Cordeiro, Violação positiva do contrato, ROA, ano 41, 181; Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, 337; João José Abrantes in A Excepção de não cumprimento do Contrato em Direito Civil, 92; Almeida Costa in Direito das Obrigações, 11ª edição, 364; Ac. STJ de 31/01/1980, BMJ 293º, 365; Ac. STJ de 09/12/98, BMJ 322º, 337; Ac. STJ de 30/11/2000, Col. Jur. Tomo 3, 150; Ac. STJ de 18/02/2003, Col. Jur. Tomo 1, 103.
[5] - v. Vaz Serra in RLJ, ano 107, 382 e 383; Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, vol II, 2ª edição, 730.
[6] - v. Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, 367.
[7] - v. Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, 367.
[8] - v. Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, 450.
[9] - v. Almeida Costa in Direito das Obrigações, 11ª edição, 1067.