Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ LÚCIO | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA MATÉRIA DE FACTO ERRO DE JULGAMENTO MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 06/28/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I – O regime do tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração conjunta dos diversos factores que se apuraram na situação global dada como provada pelo Tribunal. O juízo a emitir sobre a menor gravidade do tráfico deve ser um juízo global e abrangente sobre a conduta delitiva do agente. II – Só se pode falar em tráfico de menor gravidade, e enquadrar os factos no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, quando, avaliado na sua globalidade, o seu grau de ilicitude seja de tal modo inferior ao que se verifica no caso normal de tráfico de estupefacientes que se imponha considerá-lo, relativamente a este, como caso extraordinário ou excepcional. III – A circunstância de, num momento isolado (uma operação policial), o arguido não ter em seu poder uma quantidade mais significativa de produto estupefaciente não pode basear só por si a qualificação jurídica dos factos cometidos, que terão que ser vistos e avaliados na sua globalidade. IV – É da experiência comum que raramente os vendedores de estupefacientes transportam com eles mais do que a quantidade estritamente necessária – por cautela facilmente compreensível. V – Não se destinando o recurso a suscitar um segundo julgamento, ao Tribunal da Relação não incumbe ir à procura de uma nova convicção, antes se deve cingir à indagação da existência ou não de concretos erros de julgamento de facto, que sejam apontados pela recorrente, e, nessa perspectiva, a aquilatar se a convicção expressa pelo tribunal "a quo" tem suporte razoável e lógico naquilo que a gravação da prova e os demais elementos existentes nos autos podem patentear. VI – O julgador da primeira instância, por força do princípio da imediação, aprecia as provas a cuja produção assistiu, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de certos elementos ou coeficientes imponderáveis, mas altamente valiosos, que não podem ser objecto de reapreciação por este Tribunal. VII - Por isso, para conferir eficácia à crítica do julgamento de facto, nos moldes em que é formulada pelo arguido, não basta sustentar que a convicção do Tribunal poderia ter sido outra, mas demonstrar que a convicção assim formada era impossível, porque contrária às mais elementares regras da lógica ou da experiência comum. VIII – Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão. IX – Casos há em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A) Nos autos de processo comum colectivo n.º 5/09.6GBALQ do 1° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo foi proferido acórdão, a 6 de Janeiro de 2011, no qual o tribunal colectivo (além do mais, irrelevante para os efeitos do presente recurso) decide o seguinte: - Absolve o arguido J da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto - Lei 15/93, de 22.01 que lhe era imputado. - Condena o arguido A, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto - Lei 15/93, de 22.01 na pena de seis (6) anos de prisão. - Condena o arguido MV, como autor material e como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto - Lei 15/93, de 22.01 na pena de oito (8) anos de prisão. - Condena o arguido MV, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d) da Lei 5/2006, na redacção introduzida pela Lei 17/2009, de 06.05 do Decreto - Lei 15/93, de 22.01 na pena de oito (8) meses de prisão. - Em cúmulo jurídico, condena o arguido MV, na pena única de oito (8) anos e quatro (4) meses de prisão. - Condena o arguido L, como autor material, de um crime tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a) do Decreto Lei 15/93, de 22.01 na pena de dois (2) anos de prisão, a qual suspende por igual período de tempo, ao abrigo do art.º 50.º, n.º 5 do Código Penal. - Subordina a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido L ao dever e regra de conduta, nos termos do art.º 51.º n.º 1 do Cód. Penal, de no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão, proceder ao depósito da quantia de € 1 500,00 (mil e quinhentos euros) à ordem deste Tribunal. - Condena a arguida R, como cúmplice, de um crime tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a) do Decreto Lei 15/93, de 22.01 na pena de dez (10) meses de prisão, a qual substitui por 300 dias de multa, à taxa diária de cinco euros (5,00 €), o que perfaz a multa de 1 500,00 € (mil e quinhentos euros).
Inconformados com o que foi decidido, na parte que lhes respeita, os arguidos A e MV interpuseram recurso para esta Relação. O primeiro recorrente, A, pede, conforme consta das suas conclusões, que se altere o decidido e se condene o recorrente apenas pela prática do crime previsto no art. 25º, al. a) do Dec-Lei nº 15/93 de 22/01, ou então pelo crime por que foi condenado, mas em pena inferior a 5 anos de prisão, e em qualquer dos casos aplicando-lhe uma pena de prisão suspensa na sua execução. O segundo recorrente, MV, pede, conforme consta das suas conclusões, que se altere o decidido quanto à matéria de facto, condenando-se depois o arguido, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes em pena de prisão próxima do seu limite mínimo de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses, e em pena de multa quanto ao crime de detenção de arma proibida. Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, sustentando que não deve ser dado provimento aos recursos, devendo antes manter-se na íntegra o acórdão impugnado. 8º O Recorrente trabalha desde os 12 anos de idade, sendo que trabalha de forma regular e empenhada na Câmara Municipal de Vila Franca de Xira há quase 8 anos. 9º É uma pessoa de condição humilde, com pouca cultura, embora seja um trabalhador aplicado na sua profissão e em termos sociais é aceite na comunidade onde reside. 10º Linear se afigura a conclusão que estas circunstâncias são de molde a justificar de forma acentuada diminuída a necessidade da pena. 11º Ao condenar o arguido pelo crime de tráfico de menor ilícito e não pelo artº 21º do DL referido, ou pelo artº 21º, em menos de 5 anos de prisão poderá a mesma ser suspensa na sua execução. 12º Pena esta, que V. Exas. senhores Conselheiros, deverão suspender na sua execução, já que se encontram preenchidos os requisitos do disposto no artº 50º do C.P., porquanto se verificam “in casu”, os pressupostos para a aplicação do instituto aí previsto. Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Conselheiros, deverá o presente recurso ser admitido e procedente substituindo-se a douta decisão recorrida por outra que fazendo a merecida justiça, condene o Recorrente pela prática do crime previsto no artº 25º, al. a) do Dec-Lei nº 15/93 de 22/01, ou pelo crime que foi condenado, mas em pena inferior a 5 anos e em ambas as situações, aplicando-lhe uma pena de prisão, suspensa na sua execução.”
Verificando o acórdão recorrido, temos que, decidindo sobre a matéria de facto, o tribunal deu como provados os seguintes factos:
1. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Janeiro de 2009 e até 30 de Outubro de 2009, o arguido A, conhecido por (…), dedicou-se à venda e distribuição de produtos estupefacientes a diversas pessoas a troco de quantias em dinheiro na localidade de Azambuja e em Vila Franca de Xira, designadamente heroína. 2. Naquele período de tempo, o arguido A relacionou-se com indivíduos a quem adquiria tal produto que depois fornecia para consumo de outros. 3. Para contactos relacionados com as transacções de estupefacientes que efectuou, fez uso, alem do mais, do número de telefone móvel n.º (…), que fornecia a consumidores a quem vendia. 4. Nas conversas mantidas com indivíduos interessados na aquisição de produtos estupefacientes o arguido A fazia uso de linguagem dissimulada, cifrada ou figurativa, designadamente “tá-se bem”, “filmes”, “DVD”, “CD”, “melões”, “2.º andar”, “3.º andar” e muitas vezes cingia-se à marcação de encontros com aqueles e de acertos de contas e preços dos produtos que vendia. 5. Este arguido vendia produtos estupefacientes na Estação de Comboios de Vila Franca de Xira, nas imediações da Estação de Comboios da C.P. da Azambuja, nos cafés denominados (…), sitos na Azambuja, o que aconteceu, designadamente, nos dias 29 de Janeiro de 2009, 30 de Janeiro de 2009, 04 de Fevereiro de 2009, 05 de Fevereiro de 2009, 25 de Março de 2009 e 01 de Abril de 2009. 6. Pelo menos entre Janeiro e Outubro de 2009, o arguido A vendeu heroína regularmente, designadamente a P, a 10,00 € por cada pacote de heroína. 7. Entre Agosto de 2009 e 30 de Outubro de 2009 comprou produtos ao arguido M, em Benfica do Ribatejo, deslocando-se a esse local na companhia do arguido Pedro Inês, no veículo de matrícula (…). 8. O arguido P conhecia o arguido M e contactava-o para os números (…) através do seu telemóvel (…) e através do telemóvel do arguido A (…) para saber se o mesmo tinha produtos estupefacientes e combinavam encontro nas imediações da casa do arguido M, deslocando-se a Benfica do Ribatejo, no veículo de matrícula (…) e o arguido M entregava-lhes heroína em troca de dinheiro. 9. Posteriormente, o arguido A vendia heroína que adquiria ao arguido M, na localidade da Azambuja, designadamente, no café (…)e na estação de comboios da C.P. 10. No dia 30 de Outubro de 2009, os arguidos P e A deslocaram-se à residência do arguido M, sita em Benfica do Ribatejo, no veículo de matrícula (…). 11. O arguido M saiu da sua residência e foi ao encontro daqueles, que estavam no interior daquela viatura, e entregou ao arguido A um embrulho, recebendo dinheiro em troca. 12. De seguida o arguido M foi novamente para sua casa e os arguidos P e A dirigiram-se na direcção da E.N. 118, no sentido de Muge e junto à Ponte de Ferro em Ponte de Muge foram abordados e: a) O arguido António tinha na sua posse: - Um telemóvel de marca SAMSUNG, modelo SGH – X450, com cartão da operadora TMN n.º (…); - 75,00 € em notas, divididos em 2 notas de 20,00 €, 3 notas de 10,00 € e uma nota de 5,00 €; - Um frasco com metadona, com o peso total de 30,78 gramas; - Uma bola de cor amarela; - 24 pacotes de heroína, com o peso liquido de 2,510 gramas. b) O arguido P tinha na sua posse: - Um telemóvel de marca NOKIA, modelo 1208, IMEI (…); - 25,00 € em notas, divididos numa nota de 20,00 € e uma nota de 5,00 €; - Um pacote de heroína, com o peso de 0.3 gramas. 13. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Agosto de 2009 até 27 de Janeiro de 2010, o arguido M dedicou-se à venda e distribuição de produtos estupefacientes a diversas pessoas, designadamente heroína, a troco de quantias em dinheiro. 15. Para contactos relacionados com as transacções de estupefacientes que efectuou, o arguido M fez uso, alem do mais, dos números de telefone móvel (…) que foi mudando e colocando em diferentes telemóveis. 16. Nas conversas mantidas com indivíduos interessados na aquisição de produtos estupefacientes, o arguido MV fazia uso de linguagem dissimulada, cifrada ou figurativa, designadamente “sapatos”, “prato”, “canino”, “CD”, “ténis”, “litro de vinho” e muitas vezes cingia-se à marcação de encontros com aqueles e de acertos de contas, preço e qualidade dos produtos que vendia. 17. O arguido M era contactado em sua casa por indivíduos referenciados como consumidores, que aí se deslocavam para adquirirem produtos estupefacientes e deslocava-se também por diversas vezes, na sua bicicleta, à Rua (…), ao “Café (…)” e à (…), locais que se situam nas proximidades da sua residência, aí procedendo à venda de produtos estupefacientes. 18. Este arguido era contactado telefonicamente pelos seus clientes e combinava com eles um ponto de encontro onde lhes entregava a heroína que tinham encomendado. Tal verificou-se, designadamente, nos dias 18 de Setembro de 2009 e 29 de Setembro de 2009. 19. Pelo menos desde Agosto de 2009 até 27 de Janeiro de 2010, o arguido M vendeu heroína regularmente ao arguido A, ao arguido P, a (…), a 10,00 € por cada pacote de heroína. 20. No dia 25 de Janeiro de 2010 o arguido M saiu da sua casa pelas 16,05 horas e dirigiu-se de bicicleta a um estabelecimento denominado “(…)” e entregou um objecto a um individuo aparentando ser consumidor de produtos estupefacientes recebendo algo em troca e depois regressou novamente a sua casa. 21. No dia 26 de Janeiro de 2010 o arguido M saiu da sua casa de bicicleta e dirigiu-se à Escola Primária onde se encontrou com três indivíduos aparentando serem toxicodependentes de quem recebeu dinheiro e entregou algo em troca. 40. O arguido A foi condenado, por acórdão datado de 16.05.2000, transitado em julgado em 31.05.2000, no processo comum colectivo n.º 38/99.9 GBCTX, que correu termos no 1.º juízo do Tribunal do Cartaxo, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, cometido 01 de Abril de 1999, na pena de cinco anos de prisão, tendo sido concedida liberdade definitiva em 02.02.2006. 41. O arguido A viveu num contexto familiar de condição sócio – económica desfavorecido, tendo sido entregue aos cuidados da avó paterna na sequência da morte da mãe e demissão do pai quando contava com apenas 10 anos de idade. 42. A nível escolar, concluiu o 4.º ano aos 11 anos de idade, e com 12 anos de idade iniciou o seu percurso laboral como pastor de bovinos e caprinos; a partir dos 14 anos passou a realizar campanhas sazonais na indústria de transformação alimentar, actividade que conciliava com trabalhos na agricultura. 43. Na sequência de um acidente de viação ocorrido em 1980, o arguido A ficou com sequelas graves no membro inferior esquerdo e irreversíveis no membro superior direito, ficando sem trabalhar durante alguns anos e reformado por invalidez aos 26 anos de idade, auferindo uma pensão de reforma no montante de 160,00 € mensais. 44. O arguido reside sozinho numa casa arrendada, inserida no bairro camarário; trabalha há cerca de sete anos, de forma regular e empenhada, na Câmara Municipal de Vila Franca de Xira como assistente operacional (cantoneiro), auferindo um vencimento mensal de 352,00 €. 45. Em termos sociais, o arguido A é aceite na comunidade onde reside. 46. O arguido J não tem antecedentes criminais. 47. É descendente de uma família que em termos económicos não evidenciou dificuldades relevantes. 48. O arguido J é consumidor de produtos estupefacientes e conta com o apoio e colaboração da família na sua reabilitação; tem como habilitações literárias o 6.º ano de escolaridade e encontra-se desempregado. 49. O arguido M foi condenado, por sentença datada de 16.05.1992, no processo comum singular n.º 579/93, do Tribunal de Santarém, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, praticado em 25.06.1992, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 450$00. 50. O arguido M foi condenado, por acórdão datado de 19.02.1993, no processo comum colectivo n.º 3172/93, do Tribunal de Santarém, pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 02.12.1992, na pena de 16 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos. 51. O arguido M foi condenado, por acórdão datado de 16.04.1998, no processo comum colectivo n.º 642/97, do Tribunal de Santarém, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, praticado em 29.04.1997, na pena de 20 dias de multa, à taxa diária de 1 000$00. 52. O arguido M foi condenado, por acórdão datado de 21.12.1998, no processo comum colectivo n.º 434/96, do Tribunal de Santarém, pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 27.09.1995, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 500$00. 53. O arguido M foi condenado, por acórdão datado de 17.02.1999, no processo comum colectivo n.º 379/97, do Tribunal de Santarém, pela prática de um crime de receptação dolosa, praticado em 07.10.1995, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 600$00. 54. O arguido M foi condenado, por sentença datada de 12.06.2001, no processo comum singular n.º 134/97.7 GE, do Tribunal de Benavente, pela prática de um crime de furto simples e de um furto na forma tentada, praticados em 23.10.1997, na pena única de 140 dias de multa, à taxa diária de 400$00. 55. O arguido M foi condenado, por acórdão datado de 27.11.2001, no processo comum colectivo n.º 30/99, do Tribunal de Santarém, pela prática de um crime de furto simples, praticado em 16.07.1998, na pena de 9 meses de prisão integralmente perdoada. 56. O arguido M foi condenado, por acórdão datado de 02.12.2003, transitado em julgado em 17.12.2003, no processo comum colectivo n.º 27/02.8 GEALR, que correu termos no Tribunal de Almeirim, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, cometido em finais do ano de 2001, 21 de Novembro de 2002 e 03 de Abril de 2003, na pena de sete anos de prisão, tendo sido concedida liberdade condicional em 02.12.2007 e até 01.04.2010, e o arguido estado preso desde 03 de Abril de 2003. 57. O desenvolvimento do arguido M decorreu num meio social de características rurais e num contexto familiar economicamente desfavorecido. 58. Iniciou o consumo de estupefacientes há cerca de 30 anos; antes de preso vivia com a mãe e beneficiava do Rendimento Social de Inserção no valor de 120,00 €; vivia numa casa modesta, pertença da Paróquia, beneficiando, também, de uma refeição diária de uma Instituição de Solidariedade Social. 59. O arguido M tem como habilitações literárias o 9.º no de escolaridade. 60. O arguido L não tem antecedentes criminais. 61. O seu processo de socialização decorreu num contexto familiar numeroso, sócio – económico desfavorecido e culturalmente marcado pelos valores subjacentes à etnia cigana, embora tenha orientado o seu comportamento no sentido da integração na sociedade envolvente. 62. Tem como habilitações literárias o 6.º ano de escolaridade e em termos profissionais revela hábitos regulares do trabalho, iniciando como balizador de aviões; mais tarde começou a conciliar esta actividade com as campanhas agrícolas em Espanha; em 2004 começou a trabalhar por conta própria na recolha e comércio de pinhas, actividade que mantém presentemente, tendo como rendimentos mensais cerca de 1 200,00 €. 63. Vive em união de facto com a arguida R desde os seus 19 anos de idade e têm dois filhos menores; vivem há três anos numa casa adquirida mediante empréstimo bancário, inserida num meio rural, que reúne condições de habitabilidade; em termos sociais nunca lhe foram atribuídos condutas conflituosas ou agressivas. 64. A arguida R não tem antecedentes criminais. 65. O seu processo de desenvolvimento processou-se no seio de um agregado familiar de etnia cigana, fazendo parte de um conjunto de sete irmãos, com um baixo nível sócio - económico e cultural. 66. A arguida R não sabe ler nem escrever e o seu percurso profissional tem-se resumido a algumas tarefas esporádicas de âmbito rural e de venda ambulante de artigos de vestuário. 67. A arguida R beneficiou até Agosto de 2010 do Rendimento Social de Inserção o qual lhe foi cancelado em virtude do incumprimento do programa e omissão de vários dados.
Em relação a factos não provados, foi decidido pelo tribunal recorrido que não se provaram os restantes factos da acusação, com interesse para a decisão da causa, nomeadamente não se provou que: Os arguidos J, L e R prestaram declarações mas negaram os factos que lhe são imputados na acusação de maneira que em nada contribuíram para o apuramento dos factos. Os arguidos A e M remeteram-se ao silêncio, direito que processualmente lhes é conferido. Com efeito, a convicção do Tribunal quanto a estes factos, resultou da conjugação de todos os elementos de prova supra enunciados entre si, bem como, com as regras de experiência comum. No que tange à situação social, familiar e económica dos arguidos o Tribunal valorou as respectivas declarações e os depoimentos das testemunhas de defesa, assim como os relatórios sociais respectivos. Para prova dos antecedentes criminais dos arguidos, o Tribunal atendeu aos respectivos certificados de registo criminal, junto aos autos.”
É altura de passar a apreciar os recursos interpostos.
1) Surge-nos em primeiro lugar o recurso do arguido A, que foi condenado nos autos como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto - Lei 15/93, de 22.01 na pena de seis (6) anos de prisão (era acusado do mesmo crime mas na sua forma agravada, prevista no art. 24º, al. b), do DL. n.º 15/93 de 22 de Janeiro). No seu recurso o recorrente pugna por diferente enquadramento jurídico dos factos apurados, defendendo que será mais acertada a sua condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto no artº 25º, al. a) do Dec-Lei nº 15/93 de 22/01, ou então, ao menos, mantendo-se a condenação pelo crime por que foi condenado, fixando-se a pena em medida inferior a 5 anos - e em ambas as situações aplicando-lhe uma pena de prisão que seja suspensa na sua execução. Trata-se portanto de um recurso que versa apenas as questões de Direito referidas, aceitando os factos tal como foram fixados na primeira instância. O recorrente defende, antes do mais, que o tribunal devia considerar que os factos que declarou provados integram na verdade um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, al. a) da Lei da Droga (DL n.º 15/93 de 22/1). O artigo 25.º, al. a) da Lei da Droga, estabelece que “se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos”. A este respeito, há que dizer, portanto, liminarmente, que o regime do tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração conjunta dos diversos factores que se apuraram na situação global dada como provada pelo Tribunal. O juízo a emitir sobre a menor gravidade do tráfico deve ser um juízo global e abrangente sobre a conduta delitiva do agente. Portanto, só se pode falar em tráfico de menor gravidade, e enquadrar os factos no artigo 25º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, quando, avaliado na sua globalidade, o seu grau de ilicitude seja de tal modo inferior ao que se verifica no caso normal de tráfico de estupefacientes que se imponha considerá-lo, relativamente a este, como caso extraordinário ou excepcional. A factualidade a considerar, no caso do arguido Carvalho, é a seguinte: (…) Como se verifica, não é possível encontrar entre os factos provados matéria que permita considerar grandemente diminuída a ilicitude normal considerada no tipo base do crime cometido. Nada nos factos apurados nos permite diagnosticar uma situação de diminuição considerável da ilicitude, que justifique o afastamento do tipo criminal base contido no art. 21º do diploma que estabelece a punição do tráfico de estupefacientes (o qual em si mesmo abrange um leque muito alargado de situações, como bem expressa a amplitude da moldura penal aplicável). Aliás, a argumentação do recorrente centra-se apenas na pequena quantidade de estupefaciente que lhe foi apreendida, no momento da detenção. Como parece óbvio, essa circunstância de num momento isolado (uma operação policial) o arguido não ter em seu poder uma quantidade mais significativa de produto estupefaciente não pode basear só por si a qualificação jurídica dos factos cometidos, que terão que ser vistos e avaliados na sua globalidade. Pode até dizer-se que é da experiência comum que raramente os vendedores de estupefacientes transportam com eles mais do que a quantidade estritamente necessária – por cautela facilmente compreensível. O que é certo no caso vertente é que em face da conduta apurada, do seu prolongamento no tempo, no seu carácter sistemático e reiterado, julgamos que o quadro delitivo em causa só pode ser enquadrado tal como o fez, com inteira razão, o fez o tribunal recorrido. Os factos em questão integram efectivamente um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto - Lei 15/93, de 22.01, para o qual está prevista pena de 4 a 12 anos de prisão. De passagem, diremos aliás que se nos afigura errada a posição do colectivo ao não considerar o arguido como reincidente – com o argumento de que na data de 30 de Outubro de 2009 já tinham decorrido mais de cinco anos sobre a prática do crime anterior, descontados os cinco anos em que o arguido esteve preso. Porém, como se diz no acórdão, os cinco anos considerados terminavam a 1 de Abril de 2009… e os factos integrantes deste novo crime decorrem de Janeiro a Outubro de 2009. Não é correcto dizer que no dia 30 de Outubro “cessou a consumação” do crime em causa, visto que nessa data simplesmente ocorreu uma operação policial que forçou à cessação da actividade do arguido – sendo certo que o crime praticado estava consumado com a prática por ele seguida desde Janeiro anterior. Tratando-se de um crime que se traduz numa pluralidade de actos prolongados no tempo não há que confundir o momento da cessação da actividade com a consumação do crime. A consumação ocorreu quando se completaram os actos de execução (neste caso, atento o tipo legal, pode tratar-se apenas de um acto, localizado num momento determinado). A matéria de facto apurada aponta realmente para a reincidência, dado que no período que vai de Janeiro a Abril de 2009, em que o arguido se dedicou a esta actividade criminosa, ainda não se tinham completado cinco anos sobre a prática do crime anterior da mesma espécie – sendo irrelevante para o efeito que essa actividade se tenha prolongado até Outubro ou até mais tarde (aceitando-se o raciocínio feito pelo tribunal recorrido o arguido que mais tempo conseguisse manter a sua actividade criminosa melhor conseguiria assegurar o não preenchimento da agravante da reincidência, visto que o momento da cessação dessa actividade seria sempre o mais distante da prática do crime anterior). Deixamos, porém, de lado a discordância exposta, uma vez que entendemos não ser lícito conhecer em recurso interposto apenas em benefício do arguido de uma circunstância que se traduziria necessariamente em seu desfavor – por a tal obstar a proibição da reformatio in pejus. Assentamos, portanto, que o arguido deve ser punido com pena a fixar entre os limites de 4 a 12 anos de prisão estabelecidos para o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do DL. n.º 15/93. Defende o arguido que nesse caso deverá fixar-se a pena concreta em medida que não exceda os 5 anos de prisão, e suspender-se a sua execução. Percebe-se o esforço argumentativo do recorrente: seria a sugerida suspensão da execução da pena o objectivo desejado. Mas não se descortina, atendendo aos factos e ao direito, qualquer fundamento para as pretensões do arguido. Quanto à medida da pena: o art. 71.º, n.º 1, do Código Penal, estatui que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor ou contra o agente. No caso, recorde-se, a moldura penal abstracta prevista no art. 21º do DL. n.º 15/93 é de prisão de 4 a 12 anos. Ora o arguido A já foi condenado, anteriormente à prática deste crime, por duas vezes: pela prática de um crime de abuso de confiança, na pena de vinte e dois meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos, com a condição de pagar ao demandante a indemnização arbitrada, e por um outro crime de tráfico de estupefacientes, na pena de cinco anos de prisão, tendo-lhe sido concedida liberdade definitiva em 02.02.2006. É forçoso concluir que as condenações anteriores não lograram surtir o efeito desejado, não o afastando da prática do crime (os factos integrantes do ilícito agora em apreço decorrem de Janeiro a Outubro de 2009). A pena de 5 anos de prisão, agora pretendida, já lhe foi aplicada por crime idêntico, tendo esgotado as suas potencialidades – sendo aliás de observar que já então não foi suspensa na sua execução, mas cumprida efectivamente. Não se compreenderia que perante a nova conduta delinquente a condenação proferida se traduzisse num baixar do patamar punitivo. Se, como estatui o art. 71º, n.º 1, do CP, a determinação da medida da pena “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, conclui-se facilmente que a decisão impugnada não pecou por excesso, visto que o grau de culpa foi elevado e as necessidades de prevenção, geral e especial, são prementes e manifestas – pelo que não tem razão o recurso em apreço. Nos crimes de tráfico de estupefacientes são muito elevadas as exigências de prevenção geral, já que tais crimes, apesar das fortes campanhas publicitárias e informativas sobre os perigos do consumo de estupefacientes, são muito frequentes e, além disso, estão fortemente associados ao sentimento de insegurança, ligado ao perigo de degradação da pessoa e a outras manifestações delituosas, e causador, por isso, de alarme social a exigir uma reacção enérgica para restabelecer a confiança na validade e vigência da norma violada. Contra o arguido pesam elevadas exigências de prevenção especial, bem claras nos seus antecedentes criminais. Os factos praticados são demonstrativos de que as anteriores condenações do arguido não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime e, nomeadamente, não o fizeram interiorizar a ideia de que não deve nem pode dedicar-se a actividades criminosas. Dentro da moldura abstracta a considerar, não havia fundamento possível para julgar o grau de ilicitude dos factos tão diminuído que permitisse fixar a pena concreta mais perto do limite mínimo legalmente admissível (de forma a não exceder os 5 anos de prisão). Em conclusão, a pena fixada não merece a censura que lhe dirige o arguido. E o que fica dito compromete a hipótese de suspensão da execução da pena de prisão imposta. O art. 50º, n.º 1, do Código Penal, prevê a possibilidade de suspensão das penas de prisão de medida não superior a 5 anos, o que no caso presente afasta liminarmente essa hipótese. Por tudo o que fica dito, dada a sua falta de fundamento legal, improcede na sua totalidade o recurso em apreço.
2) Resta analisar o recurso do arguido M, que foi condenado como autor material e reincidente de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto - Lei 15/93, de 22.01 na pena de oito (8) anos de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d) da Lei 5/2006, na redacção introduzida pela Lei 17/2009, de 06.05 do Decreto - Lei 15/93, de 22.01 na pena de oito (8) meses de prisão, ficando condenado em cúmulo jurídico na pena única de oito (8) anos e quatro (4) meses de prisão. No seu recurso, sustenta o arguido que devem ser considerados não provados os pontos 7, 8, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19,21,22,23 e 31 dos factos provados, nos moldes em que o foram; e que a condenação quanto ao crime de tráfico de estupefacientes deve ser fixada em pena de prisão próxima do seu limite mínimo de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses; e que quanto ao crime de detenção de arma proibida deve optar-se por pena de multa. Portanto, o recurso em apreço começa por referir-se à matéria de facto, que pretende ver alterada, para depois pugnar por uma condenação mais benévola. Recordamos os factos apurados pelo tribunal de julgamento referentes a este arguido: (…) Começaremos por reportar-nos ao que vem dito quanto à matéria de facto: o recorrente entende que o tribunal a quo não poderia, face à prova produzida, dar como provado os factos constantes da fundamentação sob os n.ºs 7, 8, 9, 11, 13, 14, 15,16, 17,18, 19, 21, 22, 23 e 31, e que o facto dado como provado sob o n.º 31 está em contradição com o facto dado como provado sob o n.º 58. Desde logo, há que rejeitar a alegação de contradição supra mencionada. Na verdade, só existiria contradição verificando-se que os dois factos dados como provados reciprocamente se excluem, ou seja que não é possível a realidade de um coexistindo com a do outro. Assim sendo, não existe contradição ao considerar-se provado que o arguido M destinava os produtos apreendidos à venda a terceiros (ponto 31) e que o mesmo arguido é consumidor de produtos estupefacientes há cerca de trinta anos (ponto 58 dos factos assentes). Trata-se de duas afirmações perfeitamente compatíveis uma com a outra. E haverá razões para alterar o que foi dado como provado nos pontos 7, 8, 9, 11, 13, 14, 15,16, 17,18, 19, 21, 22, 23 e 31 da matéria de facto fixada? O recorrente sustenta que sim, expondo como fundamento a sua própria interpretação da prova produzida em audiência. No fundo, sustenta que em todos os pontos a que aludiu a prova existente não foi suficiente para comprovar a factualidade dada como provada. Porém, como decorre das suas próprias conclusões, a prova existiu, e convenceu o tribunal – simplesmente aconteceu que não foi bastante para convencer o próprio recorrente. Ou seja, o arguido, em sede de matéria de facto, limita-se a questionar a forma como o Tribunal "a quo" valorou a prova produzida em julgamento, a convicção formada por este, ao ter dado como assentes determinados factos e não outros. Ao formular tal crítica, o recorrente mais não faz do que questionar o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPPenal), pondo em crise a convicção adquirida pelo Tribunal sobre os factos, à luz duma interpretação pessoal da prova produzida em julgamento. Porém, não se destinando o recurso a suscitar um segundo julgamento, a este Tribunal da Relação não incumbe ir à procura duma nova convicção, antes se deve cingir à indagação da existência ou não de concretos erros de julgamento de facto, que sejam apontados pela recorrente, e, nessa perspectiva, a aquilatar se a convicção expressa pelo tribunal "a quo" tem suporte razoável e lógico naquilo que a gravação da prova e os demais elementos existentes nos autos podem patentear. É de recordar que o julgador da 1ª instância, por força do princípio da imediação, aprecia as provas a cuja produção assistiu, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de certos elementos ou coeficientes imponderáveis, mas altamente valiosos, que não podem ser objecto de reapreciação por este Tribunal. Por isso, para conferir eficácia à crítica do julgamento de facto, nos moldes em que é formulada pelo arguido, não basta sustentar que a convicção do Tribunal poderia ter sido outra, mas demonstrar que a convicção assim formada era impossível, porque contrária às mais elementares regras da lógica ou da experiência comum. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão - cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n. °198/2004 de 24/3/04. Examinando os argumentos expendidos pelo recorrente, não se vislumbra que o mesmo logre demonstrar que a convicção do Tribunal não se baseou numa valoração lógica, racional e objectiva de toda a prova que apreciou em audiência de julgamento, nem se vê que consiga enunciar qualquer fundamento consistente que postule que deva ser diferente a credibilidade, ou não credibilidade, de certos testemunhos. Salienta-se que, no respeitante aos factos atribuídos ao recorrente M e cuja prova o mesmo contesta, invocou o tribunal recorrido a abundante prova testemunhal, conjugada com as escutas telefónicas que se processavam em tempo real, e as vigilâncias efectuadas na sequência dessas escutas pelos agentes do NIC, aliada à inactividade laboral do arguido, e ainda as apreensões efectuadas, quer na sua residência, quer no dia 27 de Janeiro de 2010 na Rua (…), em Benfica do Ribatejo, consignando que o conjunto da prova não deixa margem para dúvidas de que aquele arguido se dedicava ao tráfico de estupefacientes, designadamente heroína. Nesta discussão, estamos plenamente nos domínios do princípio da livre convicção do julgador. Nos termos do art. 127º do CP.P., “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da autoridade competente” (aqui o julgador), constituindo seu objecto “... todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis ...” (art. 124° do C.P.P.) Acresce que, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode censurá-la se ficar demonstrado que tal opção é inadmissível face às regras da experiência comum. E é exactamente por tudo isto que aqui ganha particular e decisiva importância a fundamentação da sentença, ou seja, a exigência de que dela conste não só a enumeração dos factos provados e não provados, mas ainda uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal (art. 374º, n.º 2° do C.P.P., como explicitação do princípio constitucional inscrito no art. 32° n.º 1, da C.R.P.). Neste contexto haverá que afirmar que a fundamentação do acórdão "sub judicio" cumpre os respectivos requisitos legais, ali se encontrando devidamente explicitado e explicado o processo de formação da convicção do tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, não se perfilando a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum. Enfim, a matéria aqui dada como provada (e não provada) é a que resulta da análise da prova produzida, que foi julgada como suficiente e convincente pelo julgador – à luz dos princípios de processo penal a considerar, com destaque inevitável, e desejável sob o ponto de vista da captação psicológica, para o da imediação. Pelo que nenhuma razão assiste ao recorrente quando pretende, apenas, que ela fosse valorada de forma diferente, mais consoante com os respectivos interesses, procurando substituir a sua visão particular sobre a prova produzida ao registo oferecido pelo julgador. Lembramos ainda a este respeito que a possibilidade de alteração da matéria de facto surge prevista pelo legislador no art. 431º do CPP, nos seguintes termos: “Sem prejuízo do disposto no art. 410°, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) se a prova tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do artigo 412º. Ou c) se tiver havido renovação de prova.” Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que “permitiriam» decisão diversa (dispõe o art. 412º., n°.3 do CPP que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção. Neste sentido, veja-se também o Ac. da R.G., de 20/03/2006, in proc. n.º245/06-1, acessível em www.dgsi.pt, onde se expendeu que “…há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei, que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção. A censura quanto à forma da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. De outra forma, seria uma inversão da posição dos personagens no processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem que julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”. Em conclusão: no caso presente afigura-se que o recorrente não logra atacar eficazmente a decisão da primeira instância em matéria de facto, limitando-se a apresentar divergências interpretativas e leituras pessoais da prova existente, que não há razões para sobrepor à convicção exposta de forma fundamentada pelo julgador. Julgamos portanto definitivamente fixada a matéria de facto tal como vem exposta pelo acórdão impugnado. Passamos portanto a referir-nos às duas derradeiras pretensões do arguido M: que a pena concreta relativa ao crime de tráfico de estupefacientes seja aproximada do limite mínimo de 5 anos e 4 meses, e que a pena correspondente ao crime de detenção de munições proibidas seja apenas pena de multa. Recordamos que o arguido foi condenado nos autos pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e artigos 75.º e 76.º do Código Penal, na pena concreta de oito (8) anos de prisão. Uma vez que não está posta em crise a condenação, examinemos então a respectiva medida, questionada pelo recorrente. Ao crime em causa, na sua forma simples, corresponde a moldura abstracta de 4 a 12 anos de prisão. Todavia, a moldura abstracta a ter em conta, atento o factor reincidência, tem que ser encontrada tendo em conta o disposto no art. 76º do Código Penal: “em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado”. Por conseguinte, no caso do arguido, que é reincidente, o tribunal tinha que considerar uma moldura penal abstracta de prisão variável entre 5 anos e 4 meses e um máximo de 12 anos. Para justificar a fixação da medida da pena em 8 anos de prisão, escreve-se no acórdão recorrido, essencialmente, que “a ilicitude dos factos é elevada”, “o dolo de acção é intenso, na forma de dolo directo”, e acentua-se a premência da “protecção de bens jurídicos que se pede à pena”, tendo em conta necessidades de prevenção geral (alude-se ao crime de tráfico de estupefacientes, enquanto flagelo social, crime contra a humanidade, afrontando a saúde individual e pública, a liberdade individual do viciado, a sua estabilidade e da sua família, destroçada, a segurança colectiva afectada, potenciador como é o crime dos mais graves delitos, contra o património, a integridade física, a liberdade sexual, a vida em sociedade e até a economia, criando uma economia paralela). Portanto, acentuam-se as exigências fortíssimas sentidas em sede de prevenção geral, e sublinham-se a intensidade do dolo e o elevado grau de ilicitude dos factos. Mas logo de seguida realçam-se também as preocupações existentes a nível de prevenção especial: “No plano das exigências de prevenção especial de socialização, relevam negativamente os antecedentes criminais do arguido, reveladores de uma actividade criminosa persistente, ao longo de cerca de dez anos. Na prática do crime, depois de o arguido já ter sido condenado em penas de prisão, um delas longa, que cumpriu, nomeadamente pelo mesmo tipo de crime, manifestam-se, pelo menos, as dificuldades de o arguido ser positivamente influenciado por essas condenações anteriores.” Na verdade, não é possível deixar de atentar no longo rol de condenações do arguido. O recorrente já foi condenado: Pela prática de um crime de detenção de arma proibida, praticado em 25.06.1992, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 450$00. Pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 02.12.1992, na pena de 16 meses de prisão suspensa pelo período de três anos. Pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, praticado em 29.04.1997, na pena de 20 dias de multa, à taxa diária de 1 000$00. Pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 27.09.1995, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 500$00. Pela prática de um crime de receptação dolosa, praticado em 07.10.1995, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 600$00. Pela prática de um crime de furto simples e de um furto na forma tentada, praticados em 23.10.1997, na pena única de 140 dias de multa, à taxa diária de 400$00. Pela prática de um crime de furto simples, praticado em 16.07.1998, na pena de 9 meses de prisão, integralmente perdoada. Pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, cometido em finais do ano de 2001, 21 de Novembro de 2002 e 03 de Abril de 2003, na pena de sete anos de prisão, estando preso desde 03 de Abril de 2003 e tendo-lhe sido concedida liberdade condicional em 02.12.2007, até 01.04.2010. Tudo visto, constitui um passado criminal que justifica as maiores apreensões e não pode suscitar benevolência. A anterior pena de 7 anos de prisão, por outro crime de tráfico de estupefacientes, não alcançou a finalidade de afastar o arguido da prática de novo e idêntico crime. Logo, e tal como se observou em relação ao arguido anterior, não se apresenta de nenhum modo compreensível que a nova manifestação delinquente do arguido seja recompensada com punição mais benévola – antes se impondo mais severa expressão punitiva. Tendo ainda em conta a matéria fáctica disponível, e a moldura abstracta a considerar, afigura-se que a decisão impugnada não padece do excesso apontado pelo recorrente. Os oito anos de prisão estabelecidos no acórdão revidendo estão plenamente justificados, atento o grau de culpa apurado, a elevada ilicitude dos factos, e as notórias exigências de prevenção geral e especial verificadas no caso. Por outro lado, os factos apontados pelo recorrente para fundamentar o seu recurso (v. g. a toxicodependência do arguido, a sua precária situação económica), foram devidamente ponderados e valorados pela sentença recorrida. Se, como estatui o art. 71º, n.º 1, do CP, a determinação da medida da pena “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, conclui-se facilmente que a decisão impugnada não pecou por excesso, visto que o grau de culpa foi elevado e as necessidades de prevenção, geral e especial, são prementes e manifestas – pelo que não tem razão o recurso em apreço. Importa finalmente apreciar o que respeita ao crime de crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º, n.º 1, alínea c) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, a que corresponde a moldura penal de 1 mês a 4 anos de prisão ou de 10 a 480 dias de multa. Também neste caso não surge questionada a condenação, mas tão só a escolha da pena (a opção por pena de prisão, em detrimento da pena de multa). Como se verifica, o crime de detenção de arma proibida é punido em alternativa com pena de prisão e pena de multa. Nestas circunstâncias, os princípios levam a que se prefira a pena não detentiva,”sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (art. 70º, n.º 1, do Código Penal. Porém, para ajuizar dessa adequação e suficiência, há novamente que ter em mente os antecedentes do arguido. E vistos estes logo se constata que o mesmo, para além das múltiplas outras condenações supra referidas, já anteriormente foi condenado por um crime de detenção de arma proibida sendo-lhe aplicada exactamente uma pena de multa de 120 dias. Tal condenação surge cronologicamente como a primeira das oito condenações que veio a sofrer antes da prática dos factos objecto do presente julgamento. Consequentemente, as razões de decidir neste momento apresentam-se substancialmente diferentes. Como se escreveu no acórdão impugnado, atentos os antecedentes criminais do arguido, afiguram-se elevadas as necessidades de prevenção especial, pelo que não se pode ignorar a necessidade de reforçar os padrões comportamentais impostos por estes tipos de crime, sendo conhecido o sentimento de insegurança que ele provoca na sociedade, principalmente, se atentarmos às circunstâncias de surgir normalmente ligado a outras práticas criminosas. Contra o arguido milita ainda a circunstância de ter agido com a modalidade mais intensa de dolo – dolo directo - e com notória consciência da ilicitude (até considerando a sua experiência na matéria), demonstrativa de uma maior desconsideração pelo Direito instituído e denunciando uma personalidade afastada do dever ser jurídico-penal. E não podemos ignorar que este tipo de criminalidade é um foco de intranquilidade na comunidade, gerando insegurança dos cidadãos e criando “alvoroço social”, o que eleva as necessidades de prevenção geral em abstracto. Assim sendo, também nesta matéria entendemos que só a aplicação de uma pena privativa da liberdade ao arguido será suficiente para determinar que o mesmo se paute, daqui em diante, de acordo com as regras do Direito e que se abstenha de continuar a adoptar condutas desta natureza. Concorda-se, portanto, com a escolha da pena efectuada na primeira instância e questionada pelo recorrente. E acrescenta-se que, no quadro considerado, e partindo da ampla moldura abstracta prevista (um mês a 4 anos de prisão), também se concorda com a medida estabelecida na primeira instância, ou seja a pena concreta de 8 meses de prisão. Por último, e dando por assentes as penas parcelares citadas, também nada há a censurar ao cúmulo jurídico efectuado. Com efeito, estabelece o art.º 77.º, n.º 1 do Código Penal, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” Os factos objecto do processo estão obviamente numa relação de concurso, porquanto foram cometidos antes de ter sido proferida condenação por qualquer deles. Do n.º 2 do referido art. 71º do CP decorre que para determinar o limite máximo da moldura abstracta aplicável ao concurso, dever-se-á proceder à soma das penas parcelares respeitantes a cada um dos crimes em concurso – sendo o limite mínimo constituído pela mais grave das penas parcelares fixadas. No nosso caso, portanto, a moldura correspondente ao concurso tem por limite inferior a pena de 8 anos de prisão e por limite superior a pena de 8 anos e 8 meses de prisão. Dentro desses limites, a pena única deve ser determinada nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal: considerando “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. Tendo presentes os critérios geralmente praticados, e a orientação legislativa citada, relativa à consideração global dos factos e da personalidade do arguido, temos como adequada a fixação da pena única em 8 anos e 4 meses de prisão, tal como consta do acórdão recorrido. C) Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos A e M e, consequentemente, confirmam na íntegra o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs. para cada um deles. Notifique. Évora, 28 de Junho de 2011 José António Lúcio (relator) – Alberto João Borges (adjunto) |