Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALEXANDRA MOURA SANTOS | ||
Descritores: | CONVERSÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO EM DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO ALIMENTOS A MENORES | ||
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Data do Acordão: | 06/11/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Convolado o “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges” em divórcio por mútuo consentimento, e não estando as partes de acordo quanto a qualquer questão (ou questões) referidas no nº 1 do artº 1775º do C.C., cumpre ao juiz fixar, quanto a elas, as consequências do divórcio (nº 3 do artº 1778-A do C.C.). Sumário da Relatora | ||
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Decisão Texto Integral: | APEL. Nº 400/13.6TMFAR-A.E1 (2ª SECÇÃO) ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA (…) intentou contra (…) a presente acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, pedindo que pela procedência da acção seja “1 – Declarada a ruptura do casamento entre a requerente e o requerido, pela separação de facto, ou inexistência de vida entre ambos, há mais de um ano consecutivo, no caso há mais de três e face à inexistência de propósito da requerente em restabelecer a comunhão de vida com o requerido. 2 – Ser, com este fundamento da separação de facto, decretado o divórcio entre a requerente e o requerido, nos termos do previsto e disposto na alínea a) do artº 1781º do C.C.” O R. não compareceu na tentativa de conciliação a que alude o artº 1407º, nº 1, do CPC nem, na sequência da mesma, apresentou contestação, apesar de notificado para o efeito. Designado dia para julgamento, e estando presentes as partes, aberta a audiência, por elas foi declarado “estarem na disposição de converterem os presentes autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, em divórcio por mútuo consentimento”. Em face de tal declaração, a Ex.ª Juíza proferiu o despacho exarado na acta de fls. 58 nos termos do qual ordenou “a conversão dos presentes autos em divórcio por mútuo consentimento e a rectificação da distribuição, passando-se de seguida a realizar a conferência de divórcio”. Nessa sequência, ficou exarado na acta que “ambas as partes declararam o seguinte: 1 – Existem os seguintes bens comuns: Activo: (…) Passivo: (…) 2 – Prescindem reciprocamente de alimentos. 3 – Não existem filhos menores. 4 – A casa de morada de família (verba 1 do activo), fica atribuída provisoriamente até à partilha ou venda, ao cônjuge mulher.” Em seguida a Ex.ª Juíza proferiu a sentença nos termos constantes da referida acta, na qual, por considerar acautelado os interesses que regulamenta, homologou o acordo quanto a alimentos e utilização da casa de morada de família feita pelos cônjuges e considerando verificados os requisitos do artº 1775º do C. Civil e atento o disposto no artº 14º do D.L. nº 272/2001, de 13/10, decretou o divórcio por mútuo consentimento entre a A. e o R., ficando, consequentemente, dissolvido o respectivo casamento. Foi desta sentença que, inconformada apelou a A. alegando e formulando as seguintes conclusões: 1 – A douta sentença recorrida fez incorrecta valoração e interpretação do facto da filha de (…) e de (…) ter atingido a maioridade na pendência da acção de divórcio, ao não ter fixado as consequências do divórcio em relação àquela. 2 – O divórcio sem o consentimento do outro cônjuge foi interposto por (…) contra (…), em 21 de Maio de 2013. 3 – À data, a filha do casal (…) tinha acabado de completar 17 anos de idade, sendo em face da lei menor de idade. 4 – Existindo, assim necessidade de regular o exercício das responsabilidades parentais em relação à mesma. 5 – Com esse propósito veio (…) a dar entrada à petição inicial/requerimento para regulação das responsabilidades parentais da menor em 22/05/2013, em processo que se encontra apenso ao presente processo de divórcio com o nº 400/13-A Regulação das Responsabilidades Parentais. 6 – Entre a data da propositura de ambas as acções e a data em que foi decretado o divórcio, decorreu mais de um ano, tendo a filha do casal atingido a maioridade em 18 de Maio de 2014. 7 – A douta sentença recorrida ignorou completamente toda a informação constante dos autos de regulação das responsabilidades parentais de (…), nomeadamente os relatórios sociais elaborados sobre (…) e de (…), e a certidão de matrícula que a progenitora pretendeu juntar aos autos na conferência de divórcio. 8 – Assim, a (…) ainda se encontrava a completar a sua formação, quando atingiu a maioridade. 9 – A (…) frequentou com aproveitamento no ano lectivo de 2012/2013, o 10º ano de escolaridade. 10 – A (…) matriculou-se no ano lectivo de 2013/2014 no mesmo estabelecimento de ensino, no 11º ano do Curso Científico-Humanístico de Artes Visuais. 11 – A (…) encontra-se ainda a completar a sua formação profissional, continuando a necessitar de alimentos da parte do progenitor. 12 – O progenitor encontra-se a auferir desde 2012 uma compensação de € 1.200,00 mensais. 13 – O progenitor não tem contribuído com qualquer quantia a título de alimentos à filha, não o fazendo quando ela ainda era menor, nem após a maioridade. 14 – A progenitora aufere um vencimento mensal de € 485,00. 15 – A douta sentença ao decidir não fixar as consequências do divórcio em sede de alimentos devidos a (…), violou o previsto e disposto no artº 1778º-A do C.C. – requerimento, instrução e decisão do processo em tribunal: “3 – O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no nº 1 do artº 1775º sobre que os cônjuges não tenham chegado a acordo, como se se tratasse de um divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges”. 16 – É necessário fixar as consequências do divórcio em sede de alimentos devidos a (…) desde a propositura da acção, estipulando-se um valor para os mesmos. 17 – A douta sentença recorrida ao não fixar as consequências do divórcio em sede de alimentos devidos a (…), entre a data da propositura da acção de divórcio – 21/05/2013 e a data em que a menor atingiu a maioridade, violou o previsto e disposto no artº 1878º do C.C. – conteúdo das responsabilidades parentais, “1 – Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação …”. 18 – É obrigação de (…) efectuar o pagamento da quantia de alimentos a fixar a (…) desde a data da propositura da acção até à data em que esta atingiu a maioridade, devendo o mesmo ser condenado a esse pagamento. 19 – A douta sentença ao decidir não fixar as consequências do divórcio em sede de alimentos devidos a (…), entre a data da propositura da acção de divórcio 21/05/2013 e a data em que a menor atingiu a maioridade violou o previsto e disposto no artº 2006º do C.C. – “Os alimentos são devidos desde a proposição da acção”. 20 - A douta sentença recorrida ao decidir não fixar as consequências do divórcio em sede de alimentos devidos a (…) após a mesma atingir a maioridade, violou o previsto e disposto no artº 1880º do C.C. sobre – Despesas a filhos maiores ou emancipados: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”. 21 – A (…) encontra-se ainda, após ter atingido a maioridade, a completar a sua formação profissional, a necessitar de alimentos. 22 – A douta sentença recorrida ao decidir não fixar as consequências do divórcio em sede de alimentos devidos a (…) após a mesma atingir a maioridade, violou o previsto e disposto no artº 989º do CPC sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados: “2 – Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação de alimentos corram por apenso”. 23 – (…) encontra-se obrigado a prover ao sustento da (…), até que esta complete a sua formação profissional, mantendo-se esta sua obrigação de pagar alimentos à mesma, no montante que for estipulado, até essa data. E conclui: Nestes termos deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a matéria de facto dada como provada, conforme o exposto e nessa sequência deve ser alterada a decisão tomada no sentido da conformidade da mesma com as normas jurídicas violadas pela douta sentença, fixando-se as consequências do divórcio em sede de alimentos devidos a (…) por (…), estipulando uma quantia de alimentos devidos por este àquela, condenando-se o mesmo ao pagamento dessa quantia desde a data da propositura da acção até à data em que aquela atingiu a maioridade e condenando-se o mesmo ao pagamento da referida quantia até que a (…) complete a sua formação. Não foram apresentadas contra-alegações. * Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação da recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), verifica-se que a questão a decidir consiste em saber se, in casu, havia lugar à fixação das consequências do divórcio em sede de alimentos devidos a (…). * A factualidade a considerar para o conhecimento do recurso é a que resulta relatório supra. Conforme resulta das conclusões da alegação da recorrente, insurge-se a mesma contra a sentença recorrida porquanto não fixou as consequências do divórcio em sede de alimentos devidos a (…). Vejamos. A Lei 61/2008 de 31/10 que alterou o regime jurídico do divórcio, veio consagrar a par do divórcio por mútuo consentimento, uma nova modalidade de divórcio, o “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges” – artº 1773º, nº 1, do C. Civil. Este novo tipo de divórcio é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artº 1781º do C.C. (nº 3 do referido normativo) e pode ser objecto de convolação (“conversão” no dizer do legislador) em divórcio por mútuo consentimento. Com efeito, dispõe o artº 1779º, nº 2, do C.C. que “Se a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procurará obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento; obtido o acordo, ou tendo os cônjuges, em qualquer altura do processo, optado por essa modalidade de divórcio, seguir-se-ão os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento, com as necessárias adaptações”. Verifica-se aqui uma remissão para o regime do divórcio por mútuo consentimento, em que, por sua vez, passou a haver possibilidade de ocorrer acordo dos cônjuges apenas quanto ao divórcio, mas não quanto às consequências do divórcio, caso em que o processo prosseguirá sem o acordo dos cônjuges nas respectivas questões – as que se referem no artº 1775º, nº 1, do C.C., o que inclui, pelo menos, os acordos respeitantes a alimentos, exercício de responsabilidades parentais e destino da casa de morada de família – e para que o tribunal possa decidir quanto a essas consequências do divórcio. Parece claro que a falta de acordo dos cônjuges quanto às consequências do divórcio, não converte o processo de divórcio num processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (continua a ser processo de divórcio por mútuo consentimento, por haver acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento), mas sem prejuízo de o tribunal dever proceder como se estivesse perante um divórcio sem consentimento do outro cônjuge. Assim, integrado na Subsecção II, com a epígrafe “Divórcio por mútuo consentimento”, dispõe o nº 3 do artº 1778-A do C.C. que “O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no nº 1 do artº 1775º, sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”. A lei cria assim uma figura híbrida que é o “divórcio por mútuo consentimento judicial”, que segue o regime do divórcio sem consentimento do outro cônjuge. E nos termos do nº 4 do citado artº 1778-A “(…) para fixar as consequências do divórcio, o juiz pode determinar a prática de actos e produção de prova eventualmente necessária”. Resulta do exposto que a lei concebe um divórcio por mútuo consentimento judicial, em que haja acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, mas não quanto às consequências do divórcio (entenda-se quanto às questões referidas no artº 1775º, nº 1, do CC – quanto a algumas ou quanto a todas), caso em que cumprirá ao tribunal fixar essas consequências. (cfr. Ac. RG de 13/03/2012, proc. 2330/11.7TBVCT-A.G1, in www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto). E quanto a essas questões cabe realçar, no que ao caso interessa, a al. b) do seu nº 1 que respeita à junção de “certidão da sentença judicial que tiver regulado o exercício das responsabilidades parentais ou acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando existam filhos menores e não tenha previamente havido regulação judicial”. Voltando ao caso dos autos, verifica-se o processo iniciou-se como “divórcio sem consentimento do outro cônjuge”, sendo que em sede de julgamento, as partes declararam o seu acordo em converterem o processo em divórcio por mútuo consentimento. Em face de tal declaração e de acordo com o disposto nos artºs 1779º, nºs 1 e 2, do C.C. e artº 913º, nºs 3 e 4º, do CPC foi ordenada a referida conversão, conforme despacho exarado em acta. E na sequência, a Ex.ª Juíza tomou declarações às partes relativamente aos requisitos do artº 1775º do C.C., tendo as mesmas declarado a existência de bens comuns (activo e passivo), procedendo à respectiva descrição; tendo declarado, quanto a alimentos, que prescindiam reciprocamente dos mesmos; mais declararam não existirem filhos menores; e tendo ainda acordado quanto ao destino da casa de morada de família que ficou atribuída, provisoriamente, até à partilha ou venda, ao cônjuge mulher. Mostrando-se preenchidos os requisitos do artº 1775º do CC, a Ex.ª Juíza decretou o divórcio. Ora, conforme resulta do relatado, o que consta da acta são as declarações das próprias partes sobre o acordo na conversão do divórcio e bem assim quanto aos elementos exigidos no artº 1775º do C.C., tendo as mesmas declarado, no que ao caso interessa, que inexistiam filhos menores, não tendo sido suscitada qualquer questão relativamente à regulação das responsabilidades parentais, sendo, aliás certo, como a própria recorrente refere, que à data da conversão, por acordo, do divórcio em mútuo consentimento, e bem assim da prolação da respectiva sentença, a sua filha (…) já havia atingido a maioridade (cfr. certidão de fls. 12). Em face dos elementos constantes da acta onde inexiste qualquer manifestação de discordância ou falta de acordo em relação ao que quer que seja, não havia qualquer questão a dirimir posteriormente nos termos do nº 3 do artº 1778º-A do C. Civil. É manifestamente despropositada a invocação em sede de recurso da necessidade de regular as responsabilidades parentais de sua filha (…), quer relativamente ao período anterior à maioridade, quer posterior à mesma (momento a partir do qual, aliás, cessa a representação da recorrente), quando nenhum pedido formulou nesse sentido nem fez constar da acta o que quer que fosse em sentido contrário ao declarado. Ao contrário do que alega, e em face do que se alcança do teor da sentença recorrida e seus fundamentos, lavrada em acta, não consta que a mesma tivesse decidido “não fixar as consequências do divórcio em sede de alimentos”, pois nada consta declarado pelas partes nesse sentido. Se alguma declaração houve nesse sentido, a recorrente não a fez exarar na acta, nem acusou a sua omissão, pelo que em face do que dela consta a decisão está perfeita! Como diz o brocardo latino “quod non est in actiis nom est in mundo”! Acresce que, como é jurisprudência pacífica, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, salvo tratando-se de questões que dizendo directamente respeito ao objecto do processo sejam de conhecimento oficioso (por todos, Acs. do STJ de 8/03/2005, proc. 04B4009 e de 18/05/2006, proc. 06A1222, in www.dgsi.pt). Ora, não constando da sentença recorrida qualquer decisão de “não fixação das consequências do divórcio em sede de alimentos” devidos à filha da recorrente (…), questão que nem sequer foi suscitada nos autos ou na acta de conversão do divórcio e seu decretamento, não pode esta Relação conhecer das questões suscitadas no presente recurso, sendo manifestamente impertinente toda a factualidade alegada ex novo no presente recurso. Em face de todo o exposto impõe-se confirmar a sentença recorrida. Assim e em conclusão: - Convolado o “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges” em divórcio por mútuo consentimento, e não estando as partes de acordo quanto a qualquer questão (ou questões) referidas no nº 1 do artº 1775º do C.C., cumpre ao juiz fixar, quanto a elas, as consequências do divórcio (nº 3 do artº 1778-A do C.C.) - Nada tendo sido requerido nos autos, nem manifestado por qualquer dos cônjuges quanto à falta de acordo em relação a qualquer dos requisitos referidos no artº 1775º do C.C., designadamente, no momento da conversão do divórcio em mútuo consentimento, nada há que fixar no âmbito das “consequências do divórcio” nos termos do nº 3 do artº 1778-A do C. C.. DECISÃO Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Évora, 11 de Junho de 2015 Maria Alexandra de Moura Santos António Manuel Ribeiro Cardoso Acácio Luís Jesus das Neves |