Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1054/07.4TAOLH.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: FALTA DE COMPARÊNCIA DO ARGUIDO A JULGAMENTO
NULIDADE INSANÁVEL
USURPAÇÃO DE FUNÇÕES
CASO JULGADO
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
1. No caso em que o arguido, devidamente notificado, tenha deixado de comparecer em juízo e não tenha justificado a falta e em que a sua audição se revele, dentro de uma previsibilidade razoável, indispensável à descoberta da verdade, sem que tivessem sido tomadas as medidas necessárias a assegurar a respectiva comparência, encontrar-nos-emos perante uma exercício deficiente por parte do Tribunal dos seus poderes-deveres em matéria de produção de prova, o qual é passível de um juízo de censura jurídico-processual, mas não ao nível da nulidade insanável invocada pelo recorrente.

2. Na verdade, seria indubitavelmente levar longe demais a tutela do direito do arguido de estar presente na audiência de julgamento ou do seu direito ao contraditório, pois permitir-lhe-ia «venire contra factum proprium», admitir que o mesmo pudesse valer-se, mesmo depois de concluído o julgamento e proferida a decisão final em primeira instância, de uma suposta nulidade insanável, que foi originada em última análise pelo seu comportamento contrário à lei, ao faltar ao julgamento para que tinha sido notificado e não justificar atempadamente a falta.

3. Nesta conformidade, a situação processual figurada deverá ser reconduzida à nulidade prevista na al. d) do nº 2 do art. 120.º do CPP, na modalidade da «omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», cuja cognição, de acordo com o disposto no nº 1 do mesmo normativo, depende de arguição pelos interessados.

4. A nulidade em causa, quando exista, consuma-se no momento em que o Tribunal encerre a produção de prova, sem ter levado a efeito as diligências necessárias a garantir a comparência do arguido em julgamento, ou seja, no momento em que concede o uso da palavra ao MP e depois aos advogados presentes para alegações orais, sendo extemporânea a sua invocação apenas em sede de recurso.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
Por acórdão do Tribunal Colectivo proferido no Processo Comum nº 1054/07.4TAOLH, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, foi decidido:

a) Absolver o arguido VM da prática do crime agravado de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, nºs 1, al. a), e 3, do Código Penal, de que vinha acusado;

b) Condenar o arguido VM pela prática de um crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo art. 358.º, al. b), do Código Penal, na pena um ano e dois meses de prisão;

c) Decretar a suspensão da execução da pena referida em b) pelo mesmo período de um ano e dois meses, condicionada à obrigação do arguido se inscrever no Instituto de Emprego e de Formação Profissional (artigo 52.º, nº 1, al. b) e c), do Código Penal);

Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:

Do processo principal

1. No dia 31 de Agosto de 2007 o arguido dirigiu-se à Conservatória do Registo Predial de Olhão, tendo solicitado a emissão de uma certidão de teor referente ao prédio rústico, sito na Freguesia de Quelfes, registado sob o n.º ----/940823.

2. Por ordem da Conservadora do Registo Predial, SM, a funcionária MF emitiu a respectiva certidão de teor referente ao prédio rústico, sito na Freguesia de Quelfes, registado sob o n.º ----/940823, fazendo constar em averbamento a pendência do registo de uma acção.

3. Na Estação de Correios procederam à certificação da certidão cuja cópia consta de fls. 6 a 10.

Do Apenso A

4. A 15 de Junho de 2005, o arguido aceitou uma procuração forense em que lhe eram conferidos os amplos poderes forenses por lei permitidos, conferidos por F., Lda., na qual assume a qualidade de Advogado estagiário[1].

5. A 10 de Janeiro de 2006, o arguido apresentou na Conservatória do Registo Predial de Olhão requisição com o n.º 8, no qual consta a sua identificação como sendo VM – Advogado estagiário, juntando para o efeito procuração forense[2].

6. A 15 de Maio de 2006, o arguido apresentou na Conservatória do Registo Predial de Olhão recurso hierárquico, por si assinado, no qual no canto superior esquerdo se encontram os dizeres VM – Advogado estagiário[3].

7. O arguido é visto diariamente nas G, sitas na Avenida da República desta cidade e comarca, na loja n.º---, com aspecto de escritório, sendo visto a entrar e sair com pessoas da referida loja.

8. O arguido cumprimenta os advogados inscritos na Ordem dos Advogados e com escritório na comarca de Olhão como “colega”, onde quer que os encontre e nomeadamente em locais públicos.

Do Apenso B

9. No dia 1 de Julho de 2008, cerca das 10 horas, no âmbito do inquérito com o nº 24/08.0IDFAR o arguido foi indicado como defensor de FV, para o assistir na qualidade de profissional forense aquando da sua constituição na qualidade de arguido, respectivo interrogatório e sujeição de termo de identidade e residência[4].

10. Entretanto o arguido foi mantido como defensor do então arguido FV, na qualidade de profissional forense, aquando da dedução da acusação pública proferida no âmbito do referido inquérito.

11. Todavia em 1 de Julho de 2008 e 11 de Março de 2009 o arguido não estava regularmente inscrito como advogado/advogado estagiário na Ordem dos Advogados para a prática dos actos próprios da função de advogado.

12. O arguido agiu conforme descrito em 4., 5., 6. e 9, de forma livre, deliberada e consciente com o propósito reiterado e concretizado de assumir a qualidade de advogado estagiário, apresentando-se como tal, redigindo e assinando requerimentos e documentos onde invoca aquela qualidade, tendo praticado actos próprios de advogado.

13. O arguido que bem sabia que para praticar os referidos actos tinha que se encontrar inscrito na Ordem dos Advogados e sabia, também, que não se encontrava inscrito na qualidade de Advogado estagiário.

14. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

15. O arguido é licenciado em Direito.

16. Em 03/02/2004, requereu no Conselho Distrital de Faro da Ordem dos Advogados, a sua inscrição como advogado estagiário.

17. Em 18/03/2004 o Conselho Distrital de Faro da Ordem dos Advogados efectuou a sua inscrição preparatória corno advogado estagiário, tendo depois remetido o respectivo processo para o Conselho Geral da Ordem dos Advogados para inscrição definitiva

18. No final de Março de 2004, aquele Conselho Distrital comunicou ao arguido que as aulas do 1.º Curso de Estágio de 2004 tinham início em 19 de Abril de 2004 e que as mesmas seriam ministradas nas instalações do Conselho Distrital, tendo as aulas do primeiro período do 1.° Curso de Estágio de 2004 tido início em 19 de Abril de 2004.

19. O primeiro período do 1° Curso de Estágio de 2004 teve a duração de três meses.

20. Tendo terminado em finais de Julho de 2004.

21. O arguido frequentou o primeiro período do 1.° Curso de 2004, que compreendia as áreas de Deontologia Profissional, Prática Processual Civil e Prática Processual Penal.

22. O arguido obteve aproveitamento em todas as áreas - Deontologia Profissional, Prática Processual Civil e Prática Processual Penal, tendo ficado a aguardar o deferimento da sua inscrição definitiva como advogado estagiário para poder aceder à segunda fase de estágio.

23. O segundo período de estágio tinha a duração de 15 meses.

24. No final do primeiro período de estágio, a Ordem dos Advogados não entregou ao arguido a Cédula Profissional de Advogado Estagiário.

25. Em 20/09/2004 o arguido solicitou ao Presidente do Conselho Distrital de Faro da Ordem dos Advogados a entrega da Cédula Profissional de Advogado Estagiário.

26. Em 22/09/2004, por ofício com o n° 2694, aquele Conselho Distrital informou o arguido que o processo de inscrição se encontrava no Conselho Geral, a fim de ser efectuada a inscrição definitiva como advogado estagiário.

27. Em 22/11/2004, o arguido insiste junto do Presidente do Conselho Distrital de Faro da Ordem dos Advogados, solicitando mais uma vez que se dignasse diligenciar no sentido de lhe ser entregue a respectiva Cédula Profissional.

28. Em 09/12/2004, por ofício com o n° 3371, o Presidente daquele Conselho Distrital informou o arguido do seguinte:

Na sessão de 18/03/2004 o Conselho Distrital de Faro efectuou a inscrição preparatória de V. Exa. como advogado estagiário, como lhe competia.

O processo de inscrição foi de imediato remetido, nos termos legais, para o Conselho Geral para deliberação da inscrição definitiva.

O processo de inscrição não foi devolvido ao Conselho Distrital de Faro, com qualquer deliberação do Conselho Geral sobre tal inscrição.

29. Em 31/01/2005, o arguido solicitou audiência ao Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados.

30. Em 24/05/2005, o arguido escreveu de novo ao Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, missiva do seguinte teor:

“Decorridos que estão mais de 10 meses sobre a data do terminus do 1º Curso de Estágio de 2004 do C.D.F. (que frequentei com aproveitamento), ainda não fui recebedor da Cédula Profissional.

Razão pela qual me sinto abandonado.

Abandonado, porque neste espaço temporal — 10 meses — nunca a Ordem me pediu qualquer esclarecimento e/ou documento ou me deu qualquer explicação para a não entrega da Cédula Profissional.

Salvo o devido respeito, que é muito, diga-se, na minha modesta opinião, é inadmissível, que uma associação pública, que por força do artigo 3.º, n° 1 alínea a) do seu Estatuto, tem o dever de “defender o Estado de Direito e os direitos e garantias individuais dos cidadãos tenha para com um dos seus membros, um comportamento contrário á razão da sua existência.

Senhor Bastonário: é a tristeza que me invade a alma, o sentir que sou filho de boa gente (embora ficando-me mal fazer aqui a apologia dos meus pais), que me levou a escrever estas linhas em termos de desabafo. No entanto, agora que a “dor” está desamarrada, resta-me pedir perdão e, concedido estes penso, enviar-lhe os meus cordiais e respeitosos cumprimentos”.

31. Em 30/05/2005, o senhor Bastonário da Ordem dos Advogados respondeu à carta do arguido, enviando-lhe carta do seguinte teor: “Compreendendo a razão de ser do seu descontentamento, informo que insisti junto do responsável pelo processo uma decisão célere que irei procurar se concretize no decorrer deste mês”.

32. Em 06/07/2005, por ofício com o n° 616-B/05, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados solicitou ao arguido a junção aos autos de certidão actualizada do seu registo criminal.

33. Em 11/07/2005, dando cumprimento ao solicitado, o arguido enviou ao
Conselho Geral, certificado do registo criminal com data de 11/07/2005, onde se lê: “nada consta acerca da pessoa acima indicada”.


34. Em 19/04/2005, o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados comunicou ao arguido - via fax - que o processo de inscrição foi distribuído ao Dr. AC, em substituição do Dr. CS.

35. Em 18/08/2005, o arguido é notificado pelo Conselho Geral, da seguinte decisão subscrita pelo Sr. Vogal desse Conselho, datada de 14/07/2005“Resulta claro dos documentos que integram o Processo que no dia 3 de Fevereiro de 2004, data em que o Dr. VM requereu a sua inscrição como advogado estagiário, o Requerente já tinha sido condenado no âmbito do processo n.° ---/99. (…) Remeta-se o processo para o conselho de deontologia territorialmente competente para que, em processo próprio, se proceda à verificação da falta de idoneidade moral do Sr. VM para o exercício da profissão, implicando a suspensão do processo de inscrição até trânsito em julgado da decisão do conselho Deontologia”.

36. O arguido recorreu do despacho do Relator do Conselho Geral para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, impugnando toda a matéria.

37. Sobre o recurso apresentado, pronunciou-se o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, por acórdão de 11/09/2006, que decidiu: ‘É, quanto a nós, manifesto que o despacho proferido pelo Senhor Vogal Relator do Conselho Geral tem a natureza de despacho de mero expediente - despachos que se destinam a assegurar o regular andamento do processo. Como tal não temos dúvidas em qualificar o despacho em apreço na medida em (que) mandou averiguar em processo da idoneidade ou inidoneidade do recorrente para o exercício da sua actividade profissional de acordo com o disposto na alínea a) do n.° 1 do art.° 181.º do EOA, conjugado com o disposto no art° 118.º do EOA.

Mesmo que assim se não entenda, certo é que o despacho proferido pelo Sr. Vogal do Conselho Geral não proferiu decisão de mérito sobre o processo. De facto, repete-se, tal despacho nem confirmou no Conselho Geral a Inscrição preparatória do Recorrente como advogado estagiário, como também não revogou essa inscrição preparatória levada a efeito pelo Conselho Distrital de Faro.

Manteve-se, assim, a inscrição preparatória e a suspensão do processo até decisão da questão da idoneidade no Conselho de Deontologia de Faro - Reg. Inscrição, art° 4.º, nº. 4.

Conclui-se que o despacho em questão proferido pelo Sr. Vogal do Conselho Geral (por lapso escreveu-se Superior), por se dever qualificar como mero expediente, era irrecorrível e não devia ter sido admitido”.

38. Por deliberação de 13 de Março de 2007 o Conselho de Deontologia de Faro considerou o arguido “…inidóneo para o exercício da actividade profissional de advocacia não podendo ser inscrito nesta Ordem como Advogado”[5]

Das condições pessoais do arguido

39. O processo de socialização do arguido, natural de Tavira, decorreu integrado no agregado familiar de origem constituído pelo próprio, progenitores e irmão.

40. A subsistência do agregado era proveniente do laboro dos progenitores, que exerciam a profissão de comerciantes.

41. O arguido após a conclusão do antigo 5.º ano do Liceu integrou o mercado de trabalho. Inicialmente como empregado de escritório e depois como técnico de contas, actividade que desenvolveu, em moldes contínuos, até data que não foi possível precisar. Em 1992 iniciou diligências para se estabelecer, em regime de sociedade, no sector da construção civil (empresa de construção), situação que não correspondeu às expectativas.

42. Aos 25 anos de idade contraiu matrimónio com a actual companheira, registando-se desta relação o nascimento de um descendente, actualmente com 31 anos de idade.

43. No ano de 2003/2004 VM licenciou-se no Curso de Direito.

44. Em termos sociais e relativamente a elementos da família alargada, não foi mencionada e/ou detectada uma consistente vivência relacional a esse nível.

45. O arguido reside com a companheira e filho, num apartamento arrendado (120 euros/mês), de tipologia T2, em Olhão.

46. As despesas de manutenção do agregado, são asseguradas pela cônjuge, activa como empregada de escritório e pelo filho.

47. À data dos factos que deram origem aos autos a situação habitacional era a mesma.

48. Profissionalmente, desenvolvia a actividade de advogado auferindo rendimentos que em concomitância com o vencimento da cônjuge proporcionava um quadro económico equilibrado.

Dos antecedentes criminais do arguido

49. Por acórdão proferido em 21/11/2002, âmbito do no processo comum colectivo nº ---/99.6TAFAR, do 3.º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Olhão, transitado em julgado 14 de Março de 2005, foi o arguido condenado pela prática, em 7 de Maio e 5 de Novembro de 1999, de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p. pelo art. 256.º, nº 1, al. b), e 3, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, de um crime de injúria agravada, na pena de 2 meses de prisão e um crime de difamação agravada, na pena de 6 meses de prisão. Efectuado o cúmulo jurídico destas penas, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sob a condição de o arguido depositar à ordem dos autos, no prazo de um ano, as quantias de € 5000, a fim de ser entregue a ES e AM e a quantia de € 2500 para ser entregue a CF.

50. Por sentença proferida em 31/01/2006, no processo comum singular nº ----/97.1TAFAR, do 1.º juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, transitada em julgado em 19/05/2006, foi o arguido condenado pela prática, em 1997, de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365.º, nº 1, do Código Penal, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e seis meses, na condição de o arguido, no prazo de um ano, efectuar o pagamento à assistente ML, da quantia de € 3500.

51. Por sentença proferida no dia 10 de Julho de 2003, no âmbito do processo comum singular nº ---/01.2TAFAR, transitada em julgado no dia 13 de Abril de 2006, o arguido foi condenado pela prática no ano de 2001 de dois crimes de injúria agravada na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses.

52. Por sentença proferida no dia 9 de Julho de 2009, transitada em julgado no dia 17 de Maio de 2010[6], o arguido foi absolvido da prática do crime de usurpação de funções sendo os factos dados como provados, para além do mais, os seguintes:

“- Em 28 de Janeiro de 2005 CP emitiu uma procuração forense a favor do arguido, que é seu cônjuge, na qual este se intitulou Advogado-estagiário;

- Em 7 de Fevereiro de 2005, o arguido, intitulando-se, novamente, Advogado estagiário, subscreveu, em representação da aludida CP e entregou no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, um requerimento dirigido ao processo n° ---/94, que aí corria termos.

- Juntamente com o supra referido requerimento, o arguido entregou naquele juízo a procuração acima mencionada.

- O arguido ficou, assim, constituído mandatário da referida CP, naquele processo.”

O mesmo acórdão julgou não provados os seguintes factos:

Da acusação do processo principal

a) Quando se encontrava na posse da referida certidão o arguido apagou da mesma o referido averbamento que a funcionária MF havia feito constar.

b) No dia 11 de Setembro de 2007, o arguido, na posse da certidão que previamente alterou, dirigiu-se à Estação de Correios de Olhão e solicitou que lhe certificassem a referida certidão.

c) No dia 13 de Setembro de 2007, o arguido dirigiu-se ao Cartório Notarial de Tavira e na posse do referido documento marcou para o dia 14 de Setembro de 2007 a realização de uma escritura de compra e venda.

d) O documento certificado na Estação de Correios de Olhão foi entregue pelo arguido no Cartório Notarial de Tavira e não correspondia na sua totalidade ao que constava da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Olhão.

e) Que o arguido apagou da referida certidão de teor o averbamento de pendência de acção.

f) O arguido sabia que o documento certificado que tinha na sua posse, era falso, uma vez que o mesmo tinha sido efectuado com uma certidão alterada pelo próprio, após emissão pela Conservatória do Registo Predial de Olhão;

g) Sabia o arguido que ao apagar o averbamento e pedir na Estação de Correios de Olhão que certificassem a respectiva certidão alterada, a mesma não se encontrava conforme havia sido emitida pela entidade competente e que o conteúdo da mesma não correspondia à verdade.

h) Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram contrárias à lei penal.

Da contestação[7]

i) Em 08/03/2005, na sede da Ordem dos Advogados, sita no Largo de São Domingos, n° 14, 1°, em Lisboa, realizou-se a referida audiência.

j) Aí, o arguido teve oportunidade de expor ao Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados a sua estranheza pela demora na entrega da Cédula Profissional.

Do referido acórdão o arguido VM veio interpor recurso devidamente motivado, tendo formulado as seguintes conclusões:

I - Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Faro em 9 de Julho de 2009, processo comum singular n.º ----/05.9TAFAR, que correu trâmites no 2° Juizo Criminal, transitada em julgado, o arguido foi julgado e absolvido pelo mesmo crime que vem pronunciado - usurpações de funções, p. e p. pelo artigo 358.°, alínea b) do Código Penal - por factos ocorridos em 28 de Janeiro de 2005 e 07 de Fevereiro de 2005.

II - De acordo com o art° 164°, n.º 1, desse estatuto, "durante o primeiro periodo de estágio, o estagiário pode praticar actos próprios da profissão de advogado ou de solicitador judicial, senão em causa própria, do cônjuge, ascendentes ou descendentes". III - Por seu lado, o art° 154°, n.º 1, refere que a inscrição na ordem dos advogados é feita tanto pelo conselho geral como pelo conselho distrital da área do domicílio escolhido pelo requerente como centro da sua vida profissional, sendo o domicílio profissional do advogado estagiário o do seu patrono

IV - O art° 155°, por seu lado, estabelece que a cada advogado e advogado estagiário será entregue uma cédula profissional. a qual servirá de prova da inscrição na Ordem dos Advogados.

V - O Regulamento de Inscrição n." 29/2002, de 21/05/02, por seu lado, estabelece no art° 1, n.º 1, que não pode denominar-se advogado ou advogado estagiário, quem não estiver como tal inscrito na Ordem dos Advogados, considerando-se, nos termos do art° 2°, efectuada a inscrição depois aprovada definitivamente pelo Conselho Geral, sendo a data de inscrição a do dia em que o Conselho Geral tiver deferido o pedido, e, a antiguidade conta-se desde essa data.

VI - Por seu lado, de acordo com o art° 4. n.ºs 1 e 2, do Regulamento de Estagio n.º 16/2000, de 27/7, publicado no DR 172, II série, o tempo de estágio conta-se desde a data do seu inicio do curso de formação, tendo por objectivo ministrar ao advogado estagiário formação adequada ao exercício da advocacia, de modo que a possa desempenhar por forma competente e responsável.

VII - O n.º 5 desse regulamento estabelece que o curso de estágio compreende dois períodos de formação distintos, com a duração fixada no EOA.

VIII - No primeiro período de estágio os advogados estagiários ficam vinculados á frequência das sessões e ao cumprimento das demais obrigações de estágio determinadas nos respectivos programas

IX - O art° 6, n° 2, estabelece que a inscrição preparatória dos advogados estagiários, deliberada pelo conselho distrital competente importa a respectiva inscrição no primeiro curso de estágio que se iniciar posteriormente, sem prejuízo de tal inscrição se tornar ineficaz se o conselho geral, nos termos do regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, não confirmar a inscrição preparatória.

X - O art° 10º n.º 1 estabelece que no final do primeiro período de formação os advogados estagiários estão sujeitos a um teste escrito, que incluirá, necessariamente as áreas de deontologia profissional, prática processual civil e prática processual penal.

XI - O art° 21.°, por seu lado, estabelece que todas as ocorrências significativas em que tenha intervindo o advogado estagiário, nomeadamente de natureza disciplinar, verificadas a seu respeito, durante os períodos de formação, serão devidamente anotadas no processo de inscrição, que sejam relevantes para instruir a informação final.

XII - Da leitura conjugada de todas as normas supra referidas, terá de se concluir que um candidato à advocacia que esteja inscrito preparatória, enquanto não lhe for comunicada a não inscrição definitiva, terá de considerar-se para todos os efeitos advogado estagiário. E terá de considerar-se dessa forma porque o próprio regulamento de estágio lhe dá esse tratamento e o próprio estatuto prevê a possibilidade da prática de actos pelos advogados estagiários na primeira fase do estágio.

XIII - Assim, desde logo a considerar-se que apenas a inscrição definitiva e emissão de cédula permitiam a pratica dos actos a que alude o art° 164°, n.º 1, do EDOA, tal norma ficaria esvaziada de conteúdo, já que era prática a entrega das células ter lugar apenas da primeira fase de estágio.

XIV - Por outro lado, é o próprio regulamento de estágio que se refere aos advogados estagiários, mesmo na primeira fase de estágio (sem que faça distinção entre aqueles que já foram definitivamente inscritos e aqueles que o não foram).

XV - A partir da inscrição provisória o candidato fica sujeito ao poder disciplinar da Ordem dos Advogados.

XVI - Ora, não pode pretender-se conferir tratamento diverso ao candidato à advocacia, consoante esteja em causa o cumprimento de deveres ou o exercício de direitos. No primeiro caso, tratando-o como advogado estagiário desde a inscrição provisória e no segundo apenas a partir da inscrição definitiva

XVII - De resto, o art° 10° do regulamento de estágio estabelece que não vindo a ser feita a inscrição definitiva, a provisória perde a sua eficácia.

XVIII - Assim, terá de se concluir que a partir da sua Inscrição provisória e enquanto não for decidida definitiva, o candidato à advocacia assume a qualidade de advogado estagiário e pode praticar os actos a que alude o art° 164°, n° 1, do EOA, ficando ainda sujeito a acção disciplinar

XIX - De resto, o estabelecido no art° 2° do Regulamento de inscrição, terá de ser articulado com o EOA e com o Regulamento de Estagio supra referidos Assim, tal norma significará que a inscrição só se considera efectuada a partir da sua aprovação pelo Conselho geral, pelo que face à não inscrição perde eficácia a inscrição provisória, mas enquanto a mesma não ocorrer. a inscrição provisória produz os seus efeitos, sob pena de, assim não se considerando, se tornar inaplicável o regulamento de estagio, bem como o próprio EOA

XX - Face a tudo o exposto, terá de se concluir que o arguido VM podia praticar actos atinentes à profissão de advogado em causas atinentes ao cônjuge e invocar a qualidade de advogado estagiário, no momento em que o fez.

XXI - Não praticou, assim, o arguido o crime de usurpação de funções que lhe é imputado nos autos principais, impondo-se a sua absolvição da pratica desse crime"

XXII - Da leitura da sentença absolutória proferida pelo Tribunal Judicial de Faro em 09/07/2009, processo n.º ---- /059TAFAR dúvida nenhuma subsiste que o arguido VM se encontra inscrito na Ordem dos Advogados como advogado estagiário.

XXIII - A Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Faro decidiu "que o arguido VM podia praticar actos atinentes à profissão de advogado em causas atinentes ao cônjuge e invocar a qualidade de advogado estagiário, no momento em que o fez".(vide fts. 606 da sentença proferida pelo Tribunal de Faro).

XXIV - Ao contrário do decidido no acórdão agora posto em crise, não importa quem era o patrocinado. Isso é questão de somenos importância.

XXV - Quanto muito, poder-se-ia discutir se o arguido VM teria competência para patrocinar, como mandatário, os actos que interveio como advogado estagiário.

XXVI - Ou seja, poderia o VM na qualidade de advogado estagiário praticar os actos que lhe são imputados?

XXVII - Embora não tenha nenhuma relevância para o caso sub Júdice, pois não foi levantada nem discutida nos autos, sempre se dirá que seria uma questão de competência do advogado estagiário para praticar os actos e nunca uma questão de usurpação de funções.

XXVIII - Bem demonstrado fica que os factos imputados ao arguido no presente processo são os mesmos pelo qual o arguido foi julgado e absolvido no processo n.º ----/059TAFAR que correu termos no Tribunal Judicial de Faro.

XXIX - O tribunal a quo ao submeter o arguido a novo julgamento e condená-lo por factos já anteriormente julgados e decididos, violou a excepção de caso julgado materializada no disposto no art. 29.0 n.º 5 da CRP, que estabelece como princípio a proibição de reviver processos já julgados com resolução executória afirmando "Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime".

XXX - O caso julgado é um efeito processual da sentença transitada em julgado, que por elementares razões de segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material)

XXXI - Deve a excepção de caso julgado ser julgada procedente por provado. e em consequência, extinção definitiva a lide processual penal e à perempção do direito-dever do Estado em julgar o arguido

XXXII - Resulta dos autos que, designada data para realização da audiência de julgamento, foi o arguido notificado por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência.

XXXIII - O arguido faltou à primeira audiência de julgamento marcada para o dia 20/05/2011 e a todas que se seguiram, inclusive, a marcada para a leitura do Acórdão que se realizou em 20/07/2011 e não justificou as faltas

XXXIV - O artigo 320 na 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso.

XXXV - O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de Julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório – nº 5 do artigo 32º.

XXXVI - O nº 6 do mesmo normativo constitucional já referido estabelece que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.

XXXVII - O artigo 61º nº 1 do Código de Processo Penal, que versa sobre os direitos do arguido, dispõe que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de .

a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disseram respeito.

b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte: (. .. ):

XXXVIII - O artigo 332º nº 1 do mesmo diploma adjectivo, referindo-se à presença do arguido em audiência, começa por dizer que é obrigatória a presença do arguido na audiência. Mas depois acrescenta "sem prejuízo do disposto nos artigos 333°, nºs 1 e 2, 334º, nºs 1 e 2"

XXXIX - Examinando o artigo 333º que se refere à falta do arguido notificado para a audiência, do seu nº 1 consta: Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o inicio da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde início da audiência.

XL - Daqui resulta que na data designada para a realização da audiência de julgamento, se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o tribunal, ou adia a audiência, ou toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido na audiência.

XLI - Todavia, a audiência só pode ser adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material Não sendo adiada a audiência, deve o presidente tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido faltoso

XLII - E. se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341º, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no nº 6 do artigo 117º - v nº 2 do artigo 333º

XLIII – Sendo, como se referiu, obrigatória a presença do arguido, em audiência, sem prejuízo do disposto no art° 333º nºs 1 e 2. - v. art° 332º nº 1 do CPP. O mesmo. pode querer prestar declarações (embora a tal não seja obrigado e. sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo - art 343' n" 1 do CPP), mas se prestar declarações, pode querer confessar e, porventura, beneficiar do disposto no art° 344 c do CPP, caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, e, mesmo se não confessar os factos imputados, se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes (e dos jurados quando for caso de tribunal do júri), pode fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas, bem como o Ministério Público, o advogado do assistente (se o houver) e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas conforme art° 345º nºs 1 e 2 do CPP.

XLIV - Note-se, por outro lado, que se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, nos termos do artigo 333º nº 2 citado, o arguido mantém o direito a prestar declarações até ao encerramento da audiência, como estabelece o nº 3 deste art. 333º

XVV - É certo que o mesmo nº 3 também acrescenta: "e se ocorrer na primeira data marcada, (o encerramento da audiência), o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do artigo 312° nº 2.

XLVI - O art° 312º nº 2 do CPP prevê, além do mais, o caso de designação de data "para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado, ao abrigo do artigo 333°. nº 3."

XLVII - Donde poder argumentar-se se a inexistência de tal requerimento para audição do arguido ausente, consubstanciará uma renúncia a arguição ou suprimento de eventual irregularidade havida pela não audição do arguido.

XLVIII - É certo também que o nº 5 do art° 333º dispõe que no caso previsto nos nºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, o que pressupõe julgamento do arguido na sua ausência.

XLX - Só que, de tais normas não resulta exclusão da obrigatoriedade imposta ao tribunal, quando iniciar uma audiência sem a presença do arguido notificado para a sua data de realização, de tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.

L - Somente no caso de estas medidas não surtirem efeito é que se compreende o disposto no n° 5 do artigo 333º.

LI - E, quanto ao nº 3 do mesmo preceito, relativamente ao requerimento para audição do arguido em nova data, apenas significa que pode haver lugar a nova data para audição do arguido, se não comparecer na primeira data da audiência e esta se ultimasse.

LII - É que a falta a julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência só é possível se o arguido der o seu consentimento à realização da audiência na sua ausência, como dispõe o nº 4 do art° 333 ao estabelecer que o disposto nos números anteriores não prejudica que a audiência tenha lugar na ausência do arguido com o seu consentimento, nos termos do art° 334° nº 2.

LIlI - Ou seja o arguido pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência sempre que se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro, como resulta do disposto no art.º 334º nº 2 do CPP.

LIV - Inexistindo consentimento do arguido, é obrigatória a presença do arguido, sem prejuízo do disposto no artigo 333º nºs 1 e 2 do CPP.

LV - As normas constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 333º são de interesse e ordem pública, prendendo-se com o cerne das garantias do processo penal, e, por conseguinte, com a validade e eficácia do sistema legal processual penal

LVI - Como todo o verdadeiro direito público, tem o direito processual penal na sua base o problema fulcral das relações entre o Estado e a pessoa individual e da posição desta na comunidade, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal. Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, p. 33) "

LVII - A via para um correcto equacionamento de evolução do processo penal nos quadros do Estado de Direito material deve partir do reconhecimento e aceitação da tensão dialéctica inarredável entre a tutela dos interesses do arguido e tutela dos interesses da sociedade representados pelo poder democrático do Estado, (idem, p. 50)

LVIII - Por isso, não exclui a sua audição, nem a tomada das medidas necessárias e legalmente admissíveís para obter a sua comparência.

LVIX Daí que o nº 6 do mesmo artigo 333º explicite que é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 116º nºs 1 e 2 e 254º.

LX - Sendo a responsabilidade criminal meramente individual, e estando esta a ser apreciada no pretório, a comparência obrigatória do arguido, torna-se necessária ao exercício do contraditório,

LXI - Note-se por outro lado, que o encerramento da discussão da causa apenas ocorre depois das últimas declarações do arguido, pois que como resulta do art.º 361º nºs 1 e 2, do CPP "Findas as alegações, o presidente pergunta ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dela,

LXII - Em seguida, o presidente declara encerrada a discussão (,) "

LXIII - Na verdade, o arguido é sujeito processual, de direitos e de deveres, e é na audiência, mediante o exercício pleno do contraditório, que o arguido se pode - e deve -, defender, confrontado com as provas, já que a discussão da causa, vai posteriormente implicar uma decisão, de harmonia com elas e com referência ao objecto do processo, decisão essa em que emite um juízo decisório sobre a conduta juridico-penal imputada ao arguido com reflexos notórios na sua vida pessoal e comunitária, pois que sendo este absolvido, fica desvinculado da imputação havida, e restaurado á normalidade anterior ao juízo incriminatório, mas se for condenado, fica sujeito ás consequências jurídicas do crime

LXIV - Assim, dando o tribunal início à audiência, deveria ter tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência uma vez que como bem assinala a recorrente, "a realização da audiência nos sobreditos termos contende com o exercício pleno do direito de defesa da arguida e princípio da procura da verdade material que se impõe ao Julgador,

LXV - Por outro lado, há que considerar a relevância dos princípios da oralidade e imediação na audiência de julgamento

LXVI - Desde o momento em que - sobretudo por efeito do influxo das ideias de prevenção especial - se reconheceu a primacial importância da consideração da personalidade do arguido no processo penal, não mais se podia duvidar da absoluta prevalência a conferir aos princípios da oralidade e da imediação.

LXVII - Só estes princípios com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.

LXVIII - Dispõe o artigo 118c n" 1 do CPP que a violação ou inobservância das disposições da lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.

LXIX - Ora. o artigo 1190 estabelece que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais

c) A ausência do arguido ( ... ), nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência. (vide por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.10.2007 in www.dgsi.pt.

LXX - É o caso sub judicio, objecto do recurso, pois que realizou-se o julgamento do arguido - do qual saiu condenado - na sua ausência, apesar de estar notificado da data da audiência e a esta ter faltado, sendo obrigatória a sua presença.

Nestes termos,

Deve a excepção de caso julgado ser julgada procedente por provada, e em consequência, extinta definitiva a lide processual penal e à perempção do direito-dever do Estado em julgar o arguido.

Quando assim se não entenda,

Deve declara-se nula a audiência de Julgamento, efectuada na ausência do arguido - devidamente notificado para o efeito - sem que o juiz presidente tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e

Em consequência

Declarar-se a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, o acórdão condenatório) devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição (art.º 122°, nºs 1 e 2, do CPP)

Requer a subida dos recursos interpostos e que ainda não tenham subido imediatamente com vista a serem apreciados e julgados com o presente recurso (n.º 3 do artigo 406° do CPP)

O MP respondeu à motivação do recorrente, tendo, por sua vez, formulado as seguintes conclusões:

1 - Para efeitos do "caso julgado" o "crime deve considerar-se o "mesmo" quando exista uma parte comum entre o facto histórico julgado e o facto a julgar e que ambos os factos tenham como objecto o mesmo bem jurídico ou formar como acção que se integra na outra, um todo do ponto de vista jurídico;

2 - No presente caso, temos por certo que não existe qualquer identidade entre os factos já julgados e os julgados neste processo, porquanto os factos relativos ao processo de Faro (o primeiro) referem-se a intervenção de um processo em que a patrocinada era cônjuge do arguido, sendo que se considerou nesse caso o arguido estava a praticar actos a coberto do disposto no artigo 164°. da EOA, sendo certo que nos presentes autos nenhuma das pessoas assume qualidade de cônjuge, de descendente ou ascendente, o que aliás é expressamente referido no douto despacho de pronuncia no âmbito, do ora, apenso A;

3 - Assim entendemos, como o Tribunal Colectivo, que não se verifica a excepção do caso julgado;

4 - Não obstante, a presença do arguido, que foi notificado para o julgamento não ser indispensável para a descoberta da verdade o tribunal recorrido tomou todas as medidas necessárias á presença do arguido na audiência e este só não teve presente por facto a si imputável;

5 - Não se verifica, pois, nenhuma das violações mencionadas pelo recorrente:

6 - Deve, pelo exposto, ser mantido o douto Acórdão recorrido.

O recurso interposto do acórdão foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.

O arguido VM interpôs também recurso de dois despachos interlocutórios.

Assim, em 18/5/11, o arguido fez dar entrada no processo um requerimento em que arguiu, invocando o disposto no art. 29º nº 5 da CRP, a excepção do caso julgado, relativamente ao crime de usurpação de funções p. e p. pelo art. 358º al. b) do CP por que vinha pronunciado, com fundamento na sentença absolutória proferida em 9/7/09, no Processo nº ---/05.9TAFAR.

Sobre o referido requerimento a Exmª Juiz Presidente do Tribunal Colectivo pronunciou-se, em acta da sessão da audiência de julgamento de 20/5/11 (fls. 684), nos seguintes termos:

«Em relação à excepção de caso julgado invocada, relega-se o seu conhecimento para o acórdão final».

Desta decisão o arguido interpôs recurso, peticionando, em síntese, se julgasse procedente a excepção de caso julgado ou, se assim se não entendesse, se revogasse o despacho e se substituísse este por outro que ordene ao Tribunal «a quo» que tome conhecimento da arguição dessa excepção.

Tal recurso foi admitido por despacho da Exmª Juiz «a quo» com subida diferida, juntamente com o que viesse a ser interposto da decisão final, e efeito devolutivo.

O arguido reclamou da retenção do recurso, ao abrigo do disposto no art. 405º do CPP, reclamação essa que veio a merecer decisão de indeferimento, proferida em 12/7/11 pelo Exmº Desembargador Presidente deste Tribunal da Relação.

Também em 18/5/11, o arguido fez juntar aos autos um requerimento em que declarou, nomeadamente, «que se opõe que sejam ouvidas as testemunhas indicadas pelo Ministério Público que deponham sobre o valor probatório do documento de fls. 6 a 10».

Igualmente em acta da sessão da audiência de julgamento de 20/5/11, a Exmª Juiz Presidente do Tribunal Colectivo conheceu do requerimento agora referido, nos termos seguintes:

«No que tange às questões suscitadas quanto à admissibilidade da prova testemunhal ou documental ara além da mesma já ter sido admitida no momento próprio, o certo é que a matéria de proibição de prova é questão de valoração a apreciar oportunamente, ou seja, na decisão sobre a matéria de facto, termos em que se indefere o requerido».

Desta decisão o arguido interpôs recurso, peticionando a respectiva revogação.

O dito recurso foi também admitido por despacho da Exmª Juiz «a quo» com subida diferida, juntamente com o que viesse a ser interposto da decisão final, e efeito devolutivo.

Os autos foram continuados com vista à Digna Procuradora-Geral Adjunta em funções junto desta Relação, que promoveu que o arguido fosse convidado, nos termos do nº 3 do art. 417º do CPP, a formular novas conclusões do recurso interposto da decisão final, porquanto a extensão excessiva daquelas que apresentou equivaleria à falta delas, posição que não foi acolhida pelo Juiz relator, em sede de despacho preliminar.

Foi dado cumprimento ao disposto no nº 2 do art. 417º do CPP.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação

Nos recursos, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

Antes de entrar do recurso interposto pelo arguido do acórdão proferido no termo da audiência de julgamento, importa constatar a inutilidade superveniente da lide, em relação aos dois recursos interpostos de despachos interlocutórios.

No que se refere ao despacho que relegou para a decisão final a apreciação da invocação pelo arguido da excepção de caso julgado, verifica-se que:

a) O acórdão da primeira instância, de que o arguido agora recorreu, conheceu da arguição de referida excepção, julgando-a improcedente;

b) Um dos fundamentos principais do recurso, que o arguido interpôs do aludido acórdão, reside na impugnação da decisão que recaiu sobre a arguição da excepção de caso julgado.

Uma vez aqui chegados, nada mais restará a este Tribunal do que apreciar a impugnação feita pelo arguido do juízo formulado pelo Tribunal «a quo», em sede de acórdão, sobre a verificação ou não da excepção invocada.

Perante isto perde interesse prático a questão, dirimida no despacho recorrido, de saber se o conhecimento da excepção de caso julgado deveria ser ou não relegada para a decisão final.

O juízo agora formulado em nada colide com aquele que foi emitido no despacho do Exmº Desembargador Presidente desta Relação que conheceu da reclamação apresentada pelo arguido do despacho que determinou a retenção do recurso, no sentido de que a subida diferida deste não era do molde a acarretar a inutilidade absoluta do mesmo.

Conforme se salienta nesse douto despacho, a inutilidade absoluta do recurso, a qual, nos termos do nº 1 art. 407º do CPP, impõe a sua subida imediata, só tem lugar nos casos em que a respectiva retenção fosse de molde a criar um estado de coisas incompatível com a pretensão do recorrente, que seja irreversível e insusceptível de ser remediado por uma ulterior decisão de provimento.

Ora, tal não é o que se verifica, pois o essencial da pretensão do arguido, ou seja, a arguição da excepção de caso julgado foi já objecto de apreciação em primeira instância, no acórdão final, e vai ser reapreciada por este Tribunal da Relação, no recurso interposto dessa decisão.

No que toca ao despacho que indeferiu a oposição do arguido à inquirição de testemunhas que, segundo o ora recorrente, iriam depor sobre o valor probatório do documento junto a fls. 6 a 10, importa referir que tais depoimentos testemunhais, bem como o identificado documento, se destinavam à prova de factos referenciados nos pontos 1 a 3 da matéria provada e nas alíneas a) a h) da matéria não provada.

O tema da prova testemunhal e documental controvertida era constituído pelo factos que constituíam o objecto do primitivo processo principal, no âmbito do qual o arguido foi acusado de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º nºs 1 al. a) e 3 do CP, do qual veio a ser absolvido pelo acórdão da primeira instância.

Não foi interposto recurso pelo MP ou outra entidade legitimada para o efeito do segmento absolutório do acórdão, pelo que a decisão deve considerar-se transitada em julgado nesta parte.

Por conseguinte, verifica-se a manifesta perda de interesse da lide recursiva, também quanto ao despacho agora em referência.

A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, conforme disposto no art. 287º al. e) do CPC, aplicável «ex vi» do art. 4º do CPP.

Nesta conformidade, será declarada extinta a instância dos recursos interpostos pelo arguido de decisões interlocutórias, ficando, em consequência, prejudicada a apreciação do respectivo mérito.

Passaremos, então, à cognição do recurso interposto do acórdão final.

Não obstante a desmesurada extensão das conclusões da motivação do recurso que vamos apreciar, é possível, ainda assim, discernir que a sindicância do acórdão recorrido, expressa pelo arguido nessa peça processual, se resume, no essencial, às seguintes questões:

a) Impugnação do juízo de improcedência que recaiu sobre a arguição da excepção do caso julgado;

b) Arguição da nulidade insanável (art. 119º al. c) do CPP) da audiência de julgamento e, consequentemente, da decisão proferida no termo da mesma, por ter decorrido na ausência do arguido;

Iremos conhecer, então, as questões suscitadas pelo recorrente, começando pela arguição da nulidade da audiência, cuja apreciação assume, em nosso entender, prioridade lógica, porquanto a sua eventual procedência pode determinar o aniquilamento do acórdão sob recurso.

Relativamente à arguição da nulidade da audiência de julgamento, importa referir que as nulidades e irregularidades processuais devem, por via de regra, ser arguidas perante o Tribunal que as praticou, ao qual incumbe, na mesma ordem de ideias, a competência para delas conhecer.

Como tal, a arguição de nulidades por via de recurso só deve ter lugar nos casos especialmente previstos por lei, como seja o do art. 379º nº 2 do CPP, referente às nulidades da sentença.

No entanto, porque na tese do recorrente estará em causa uma das nulidades tipificadas no art. 119º do CPP, as quais, de acordo com o disposto no proémio deste artigo, podem ser declaradas em qualquer fase do processo e independentemente de arguição, entendemos não haver óbice a que se conheça da verificação de tal nulidade, em sede de recurso.

Convirá, então, ter presentes algumas disposições da lei de processo penal, com relevo para o ajuizamento da questão a apreciar.

Como já se disse, o art. 119º do CPP fere de nulidade insanável a verificação de qualquer das situações tipificadas nas suas alíneas, sendo a al. c) do seguinte teor:

A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
O nº 1 do art. 332 do CPP estatui:

É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 333º e nos nºs 1 e 2 do artigo 334º.

Por seu turno, os nºs 1, 2 e 3 do art. 333º do CPP são do seguinte teor:

1 – Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.

2 – Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ouse a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos nºs 2 a 4 do art. 117º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do art. 341º, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar ao rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no nº 6 do art. 117º.

3 – No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência da audiência e, se ocorrer n primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do nº 2 do art. 312º.

As disposições dos nºs 1 e 2 do art. 334º do CPP reportam-se, respectivamente, aos casos em que o processo tenha sido reenviado da forma sumaríssima para a forma comum e em que o arguido tenha a dado o seu consentimento a que a audiência decorra sem a sua presença, sendo, por isso, manifestamente inaplicáveis à situação em apreço.

Por seu turno, os nºs 2 e 3 e 4 do art. 117º do CPP, a que se refere o acima transcrito nº 2 do art. 333º, dispõem:

2 – A impossibilidade de comparecimento deve sser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.

3 – Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao 3º dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.

Os nºs 4 e 6 do mesmo artigo, também mencionados no texto do art. 333º, tratam da hipótese de faltas motivadas por doença, pelo que tão pouco revestem interesse para a apreciação da questão que nos ocupa.

A este propósito, importa ter presentes os seguintes elementos fácticos, que resultam do processado dos autos:

a) Em 16/1/08, o arguido VM prestou TIR, com as menções prescritas pelo nº 3 do art. 196º do CPP (fls. 51);

b) Em 18/1/11, o Exmº Juiz do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão proferiu despacho designando para a realização da audiência de julgamento os dias 20/5/11, pelas 9h30m e pelas 14h e 26/5/11, pelas 9h30m e pelas 14h e para o efeito previsto no art. 312º nº 2 (eventual adiamento) o dia 21/1/09, pelas 9h30m e pelas 14h (fls. 472 e 473);

c) Para notificação pessoal ao arguido do agendamento da audiência de julgamento, foi expedida carta simples com prova de depósito, que foi depositada em 9/3/11, na morada por ele indicada ao prestar TIR (fls. 560 e 581);

d) Tal notificação foi também remetida ao ilustre defensor do arguido, Dr. AP, por carta registada, expedida para o seu domicílio profissional em 3/2/11 (fls. 501);

e) Em 20/5/11, pelas horas previstas, realizaram-se as duas primeiras sessões da audiência de julgamento, tendo o arguido faltado e estado presente o seu ilustre defensor (fls. 682 a 691);

f) Em 26/5/11, pelas horas previstas, foi reaberta audiência de julgamento, tendo faltado o arguido e o seu ilustre defensor, em substituição do qual foi nomeado o ilustre advogado Dr. AV, que substabeleceu na sua ilustre colega Dra. N (fls. 800 a 803);

g) Em virtude de ter dado entrada um pedido de recusa contra um dos Exmºs Juízes adjuntos, pelo Exmª Juiz Presidente do Tribunal Colectivo foi determinada a interrupção da audiência e designado para a sua continuação o dia 7/6/11 pelas 9h30m;

h) A designação de nova data e hora para a continuação do julgamento foi notificada ao arguido por carta simples com prova de depósito, remetida em 30/5/11 e depositada em 31/5/11, na morada por ele indicada ao prestar TIR e ao seu ilustre defensor por carta registada, expedida para o seu domicílio profissional em 30/5/11 (fls. 823, 824 e 830);

i) Por despacho judicial datado de 6/6/11, foi alterado para 17/6/11 pelas 16 horas o agendamento da audiência de julgamento, o que foi notificado ao arguido por carta simples com prova de depósito, remetida em 6/6/11 e depositada em 8/6/11, na morada por ele indicada ao prestar TIR e ao seu ilustre defensor por carta registada, expedida para o seu domicílio profissional em 6/6/11 (fls. 848, 852, 853 e 874);

j) Em 17/6/11, pela hora prevista realizou-se a aprazada sessão da audiência de julgamento, à qual faltaram o arguido e o seu ilustre defensor, em substituição do qual foi nomeado o ilustre advogado Dr. DF, tendo sido, a final, designado o dia 22/6/11, pelas 14 horas para a continuação desse acto processual (fls. 907 a 910);

k) A designação de nova data e hora para a continuação do julgamento foi notificada ao arguido e ao seu ilustre defensor, por faxes expedidos em 17/6/11, seguidos, para o primeiro, de carta simples com prova de depósito, remetida em 17/6/11 e depositada em 21/6/11, na morada por ele indicada ao prestar TIR e ao seu ilustre defensor por carta registada, expedida para o seu domicílio profissional em 17/6/11 (fls. 911 a 914 e 929);

l) Em 22/6/11, pela hora prevista realizou-se a aprazada sessão da audiência de julgamento, à qual faltou o arguido e compareceu o seu ilustre defensor, tendo sido, a final, designado o dia 14/7/11, pelas 9h30m para a continuação desse acto processual (fls. 925 a 928);

m) A designação de nova data e hora para a continuação do julgamento foi notificada ao arguido por carta simples com prova de depósito, remetida em 29/6/11 e depositada em 30/6/11, na morada por ele indicada ao prestar TIR (fls. 951 e 961);

n) Em 14/7/11, pela hora prevista realizou-se a aprazada sessão da audiência de julgamento, à qual faltou o arguido e compareceu o seu ilustre defensor, tendo sido, a final, designado o dia 20/7/11, pelas 14h30m para a leitura do acórdão (fls. 1006 a 1008);

o) A designação de data e hora para a leitura do acórdão foi notificada ao arguido por fax expedido em 14/7/11, seguido de carta simples com prova de depósito, remetida em 14/7/11 e depositada em 15/7/11, na morada por ele indicada ao prestar TIR (fls. 1009, 1010 e 1021);

p) Em 20/7/11, pela hora prevista procedeu-se à leitura do acórdão, a que faltou o arguido e compareceu o seu ilustre defensor;

q) Todas as notificações pessoais feitas ao arguido, relativas à designação de datas e horas para a realização e a continuação da audiência de julgamento, continham menção das consequências jurídicas da falta injustificada aos actos para que era convocado e dos prazos legais para justificar a falta;

r) O arguido não apresentou qualquer justificação da sua falta às sessões da audiência de julgamento a que deixou de comparecer;

s) A Exmª Juiz Presidente do Tribunal Colectivo não determinou a emissão de mandados de detenção do arguido, a fim de assegurar a sua comparência em julgamento, nos termos do nº 2 do art. 116º do CPP.

O nº 3 do art. 196º do estipula que do termo de identidade e residência deve constar que ao arguido que o presta foi dado conhecimento:

a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei obrigar ou para tal for devidamente notificado;

b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;

c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no nº 2, excepto se o arguido comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;

d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor nem todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333º do CPP.

A morada referida no nº 2 do artigo em referência é a residência, o local de trabalho ou outro domicílio que o arguido tenha declarado para o efeito de lhe serem feitas notificações por via postal simples.

Como pode verificar-se, o arguido foi regularmente notificado, na sua própria pessoa e na do seu ilustre defensor, da designação de data e hora para a realização de todas as sessões da audiência de julgamento, às quais nunca compareceu, sem tivesse alguma vez requerido a justificação da falta.

Nestas condições, e não tendo o Tribunal julgado indispensável a presença do arguido desde o início da audiência, mostra-se legitimada a realização das varias sessões julgamento sem a presença física do arguido, considerando-se este suficientemente representado pelo seu ilustre defensor nomeado ou, em duas sessões a que este também faltou, por outro ilustre causídico especialmente nomeado para o acto.

Perante a concreta situação processual verificada, a questão que se coloca, no sentido de ajuizar da verificação da invocada nulidade insanável, é a de saber se o Tribunal estava ou não vinculado, antes de encerrar a discussão da causa, a determinar realização das diligências necessárias a assegurar a comparência do arguido em juízo, nomeadamente, a emissão demandados de detenção prevista no nº 2 do art. 116º do CPP do arguido.

Em nosso entender, a norma que estabelece a regra geral da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento tem por finalidade a garantia dos exercício dos direitos de defesa, que ao mesmo assistem e que são merecedores de tutela constitucional dispensada pelo nº 1 do art. 32º da CRP, e, em certa medida, da sujeição daquele acto processual ao princípio do contraditório, também constitucionalmente consagrado pelo nº 5 do mesmo artigo.

No entanto, como nos parece evidente, o exercício pessoal pelo arguido dos direitos de defesa que lhe cabem e, bem assim, do contraditório tem como limite a vontade do próprio interessado, não se concebendo que o Tribunal possa «obrigar» este a exercer qualquer dessas prerrogativas quando ele não o deseje fazer.

Nestas condições, afigura-se-nos essencial distinguir rigorosamente entre duas situações: a audiência realiza-se, no todo ou em parte, sem a presença do arguido, por falta de notificação ou por outra causa que a ele não seja imputável; a audiência efectua-se, na totalidade, sem a comparência do arguido, tendo ele sido devidamente notificado para o efeito e sem que tenha justificado a falta, mas as necessidades da descoberta da verdade aconselhariam a que Tribunal tivesse determinado a sua comparência compulsiva.

A primeira das duas hipóteses figuradas consubstancia um ataque frontal aos postulados da salvaguarda das garantias de defesa do arguido e da contraditoriedade da audiência e, a verificar-se, é indubitavelmente geradora da nulidade insanável cominada pela al. c) do art. 119º do CPP.

Diferente tratamento reclama, em nosso entender, a segunda das hipóteses em referência, pois não comporta atentado aos mencionados valores tutelados pela Lei Fundamental.

O poder conferido ao Tribunal pelo nº 2 do art. 116º do CPP de determinar a detenção de pessoa notificada para comparência em juízo (arguido ou não), que tenha deixado de comparecer e não tenha justificado a falta nos termos prescritos pela lei de processo, obedece a uma teleologia diferente da tutela dos direitos de defesa do arguido ou da vigência do princípio do contraditório na audiência de julgamento.

Com efeito, o Tribunal exerce tal poder sempre que se revele necessário e adequado a assegurar a audição da pessoa faltosa, orientado pelo objectivo de garantir a aquisição probatória indispensável à descoberta da verdade e à correcta decisão da causa.

Convém não confundir o que são as normas que obrigam o Tribunal a garantir o exercício pelo arguido do direito que lhe assiste de estar presente na audiência de julgamento e os poderes-deveres do Tribunal em matéria de produção probatória, nomeadamente, através das declarações do arguido se este estiver disposto a prestá-las, sendo que a possibilidade conferida ao Tribunal de determinar a comparência em juízo do arguido ou de outra pessoa sob detenção claramente releva deste último domínio.

Consequentemente, no caso em que o arguido devidamente notificado tenha deixado de comparecer em juízo e não tenha justificado a falta e em que a sua audição se revele, dentro de uma previsibilidade razoável, indispensável à descoberta da verdade, sem que tivessem sido tomadas as medidas necessárias a assegurar a respectiva comparência, encontrar-nos-emos perante uma exercício deficiente por parte do Tribunal dos seus poderes-deveres em matéria de produção de prova, o qual é passível de um juízo de censura jurídico-processual, mas não ao nível da nulidade insanável invocada pelo recorrente.

Na verdade, seria indubitavelmente levar longe demais a tutela do direito do arguido de estar presente na audiência de julgamento ou do seu direito ao contraditório, pois permitir-lhe-ia «venire contra factum proprium», admitir que o mesmo pudesse valer-se, mesmo depois de concluído o julgamento e proferida a decisão final em primeira instância, de uma suposta nulidade insanável, que foi originada em última análise pelo seu comportamento contrário à lei, ao faltar ao julgamento para que tinha sido notificado e não justificar atempadamente a falta.

Nesta conformidade, a segunda situação processual figurada deverá ser reconduzida à nulidade prevista na al. d) do nº 2 do art. 120º do CPP, na modalidade da «omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», cuja cognição, de acordo com o disposto no nº 1 do mesmo normativo, depende de arguição pelos interessados.

A nulidade em causa, quando exista, consuma-se no momento em que o Tribunal encerre a produção de prova, sem ter levado a efeito as diligências necessárias a garantir a comparência do arguido em julgamento, ou seja, no momento em que concede o uso da palavra ao MP e depois aos advogados presentes para alegações orais.

Tratando-se, assim, de uma nulidade praticada na sessão da audiência de julgamento que antecedeu a da leitura do acórdão, na qual o arguido é considerado representado, para todos os efeitos, pelo seu ilustre defensor, encontra-se sujeita ao regime de arguição previsto na al. a) do nº 3 do art. 120º do CPP, devendo ser arguida até ao termo do acto processual em que tenha sido cometida.

Vistos os autos, verifica-se que o arguido não suscitou – nem outro sujeito processual, de resto – antes da interposição do recurso em apreço, qualquer questão tendente a pôr em causa a validade do processado, com fundamento no facto de a audiência de julgamento ter decorrido integralmente na sua ausência física, sem que o Tribunal tivesse tomado as medidas necessárias a assegurar compulsivamente a sua comparência.

Nesta ordem de ideias, teremos de concluir, independentemente de ajuizar se a comparência do arguido em julgamento era, no caso concreto, essencial à descoberta da verdade, que qualquer nulidade que possa ter sido gerada pela efectivação integral da audiência de julgamento sem que ele tivesse pessoalmente comparecido se encontra actualmente sanada, por falta de arguição atempada.

Por conseguinte, terá de improceder a arguição de nulidade da audiência feita pelo arguido em sede de recurso.

Acerca da invocação da excepção de caso julgado, que o Tribunal «a quo» julgou improcedente, expende-se no acórdão recorrido (transcrição com diferente tipo de letra):

Estabelece o artigo 358.º do Código Penal a punição de quem:

a) Sem para tal estar autorizado, exercer funções ou praticar actos próprios de funcionário, de comando militar ou de força de segurança pública, arrogando-se, expressa ou tacitamente, essa qualidade;

b) Exercer profissão ou praticar acto próprio de uma profissão para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se, expressa ou tacitamente, possui-lo ou preenchê-las, quando o não possui ou as não preenche; ou

c) Continuar no exercício de funções públicas, depois de lhe ter sido oficialmente notificada demissão ou suspensão de funções.

Com este crime pune-se no dizer de Cristina Líbano Monteiro (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 440 “alguém que engana outrem quanto à sua habilitação legal para exercer actos próprios de certa profissão”, “não por causa desse outrem mas porque o Estado entende que deve exigir uma certa fidelidade inquebrantável ao sistema de reconhecimento de competências que ele próprio instituiu”.

O bem jurídico protegido consiste, pois, na definição da referida autora na «integridade ou intangibilidade do sistema oficial de provimento em funções públicas ou em profissões de especial interesse público.»

No que se refere ao caso especifico previsto pelo al. b), ou seja ao chamado exercício ilegal de profissão, dever-se-á entender por acto próprio de uma profissão, como o acto que mais ninguém, a não ser quem tenha esse título profissional, está legalmente autorizado a praticar.

Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Março de 2003[8], citando um parecer do Professor Germano Marques da Silva:

“É elemento constitutivo do crime de usurpação de funções, na modalidade de exercício ilegal de profissão, que o agente se arrogue possuir o título ou condições exigidas por lei para o exercício da profissão, bastando, porém, que o faça implicitamente, ou seja, praticando os actos próprios da profissão, convencendo as pessoas para quem pratica os actos que tem condições legais para os praticar. Ou citando os Drs. Leal Henriques e Simas Santos: “O que importa, assim, é o mero exercício de actos próprios da função ou da profissão sem título ou condições, desde que a sua expressão pública seja de molde a convencer as pessoas de que (…) se reúne as condições legais ou profissionais”.

Concordamos ainda com Cristina Líbano Monteiro quando afirma – ob. cit. pg. 449 – que constitui “um só crime – e não um crime continuado - a prática pelo agente de repetidos actos próprios de uma profissão cujo título se arroga possuir”.

Mas convém precisar o seguinte.

Entendemos que assim será de considerar quando a prática de tais actos ilícitos típicos se contenham dentro de uma mesma resolução criminosa do agente.

Na verdade, tal não sucederá, nos casos em o agente seja condenado pela prática de tal crime e volta a praticar o crime. Ou nos casos em que o agente estando inicialmente legalmente autorizado a praticar a profissão em causa a pratique quando lhe seja retirada essa qualidade, cometendo assim um crime, e sendo-lhe mais tarde novamente concedida e após retirada de novo, cometerá um outro crime, caso renove a sua determinação de voltar a exercer tal profissão para a qual deixou novamente de estar legalmente habilitado.

Em suma, nestes casos, estar-se-á perante uma nova e autónoma resolução e não na execução de actos que integram a continuação da anterior resolução. A razão de ser de tal entendimento afigura-se-nos fácil de alcançar, pois que a não ser assim, tal conduziria à impunidade do agente que tendo praticado, num determinado período, actos próprios da profissão que integram a prática do crime poderia continuar a delinquir impunemente para futuro mesmo em casos de distintas e autónomas resoluções criminosas. Diga-se que tal entendimento seria destituído de sentido que, relativamente aos casos abrangidos por este tipo de crime na al. c), que um funcionário que continuasse no exercício de funções públicas quando suspenso e fosse punido pela crime de usurpação defunções, se entendesse que garantiria com tal condenação a impunidade pela prática desse mesmo crime em futuras suspensões de funções de que viesse a ser novamente alvo.

Estas considerações assumem particular pertinência em face da excepção de caso julgado suscitada pelo arguido.

Ora, como refere o arguido, nos presentes autos, veio a ser pronunciado (novamente) pela prática do tipo legal de crime de usurpação de funções, que consiste no arguido ter praticado actos próprios de advogado (em 15 de Maio de 2005, 28 de Novembro de 2005, 10 de Janeiro de 2006, 4 de Maio de 2006, 15 de Maio de 2006, 6 de Junho de 2006, 20 de Junho de 2006, 23 de Junho de 2006, 21 de Novembro de 2007, 1 de Julho de 2008 e 11 de Março de 2009) sem que tivesse essa qualidade ou de advogado estagiário, pelo que “constituem, sem dúvida, alguma, uma continuação da actividade pela qual o arguido foi absolvido no processo ----/05.9TAFAR”. Sustenta, pois, o arguido que os factos que lhe são imputados nestes autos ocorreram em data anterior à realização da audiência de julgamento que culminou com a sentença absolutória de 9 de Julho de 2009, pelo que existe identidade de “objecto do processo” entre os presentes autos e os do processo ----/05.9TAFAR.

Assim, conclui o arguido que não pode neste processo ser julgado pelo crime de usurpação de funções, sob pena de desrespeito pelo caso julgado e pelo princípio resultante do art. 29.º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa (segundo o qual ninguém pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime).

Vejamos.

No Código de Processo Penal actualmente em vigor não existem quaisquer normativos que regulem o instituto de caso julgado, encontrando-se, para alguns, na lei processual civil os critérios para a verificação da excepção de caso julgado, ou seja, para averiguar se estamos perante a repetição de uma causa, critérios esses que serão adaptados de acordo com os princípios que regem o direito processual penal, designadamente os que informavam o disposto nos artigos anteriormente referidos, princípios esses que “mantêm uma plena actualidade” (Ac. do S.T.J. de 27/4/95, C.J.S.T.J., tomo 2, págs. 174 a 178).

Sobre a questão pode ver-se o Acórdão da Relação do Porto de 16 de Dezembro de 2009 (Recurso n.º 460/06.6GFVNG.P1, disponível para consulta em www.dgsi.pt) .

Ora, no domínio do C.P.P. de 1929, a problemática do caso julgado estava regulamentada também no campo processual penal.

Estabelecia o artigo 148.º que se em um processo penal se decidir, por acórdão, sentença ou despacho com trânsito em julgado, que os factos constantes dos autos não constituem infracção, ou que a acção penal se extinguiu quanto a todos os agentes, não poderá propor-se nova acção penal pelos mesmos factos contra pessoa alguma.

Por sua vez, o artigo 153.º do mesmo código preceituava que a condenação definitiva proferida na acção penal constituirá caso julgado, quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas acções não penais em que se discutam direitos que dependam da existência da infracção.

No processo penal, o que está em causa é a ocorrência histórica de um facto qualificado na lei penal como crime, facto esse que será pressuposto da aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança.

Ora, se tal facto já foi objecto de um processo penal, não pode voltar a sê-lo, dado o princípio non bis in idem, o qual resulta aliás do art. 29.º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.

Nesta situação, o caso julgado material tem uma função negativa relativamente a outros processos com o mesmo objecto, funcionando como pressuposto processual negativo.

E tal função “consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão”, “sobre o mesmo crime”.

“O «crime» deve considerar-se o «mesmo» quando exista uma parte comum entre o facto histórico julgado e o facto a julgar e que ambos os factos tenham como objecto o mesmo bem jurídico ou formar, como acção que se integra na outra, um todo do ponto de vista jurídico” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 34 e 39).

Transpondo para o processo penal o princípio resultante do art. 498.º do Código de Processo Civil respeitante às três identidades fundamentais dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir, temos que a identidade subjectiva que releva é a identidade do arguido, a identidade “entre a pessoa já submetida ao processo concluído com a sentença transitada e aquela que se pretenderia submeter a novo julgamento” (Germano M. da Silva, ob. cit., págs. 35 e 36).

Relativamente à identidade objectiva, a causa de pedir será “o facto jurídico concreto que fundamenta a aplicação ao arguido da pena” e o pedido será “a pretensão de reconhecimento jurisdicional de que aquele facto constitui o crime porque o arguido é acusado”.

A identidade da causa de pedir dirá respeito, então, “aos factos já julgados e aos que se pretendem julgar no novo processo, devendo buscar-se aqueles no fundamento de facto da sentença”, fazendo-se a delimitação de tais factos em função do bem jurídico protegido (G. M. da Silva, ob. cit., págs. 36 e 37).

Ora são os seguintes os factos do Processo Comum Singular nº ----/05.9TAFAR:

- Em 28 de Janeiro de 2005 CP emitiu uma procuração forense a favor do arguido, que é seu cônjuge, na qual este se intitulou Advogado-estagiário.

- Em 7 de Fevereiro de 2005, o arguido, intitulando-se, novamente, Advogado estagiário, subscreveu, em representação da aludida CP e entregou no 2.° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, um requerimento dirigido ao processo n° ---/94, que aí corria termos.

- Juntamente com o supra referido requerimento, o arguido entregou naquele juízo a procuração acima mencionada.

- O arguido ficou, assim, constituído mandatário da referida CP, naquele processo.

- O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que só os licenciados em Direito inscritos na Ordem dos Advogados podiam praticar actos próprios desta profissão e que arrogar-se a qualidade de advogado-estagiário sem a possuir é conduta proibida por lei.

Ora, resulta da factualidade provada que o arguido, no âmbito de um processo de natureza judicial, praticou actos inerentes à profissão de advogado, em representação da sua cônjuge.

Escreveu-se na referida sentença que:

O arguido intitulou-se advogado-estagiário.

Quando a procuração foi outorgada e o requerimento apresentado, o arguido havia requerido a sua inscrição provisória ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Faro, a qual foi efectuada, e o mesmo admitido a frequentar a primeira fase de estágio, o que fez, a qual já havia então concluído e sido submetido ás provas dos candidatos, tendo obtido aprovação.

Aguardava então a comunicação acerca da sua inscrição definitiva e entrega da cédula, sabendo que a mesma ainda não existia.

Quando foi outorgada a procuração pela CP estava em vigor o Estatuto da Ordem dos Advogados, com as alterações até à Lei 80/2001, de 20/07, e o Regulamento de Inscrição 29/2002, de 21/05/2002.

Quando foi apresentado pelo arguido o requerimento referido em 16 dos factos provados, por seu lado, estava já em vigor o EOA na sua actual redacção.

Porém, tal estatuto apenas se passou a aplicar aos estágios iniciados após a sua entrada em vigor. Assim sendo, a situação do arguido continuou a reger-se pelo anterior estatuto.

De acordo com o art. 164.º, nº 1, desse estatuto, “durante o primeiro período de estágio, o estagiário não pode praticar actos próprios da profissão de advogado ou de solicitador judicial, senão em causa própria, do cônjuge, ascendentes ou descendentes”.

De acordo com o nº 3 desse preceito, o estagiário deve indicar sempre a sua qualidade quando intervenha em qualquer acto de natureza profissional.

Por seu lado, o art. 154.º, nº 1, refere que a inscrição na ordem dos advogados é feita tanto no conselho geral como no conselho distrital da área do domicílio escolhido pelo requerente como centro da sua vida profissional, sendo o domicílio profissional do advogado estagiário o do seu patrono.

O art. 155.º, por seu lado, estabelece que a cada advogado e advogado estagiário será entregue uma cédula profissional, a qual servirá de prova da inscrição na Ordem dos Advogados.

O Regulamento de Inscrição nº 29/2002, de 21/05/02, por seu lado, estabelece no art. 1.º, nº 1, que não pode denominar-se advogado ou advogado estagiário quem não estiver inscrito como tal na Ordem dos Advogados, considerando-se, nos termos do art. 2.º, efectuada a inscrição depois de aprovada definitivamente pelo Conselho Geral, sendo a data de inscrição a do dia em que o Conselho Geral tiver deferido o pedido, e, a antiguidade conta-se desde essa data.

Por seu lado, de acordo com o art. 4.º, nºs 1 e 2, do Regulamento de Estágio nº 16/2000, de 27/07, publicado no DR 172, II série, o tempo de estágio conta-se desde a data do início do curso de formação, tendo por objectivo ministrar ao advogado estagiário formação adequada ao exercício da advocacia, de modo que a possa desempenhar por forma competente e responsável.

O art. 5.º desse regulamento estabelece que o curso de estágio compreende dois períodos de formação distintos, com a duração fixada no EOA.

No primeiro período de estágio, os advogados estagiários ficam vinculados à frequência das sessões e ao cumprimento das demais obrigações de estágio determinadas nos respectivos programas.

O art. 6.º, nº 2, estabelece que a inscrição preparatória dos advogados estagiários, deliberada pelo conselho distrital competente, importa a respectiva inscrição no primeiro curso de estágio que se iniciar posteriormente, sem prejuízo de tal inscrição se tornar ineficaz se o conselho geral, nos termos do regulamento e Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, não confirmar a inscrição preparatória.

O art. 10.º, nº 1, estabelece que no final do primeiro período de formação, os advogados estagiários estão sujeitos a um teste escrito, que incluirá, necessariamente as áreas de deontologia profissional, prática processual civil e prática processual penal.

O art. 21.º, por seu lado, estabelece que todas as ocorrências significativas em que tenha intervindo o advogado estagiário, nomeadamente de natureza disciplinar, verificadas a seu respeito, durante os períodos de formação, serão devidamente anotadas no processo de inscrição, que sejam relevantes para instruir a informação final.

Da leitura conjugada de todas as normas supra referidas, terá de se concluir que um candidato á advocacia que esteja inscrito preparatoriamente, enquanto não lhe for comunicada a não inscrição definitiva, terá de considerar-se para todos os efeitos advogado estagiário. E terá de considerar-se dessa forma porque o próprio regulamento de estágio lhe dá esse tratamento e o próprio estatuto prevê a possibilidade da prática de actos pelos advogados estagiários na primeira fase do estágio.

Assim, desde logo a considerar-se que apenas a inscrição definitiva e emissão de cédula permitiam a prática dos actos a que alude o art. 164.º, nº 1, do EOA, tal norma ficaria esvaziada de conteúdo, já que era prática a entrega das cédulas ter lugar apenas no final da primeira fase de estágio.

Por outro lado, é o próprio regulamento de estágio que se refere aos advogados estagiários, mesmo na primeira fase de estágio (sem que faça distinção entre aqueles que já foram definitivamente inscritos e aqueles que o não foram).

Por outro lado, a partir da inscrição provisória o candidato à advocacia fica sujeito ao poder disciplinar da Ordem dos advogados.

Ora, não pode pretender-se conferir tratamento diverso ao candidato á advocacia, consoante esteja em causa o cumprimento de deveres ou o exercício de direitos. No primeiro caso, tratando-o como advogado estagiário desde a inscrição provisória e no segundo apenas a partir da inscrição definitiva.

De resto, o art. 10.º do regulamento de estágio estabelece que não vindo a ser feita a inscrição definitiva, a provisória perde a sua eficácia.

Assim, terá de se concluir que a partir da sua inscrição provisória e enquanto não for decidida a não inscrição definitiva, o candidato à advocacia assume a qualidade de advogado estagiário e pode praticar os actos a que alude o art. 164.º, nº 1, do EOA, ficando ainda sujeito a acção disciplinar.

De resto, o estabelecido no art. 2.º do Regulamento de inscrição, terá de ser articulado com o EOA e com o Regulamento de Estágio supra referidos. Assim, tal norma significará que a inscrição só se considera efectuada a partir da sua aprovação pelo Conselho Geral, pelo que face à não inscrição perde eficácia a inscrição provisória, mas que enquanto a mesma não ocorrer, a inscrição provisória produz os seus efeitos, sob pena de, assim não se considerando, se tornar inaplicável o regulamento de estágio, bem como o próprio EOA.

Face a tudo o exposto, terá de se concluir que o arguido VM podia praticar actos atinentes à profissão de advogado em causas atinentes ao cônjuge e invocar a qualidade de advogado estagiário, no momento em que o fez.

Não praticou, assim, o arguido o crime de usurpação de funções que lhe é imputado nos autos principais, impondo-se a sua absolvição da prática desse crime.”

*
Donde, revertendo estas considerações para o caso temos por certo que não existe no caso em apreço a identidade objectiva da causa de pedir, face às definições supra, na medida em que não existe qualquer identidade entre os factos já julgados e os julgados nestes processos[9], porquanto os factos relativos ao Processo de Faro referem-se a intervenção de um processo em que a patrocinada era cônjuge do arguido sendo que se considerou que nesse caso o arguido estava a praticar actos a coberto do disposto no artigo 164.º do EOA (sendo certo que nos presentes autos nenhuma das pessoas assume qualidade de cônjuge, de descendente, de ascendente[10], o que aliás é expressamente referido no despacho de pronúncia proferido no âmbito do ora apenso A.). Note-se que este despacho não pronuncia o arguido por alguns dos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público, por perfilhar o entendimento que o direito do arguido a defender-se a si próprio, independentemente da profissão que exerça ou que se arrogue exercer, resulta, desde logo, de convenções internacionais, as quais vigoram na ordem jurídica interna portuguesa (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). Nesse sentido, dispõe o artigo 6.º, n.º 3, alínea c), da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, que “3- O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: (…) c) Defender-se a si próprio ou ter assistência de um defensor da sua escolha (…)”.

Donde afigura-se que não se verifica a excepção suscitada.

A questão afigura-se-nos correctamente equacionada e resolvida no segmento do acórdão recorrido, acabado de transcrever, pelo que pouco se nos oferecerá acrescentar à fundamentação reproduzida.

Independentemente da posição que se perfilhe a propósito do enquadramento do instituto do caso julgado penal, ao nível da dogmática jurídico-processual, sempre diremos que a figura em causa assume uma particular densidade no âmbito do processo criminal, directamente decorrente do princípio «ne bis in idem», consagrado elo nº 5 do art. 29º do CRP, nos seguintes termos:

Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.

O comando constitucional enunciado proíbe que qualquer pessoa possa ser responsabilizada criminalmente em consequência do mesmo facto naturalístico ou por factos naturalísticos diferentes, ligados entre si por um laço de afinidade, para efeitos de censura jurídico-penal.

No presente processo, o arguido respondeu, para além de uma outra infracção da qual já foi definitivamente absolvido, por um crime de usurpação de funções p. e p. pelo art. 358º al. b) do CP, tal como no âmbito do processo nº ----/05.9TAFAR, preenchido, num caso e noutro, pela prática, não titulada, de actos próprios da profissão de advogado.

Os actos tidos como próprios da profissão forense, pelos quais o arguido foi julgado no outro processo e que se encontram reproduzidos no ponto 52 da matéria de facto provada, não coincidem, no plano naturalístico, com aqueles por que o arguido respondeu nos presentes autos e que vêm descritos nos pontos 4, 5, 6 e 9 da factualidade assente.

No entanto, de acordo com a opinião Autora citada no trecho transcrito do acórdão sob recurso (Cristina Líbano Monteiro, «Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial», Tomo III, pág. 449), constitui um só crime, e não um crime continuado, a prática pelo agente de diversos actos próprios de uma profissão cujo título se arroga possuir, pelo que, diremos nós, o ilícito criminal pelo qual o arguido respondeu em ambos os processos em referência deverá ser incluído entre os crimes ditos «exauridos» ou de «trato sucessivo».

Contudo, verifica-se que, no processo nº ----/05.9TAFAR, os factos, que se provou terem sido praticados pelo arguido, foram considerados atípicos do crime previsto pelo art. 358 al. b) do CP, em razão de uma circunstância que não ocorre em relação às condutas por que responde nos presentes autos, a saber, a relação matrimonial entre o arguido e a pessoa que lhe outorgou a procuração, que ele fez juntar a um processo judicial, e cujo mandatário ficou constituído, situação que o habilitava, excepcionalmente, a praticar os actos em causa.

Assim, pelas razões que lhe serviram de fundamento, o juízo de não censura criminal formulado na sentença proferida no processo nº ---/05.9TAFAR, relativamente aos factos nela apurados, é inócuo em relação às condutas dadas como provadas no acórdão proferido no presente processo e agora sob recurso.

Nesta conformidade, a decisão absolutória emitida no processo a que nos vimos referindo não é de molde a impor qualquer restrição ao direito do Estado de proceder criminalmente contra o arguido por outros actos tidos como próprios da profissão de advogado, que poderiam, à partida encontrar-se unificados num único crime de trato sucessivo com aqueles por que o arguido respondeu no âmbito daquele processo, não fora a tipicidade destes últimos ter sido excluída por uma circunstância que lhes é específica.

Por conseguinte, a condenação do arguido pela prática de um crime de usurpação de funções p. e p. pelo art. 358º al. b) do CP, proferida no acórdão recorrido, pelos factos nele dados como provados, não é violadora do princípio «ne bis in idem», com referência à sentença do processo nº ---/05.9TAFAR.

Como tal, o Tribunal «a quo» não ter deixado de decidir conforme decidiu, julgando improcedente a invocação pelo arguido da excepção de caso julgado, pelo que igualmente terá de soçobrar o recurso em apreço, quanto a este fundamento.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

a) Declarar extinta instância, por inutilidade superveniente da lide, dos recursos interpostos de despachos interlocutórios ditados para a acta da sessão da audiência de julgamento de 20/5/11;

b) Negar provimento ao recurso interposto do acórdão e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas os recursos de despachos interlocutórios.

Custas do recurso do acórdão a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

Notifique.

Évora 6/3/12 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)


(João Manuel Monteiro Amaro)