Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
517/16.5T8BJA.E1.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: BANCÁRIO
CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
UNIÃO DE FACTO
PENSÃO POR MORTE
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I. A cláusula 124.ª-A, acrescentada ao ACT celebrado entre o entre o Banco CC, S.A. e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, no âmbito da alteração publicada no BTE nº 27, de 22.07.2013, veio, pela primeira vez, definir, neste regime privativo de segurança social, o direito à pensão de sobrevivência em caso de união de facto.
II. Do teor do n.º 8 da cláusula, articulado com o n.º 3, parece resultar que os outorgantes deste instrumento de regulamentação coletiva pretenderam condicionar a contagem do prazo de dois anos de vivência em união de facto, relevante para a atribuição da pensão de sobrevivência ao “viúvo de facto”, ao momento do cumprimento do regime probatório especialmente consagrado no n.º 3 da cláusula.
III. Assim sendo, o mecanismo introduzido no n.º 8, consubstanciaria uma restrição do benefício social em causa, pois ficariam excluídos da atribuição desta prestação social, desde logo, todos aqueles que não obstante tivessem cumprido o regime probatório previsto, mas, por razões de natureza fortuita, ficassem na situação de “viúvos de facto” antes de decorridos dois anos desde a entrega à instituição bancária dos documentos probatórios, ainda que tivessem vivido em união de facto por período superior a dois anos até ao decesso do companheiro(a) beneficiário(a).
IV. Tal restrição contraria o regime previdencial geral imperativo, o que não é permitido, nos termos previstos pelo artigo 478.º n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, pelo que a norma convencionada deve ser considerada nula, de harmonia com o disposto no artigo 280.º do Código Civil.
V. Acresce que a restrição que resulta da norma convencionada é inconstitucional porque viola a garantia da integralidade do direito à segurança social, proibida pelo artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, constituindo tal restrição, também, uma desigualdade de tratamento com os beneficiários do regime geral, sem que se verifique qualquer justificação razoável ou motivo atendível para tal diferenciação de tratamento, uma vez que os todos os sobrevivos de uniões de facto que duraram mais de dois anos à data da morte do beneficiário falecido, se encontram em situação de igualdade, impondo o princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, que se trata como igual o que for necessariamente igual.
VI. Tendo a “viúva de facto” provado que à data do falecimento do beneficiário do regime previsto no ACT, vivia com o mesmo em condições análogas às dos cônjuges há mais de 30 anos, deve-lhe ser reconhecido o direito à pensão de sobrevivência.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P.517/16.5T8BJA.E1.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
BB intentou ação declarativa, com processo comum, contra Banco CC, S.A. e Fundo de Pensões do Grupo Banco CC, pedindo que lhe seja reconhecido o direito de obter, dos Réus, a pensão de sobrevivência, por morte do seu companheiro DD.
Alegou, em breve síntese, que desde 1984, viveu em condições análogas às dos cônjuges, com o falecido DD, que foi funcionário do Réu Banco e pensionista do segundo Réu, o que lhe confere o direito a receber uma pensão de sobrevivência, em consequência da sua morte.
Realizada a audiência de partes, não foi possível obter uma solução conciliatória que colocasse termo ao litígio.
Os Réus contestaram, sustentando, no essencial, que na concreta situação dos autos não se encontram preenchidos os pressupostos definidos no ACT celebrado entre o Banco CC, S.A. e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros para a atribuição de pensão de sobrevivência à Autora.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar.
Identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Fixou-se à ação o valor de € 30.000,01.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu as Rés do pedido formulado pela Autora.
Não se conformando com esta decisão, veio a Autora interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1- No presente processo degladiam-se duas posições, diríamos, que antagónicas.
2- Assim, em apertada síntese, a recorrente entende que o facto de ter vivido comprovadamente durante mais de 30 anos em união de facto com um pensionista do primeiro Réu, tal circunstância confere-lhe o direito á pensão de sobrevivência.
3- Por seu turno, os recorridos, fundando-se para o efeito na interpretação conjugada do n.º 3 com o n.º 8 da cláusula 124 A do ACT celebrado entre o Banco CCC SA e o Sindicato dos Bancários do Norte, entende que tal direito não assiste á recorrente.
4- A douta sentença, pelas razões que expendeu, entende, também ela, que tal direito não assiste á recorrente devido ao facto de não ter completado o período de dois anos que se encontra estabelecido no normativo referenciado no artigo anterior.
5- Mais se refere na douta sentença que as convenções coletivas terão, necessariamente, de ser aplicadas em bloco.
6- No que tange ao primeiro argumento, entende a recorrente, e fá-lo devidamente amparada na sentença sob recurso, que ficou provada a sua vivência em união de facto com DD, pensionista do primeiro Réu, vide-se matéria provada de 1 a 5.
7- A prova produzida em sede de audiência de julgamento deve sobrepor-se ao que é exigido pelos RR, cumprindo acrescentar que foram razões de natureza fortuita que levaram ao não cumprimento daquele prazo.
8- Por outro lado, a exigência fixada pelos RR no tocante á atribuição de pensões aos viúvos de facto, é recente e a recorrente logo que da mesma teve conhecimento dirigiu-se ao Banco no sentido de lhe dar cumprimento, o que evidencia um comportamento diligente da sua parte.
9- Por outro lado, sustenta a sentença recorrida o entendimento que o ACT não pode ser cindido, tem de ser aplicado em bloco, o que conflitua com o argumento expendido no Acórdão 1560/11 TVLSV .L1S1 prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
10- Nesse aresto, defende-se que a aplicação em bloco de uma convenção coletiva não impede a combinação de aspetos de regime geral que se revelam mais favoráveis.
11- Noutro contexto, importará averiguar se o ACT em questão cumpre os princípios constitucionais que protegem as uniões de facto e, bem assim, as demais normas legais, de carácter imperativo, que visam tornar efetivos tais direitos, no caso vertente a recorrente entende que não.
12- Cotejados os prazos para a concessão da pensão ao viúvo de facto comparativamente ao viúvo tout court, é mais longo o prazo do viúvo de facto que necessita de dois anos para poder aceder á pensão ao invés, para os viúvos estabelece o prazo de apenas um ano.
13- Como assim, a cláusula em causa, colide com os princípios constitucionais que conferem o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.
14- Ao que acresce, por outro lado, que a referida cláusula também viola o princípio da igualdade de direito á segurança social, sem esquecer o princípio da dignidade da pessoa humana, o que constituem princípios estruturantes do Estado-de-Direito democrático, proclamando o artigo n.º 2 da Constituição da República que Portugal é um Estado-de-Direito democrático.
15- Contudo, pese embora a prova produzida perante o Tribunal, Órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, assim o refere o n.º 1 do artigo 202 da Constituição, essa prova foi completamente menosprezada, focando-se a douta sentença na circunstância de não ter decorrido o período de dois anos entre a entrega da declaração solicitada pelos RR e o decesso de Jorge Ribeiro, e não transcorreu por razões absolutamente fortuitas.
16- Como assim, entende a recorrente que a sua situação não foi devidamente sopesada pelo douto Tribunal.
17- Aqui chegados, importará questionar se a prova que é produzida perante o Tribunal é menos valiosa do que a prova que é produzida perante o banco.
18- O nosso direito adjetivo tem vindo a sofrer assinaláveis mutações, apontando as mesmas no sentido de privilegiar, cada vez mais, a substância em detrimento da forma, metodologia que, salvo o devido respeito por entendimento mais douto, não foi de em todo seguida.
19- Por outro lado, importará frisar que o viúvo de facto de qualquer trabalhador beneficiário do regime geral, não deixaria de ter direito á pensão de sobrevivência, não constituindo a circunstância de se encontrar sujeito ao regime especial, justificativa bastante para tal diferença de tratamento.
20- Ao que acresce, por outro lado, que o normativo em apreço é omisso no que tange a questões como a que aqui se discute, em que o prazo fixado no ACT não foi cumprido por razões de natureza fortuita.
21- Assim sendo, é defensável o entendimento que estamos em presença de uma lacuna, lacuna que urge integrar.
22- Considerando que o ACT deverá respeitar os princípios e valores fundamentais do sistema, a integração da lacuna deverá processar-se de harmonia com o estatuído no artigo 10º do Código Civil.
23- No já citado acórdão sufraga-se no entendimento que relativamente á integração da lacuna se deverá proceder a uma extensão teleológica, o que tendo em conta os fins almejados pelos outorgantes da referida convenção e, sobretudo, a circunstância de se fixar para o viúvo de facto o prazo de dois anos a contar da entrega da declaração, tendo a recorrente vivido em união de facto comprovadamente durante 30 anos, é de concluir que, em obediência aos valores fundamentais do sistema e dos quais as convenções se não devem desviar, sempre seria de concluir que a recorrente tem direito á pensão de sobrevivência.
24- Por outro lado, o entendimento que se encontra sufragado na sentença recorrida viola o direito a uma segurança social universal e, bem assim, o princípio da igualdade, princípios plasmados nos artigos 63 e n.º 13 da Lei Fundamental.
25- Ensina Rui Medeiros que a universalidade do direito á segurança social significa que a efetivação do direito á segurança social através de um sistema organizado, coordenado a subsidiado pelo Estado deve prima facie abranger todos os cidadãos independentemente da sua situação profissional (Acórdão n.º 5 17/98 e 634/98, não se compadecendo com um sistema que deixa arbitrariamente de fora alguns trabalhadores ou parte da população.
26- O nosso ordenamento reconhece a existência de um sistema de segurança social especifica (privado) e, bem assim, de regras diversas no que tange aos cálculos das respetivas pensões.
27- O que ora se discute em saber se a recorrente tem ou não direito á pensão de sobrevivência decorrente da vivência em união de facto com o seu companheiro, pensionista dos RR, durante mais de 30 anos!
28- Não se encontrando esta situação prevista especificamente na convenção coletiva aqui em causa, o que consubstancia a existência de uma lacuna que deverá ser integrada nos moldes já propugnados no presente recurso.
29- De qualquer modo, mesmo que assim não fosse, a referida cláusula, pelas razões apontadas não deixaria de ser nula por violar os princípios constitucionais a que se já fez referência.
30- O Tribunal Constitucional tem sucessivamente advertido para o dever do legislador não esvaziar a tutela que a Constituição consagra quanto ao núcleo essencial do direito á segurança social, certo sendo que a família não se circunscreve apenas e só aquela que resulta do matrimónio, outro entendimento se não pode extrair do artigo 36 n.º 1 da Constituição.
31- O que importa salvaguardar é que a diferenciação estabelecida seja objeto de tratamento razoável racional e objetivamente fundadas, tal como se defende no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 552/2006 de 26 de Setembro de 2006.
32- Todavia, não se lobriga, e este é o cerne da questão, qual a justificação para que os unidos de facto com trabalhadores bancários sejam objeto de um tratamento de desfavor, comparativamente aos demais cidadãos, que viveram em união de facto com outros trabalhadores, que não os do sector bancário.
33- A sentença recorrida justifica-se com a natureza convencional do ACT em que se encontram consagradas as condições em que o viúvo de facto poderá aceder á pensão e, bem assim, que por se tratar de um regime especial apenas consente uma aplicação em bloco não podendo o mesmo ser complementado.
34- Todavia, importará não esquecer que as convenções coletivas podem ser objeto de portaria de extensão que, como é consabida, pode estender o âmbito de aplicação da convenção no todo ou em parte.
35- O que contraria o entendimento que a convenção não é algo de imutável, qual verdade absoluta.
36- Além desta consideração importará não perder de vista que o viúvo de facto tem direito a uma tutela jurídica pela morte do seu parceiro, objetivo que se divisa em diversos princípios constitucionais na Lei Fundamental.
37- Ademais a convenção coletiva tem de observar os princípios e valores fundamentais do sistema e, principalmente, as normas imperativas, sendo que se o não fizer, essas cláusulas são nulas.
38- Como assim, é de concluir que as convenções coletivas, ainda que importantes, não constituem uma legislação autónoma que não se encontra obrigada a dar cumprimento às normas imperativas e, acima de tudo, á Constituição da República.
39- Como contrato que é, a doutrina dominante assim as considera, a sua interpretação encontra-se subordinada aos princípios aplicáveis no tocante á interpretação das leis.
40- Constituindo as mesmas fonte de direito, o Tribunal Constitucional tem entendido que as normas por essa via criadas não se encontram excluídas da fiscalização da sua constitucionalidade, o mesmo é dizer que devem observar os direitos fundamentais.
41- Por fim, face á prova que a recorrente conseguiu produzir, e fê-lo em sede de audiência de discussão e julgamento, negar o direito á pensão de sobrevivência, decorrente do facto de ter vivido em união de facto com um trabalhador bancário durante mais de 30 anos, tal constituiria, salvo o devido respeito, uma decisão iníqua e que conduziria a um resultado que nem o legislador nem mesmo os outorgantes do ACT aqui em causa perspetivaram aquando da sua feitura.
42- E, parafraseando Montesquieu “ Uma coisa não é justa porque é Lei. Mas ela deve ser Lei porque é justa “.
Ao decidir de forma diversa entende a recorrente que foi violado o correto entendimento dos artigos 13, 36, 63 e 202 todos da Constituição da República e ainda o artigo 10 do Código Civil.
Nessa conformidade, deverá a douta sentença proferida ser revogada e substituída por outra que acolha as razões aqui invocadas pela recorrente, sendo-lhe reconhecido o direito a obter dos recorridos a pensão de sobrevivência por morte do seu companheiro Jorge Ribeiro Sampaio, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA».

Contra-alegaram os Réus, concluindo:
«1. A Autora interpôs recurso de apelação (a que ora se apresenta resposta), da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, na qual se decidiu julgar a ação totalmente improcedente, absolvendo assim consequentemente os RR. do pedido formulado em sede de P.I.
2. Mais concretamente, em sede de P.I, a Autora peticionava que os RR. fossem condenados a pagar à Autora uma pensão de sobrevivência, atento ter a mesma vivido em situação de união de facto com o Sr. DD (ex-trabalhador da 1ª Ré, falecido no passado dia 02.04.2015).
3. Em sede de douta sentença proferida a fls., e em síntese, decidiu-se que a Autora não reúne os pressupostos necessários exigidos pelo ACT aplicável para atribuição à mesma de uma pensão de sobrevivência, nomeadamente não cumprindo a Autora o requisito constante do n.º 8 da clª 124-A do referido ACT, mais entendendo o Tribunal a quo – bem, e em total acordo com o doutamente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo citado pela Autora em sede de alegações (1560/11.6TVLSB) – que tal normativo nomeadamente não é violador do princípio da igualdade, bem como que não faz sentido complementar o regime privativo de segurança social em causa com normas do regime geral de segurança social onde aquele seja menos favorável, sendo certo que, ao contrário do que defende a Autora, o Tribunal a quo apreciou devidamente o facto da existência de união de facto entre a Autora e o falecido Jorge Ribeiro Sampaio.
4. Atentos os factos assentes, verifica-se que existiu, por parte do Tribunal a quo, uma correta, cuidada e ponderada aplicação do Direito aos factos, não merecendo qualquer censura a douta decisão ora recorrida.
5. À situação em causa é aplicável o estabelecido no ACT celebrado entre o Banco CC, S.A., e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, publicado originalmente no BTE N.º 48, 29.12.2001, e subsequentes alterações no BTE, N.º 4 de 29/01/2005, BTE n.º 33, de 08/09/2006, e BTE n.º 3 de 22/01/2009, BTE n.º 39, de 22.10.2011, e BTE n.º 27, de 22/07/2013, o que aliás não é colocado em causa por nenhuma das partes do processo,
6. Tratando-se de um regime previdencial específico e privativo, substitutivo do Regime Geral da Segurança Social, aplicável ao presente caso, atendendo nomeadamente que o falecido Sr. DD, ex-trabalhador da 1ª Ré, foi funcionário desta até 1981, e desde essa data passou à situação de reforma.
7. O ACT em causa, acima melhor identificado, passou efetivamente a prever, após a alteração constante do BTE n.º 27, de 22.07.2013, a atribuição de uma pensão de sobrevivência para os casos de união de facto, sendo que, os critérios e pressupostos aplicáveis a atribuição de uma pensão de sobrevivência em casos de união de facto estão regulados na clª 124-A do referido ACT.
8. O regime contido na supra transcrita clª 124ª-A (relativo à atribuição de uma pensão de sobrevivência em casos de união de facto), permite assim a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto, posto que se encontrem cumpridas as condições e pressupostos necessários para que seja reconhecido o direito à referida pensão, nos termos que melhor se encontram descritos e contratualizados no referido ACT, os quais foram, atendendo ao princípio da liberdade negocial, negociados e subscritos quer pelas Entidades Patronais quer pelos Sindicatos representativos.
9. De acordo com o disposto no n.º 3 da clª 124-A acima transcrita, a situação de união de facto deve ser comprovada perante a Instituição, em vida do trabalhador ou reformado, mediante a entrega de declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, acompanhada de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles emitidas há menos de 60 dias, e de documento comprovativo de que a última nota de liquidação fiscal relativa ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares foi enviada, em nome dos dois ou, se os unidos de facto não optarem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados ou não separados judicialmente de pessoas e bens em nome de cada um, para o domicílio fiscal de ambos.
10. Sendo que, o referido n.º 3 da referida clª 124-A deverá ser conjugado nomeadamente com o disposto no n.º 8 da mesma cláusula, e que refere “o disposto nesta cláusula aplica-se às situações de união de facto cujo prazo de dois anos se inicie a partir da data de entrega à entidade subscritora da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos prevista no n.º 3 da presente cláusula, juntamente com os elementos de prova também aí previstos” – sublinhado e realce nosso.
11. Estes os critérios, cumulativos, de que depende a atribuição de uma pensão de sobrevivência em casos de uniões de facto.
12. O disposto na clª 124º-A acima indicada, que reconhece os direitos do cônjuge sobrevivo à pessoa que à data da morte do trabalhador ou reformado vivia com este em condições análogas às dos cônjuges, apenas se aplica aos casos em que decorram dois anos a partir da data de entrega da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos a que se refere o n.º3 da referida clª.
13. Ao contrário do que a Autora parece pretender, não basta para adquirir o direito ao pagamento de uma pensão de sobrevivência, a existência de uma união de facto, e diga-se, tal nunca foi o entendimento de jurisprudência pacífica sobre esta questão, nomeadamente o douto Acórdão que a Autora cita nas suas alegações de recurso.
14. Com o devido respeito, não é o facto de ter vivido em situação de união de facto que faz com que, automaticamente, e sem respeito pelos requisitos constantes dos regimes de segurança social (seja no regime geral ou em regimes especiais), o unido de facto sobrevivo tenha direito a uma pensão de sobrevivência, aliás no próprio regime geral de segurança social assim também o é, elencando este os requisitos para obtenção de tal direito.
15. O período de 2 anos é essencial para a atribuição do direito em causa, de acordo com o plasmado no ACT, não bastando a existência de uma situação de união de facto.
16. Tratando-se de uma formalidade “ad substanciam”, não podendo o referido prazo de 2 anos ser substituído ou suprido por outro meio, ainda que de prova mais difícil (por exemplo por confissão ou por testemunhas), devendo decorrer os referidos dois anos para que seja reconhecido o direito aos unidos de facto, conforme contratualizado e plasmado no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável.
17. Entre a referida manifestação de vontade dos declarantes (trabalhador e beneficiário), que subscreveram as declarações, e a aquisição do direito, teria de decorrer o prazo de 2 anos de união de facto, tratando-se assim de um direito diferido, sendo que, anteriormente a serem observados tais dois anos, existe apenas uma expectativa da existência do direito (após cumprir tais dois anos em regime de união de facto, desde a entrega de declarações), não tendo sido assim cumprida a referida formalidade ad substanciam.
18. De referir que, conforme tem sido jurisprudência pacífica, o direito à referida proteção social, nomeadamente o pagamento de uma pensão de sobrevivência (quer por via do regime geral ou do regime especial), apenas se efetivará caso o requerente reúna os pressupostos para a atribuição de determinado subsídio/pensão, pressupostos esses plasmados nos referidos regimes aplicáveis (geral ou especial), in casu no regime substitutivo de segurança social aplicável ao presente caso, e a Autora não reúne tais pressupostos,
19. Sendo que o sistema de pensões dos Bancos constitui um regime privativo de segurança social, havendo que aplicá-lo em bloco, não fazendo sentido complementá-lo, onde, pontualmente, o mesmo é menos favorável, nomeadamente com regras do regime geral da segurança social, sendo certo que, na sua globalidade, é mais favorável.
20. Quanto a tal temática, invoca a Autora, em sede de alegações, que o entendimento supra constante nomeadamente da douta sentença recorrida – de que o ACT deve ser aplicado em bloco – alegadamente é contrário ao decidido em sede de douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 1560/11.6TVLSB.L1.S1, sendo que neste se sustentaria que o princípio da aplicação em bloco de uma Convenção Coletiva não impede a combinação de aspetos do regime geral que se revelem mais favoráveis, o que não corresponde à realidade, estando a douta decisão recorrida em total consonância com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo citado pela Autora em sede de alegações, vide douto Aresto proferido, datado de 11.05.2017, proc. 1560/11.6TVLSB.L1.S1-A (no âmbito do 1560/11.6TVLSB foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência datado de 11.05.2017).
21. Questão diversa é a existência de uma alegada omissão, situação que contudo, em sede de douto Aresto se decide igualmente, no sentido de que quanto a tal omissão, a existir, terá o seu regime de ser encontrado, em primeira linha, no âmbito do instrumento de regulamentação coletiva aplicável.
22. Posto isto, cabe analisar outro dos fundamentos invocados pela Autora em sede de alegações, ou seja, que o ACT em causa alegadamente contêm uma “omissão” ou “lacuna”, pois que alegadamente não comtempla casos como o que se encontra em discussão nos autos.
23. Salvo o devido respeito, não existe qualquer lacuna ou omissão no ACT, estando a situação dos unidos de factos expressamente consagrada (como aliás o reconhece o próprio Ac. uniformizador), e os requisitos necessários para obtenção de uma pensão de sobrevivência por parte destes devidamente indicados e explicitados em tal clausulado, o que com o devido respeito, até é reconhecido pela Autora ao longo das suas alegações, nunca tendo aliás sido tal questão, à semelhança de outras, colocada à apreciação do tribunal a quo.
24. Questão diferente é a Autora entender que, apesar da existência expressa do direito dos unidos de facto a uma pensão de sobrevivência, o regime instituído no ACT BCP alegadamente contém em si um tratamento discriminatório injustificado, isto porque relativamente aos cônjuges sobrevivos o prazo de garantia é apenas de 1 ano (ao invés dos unidos de facto, que tem um prazo de garantia desde a entrega da declaração de 2 anos), assim como o unido de facto sobrevivo a que fosse aplicável o regime geral da segurança social teria direito a uma pensão de sobrevivência, e a Autora não tem esse direito.
25. Ou seja, não coloca a Autora verdadeiramente em causa a existência do próprio direito à pensão de sobrevivência, mas sim aspetos do próprio regime em que se concretiza o direito.
26. Ora, quanto à questão do direito a uma pensão de sobrevivência ser conferida aos cônjuges sobrevivos (vide clª 123ª n.º 9), efetivamente apenas é reconhecido tal direito aos cônjuges sobrevivos desde que sejam casados há mais de um ano, sendo que, conforme jurisprudência pacífica e unânime, nos casos em que não foi cumprido o prazo de garantia, nesse caso de 1 ano, não assiste o direito do cônjuge sobrevivo ao recebimento de uma pensão de sobrevivência, sendo igualmente certo que, mesmo que se aplicasse o referido prazo de 1 ano aos unidos de facto, o mesmo não foi igualmente cumprido in casu, pois que a declaração de ambos os unidos foi entregue ao 1º Réu em 15.07.2014 e o Sr. DD faleceu em 02.04.2015.
27. É de referenciar ainda que pelos nossos Tribunais foi decidido, de forma pacífica, que apesar de cada vez mais se pretender atribuir relevo às uniões de facto, tal não implica que a união de facto deva ter tratamento idêntico ao casamento, por constituírem situações material e juridicamente diversas – cfr. a título de exemplo Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, Ac. n.º 134/07.
28. Conforme igualmente decidido judicialmente, existem com efeito, diferenças relevantes entre a situação de duas pessoas casadas que, através de contrato, pretendem constituir família, mediante plena comunhão de vida (art. 1577º do Código Civil), e a situação de duas pessoas que optaram por manter a relação entre ambas apenas no plano de facto, não podendo assim falar-se de situações iguais.
29. Por outro lado, o que a Autora pretende, porque neste caso melhor assenta ao seu caso, é que fossem aplicados ao seu caso os mesmos pressupostos que constam do regime geral da segurança social, que contudo não é o regime de segurança social aplicável. Quanto a tal questão, importa recordar que o facto de o ACT em causa prever, em parte, pressupostos e situações diferenciadas das constantes do Regime Geral da Segurança Social para atribuição de prestações previdenciais, nomeadamente pensão de sobrevivência, tal não constitui violação de qualquer preceito constitucional.
30. O que a CRP proíbe é a discriminação arbitrária e as distinções injustificadas por falta de justificação material bastante, sendo certo que, conforme jurisprudência igualmente pacifica, os regimes especiais podem conter normas mais (ou menos) favoráveis do que as que integram o regime geral de segurança social.
31. Atendendo a tudo o supra exposto, no modesto entendimento dos RR., o clausulado em causa não é violador de qualquer preceito constitucional, nomeadamente o disposto nos artigos 13º, 36º e 63º da Constituição, inexistindo igualmente e consequentemente a apontada nulidade da clª 124-A do ACT BCP.
32. Pelos motivos já supra expostos, é entendimento das Rés de que não resultam verificados os pressupostos necessários exigidos pelo ACT aplicável para atribuição à Autora de uma pensão de sobrevivência.
33. A douta Sentença de fls. efetuou uma clara e cuidada ponderação dos factos e sua subsunção ao Direito aplicável, não merecendo qualquer censura o decidido, pelo que se requer a V.Exas, Venerandos Desembargadores, seja negado provimento ao recurso interposto, confirmando-se a douta sentença proferida, assim se fazendo por V.Exas, a costumada JUSTIÇA.»

O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Tendo o processo subido ao tribunal da Relação, deu-se cumprimento ao preceituado no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela procedência do recurso.
Ambas as partes responderam, reiterando as posições que assumiram nos autos.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a questão que importa dilucidar e decidir é a de saber se a autora/apelante tem direito à peticionada pensão de sobrevivência.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. A Autora viveu com DD desde o ano de 1984 e até à sua morte, ocorrida em 02 de Abril de 2015;
2. Durante todo esse tempo, a Autora e DD viveram na mesma casa;
3. Partilharam a mesma cama;
4. Tomaram refeições juntos;
5. Sendo conhecidos por todos os amigos e conhecidos na cidade de Beja como marido e mulher;
6. DD casou com … em 29.01.1959, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio decretado em 17.03.1988;
7. DD foi funcionário do Réu Banco até 1981;
8. Em 31.01.1981, Jorge Ribeiro passou à situação de reforma auferindo, à data da sua morte, uma pensão no valor ilíquido de €953,99;
9. Em 15.07.2014, a Autora e DD entregaram ao 1º Réu uma declaração, datada de 14.07.2014, na qual afirmavam sob compromisso de honra viverem em situação de união de facto.
*
IV. Direito
Conforme anteriormente referido, importa analisar e decidir se a apelante tinha direito à peticionada pensão de sobrevivência.
Vejamos.
Em termos de enquadramento jurídico, mostra-se pacífico que à situação sub judice é aplicável o regime especial instituído pelo ACT entre o Banco CC, S.A. e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, publicado originalmente no BTE nº 48, de 29.12.2001, e subsequentes alterações no BTE nº 4, de 29.01.2005; BTE nº 33, de 08.09.2006 e BTE nº 3 de 22.01.2009; BTE nº 39, de 22.10.2011 e BTE nº 27, de 22.07.2013.
Especificamente, deve aplicar-se a cláusula 124ª-A do referido ACT, que estabelece os critérios respeitantes à atribuição da pensão de sobrevivência em caso de união de facto, pelo que passaremos de imediato para a apreciação e interpretação da aludida cláusula.
Estipula-se na mesma:
«1.Os direitos do cônjuge sobrevivo, previsto nas cláusulas 123.ª e 124.ª, serão reconhecidos a pessoa que à data da morte do trabalhador ou reformado viva com este em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos desde que a situação de união de facto não esteja ferida por alguma das seguintes circunstâncias, respeitantes à referida pessoa ou ao falecido:
a) Idade inferior a 18 anos;
b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do início da união de facto;
c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação judicial de pessoas e bens;
d) Parentesco na linha reta ou no segundo grau da linha colateral ou afinidade na linha reta;
e) Condenação de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro.
2. Em qualquer caso, as entidades subscritoras apenas se vinculam ao reconhecimento e pagamento de uma pensão de sobrevivência, na parte que corresponde ao cônjuge ou unido de facto sobrevivo, nos termos do previsto nas cláusulas 123.ª, 124.ª e na presente cláusula.
3. A situação de união de facto deve ser comprovada perante a instituição, em vida do trabalhador ou reformado, mediante a entrega de declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, acompanhada de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles emitidas há menos de 60 dias, e de documento comprovativo de que a última nota de liquidação fiscal relativa ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares foi enviada, em nome dos dois ou, se os unidos de facto não optarem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados ou não separados judicialmente de pessoas e bens em nome de cada um, para o domicílio fiscal de ambos.
4. Presume-se a subsistência da união de facto na data da morte do trabalhador ou reformado mediante a apresentação de certidão de cópia integral do registo de nascimento deste último com o averbamento da morte, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do beneficiário, emitida após o óbito, e de documento comprovativo da última nota de liquidação fiscal com as características referidas no número anterior.
5. Quando a entidade subscritora do presente Acordo entenda que existam fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, pode promover a competente ação judicial com vista á sua comprovação.
6. A pensão de sobrevivência adquirida á luz do disposto nos números anteriores cessa se sobrevier uma condenação pelo crime previsto na alínea e) do n.º1, o benificiário contrair novo casamento ou iniciar nova união de facto, revertendo a favor dos filhos do trabalhador ou reformado, se existirem, nas condições referidas na alínea b) do n.º 5 da cláusula 123.ª, em caso de morte, novo casamento ou união de facto do benificiário.
7. Aplica-se ao unido de facto sobrevivo o disposto no n.º 8 da cláusula 123.ª, com as necessárias adaptações.
8. O disposto nesta cláusula aplica-se às situações de união de facto cujo prazo de dois anos se inicie a partir da data de entrega à entidade subscritora da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos prevista no n.º3 da presente cláusula, juntamente com os elementos de prova também aí previstos.
9. Nas situações de união de facto existentes á data da publicação do presente ACT no Boletim do Trabalho e Emprego, na versão que alterou a redação publicada na 1.ª Série do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º39, de 22 de Outubro de 2011, o prazo referido no número anterior será contado desde o início dessas situações se, nos 180 dias a contar da mesma data, for entregue a declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, contendo a indicação da data do inicio da união de facto, acompanhada dos elementos de prova previstos no n.º3 da presente cláusula.»
O tribunal de 1.ª instância, na subsunção dos factos ao direito, fez a seguinte apreciação:
«O regime contido neste normativo, permite, como se verifica, a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto, desde que se encontrem cumpridas as condições e pressupostos descritos, a saber:
- a situação da união de facto deve ser comprovada perante a instituição, em vida do trabalhador ou reformado, mediante a entrega de declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, acompanhada de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles emitidas há menos de 60 dias, e de documento comprovativo de que a última nota de liquidação fiscal relativa ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares foi enviada, em nome dos dois ou, se os unidos de facto não optarem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados ou não separados judicialmente de pessoas e bens em nome de cada um, para o domicílio fiscal de ambos.
O referido no nº3 deverá ser conjugado com o estatuído no nº 8 da mesma cláusula, que refere que “o disposto nesta cláusula aplica-se às situações de união de facto cujo prazo de dois anos se inicie a partir da data de entrega à entidade subscritora da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos prevista no nº 3 da presente cláusula, juntamente com os elementos de prova também aí previstos”.
Estes são os critérios cumulativos de que depende a atribuição de uma pensão de sobrevivência em casos de união de facto.
O ACT em análise apenas reconhece o direito a uma pensão de sobrevivência à pessoa que à data da morte do trabalhador ou reformado vivia com este em condições análogas às dos cônjuges, nas situações em que decorreram dois anos contados da data da entrega da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos de facto.
No presente caso, e escrutinando a factualidade julgada como provada, verificamos que a documentação referida naquele nº 3 foi entregue ao 1º Réu, pela Autora e por DD, em 14.07.2014. Por sua vez, aquele DD faleceu em 02.04.2015, não se completando, como tal, os dois anos exigidos pelo nº8 da Cláusula 124º-A supra transcrita, período esse necessário para a aquisição do direito à pensão de sobrevivência em caso de união de facto.
É certo que essa situação de união de facto já existia há cerca de 30 anos, contudo a mesma não se encontrava efetivada perante os Réus, nem podendo esse longo período ser tomado em consideração uma vez que não foram respeitados os prazos impostos nos nº 8 e até 9 da citada cláusula.
Efetivamente, e como se alcança do normativo citado, aquele período de dois anos é essencial para a atribuição do direito em causa, não bastando apenas a existência de uma situação de união de facto.
A subscrição da declaração sob compromisso de honra é o primeiro passo constitutivo do direito a uma pensão de sobrevivência. Tal declaração consubstancia uma manifestação de vontade, feita sob compromisso de honra dos declarantes.
Declarada sob compromisso de honra a existência de uma união de facto, exige-se um período de garantia de dois anos desde a data da entrega da referida declaração, que as partes outorgantes do ACT entenderam razoável, para que a mesma possa produzir estes efeitos previdenciais. No presente caso, atento o período de tempo que decorreu entre a entrega da declaração junto do 1ª Ré e a data do falecimento de DD, é por demais evidente que não se encontram preenchidos os critérios para a atribuição da pensão de sobrevivência.
Entre a manifestação de vontade dos declarantes (Autora e companheiro), que subscreveram as declarações, e a aquisição do direito, teria de decorrer o prazo de dois anos de união de facto, tratando-se, assim, de um direito diferido, sendo que, anteriormente, a serem observados tais dois anos em regime de união de facto, existe apenas uma expectativa da existência do direito.
Será de referir que, conforme tem sido jurisprudência pacífica, o direito à proteção social, nomeadamente o pagamento de uma pensão de sobrevivência, apenas se efetivará caso o requerente reúna os pressupostos para a atribuição de determinado subsídio/pensão, pressupostos esses plasmados nos regimes aplicáveis, quer o geral, quer os especiais.
Sendo que o sistema de pensões dos Bancos constitui um regime privativo de segurança social, havendo que aplicá-lo em bloco, não fazendo sentido complementá-lo, onde, o mesmo é menos favorável, nomeadamente com regras do regime geral da segurança social, sendo certo que, na sua globalidade, é mais favorável.
Conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.03.2013 (in www.dgsi.pt), “o sistema privado de pensões das entidades bancárias constitui um regime especial de segurança social substitutivo do regime geral da segurança social e, nessa medida, os seus beneficiários estão afastados do âmbito do regime instituído pelo DL nº 322/09, de 18 de Outubro.
E o Acordo Coletivo de Trabalho, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 4, 1ª série, de 29 de Janeiro de 2005, ao qual o Réu se vinculou, prevê, na sua cláusula 120º, designadamente que, por morte do trabalhador, as instituições concederão uma pensão mensal de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo, casado há mais de um ano, enquanto se mantiver no estado de viuvez, não sendo diverso o regime instituído, neste particular, pela respetiva Cláusula 142º, do Acordo Coletivo de Trabalho, publicado no BTE, nº3, 1ª série, de 22 de Janeiro de 2009, e o mesmo sucedeu, mutatis mutandis, com a cláusula 123º, do Acordo Coletivo de Trabalho, publicado no BTE, nº 39, 1ª série, de 22 de Outubro de 2011, sendo certo que, em qualquer deles, não foi contemplado o direito à pensão de sobrevivência para o unido de facto (…).
Porém, tratando-se de um regime privativo de segurança social, haverá que aplicá-lo, em bloco, até porque mais favorável, na globalidade, do que o regime geral, não fazendo sentido complementá-lo, onde, porventura, seja, pontualmente mais desfavorável, com as regras próprias deste último, nomeadamente, chamando à colação o disposto pelo artigo 11º d DL nº 322/09, de 18 de Outubro.
É que do princípio programático, inscrito no art. 63º, nº1 da CRP, de que “todos têm direito à segurança social”, não decorre que o respetivo dever, a cargo do estado, imponha “necessariamente a organização de um sistema administrativo de segurança social tal que garanta as prestações sociais a todos os particulares”.
O direito à proteção social consiste numa pensão de sobrevivência por morte do beneficiário de regime especial da segurança social, a que aludem os artigos 1º, nº1 e 2; 3º, nº1, al.e) e 6º, nº1 da Lei nº7/2001, de 11 de Agosto, reporta-se ao membro sobrevivo da união de facto, tornando-se efetivo, por força da aplicação do regime geral ou do regime especial da segurança social ou da mencionada lei, sendo certo que a lei geral da união de facto não confere a virtualidade de, por si só, contra o atual réu, viabilizar o direito reclamado pela autora”.
Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.12.2010, se escreve que “O que se deixa dito logo evidencia, com meridiana clareza, que não estamos, in casu, perante um regime profissional meramente complementar da segurança social mas ao invés, perante um regime privativo de segurança social.
E, tratando-se de um regime especial, salvaguardado expressamente por lei, haverá que aplicá-lo em bloco – até porque ele é, na sua globalidade, mais favorável do que o regime geral – não fazendo o menor sentido complementá-lo, porventura onde ele seja, pontualmente, mais desfavorável, com outras regras que provenham do dito regime geral”.
Queremos significar, em suma, que não deve ser convocado, no caso concreto dos autos, o regime constante do DL nº322/90 e, mais em concreto, o comando do seu artigo 11º.
A nosso ver, este entendimento em nada belisca os princípios constitucionais atendíveis, mormente aquele que convoca o Acórdão em crise.
Enunciando, genericamente, o art. 12º que “todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consagrados na Constituição”, logo o artigo 63º, nº1 particulariza que “Todos têm direito à Segurança Social”.
Porém, deste último princípio não decorre que o respetivo dever, a cargo do Estado, imponha “…necessariamente a organização de um sistema administrativo de segurança social tal que garanta as prestações sociais a todos os particulares”.
Por outro lado, o falado direito também não exclui a existência de direitos atribuíveis apenas a quem satisfaça determinados requisitos, posto que essa seleção se mostre materialmente fundada.
É neste contexto que entronca o princípio da igualdade.
Este princípio não impede a diferença de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, as distinções injustificadas por não terem fundamento material bastante. Ora, no confronto entre os trabalhadores bancários e dos demais trabalhadores, será forçoso recordar que o ACTV respetivo resultou da livre concertação coletiva e constitui um bloco unitário, onde se comanda o regime específico das relações de trabalho do sector e o seu regime especial de segurança social.
Consequentemente, jamais se poderia operar um válido confronto entre uma simples norma do ACTV e a norma correspondente do regime geral da Segurança Social, até porque está demonstrada a favorabilidade global daquele primeiro regime.
Dir-se-á que a Autora, não sendo trabalhadora bancária, de cujo regime nunca beneficiou, se vê discriminada no confronto com um cidadão, beneficiário do sistema geral, a quem, nas mesmíssimas circunstâncias, é atribuída uma pensão que àquela é negada.
Mas, em contraponto disso, importa reconhecer que também não é curial fazer recair sobre a instituição bancária o encargo correspondente.
Não se poderá afirmar que o regime instituído pelo ACT em análise viola quaisquer direitos constitucionalmente consagrados.
Senão vejamos.
O art. 63º da Constituição da República Portuguesa estatui que “1. Todos têm direito à segurança social.
2. Incumbe ao Estado Português organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.
3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as situações de falta de diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”.
Este normativo estabelece um direito fundamental: o direito constitucional à segurança social.
Como se defende no acórdão do STJ de 12.12.2001 (publicado na CJ, acórdãos do STJ, ano 2001, tomo 3, pág. 287), “constituindo o sistema privado de reforma de alguns bancos um regime especial de segurança social substitutivo do regime geral da segurança social do Estado Português, afigura-se-nos que o primeiro não pode deixar de ter garantias de indisponibilidade equivalentes às do sistema estatal. Sendo o direito à segurança social um direito fundamental dos cidadãos consagrado na Constituição da República Portuguesa, todas as normas da lei ordinária que respeitem à proteção na doença, no desemprego, na velhice, na viuvez e na orfandade e à defesa de outras situações de desproteção social, são normas de interesse e ordem pública”.
No mesmo sentido é o acórdão do STJ de 03.05.2007 (in www.dgsi.pt) “Definindo a lei constitucional os direitos sociais dos cidadãos, todas as normas ordinárias que se referem a esses direitos devem considerar-se como normas de interesse e ordem pública. E muitos embora os bancários tenham um regime privado próprio de segurança social, também as respetivas normas se devem considerar da mesma natureza” (…) “Assim, a pensão de sobrevivência aqui reclamada é um direito indisponível”.
E se o Estado Português admite a existência de “Regimes Especiais” – como o regime privado de segurança social dos bancários – “implicitamente está a conferir às normas da contratação coletiva que o regulam uma força equivalente à da lei. É o Estado Português a permitir que determinadas entidades o substituam em tarefas de segurança social, que reconhecidamente a ele competem, numa primeira linha”.
Ora, se a convenção coletiva do sector bancário exige, para a atribuição de pensão de sobrevivência, o prazo de dois anos de vivência em união de facto após a entrega da declaração de honra comprovativa dessa situação, e a Autora não preenche tais requisitos, não se pode concluir que a situação desta, carecendo de regulamentação, deverá ser equiparada à dos cidadãos que se encontram na mesma situação que ela mas abrangidos pelo regime geral da segurança social do Estado Português.
Na verdade, é o próprio Estado Português, ao admitir os “Regimes Especiais” que permite e autoriza que a concretização do regime de segurança social privativo dos trabalhadores bancários seja regulada por este Sector de forma autónoma e distinta.
Assim sendo, não ocorre violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade consagrados, respetivamente, nos arts. 13º, nº1 (“Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante e lei”) e 18º, nº2 (“A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”), na medida em que qualquer cônjuge casado/a com trabalhador/a bancário/a ou reformado/a, ou qualquer companheiro/a desse trabalhador/a, não têm, dentro do sistema de segurança social do sector bancário, os mesmos benefícios consagrados no sistema geral da segurança social.
Ocorre, porém, violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade quando se compara a situação da Autora, que não é trabalhadora bancária, com a de um qualquer cidadão do regime geral em idêntica situação. No entanto, e por tal “desigualdade” de tratamento não podem os Réus ser responsabilizados, devendo, antes, a mesma reclamar junto das instituições estatais o pagamento de tal pensão.
Neste sentido é o acórdão do STJ de 02.10.2010 (in www.dgsi.pt) cujo sumário é o seguinte: “I. A Constituição da República Portuguesa, apesar de anunciar que todos têm direito à Segurança Social e prever, no seu artigo 63º, nº1 e 2, que é dever do Estado Português organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, não concretiza o conteúdo do direito à Segurança Social e também não estabelece prazos para essa concretização. II. A principal incumbência do Estado Português, no domínio do direito fundamental social da previdência, consiste na organização do sistema de Segurança Social, subordinado a cinco requisitos constitucionais: deve constituir um sistema universal; deve ser um sistema integral; deve constituir um sistema unificado; deve ser um sistema descentralizado; finalmente, deve ser um sistema participado. III. Ao nível ordinário, as Leis Bases da Segurança Social salvaguardam a subsistência dos denominados “Regimes Especiais”, entre os quais se inclui o ACTV/1986 para o Sector Bancário. IV. Deste modo, os trabalhadores bancários gozam de um regime próprio e privativo de Segurança Social, corporizado nos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis ao sector. V. As últimas Leis de Bases da Segurança Social admitem o princípio da diferenciação positiva, pretendendo que os diversos regimes se adaptem ao condicionalismo de cada grupo social ou profissional. VI. O caso específico dos ACTV´s pata o sector bancário é paradigmático: o seu regime, no tocante à Segurança Social, não constitui novidade recente, e integra relevantes especificidades, quer no que respeita às prestações por ele abrangidas, quer no tocante à contribuição dos trabalhadores para o seu financiamento. VII. Tratando-se de um regime especial – salvaguardado expressamente por lei – haverá que aplica-lo em bloco – até porque ele é, na sua generalidade, mais favorável que o regime geral – não fazendo sentido complementá-lo, porventura onde ele está, pontualmente, mais desfavorável, com outras regras que provenham do regime geral.”.
No acórdão do STJ de 30.04.2014, ponderou-se, a propósito do princípio da igualdade, que “o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa contém (…) um dos princípios fundamentais e estruturantes de qualquer Estado de Direito Democrático (artigo 2º da Lei Fundamental) e, enquadrando-se na parte reservada aos Direitos e Deveres Fundamentais (Parte I, Título I), partilha, com os demais direitos e deveres fundamentais, da característica da aplicabilidade direta, bem como da vinculação a ele de todos os entes públicos e privados”.
Segundo J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 4ª Edição, 2007, págs. 337/338), “a base constitucional do princípio da igualdade é a igual dignidade de todos os cidadãos – que, aliás, não é mais do que um corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas (cfr. art. 1º) -, cujo sentido imediato consiste na proclamação da idêntica “validade cívica” de todos os cidadãos, independentemente da sua inserção económica, social, cultural e política, proibindo desde logo formas de tratamento ou de consideração social discriminatórias. O princípio da igualdade é, assim, não apenas um princípio de disciplina das relações entre o cidadão e o Estado, mas também uma regra de estatuto social dos cidadãos, um princípio de conformação social e de qualificação da posição de cada cidadão na coletividade”.
Uma das manifestações essenciais do princípio da igualdade consiste na proibição do arbítrio que mais não significa senão a proibição de tratar desigualmente situações materialmente idênticas, com base em critérios subjetivos e sem justificação razoável, bem como na proibição do tratamento igualitário de situações que, na sua essência, são desiguais. Nesta perspetiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes.
Do princípio da igualdade decorre, também, a proibição da discriminação que, não significando ou impondo uma exigência de igualdade absoluta nem impedindo as diferenciações de tratamento, qualifica como de fatores ilegítimos de discriminação aqueles que, previstos a título exemplificativo, constam do nº2 do art. 13º.
Em rigor, e como nos dizem os autores citados, “o que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: a) se baseiam numa distinção objetiva de situações; b) não se fundamentem em qualquer dos motivos invocados no nº2; c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do seu objetivo”.
Na situação em análise não se vislumbra qualquer afronta ao princípio da igualdade, nos termos em que fica caracterizado.
Na verdade, nada na lei obriga a que o cálculo das pensões seja igual para todos os trabalhadores, independentemente do regime de proteção social de que beneficiam, sendo certo que o presente caso diz respeito a uma carreira contributiva e qualitativamente diversa, a demandar um tratamento diferenciado do atribuído pelo regime geral, justamente por apelo ao princípio da igualdade.
Assim, por tudo o exposto, conclui-se que à Autora não assiste o direito à atribuição, pelos Réus, de qualquer pensão de sobrevivência, por morte do seu companheiro DD.»
Do segmento da sentença transcrito, infere-se que o tribunal de 1.ª instância considerou, em primeira linha, que o ACT aplicável «apenas reconhece o direito a uma pensão de sobrevivência à pessoa que à data da morte do trabalhador ou reformado [bancário] vivia com este em condições análogas às dos cônjuges, nas situações em que decorreram dois anos contados da data da entrega da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos de facto», ou, em situações de uniões de facto pré-existentes à publicação desta versão do ACT, se respeitado o prazo de entrega da declaração dos dois unidos, previsto no n.º 9 da cláusula que se analisa. E, por no presente caso não ter sido observado o prazo do aludido n.º 9, nem ter decorrido até ao falecimento de DD, o período de garantia de dois anos, a que alude o n.º 8 da cláusula, julgou não preenchidos os pressupostos exigidos para a atribuição da pensão de sobrevivência.
Em segunda linha, considerou que, estando em causa um regime privativo de segurança social globalmente mais favorável, não faria sentido afastar pontualmente a aplicação deste regime, e aplicar o regime geral, quando as regras deste último, fossem mais favoráveis.
Finalmente, no desenvolvimento do raciocínio seguido, o tribunal de 1.ª instância afastou a inconstitucionalidade do regime aplicável, considerando que não se mostram violados os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Não obstante se reconheça a cuidada fundamentação da decisão em crise, não sufragamos o decidido.
A cláusula 124.ª-A, acrescentada ao Acordo ao Acordo Coletivo do Trabalho para o Sector Bancário, no âmbito das alterações publicadas no BTE n.º 27, de 22/07/2013, veio, pela primeira vez, definir, neste regime privativo de segurança social, o direito à pensão de sobrevivência em caso de união de facto.
Na sequência, consagrou-se que tem direito à pensão de sobrevivência a pessoa que à data da morte do trabalhador ou reformado bancário «viva com este em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos» e desde que que não se verifique alguma das circunstâncias mencionadas nas alíneas do n.º 1 da cláusula 124ª –A.
A vivência em comum, em condições análogas às dos cônjuges, por período superior a dois anos, entre o (pretenso) titular do direito à pensão de sobrevivência e o trabalhador ou reformado bancário, e a inexistência de alguma das circunstâncias tipificadas nas previstas alíneas, constituem, assim, pressupostos essenciais ao consagrado direito à pensão de sobrevivência.
No presente caso, a apelante, na qualidade de interessada no reconhecimento da titularidade do referido direito, alegou e logrou provar que viveu em comum e em condições análogas às dos cônjuges com o falecido DD, reformado bancário, desde o ano de 1984 e até à morte deste, ocorrida em 2 de abril de 2015.
Será a demonstração desta união de facto que perdurou mais de 30 anos apta para conferir à apelante o pretendido direito à pensão de sobrevivência?
Entendemos que sim, passando a explicar de imediato o afirmado.
A cláusula 124.º-A do ACT contém os requisitos ou pressupostos do direito à pensão de sobrevivência do “viúvo de facto”, e o regime probatório da situação de união de facto junto da instituição bancária. Este último mostra-se previsto no n.º 3 da cláusula, prevendo-se, ainda, no n.º 4 uma presunção de subsistência da união de facto na data da morte.
O n.º 5 da cláusula comporta a possibilidade da prova da existência da união de facto ser feita em tribunal, em sede de ação judicial.
Quanto aos n.ºs 8 e 9 da cláusula, conforme se refere no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2017, de 11 de maio de 2017, publicado no Diário da República n.º 129, I série, 6 de julho de 2017, os mesmos versam a aplicação no tempo, deste inovador direito à pensão de sobrevivência, uma vez que o regime da versão alterada do ACT, apenas se aplica para futuro - cláusula 123.º, n.º 11, conjugada com a parte inicial do n.º 1 da cláusula 124.º A.
Deste modo, às situações de união de facto já existentes à data da publicação da alteração do ACT, estipularam as partes outorgantes deste instrumento de regulamentação coletiva, que o prazo de dois anos de vida em comum em condições análogas às dos cônjuges poderia ser contado desde o início da relação, desde que respeitado o procedimento previsto no n.º 9 da cláusula, ou seja, desde que os unidos de facto entregassem à instituição bancária, no prazo de 180 dias a contar da aludida data da publicação, declaração sob compromisso de honra, contendo a indicação da data do início da união de facto, acompanhada dos elementos previstos no n.º 3 da cláusula.
Por sua vez, no n.º 8 da cláusula, os outorgantes convencionaram que «[o] disposto nesta cláusula aplica-se às situações de união de facto cujo prazo de dois anos se inicie a partir da data de entrega à entidade subscritora da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos prevista no n.º3 da presente cláusula, juntamente com os elementos de prova também aí previstos.»
Flui, do texto transcrito, que os outorgantes parecem ter pretendido condicionar a contagem do prazo de dois anos de vida em comum, relevante para a atribuição da pensão de sobrevivência ao “viúvo de facto”, ao momento do cumprimento do regime probatório especialmente consagrado no n.º 3 da cláusula.
Se assim for, o mecanismo introduzido no n.º 8, consubstanciaria uma restrição do benefício social em causa, pois ficariam excluídos da atribuição desta prestação social, desde logo, todos aqueles que não obstante tivessem cumprido o regime probatório previsto, mas, por razões de natureza fortuita, ficassem na situação de “viúvos de facto” antes de decorridos dois anos desde a entrega à instituição bancária dos documentos probatórios, ainda que tivessem vivido em união de facto por período superior a dois anos até ao decesso do companheiro(a) beneficiário(a).
Na específica situação dos autos, depreende-se dos factos provados que a entrega ao 1.º Réu, da declaração mencionada no ponto factual n.º 9, não foi realizada no prazo previsto no n.º 9 da cláusula que se analisa, e que não decorreram dois anos desde a data da sua entrega até à data do falecimento do companheiro da apelante. Porém, nesta ação judicial, a apelante logrou provar que viveu em situação de união de facto com o falecido, por período superior a 30 anos.
Quid Juris?
É consabido que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho constituem fontes de direito laboral, nos termos estipulados pelo artigo 1.º do Código do Trabalho.
O ACT para o sector bancário publicado é, pois, um instrumento regulador de relações laborais, com força normativa que tem origem num ato negocial de autonomia coletiva.
Contudo, como qualquer outro instrumento de regulamentação coletiva, o mesmo não pode contrariar norma legal imperativa – artigo 478.º n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho.
Na definição dada por António Pinto Pereira, na obra “Princípios Gerais de Direito”, Coimbra Editora, 1.ª edição, janeiro de 2013, pág. 222, normas imperativas «são aquelas que impõem um comportamento, que obrigam à adoção de uma determinada conduta, não conferindo qualquer faculdade alternativa».
Ora, nos termos previstos pelo artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, mostra-se consagrado um direito a uma segurança social universal e integral.
Conforme se elucidou no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2017:
«-a universalidade (subjetiva): consiste no acesso de todas as pessoas à proteção assegurada pelo sistema (art. 6º da Lei 4/2007, de 16/1); o sistema deve, pois, abranger todos os cidadãos, independentemente da sua situação profissional, "o que afasta a sua natureza exclusivamente laborística"[3]. Não garante evidentemente as prestações a todas as pessoas, mas apenas àquelas que precisam; porém, "a universalidade não se compadece com um sistema que deixe arbitrariamente de fora alguns trabalhadores ou parte da população"[4] (nº 1 do art. 63º);
- a generalidade ou integralidade (objetiva): o sistema deve proteger os particulares em todas as eventualidades relevantes, que envolvam situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho (nº 3 do art. 63º)»
De tais características resulta que «[a] efetivação desse direito à segurança social não está, por isso, na disponibilidade dos particulares, tendo a legislação que o concretiza natureza pública e imperativa» - cfr. Acórdão identificado.
A pensão de sobrevivência constitui, sem dúvida, uma prestação pecuniária previdencial – artigos 63.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o n.º 1 do artigo 3.º e n.º 1 do artigo 4.º, ambos do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18/10.
A Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que adotou medidas de proteção das uniões de facto, na versão introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, que é a que se deve considerar para o caso concreto, veio estabelecer que as pessoas que vivam em união de facto nas condições previstas no diploma[2], têm direito a proteção na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei, independentemente da necessidade de alimentos – artigos 3.º, n.º 1, alínea e) e 6.º, n.º 1.
O regime previdencial geral não restringe, pois, o direito à pensão de sobrevivência do “viúvo de facto”, desde que a existência de uma relação de união de facto subsumível à definição prevista na Lei n.º 7/2001, seja demonstrada por qualquer meio legalmente admissível.
Tal significa que a restrição ao direito à pensão de sobrevivência resultante da redação do n.º 8 da cláusula 124.º-A do ACT, que identificámos supra, contraria o regime imperativo legal que consagra o direito integral à segurança social e, na sequência, à prestação pecuniária designada pensão de sobrevivência para o “viúvo de facto”, sem quaisquer restrições.
Contrariando a norma convencionada, o regime legal imperativo, a consequência desta desconformidade, nos termos previstos pelo artigo 280.º do Código Civil, é a nulidade da norma convencionada, não produzindo a mesma quaisquer efeitos.
Acresce que a norma convencionada, no nosso entender, também padece de inconstitucionalidade.
Conforme se extrai do teor do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do n.º 7/2017, não obstante a reconhecida conformidade constitucional da manutenção dos regimes especiais de segurança social, como é o caso do regime previdencial particular do sector bancário, nada impede que as normas concretizadoras destes regimes passem pelo crivo da apreciação da sua conformidade constitucional, nomeadamente para que se analise ponderadamente se as mesmas atentam contra algum direito constitucional ou impõem inadmissível tratamento discriminatório dos seus beneficiários.
Ora, apreciando a norma convencionada que se analisa, o que se constata é que a restrição resultante da mesma, impede que seja reconhecido o direito à pensão de sobrevivência ao unido de facto cujo companheiro(a) com estatuto de trabalhador ou reformado bancário falece antes de decorridos dois anos desde a entrega à instituição bancária dos documentos probatórios da situação de união de facto, ainda que tivessem vivido como casal por período superior a dois anos até ao óbito. Tal traduz-se numa situação que configura uma efetiva desproteção, na vertente da garantia da integralidade do direito à segurança social[3], proibida pelo artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, constituindo tal restrição, também, uma desigualdade de tratamento com os beneficiários do regime geral, sem que se verifique qualquer justificação razoável ou motivo atendível para tal diferenciação de tratamento, uma vez que os todos os sobrevivos de uniões de facto que duraram mais de dois anos à data da morte do beneficiário falecido, se encontram em situação de igualdade, impondo o princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, que se trata como igual o que for necessariamente igual[4].
Em suma, a norma concretizadora do regime especial de previdência que se analisa, mostra-se, também, inconstitucional, e, como tal, inaplicável.
Pelas razões apontadas - nulidade e inconstitucionalidade da norma convencionada – a norma não pode ser aplicada ao específico caso, razão pela qual divergimos do juízo decisório expresso pelo tribunal de 1.ª instância, que aplicou, ao caso concreto, o n.º 8 da cláusula 124.º-A do ACT.
Face à referida inaplicabilidade da norma, o reconhecimento do peticionado direito à pensão de sobrevivência, está apenas condicionado pela demonstração da verificação dos pressupostos essenciais estipulados pelo n.º 1 da cláusula, ou seja e concretizando, a prova de que a apelante, à data do falecimento de DD, vivia com o mesmo em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, sem que se verifique qualquer uma das situações previstas nas alíneas da norma[5].
A apelante, como já tivemos oportunidade de referir anteriormente, logrou provar, na presente ação judicial que, à data do falecimento de DD, vivia com o mesmo em condições análogas às dos cônjuges há mais de 30 anos. A prova da união de facto não se confunde com os requisitos (substantivos) da situação de união de facto relevante e pode ser feita pelos meios legalmente previstos - cfr. Acórdão desta Secção Social, de 7/12/2016, proferido no Processo n. º 2648/15.0T8FAR.E1, acessível em www.dgsi.pt.
Destarte, por se encontrarem demonstrados os pressupostos do direito peticionado, há que reconhecer à apelante o direito à pensão de sobrevivência que se mostra peticionado.
Nesta conformidade, o recurso mostra-se procedente, pelo que a sentença recorrida terá de ser revogada e a ação julgada procedente com a condenação dos Réus (apelados) no pedido.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e, em consequência, revogam a decisão recorrida que é substituída pelo presente acórdão em que se decide julgar procedente a ação e, em consequência, condenam-se os Réus Banco CC, S.A. e Fundo de Pensões do Grupo Banco CC no pedido contra os mesmos apresentado.
Custas da ação a suportar pelos Réus.
Notifique.
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Évora, 28 de junho de 2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes


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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes
[2] Art. 1.º, n.º 2: «A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.»
[3] Cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2017.
[4] Neste sentido, o Acórdão identificado no ponto anterior.
[5] «a) Idade inferior a 18 anos; b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do início da união de facto; c) Casamento dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação judicial de pessoas e bens; d) Parentesco na linha reta ou no segundo grau da linha colateral ou afinidade na linha reta; e) Condenação de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro.»