Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA BARATA BRITO | ||
Descritores: | DENÚNCIA CALUNIOSA ELEMENTO SUBJECTIVO DO TIPO DE ILÍCITO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 11/06/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. O tipo subjectivo do crime de denúncia caluniosa do art. 365.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal) exige, além do mais, que o agente saiba e queira a falsidade da imputação, devendo o dolo revestir uma das duas formas previstas do art. 14º do Código Penal (nos nºs 1 e 2, dolo directo ou necessário), sendo de excluir a punibilidade a título de dolo eventual (do nº 3) 2. Enferma de erro notório na apreciação da prova a sentença que descreve como provado uma actuação (externa) do arguido mais compatível com um convencimento sobre a verdade dos factos que imputou ao ofendido e, simultaneamente, chega ao resultado probatório oposto, considerando provado que sabia que os factos, que fizera constar na reclamação apresentada contra aquele, eram falsos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Processo n.º 1029/10.6TAFAR do 1º juízo do Tribunal Judicial de Faro foi proferida sentença em que se decidiu condenar o arguido A, como autor de um crime de denúncia caluniosa do art. 365.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 9,00 e a pagar ao demandante MJ a quantia de € 800,00 (oitocentos euros), a título de danos não patrimoniais. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo da forma seguinte: “-Não pode o Recorrente aceitar, nem concordar, com a sua condenação, pelos motivos que adiante mencionados. -O tipo incriminador, quanto ao elemento subjectivo, exige a verificação de um dolo qualificado, composto por dois segmentos: consciência da falsidade da imputação e intenção da instauração de procedimento contra o visado. -Necessário se torna a comprovação de que a conduta imputada é falsa; - No caso em apreço, existem indícios objectivos de que, analisados segundo as regras da experiência comum, o recorrente estava convencido de que o ofendido se encontrava alcoolizado, dai que tudo tenha tentado fazer para mostrar essa realidade; - Tais indícios são o ter abordado o colega do ofendido dizendo-lhe que considerava que aquele estava alcoolizado, ter telefonado para o 112 solicitando que os agentes da PSP efectuassem o teste de alcoolemia ao ofendido e ter escrito uma reclamação na qual faz vincar que era sua convicção que o ofendido estava alcoolizado e mostrou-se indignado por não ter sido realizado o exame. -A sentença recorrida limita-se a invocar que, não havendo indícios na pessoa do ofendido de este se encontrar em estado de embriaguez, imputa ao recorrente a consciência da falsidade da declaração. - Mais tais indícios foram transmitidos por colegas de profissão e, para além disso, por pessoas que se limitaram a manifestar a sua opinião, que não coincide com a do recorrente, mas é diferente do facto de este estar convicto de que o ofendido não estava embriagado e, ainda assim, o ter afirmado e escrito. - O recorrente até podia estar errado, mas não há elementos suficientes que permitam concluir que a sua convicção, que é interior, estava eivada de falsidade ao ser manifestada exteriormente. - Não resultam provados factos que permitam concluir pela verificação do dolo directo, na vertente consciência da falsidade da imputação. - Nem nunca tal se saberá, pois as diligências para apurar da veracidade nunca foram produzidas, quando poderiam e estavam ao alcance do próprio ofendido. - Assim, por falta de preenchimento do tipo subjectivo do crime de denúncia caluniosa pelo qual o arguido foi condenado, foi violado o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 365º do Código Penal”. O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência mas limitando-se a afirmar que “adere ao expugnado na sentença”. Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência mas também nada acrescentou. Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência. 2. Na decisão recorrida consideraram-se os seguintes factos provados: “1. No dia 25 de Abril de 2010, pelas 23h30, MJ, Cabo da GNR, encontrava-se em exercício de funções na E.N. 125, sentido Olhão - Faro, quando, ao Km 110,7, e no âmbito de uma operação de rotina, fiscalizou o arguido A, que conduzia o veículo ligeiro de passageiros marca Seat, modelo Ibiza, com a matrícula ----DZ, por não se encontrar a fazer uso do cinto de segurança, e elaborou o competente auto de contra-ordenação. 2. Quando o Cabo MJ informou o arguido que caso não efectuasse o pagamento voluntário da coima, ser-lhe-ia apreendida a carta de condução e passada uma guia pelo prazo de 6 meses, este ficou revoltado, exigiu-lhe que chamasse o seu superior hierárquico, e ligou para o 112, solicitando a comparência de agentes de autoridade ao local, na sequência do que os Guardas D e M, que integravam a patrulha de Faro, acorreram ao local. 3. Então, o arguido, dirigindo-se ao Guarda D, exigiu-lhe que submetesse o Cabo MJ ao teste de álcool, dizendo que o mesmo não estava em condições de estar ao serviço. 4. Nessa mesma madrugada, o arguido apresentou uma reclamação escrita na GNR – Comando Territorial de Faro, em Faro, por si subscrita e assinada, contra o Cabo MJ, onde, referindo-se à fiscalização a que foi sujeito, nas circunstâncias descritas em 1) supra, fez constar, além do mais, que: “Estou convicto de que o Senhor Guarda estava completamente embriagado, pelo que pedi a intervenção da GNR de Faro. Uma vez no local, a patrulha, constituída pelos soldados D e M, recusou-se a fazer o teste de álcool ao colega. O Senhor Cabo MJ, numa atitude furiosa gritou, interrompendo: Você tem a língua muito comprida, pois agora quem vai fazer o teste do álcool é você! entre outras frases impróprias para um Agente da GNR (…) Como é que é possível um soldado da GNR alegar que não pode fazer o teste do álcool a um colega que está a exercer funções de tão alta responsabilidade, nitidamente descontrolado e, provavelmente, num estado de embriaguez bastante elevado. A minha morada, por exemplo, foi transcrita de forma bastante adulterada. O Senhor Cabo cuspia-me para cima, quando falava comigo. Como é possível deixar escapar um indivíduo nestas condições?”, o que sabia não corresponder à verdade. 5. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que o que fez constar na reclamação apresentada contra o Cabo MJ não correspondia à verdade, e que os factos que lhe imputava consistiam na prática de infracção disciplinar, tendo agido com a intenção de que contra o mesmo fosse instaurado procedimento disciplinar. 6. O arguido agiu, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Resultou também assente que: 7. Na sequência da reclamação referida em 4) supra, o Ministério da Administração Interna abriu um processo de averiguações, no qual o cabo MJ elaborou um relatório escrito sobre o sucedido, e que foi arquivado cerca de um mês após a abertura. 8. O teor da reclamação referida em 4) foi objecto de conversa dos vários agentes nas instalações da Polícia de Segurança Pública, nomeadamente no Posto territorial de Tavira e no Comando de Faro. 9. Como consequência directa e necessária do comportamento do arguido referido supra, o cabo MJ teve dificuldades em dormir, na noite do sucedido, tendo-se sentido irritado, vexado e revoltado. 10. Durante o período em que correu o processo de averiguações acima mencionado, o cabo MJ sentiu-se preocupado, isolando-se e evitando sair de casa. 11. Ainda hoje, o ofendido sente-se constrangido com a situação. Mais se apurou quanto ao arguido que: 12. Trabalha como engenheiro electrotécnico, auferindo o vencimento médio mensal de € 1000,00 (mil euros). 13. Vive sozinho em casa própria. 14. É solteiro e não tem filhos. 15. Tem o curso superior de engenharia electrotécnica como habilitações literárias. 16. Não tem antecedentes criminais.” 3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95), a questão a apreciar respeita a saber se a sentença justifica adequadamente a decisão de condenação por crime de denúncia caluniosa, particularmente no que respeita à comprovação do tipo subjectivo do crime. Da leitura do recurso resulta que o recorrente não impugna a matéria de facto provada, pelo que esta seria, em princípio, de considerar definitivamente fixada, caso a sentença resista à detecção oficiosa dos vícios do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal. Mas retira-se claramente do recurso, e de acordo com a delimitação do objecto efectuada nas conclusões, que o recorrente impugna o facto (provado) “bem sabendo que o que fez constar na reclamação apresentada contra o Cabo MJ não correspondia à verdade”. Ou seja, defende que não só inexiste prova de que tenha agido sem conhecimento da falsidade da imputação, como toda a sua conduta revela que agiu convencido da verdade dessa mesma imputação. Afastada a hipótese de exame das provas produzidas e examinadas em audiência, pois a opção do recorrente não foi a de usar o mecanismo previsto no art. 412º, nº3 do Código de Processo Penal, resta ajuizar das razões do recurso através do exame do texto da decisão (art. 410º,nº 2 do Código de Processo Penal). Para tanto, e uma vez que se trata de impugnação de factualidade que o tribunal considerou demonstrada, cumpre recordar a motivação da sentença. Assim, a motivação da matéria de facto apresenta a forma seguinte: “A factualidade descrita nos pontos 1) a 4) supra resultou da valoração da prova documental junta aos autos, a saber: da reclamação apresentada e subscrita pelo arguido a fls. 10; do relatório elaborado pelo demandante civil de fls. 4; do auto de contra-ordenação de fls. 15. Tais elementos foram valorados em conjugação com as declarações do demandante e, bem assim, com os depoimentos das testemunhas M, D e J. De forma segura, objectiva, circunstanciada e lógica, o demandante, igualmente ofendido, descreveu a factualidade apurada, indicando o período em que se encontrava em exercício de funções, o colega que o acompanhava na patrulha, os motivos da abordagem do arguido, após o ter avistado a conduzir o automóvel sem cinto de segurança e, bem assim, a forma normal (respeitosa e formal) com que se dirigiu ao arguido e como o informou da necessidade de pagamento imediato da coima, e das consequências do não pagamento. Mais rejeitou veementemente ter ingerido qualquer bebida alcoólica antes ou durante o período em que esteve ao serviço, rejeitando igualmente todos os factos que o arguido escreveu na reclamação de fls. 10. As testemunhas M e D, militares da P.S.P. chamados ao local na sequência do telefonema efectuado pelo arguido para o 112, descreveram de modo desinteressado e lógico os acontecimentos que presenciaram, nomeadamente a circunstância de terem presenciado o arguido a dizer-lhes para efectuarem teste de pesquisa de álcool ao ofendido, alegando que o mesmo não se encontrava em condições para exercer as suas funções. Mais referiram, de modo igualmente coerente e coincidente, que o ofendido não apresentava qualquer sinal de estar embriagado, tendo estado sempre calmo e não tendo abordado o arguido nos termos descritos na reclamação de fls. 10. A testemunha J, militar da GNR que se encontrava a efectuar patrulha com o ofendido, descreveu o modo como o ofendido abordou o arguido e, pese embora não tivesse ouvido as expressões dirigidas, confirmou que o mesmo nunca se exaltou e que não apresentava qualquer sinal de estar embriagado. Em sede de audiência de julgamento, o arguido confirmou a autoria da reclamação de fls. 10, assumindo que com tal reclamação estaria a dar origem a um eventual processo disciplinar contra o arguido. Porém, relatou igualmente que naquele momento estava convicto que o ofendido se encontrava efectivamente embriagado. Para tanto, indicou que a sua convicção se fundou simplesmente na circunstância do ofendido se ter dirigido a si chamando-o de “Chefe” e de, inadvertidamente, cuspir enquanto falava. Perguntado se o ofendido tinha odor a álcool ou se cambaleava ou enrolava a língua enquanto falava, o arguido respondeu não ter reparado. Ora, em face da restante prova produzida e das regras de experiência comum, resulta-nos evidente a inverosimilhança da versão apresentada pelo arguido. Com efeito, por um lado, todas as restantes testemunhas referiram que o ofendido não aparentava ter qualquer sinal de ter ingerido bebidas alcoólicas ou de estar embriagado. Por outro lado, os sinais exteriores indicados pelo arguido, como o comportamento do ofendido que o levou a concluir que estaria embriagado, em nada se assemelham aos sinais que, de acordo com as regras de experiência comum, são naturais nessas situações, principalmente quando desacompanhados de qualquer odor a álcool ou de comportamento físico correspondente. No que diz respeito aos factos relativos ao pedido de indemnização civil, valoramos as declarações do demandante, conjugadas com os depoimentos das testemunhas A, mulher do ofendido, AP, cabo da G.N.R. (na reserva) e irmão do ofendido, e JT, militar da G.N.R. e amigo e colega do ofendido desde 1994. Todas estas testemunhas, descreveram de forma lógica, objectiva e verosímil, o estado psicológico do ofendido após o sucedido e durante o decurso do processo de averiguações, nos termos dados como provados. Quanto às condições pessoais do arguido, valoramos as declarações prestadas pelo próprio e que, nesta parte, não foram infirmadas pela demais prova produzida. Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido, tivemos em consideração o que consta do seu certificado de registo criminal a fls. 128”. Como resulta da literalidade da norma, e como tem vindo a ser entendido sem controvérsia, os vícios do art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal são os que se detectam no próprio texto da decisão, “por si só ou conjugado com as regras da experiência comum”. Assim, o leitor retirará da simples análise do texto, sem recurso a qualquer outro elemento do processo, a detecção de qualquer um dos três vícios – insuficiência da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, e erro notório na apreciação da prova. Importará, então, apreciar se a sentença enferma de erro notório na apreciação da prova relativa a um único facto (provado) – o de que o arguido actuou sabendo da falsidade da imputação, ou seja, que actuou sabendo que o facto não era verdadeiro – erro de apreciação da prova que terá de resultar da própria sentença, conjugada com regras da experiência comum. O facto em crise respeita ao tipo subjectivo do crime, ou seja, para lá de ser falso que o ofendido se encontrava embriagado em serviço (facto do tipo objectivo), há que saber se o agente actuou ciente da falsidade do facto que imputou a outrem. O problema da prova da intenção é comum à generalidade dos crimes. Estamos num dos campos mais difíceis da prova. Mostra a experiência que os actos interiores ou factos internos, que respeitam à vida psíquica, raramente se provam directamente. Na ausência de confissão – como é o caso – a prova do dolo terá de ser feita por ilação de indícios ou factos exteriores. Ao julgador exige-se, então, que decida a questão de facto de forma a concluir, ou não, se o agente agiu internamente da forma como revelou externamente. Ora, dos factos externos apurados, como se dirá, nada se retira com segurança quanto aos factos integrantes de um dolo de denúncia caluniosa. O recorrente afirma que agiu convencido de que atribuía um facto verdadeiro, tanto mais que alega ter chamado os guardas da GNR (via 112) com o fito exclusivo de que procedessem à medição da alcoolemia do ofendido. Na verdade, olhando para o texto da sentença, as circunstâncias em que se desenrola todo o episódio de vida consentem admitir, de acordo com as regras da lógica e da experiência humana, que o arguido tenha agido convencido de que o ofendido estaria embriagado. Fora deste convencimento, não faz nenhum sentido, apresentando-se até como algo de irracional e ilógico, que tenha accionado o 112, que tenha pedido a comparência de outros agentes policiais no local para que sujeitassem o ofendido ao teste do álcool. E a versão do arguido foi, nesta parte, confirmada por todos os intervenientes (testemunhas da G.N.R.) havendo total coincidência de todas as versões (do arguido e das testemunhas). E tudo isto resulta do texto da sentença, repete-se. Trata-se de factos não essenciais – porque não integrantes do tipo de crime – mas, embora instrumentais, relevantes para a decisão de um facto essencial, integrante do tipo subjectivo. Na motivação da matéria de facto explica-se bem a formação da convicção sobre todos os factos que na sentença se consideram como provados, à excepção do facto impugnado. Com efeito, justifica-se também adequadamente a prova do facto de que o ofendido não estaria embriagado. E, aqui, discorda-se do recorrente, pois este facto, precisamente porque negativo, não é demonstrável apenas por via da sujeição a teste do álcool. A aferição (do grau) de alcoolemia deve fazer-se por prova legal ou tarifada, já que implicará, em princípio, medição. Mas, a prova da ausência de alcoolemia, para o efeito em causa, é demonstrável por qualquer via não proibida por lei (art. 125º do Código de Processo Penal). Designadamente por prova testemunhal, como foi o caso, de acordo com o princípio da prova livre, avaliada segundo o princípio da livre apreciação. Mesmo admitindo que o juiz de julgamento possa ter visto algo mais que a Relação não vê, por força de uma maior imediação e interacção com as provas, de que dispôs, é ainda possível detectar na sentença um erro na apreciação da prova. Erro – notório, portanto – que consistiu em considerar-se como suficientemente demonstrado que o arguido sabia que a imputação que fazia (de que o ofendido estava embriagado em serviço) era falsa. Ou seja, a sentença descreveu um comportamento do arguido mais compatível com um convencimento de verdade e, simultaneamente, chega a um resultado probatório oposto. Sendo que, note-se, a prova desse convencimento nem seria necessária, já que para o tipo subjectivo soçobrar bastaria considerar como não provado que o arguido tenha actuado ciente da falsidade. E, não, que tenha de resultar provado que agiu convencido de que relatava facto verdadeiro. Ora, todo o comportamento externo do arguido, que a sentença assume no exame crítico, repete-se, se apresenta como objectivamente inconcordável com uma consciência da falsidade da imputação. O que não poderia ter deixado de criar uma dúvida razoável no espírito do julgador acerca do facto subjectivo que competia apurar. Dúvida que só poderia resolver-se de acordo com o princípio do in dúbio pro reo, contido no princípio da presunção de inocência e traduzido na valoração do non liqued em questão de prova sempre no sentido favorável ao arguido. O erro notório na apreciação da prova, ora identificado e cingido a este concreto ponto de facto, não impede a decisão da causa, uma vez que é viável cuidar aqui da sua reparação (art. 426º, nº1 do Código de Processo Penal, a contrario). Em conformidade, procede-se à alteração da matéria de facto, determinando-se que passem a constar dos factos não provados os seguintes factos, que se retiram dos provados: “ bem sabendo que o que fez constar na reclamação apresentada contra o Cabo MJ não correspondia à verdade, tendo agido com a intenção de que contra o mesmo fosse instaurado procedimento disciplinar bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”. A alteração na decisão de facto, a que ora se procede, tem consequências na decisão de direito. O tipo subjectivo do crime da condenação (denúncia caluniosa do art. 365.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal) exige o dolo – a consciência da falsidade da imputação e a intenção de instauração de procedimento contra o visado. No que ora interessa, impõe que o agente saiba e queira a falsidade da imputação, devendo o dolo revestir uma das duas formas previstas do art. 14º do Código Penal (nos nºs 1 e 2, dolo directo ou necessário), sendo de excluir a punibilidade a título de dolo eventual (do nº 3) (assim, Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, org. Figueiredo Dias, III, p. 548s). A alteração da matéria de facto provada a que ora se procede implica a revogação da sentença na parte em que condena o recorrente pela prática de crime, uma vez que fica por preencher o tipo subjectivo. Importa ainda a revogação da decisão recorrida na parte em que julga procedente o pedido cível deduzido pelo demandante MJ, indemonstrada que fica a prática do facto ilícito, gerador da responsabilidade civil (por facto ilícito) anteriormente declarada, e pressuposto da indemnização arbitrada. 4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: Julgar procedente o recurso, revogando-se a sentença e absolvendo-se o arguido. Sem custas. Évora, 06.11.2012 (Ana Maria Barata de Brito) (António João Latas) |