| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1207/12.3TBABT-C.E1-2ª (2017)
Apelação-1ª
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC)
ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
I – RELATÓRIO:
No âmbito de processo de execução, que corre termos na Secção de Execução do Entroncamento da Instância Central da Comarca de Santarém, instaurado por «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL» contra (…) e outros, com os autos já na fase da venda de bens imóveis ali penhorados, foram realizadas diligências de abertura de propostas em carta fechada (a que se referem os autos certificados a fls. 1-2 e 7-10, datados respectivamente de 6/3/2014 e de 21/4/2016), nas quais ocorreu o seguinte: na primeira, foi suscitada pelos executados, no início da diligência, a questão da não-pronúncia do tribunal sobre reclamação anteriormente apresentada quanto ao valor de avaliação atribuído aos imóveis pelo agente de execução, o que foi reconhecido pelo tribunal de 1ª instância verificar-se, pelo que se entendeu tal situação obstar à continuação da diligência, dando a mesma sem efeito, conforme despacho exarado no respectivo auto; na segunda – e na sequência de requerimento da exequente (junto a fls. 4-5 e deduzido em 14/4/2016), em que declara desistir da proposta de adjudicação pelo valor de 113.600,00 €, por si inicialmente apresentada (em Setembro de 2013), em relação a prédio rústico penhorado (e identificado como verba nº 1) –, consignou-se que foi apresentada pela exequente nova proposta de adjudicação em relação à verba nº 1, pelo valor de 97.800,00 €, a qual foi declarada como admissível e, depois de admitida, declarada vencedora, sem prejuízo do exercício do direito de remição ou de preferência, conforme despacho exarado no respectivo auto.
Quanto a este despacho (cfr. fls. 8-9), pronunciou-se o mesmo sobre requerimento dos executados, registado no respectivo auto – em que estes se opunham à desistência da proposta de adjudicação por parte da exequente, por alegadamente violar o artº 820º, nº 4, do NCPC –, nos seguintes termos:
«a)Quanto à admissibilidade de desistência da proposta inicialmente apresentada, no valor de € 113.600,00, apresentada pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL:
A A exequente desistiu do pedido de adjudicação pelo valor de € 113.600,00, por requerimento de 14/4/2016. A proposta de adjudicação destinava-se a ser apreciada na diligência de abertura de propostas em carta fechada designada para o dia 6/03/2014, a qual foi dada sem efeito por despacho da Meritíssima Juiz que presidiu à diligência.
Dispõe o nº 4 do artº 820º do CPC que as propostas, uma vez apresentadas, só podem ser retiradas se a sua abertura for adiada por mais de 90 dias depois do primeiro designado. Tal norma é aplicável às propostas de adjudicação, por analogia (artº 10º do Código Civil).
No caso concreto, o proponente/adjudicante apresentou o requerimento de adjudicação em Setembro de 2013, sendo que o referido requerimento é anterior à diligência de abertura de propostas dada sem efeito. Assim, porque a presente abertura de propostas ocorreu claramente mais de noventa dias depois da diligência de abertura de propostas a que se destinava o requerimento de adjudicação apresentado pela exequente, conclui-se pela admissibilidade da retirada da proposta de adjudicação apresentada por requerimento datado de 14/4/2016.
b)Quanto à admissibilidade da proposta apresentada, pela exequente, em carta fechada no dia de hoje:
Uma vez que a mesma foi apresentada em carta fechada, na qual a exequente identificou o prédio sobre a qual recai a sua proposta e uma vez que o valor apresentado é superior a 85% do valor base fixado, admito liminarmente a proposta apresentada pela Caixa de Crédito Agrícola Mutuo do (…), CrI. Por não haver mais propostas, declaro-a vencedora, sem prejuízo do exercício do direito de remição ou de preferência. (…)»
É deste despacho (de indeferimento de requerimento dos executados e de aceitação da proposta de adjudicação da verba nº 1, pelo valor de 97.800,00 €, apresentada pela exequente) que vem interposto pelos executados o presente recurso de apelação, cujas alegações culminam com as seguintes conclusões:
«a) A proposta de adjudicação da verba 1, apresentada pela CCAM no valor de 113.600,00€ e dirigida à abertura de propostas designada para 21/4/2016, não pode ser retirada sem a concordância dos executados;
b) A segunda proposta apresentada pela CCAM no valor de 97.800,00€, na referida data, não deveria ter sido aceita, além do mais porque sendo de valor inferior prejudica os executados, que assim vêem unilateralmente reduzida a extinção do seu débito;
c) A aceitação pelo Tribunal da retirada da proposta inicial, com a consequente adjudicação do bem pelo valor da segunda, constitui uma irregularidade arguida no próprio acto;
d) Da referida marcha processual resultou uma clara violação, por errada interpretação e aplicação, do disposto no art. 820º, nº 4, do CPC;
e) Daí que deve ser anulada ou dada sem efeito a adjudicação efectuada à CCAM do bem correspondente à verba 1, e ordenada a marcação de nova data para a realização da venda.»
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).
Do teor das alegações dos recorrentes resulta que a matéria a decidir se resume a apreciar do acerto da decisão recorrida: ou seja, saber se assiste razão ao tribunal de 1ª instância quanto ao seu entendimento, contrário ao dos apelantes, de que, era admissível a retirada da proposta de adjudicação da exequente inicialmente apresentada e a apresentação de nova, passando o valor oferecido, quanto à verba nº 1, de 113.600,00 € para 97.800,00 € – sendo que, em caso negativo, se imporá a substituição do despacho que declarou a respectiva adjudicação por outro que determine a repetição da diligência de venda, em relação a essa verba, em que se tomará então em conta o valor inicialmente apresentado.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
Estando assentes os elementos descritos no relatório, cabe, com base neles, aferir do acerto da prolação do despacho de indeferimento liminar sob recurso.
Comece-se por sublinhar, como decorre do que já se enunciou supra, que a proposta de adjudicação de que a exequente pretendeu desistir foi apresentada em Setembro de 2013 – conforme afirmado pela exequente, confirmado pelo tribunal a quo e aceite pelos executados –, sendo por isso prévia à diligência de abertura de propostas em carta fechada designada para 6/3/2014, pelo que é indiscutível que se destinaria a ser apreciada nessa ocasião. Porém, nessa data acabou por não se concretizar a abertura de propostas – devido, como se disse, à apresentação, no início da respectiva diligência, de requerimento dos executados, em que se suscitou a questão da não-apreciação oportuna de um outro requerimento anterior dos executados, pelo que a diligência foi dada sem efeito. E só veio a ser designada novamente a diligência de abertura de propostas em carta fechada para a data de 21/4/2016, ou seja, mais de 2 anos depois da primeira data designada.
Ora, se se entender que a não-realização da abertura das propostas verificada em 6/3/2014 se traduz num adiamento dessa abertura, não poderá deixar de se considerar que está preenchida a previsão do invocado artº 820º, nº 4, do NCPC: a abertura efectuada em 21/4/2016 teve lugar mais de 90 dias após a data para que esteve inicialmente designada a abertura (e em função da qual foi apresentada a primeira proposta).
Importa, pois, encontrar o sentido mais adequado da respectiva norma. Vejamos então a redacção que esse preceito, respeitante à venda mediante propostas em carta fechada, apresenta: «As propostas, uma vez apresentadas, só podem ser retiradas se a sua abertura for adiada por mais de 90 dias depois do primeiro designado».
Note-se, desde logo, que o legislador não fala de adiamento da diligência, mas de adiamento da abertura – o que remete para um conceito mais substantivo, e não processual, da expressão. Ou seja: a não utilização pelo tribunal a quo de uma fórmula textual que aludisse ao adiamento da diligência (recorde-se que se fez uso da fórmula «dar sem efeito») não constitui fundamento decisivo ou mesmo relevante para sustentar que não ocorreu o adiamento mencionado no artº 820º, nº 4, do NCPC. E, não obstante se ter dado sem efeito a diligência, o certo é que a não-realização da abertura de propostas verificada em 6/3/2014 constituiu, do ponto de vista material ou substantivo, um efectivo adiamento dessa abertura – sem que o legislador tenha colocado no preceito em causa qualquer exigência quanto à razão da não-abertura, sendo por isso irrelevante se tal sucede por razões processuais (como ocorreu in casu, por se ter detectado uma irregularidade na tramitação processual, que obstou à continuação da diligência).
Afigura-se, pois, que a ratio da norma em apreço tem mais a ver com a finalidade de impedir que o proponente (seja ou não o próprio exequente) fique vinculado a um valor de proposta que se torne desajustado da realidade do mercado, estabelecendo um prazo (que o legislador fixou em 90 dias, a decorrer entre a primeira data designada para o acto de abertura e uma nova data designada para o mesmo efeito) a partir do qual o proponente volte a ter liberdade de retirar a sua proposta, e sem prejuízo da apresentação de novo valor. Com efeito, seria incompreensível que um proponente não pudesse reponderar a sua iniciativa quando a conjuntura económica se alterasse pelo decurso de um prazo que se estenda para além do que seja tido por razoável. Esta justificação de natureza substantiva permite, assim, explicar mais cabalmente a solução normativa plasmada no artº 820º, nº 4, do NCPC.
Revertendo ao caso concreto, constata-se que a exequente apresentou a sua proposta inicial de adjudicação por certo valor (113.600,00 €), em vista da diligência de abertura de propostas em carta fechada que veio a ser designada para 6/3/2014 (a proposta é de Setembro de 2013) e cuja abertura não veio a concretizar-se pelas descritas razões processuais. Ora, perante o supra exposto, evidencia-se como absolutamente desrazoável que, nesse contexto, ficasse a exequente vinculada àquele valor, sem possibilidade de o retirar, não obstante a nova data para a diligência de abertura de propostas em carta fechada tenha sido designada para mais de 2 anos após a apresentação da proposta inicial (quando até é notório que a evolução da situação económica do país nos últimos anos propiciou sensíveis flutuações de valor dos bens imóveis).
Entende-se, assim, não ter havido qualquer violação do artº 820º, nº 4, do NCPC pelo tribunal a quo, ao aceitar a retirada do valor inicialmente proposto pela exequente (e a sua substituição pelo novo valor de 97.800,00 €). Antes pelo contrário: a abertura que era para ocorrer em 6/3/2014 (e em função da qual foi apresentada essa primeira proposta) foi, no plano substantivo, adiada para 21/4/2016 – e, por isso, estavam já decorridos nesta última data, os 90 dias previstos naquele preceito e que consentiam a retirada da proposta inicial por parte da exequente (e através do seu requerimento de fls. 4-5, datado de 14/4/2016). Em conformidade, tal retirada era admissível e não havia nada que obstasse a que, no acto de abertura ocorrido em 21/4/2016, fosse admitida a nova proposta da exequente pelo valor de 97.800,00 €, com a consequente declaração de adjudicação em seu favor, conforme decidido pelo tribunal a quo no despacho recorrido.
Posto isto, conclui-se pelo acerto da decisão recorrida, com cujos fundamentos se concorda, e que, como tal, se mantém. E assim deverá improceder integralmente a presente apelação.
Em suma: o tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, pelo que se concorda com o juízo decisório pelo mesmo formulado, não merecendo censura a decisão sob recurso.
III – DECISÃO:
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos executados apelantes (artº 527º do NCPC).
Évora, 27 / 04 / 2017
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto)
Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)
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