| Decisão Texto Integral: |
Acordam os juízes nesta Relação:
O apelante “Banco…, S.A.”, com sede… em Lisboa, vem interpor recurso da douta sentença proferida em 26 de Outubro de 2011 (agora a fls. 27 a 36 dos autos), nesta acção declarativa, com processo especial, para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do Decreto-lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, que havia instaurado, no Tribunal Judicial da comarca de Portel, contra os apelados M… e J…, ambos residentes no Bairro…, e que os condenou a pagar-lhe um quantitativo de € 16.508,09 (dezasseis mil, quinhentos e oito euros e nove cêntimos), acrescidos dos “juros moratórios, à taxa contratual fixada de 13,804%, e cláusula penal de 4%, calculada sobre aquela, ou seja, 17,804%, desde o dia 30 de Janeiro de 2011, até integral pagamento, bem como imposto de selo à taxa legal”, mas que os veio a absolver do pedido de pagamento da quantia relativa aos juros remuneratórios – com o fundamento que aí vem aduzido de que o vencimento das prestações de capital se não estende aos juros remuneratórios que integram cada uma das prestações estipuladas, pois que “optando o mutuário pelo accionamento da cláusula do vencimento imediato das prestações não pagas, o ressarcimento do mutuante ficará confinado a juros moratórios conforme as taxas acordadas, com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada” –, intentando, nessa parte, a sua revogação, e alegando, para tanto, em síntese, que não tendo os Réus contestado a acção, “deve, pois, considerar-se provada toda a matéria de facto constante da petição inicial”, o que não tendo ocorrido, deverá ainda vir a ocorrer. Depois, a recorrente não deixou de enviar aos recorridos o clausulado do contrato, nos termos previstos na lei, onde expressamente refere o vencimento de juros remuneratórios em caso de incumprimento das prestações. “A sentença recorrida violou, atenta a matéria de facto provada nos autos, o disposto no artigo 20.º do Decreto-lei n.º 133/2009, de 02 de Junho”, pelo que deverá agora vir a ser revogada, condenando-se os Réus na totalidade do pedido formulado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Vêm dados por provados os seguintes factos:
A) O Autor “Banco…, S.A.” é uma instituição de crédito.
B) O Autor, no exercício da sua actividade comercial, e a Ré M…, celebraram, no dia 20 de Julho de 2010, um acordo escrito denominado “Contrato de Mútuo n.º …”.
C) Por este acordo, o Autor emprestou à Ré a importância de € 16.950,00 (dezasseis mil, novecentos e cinquenta euros).
D) Tal quantia destinava-se à aquisição de um veículo automóvel de marca Toyota, modelo Dyna, com a matrícula n.º …PC.
E) Pelo acordo referido em B), foi fixada a taxa nominal de juros em 13,804% ao ano.
F) As importâncias supra referidas em C) e D), bem como a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o valor do prémio do seguro de vida, deveriam ser pagos em 84 (oitenta e quatro) prestações mensais e sucessivas, mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das mesmas, para a conta bancária do Autor, sediada em Lisboa.
G) A primeira destas prestações vencia-se no dia 30 de Agosto de 2010, e as seguintes nos dias 30 dos meses subsequentes.
H) O valor de cada prestação ascendia a € 328,44 (trezentos e vinte e oito euros e quarenta e quatro cêntimos).
I) A falta de pagamento de qualquer das referidas prestações, na data do respectivo vencimento, implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações.
J) Em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada 13,804%, acrescida de 4 (quatro) pontos percentuais.
K) No valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro.
L) O Réu não pagou a 6ª prestação, vencida em 30 de Janeiro de 2011, nem nenhuma das restantes prestações.
M) O capital em dívida a partir da 6ª prestação é de 16.508,09 (dezasseis mil, quinhentos e oito euros e nove cêntimos).
N) O Réu J… assumiu, no dia mencionado em B), perante o Autor, a responsabilidade de fiador solidário, ou seja, de fiador e principal pagador, por todas as obrigações assumidas no contrato identificado.
Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se, num contrato de mútuo bancário, a prestações, a falta de realização de uma delas, importando, é certo, o vencimento de todas as demais, importa também o vencimento das relativas aos juros remuneratórios acordados. É só isso que hic et nunc está em causa, como se vê das conclusões alinhadas no recurso apresentado.
Vejamos, pois.
I. Quanto à matéria de facto, intenta o Apelante que venha a ser aditada à sentença aquela que refere, pois que, não tendo havido contestação dos Réus, se têm que considerar confessados todos os factos articulados na petição inicial.
E, efectivamente, assim terá que ser, nos termos estatuídos no artigo 784.º do Código de Processo Civil.
Pelo que, embora a conclusão jurídica a que se chegará seja a mesma com ou sem eles aditados expressamente à factualidade dada por provada, manda o rigor que se lhe acrescentem, pois que vêm alegados e não foram impugnados:
Assim:
O) O Autor prestou, previamente, aos Réus, informação pré-contratual.
P) Está escrito da cláusula 7ª, alínea b), do contrato – conforme é alegado no artigo 5.º da douta petição inicial – que “Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o Banco… poderá considerar vencidas todas as restantes prestações, incluindo nelas os juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Específicas”.
Q) O Autor enviou à Ré a carta que constitui o documento de fls. 13 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
II. Quanto à matéria de direito, tratava-se, realmente, até há bem pouco tempo, de uma vexata quaestio, que dividia a jurisprudência, como, de resto, logo dá notícia a douta sentença recorrida com a enumeração que faz de uma lista de arestos que estão de acordo com a sua argumentação. Já a recorrente pretende convencer da bondade da sua tomada de posição, que vai naturalmente no sentido de que o vencimento imediato da dívida abrange também os juros remuneratórios contratualizados, incluídos nas prestações posteriores à data em que se venceu o capital mutuado.
Mas o ponto fulcral é, efectivamente, o seguinte – o qual, a nosso ver, e salva melhor opinião, deita por terra toda a argumentação da recorrente: porque o devedor perde o benefício do prazo, a exigência dos juros remuneratórios iria incidir sobre um espaço de tempo que não transcorreu (pois o capital deixou de estar legitimamente na mão do devedor).
Porém, o assunto está, neste momento, resolvido com a prolação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do douto acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 7/2009, de 25 de Março, publicado na I.ª Série do Diário da República nº 86, de 05 de Maio de 2009, de páginas 2530 a 2538, citado na douta sentença, que, num caso de contornos idênticos ao presente (curiosamente também do “Banco…, S.A.”), conclui unanimemente uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.
A recorrente alega que tal douto aresto foi tirado ainda durante a vigência do Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro – entretanto, já revogado – e que o presente contrato de mútuo foi celebrado, entre as partes, ao abrigo do Decreto-lei n.º 133/2009, de 02 de Junho.
Mas a invocação dessa realidade acaba por funcionar precisamente ao contrário do que o Banco/recorrente pretendeu ao invocá-la.
É que foi tal diploma publicado com o intuito expresso de defender os consumidores no âmbito de contratos de crédito bancário. Com efeito, o mesmo “transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de Abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores” e deixou exarado limpidamente no seu preâmbulo, por exemplo, as seguintes passagens que atestam isso mesmo: “… quer reforçando os direitos dos consumidores, nomeadamente o direito à informação pré-contratual …”; “… É instituída uma mais eficaz protecção do consumidor em caso de contratos coligados …”; “… estabelecem-se novas regras aplicáveis ao incumprimento do consumidor no pagamento de prestações, impedindo-se que, de imediato, o credor possa invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato…”; “Assinala-se ainda a proibição de consagração de juros elevados, sob pena de usura …”.
Consequentemente, com tal confessado intuito, seria, no mínimo, curioso (senão, totalmente, absurdo), que viesse o legislador de 2009 a consagrar uma realidade jurídica que se apresentasse diversa da que consta daquele referido Acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça, e viesse, portanto, a prever o vencimento também dos juros remuneratórios, assim consagrando uma solução que, a todos os títulos, fosse bem mais gravosa para o consumidor.
A lei não quis isso. Manifestamente, como se viu.
Pelo que a solução agora preconizada pelo recorrente, ao abrigo dessa lei, não se coadunaria, minimamente que fosse, com o espírito de tal lei.
Alega, porém, o mesmo Banco/recorrente que ela se acolheria na letra da lei, precisamente no que se estabelece no seu artigo 20.º.
Mas não acolhe, pois nem esse artigo, nem qualquer outro, que se veja, diz nada disso.
Por fim, defende o recorrente que a existência de uma cláusula contratual redigida exactamente nesse sentido – cláusula n.º 7, alínea b) – obrigaria agora os recorridos a pagarem os ditos juros remuneratórios.
Estabelece, com efeito, essa cláusula que “Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o Banco… poderá considerar vencidas todas as restantes prestações, incluindo nelas os juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Específicas”.
Mas, como facilmente se intui, essa cláusula contratual foi estabelecida pelo próprio Banco credor, não porque a lei lha impusesse – que não impõe, como se viu –, mas precisamente para colmatar a falta de norma nesse sentido na lei e, contornando-a, se defender, assim, daquela linha jurisprudencial que está assente no mencionado Acórdão uniformizador.
Por isso que ela é nula e de nenhum efeito.
[Estaria, com efeito, a acção dos Tribunais bem limitada na prossecução que deve fazer da justiça se, em face de decisões anteriores – e designadamente constantes de Acórdão uniformizador da jurisprudência – pudessem instituições com a responsabilidade que tem um Banco na sociedade vir criar cláusulas nos seus contratos, inteiramente a seu favor, e precisamente contrárias àquela linha jurisprudencial definida, no intuito de a contornar, e invocá-las com sucesso em Juízo só porque a contra-parte (os consumidores) as assinou. Seria um caminho que tais instituições não deixariam de prosseguir, inexoravelmente, se lhe o permitissem, como, pelos vistos, se vê que já estão a tentar trilhar.]
Pelo que, nesse enquadramento fáctico e jurídico, tem a presente apelação que improceder, em consequência do que se mantém, intacta na ordem jurídica, a solução achada na douta sentença da 1ª instância, objecto desta impugnação.
Decidindo.
Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 16 de Fevereiro de 2012
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Maria Rosa Barroso |