Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO JOÃO LATAS | ||
Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL | ||
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Data do Acordão: | 09/26/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I. O art. 61º nºs 2 do C. Penal não prevê entre os pressupostos da liberdade condicional (LC) a condenação em pena igual ou superior a determinada medida, nomeadamente 12 meses de prisão. II. - Pode beneficiar de LC nos termos dos nº 2 e 3 do art. 61º do C.Penal, o condenado a pena de prisão cuja medida se situe entre 6 e 12 meses, logo que cumpridos seis meses de privação da liberdade. A.L. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam , em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. - Relatório: 1. No Processo Gracioso de Liberdade Condicional n.º…… do Tribunal de Execução de Penas de …, pelo Senhor Juiz de Execução da Penas de Évora foi proferido despacho em que considerou inadmissível a concessão de liberdade condicional aos condenados em penas de prisão inferiores a 12 meses, pelo que, cumprindo o recluso, A. …, pena de 9 meses de prisão, entendeu não pode ser-lhe concedida a liberdade condicional, devendo os autos aguardar o envio e junção do mandado de libertação. 2. Inconformado, recorreu o Magistrado do Ministério Público, formulando na motivação as conclusões que de seguida se transcrevem: 1.ª - Recorre-se do douto despacho que decidiu que aos condenados (como é o caso) em penas de prisão inferiores a 12 meses não pode ser concedida liberdade condicional, conforme n.º 2 do art. 61.º do CP. 2.ª - O douto despacho recorrido, salvo o devido respeito, faz uma errada interpretação daquele preceito que, em nossa opinião, se mostra restritiva face à literalidade da norma em causa. 3.ª - A literalidade daquela norma faz depender a liberdade condicional da condição de estar cumprida metade da pena e no mínimo 6 meses. Significa que entre estas balizas se compreendem/encaixam perfeitamente as penas entre 6 e 12 meses que ficam excluídas na interpretação que se dá à norma no douto despacho recorrido. 4.ª - A tese por nós perfilhada vai no sentido do que tem sido a orientação dos tribunais de execução de penas e sufragada já por dois Acórdãos da Relação de Évora de 02/05/06 e 09/05/06, relatados, respectivamente, pelo senhores Juízes Desembargadores Domingos Duarte e Alberto Mira e ainda o voto de vencido do Senhor Juiz Desembargador Rui Maurício no Acórdão da mesma Relação de 09/05/06 em recursos por nós interpostos (…) 5.ª - Com efeito, uma pena de 9 meses de prisão como é o caso, cumpridos que estejam no mínimo seis meses, estão reunidos os requisitos objectivos/temporais para a liberdade condicional; no limite temporal dos seis meses (mínimo exigido) já está compreendido/abrangido o meio da pena (04 meses e meio). 6.ª - No domínio do Código de 1982, os termos gerais apontavam para a necessidade da prisão ter duração superior a 6 meses mas apenas cumprida metade, sendo mais restritiva a versão actual do CP que cumula o requisito de tempo mínimo de 6 meses com o requisito de se encontrar cumprida metade da pena (com relevância nas penas com duração entre 6 meses e 1 ano). 7.ª - É ainda de realçar que a norma actual dá ênfase ao tempo de prisão efectiva já cumprido e não que o condenado tenha sofrido uma pena de prisão superior a 6 meses (ou na tese do despacho superior a 12 meses). Deu-se expressão ao pensamento do Prof. Figueiredo Dias expresso na sua obra (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 534). 8.ª - Na previsão da norma actual, não estão, como facilmente se apreende, afastadas da liberdade condicional as condenações em penas de prisão compreendidas entre 6 meses e 12 meses, como erradamente, salvo o devido respeito, se faz no douto despacho recorrido. 9.ª - E sempre se dirá que a interpretação que vimos defendendo é a que melhor se harmoniza com o disposto no nº3 do artigo 61º do C.Penal “ O Tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior”. 10ª. - Por outro lado, a actividade interpretativa do art. 61.º, n.º 2 do CP não deve quedar-se pela análise isolada e literal desse preceito. Importa desde já conjugá-lo com o art. 486.º, n.º 1 do CPP, em função do sistema jurídico de que fazem parte. 11.ª - O art. 486.º, n.º 1 do CPP dispõe que “quando a liberdade condicional for revogada e a prisão houver ainda de prosseguir por mais um ano, são remetidos novos relatórios e parecer, nos termos do art. 484.º, até dois meses antes de decorrido o período de que depende a concessão”. 12.ª - Parece que estará a dispensar da remessa de relatórios e parecer quando a pena é igual ou inferior a um ano; nestes casos para a concessão o juiz bastar-se-á do parecer do MºPº, audição do recluso e parecer do conselho técnico - cfr. Ac. RE de 30/09/2003, no recurso n.º 1988/03. 13.ª - A interpretação ínsita no despacho recorrido mostra-se na prática incongruente, dando azo a situações iníquas e perniciosas. Seguindo tal raciocínio teríamos que uma pena de 12 meses pode beneficiar de liberdade condicional e o condenado cumprir de reclusão apenas 06 meses; já uma pena de 11 meses e 29 dias nunca beneficiará daquele regime, cumprindo-se integralmente em regime de reclusão. 14ª. É mais uma achega para concluirmos que não foi esse o sentido que o legislador quis dar à norma em apreço. 15. O despacho recorrida viola, por erro de interpretação, o disposto no art. 61.º, n.º 2 do CP e que, em consequência, deverá ser substituído por outro que admita a apreciação do regime da liberdade condicional logo que cumpridos se mostrem mais de seis meses da pena sofrida. » Conclui o recorrente que, em obediência ao princípio da legalidade, deve ser dado provimento ao recurso, com a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que vá no sentido indicado no n.º 15 das supra transcritas conclusões. 3. Admitido o recurso e nomeado defensor ao arguido, veio este apresentar a sua resposta em que conclui pelo provimento do recurso, pois o despacho recorrido viola, por erro de interpretação, o disposto no nº 2 do art. 61º do C. Penal, devendo o mesmo ser revogado e substituído por outro que admita a apreciação da liberdade condicional do condenado. 4. O Senhor Juiz a quo manteve, nos seus precisos termos, o despacho recorrido. 5. Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto foi aposto o seu “visto” (art. 416º CPP). Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. II. Fundamentação: 1. – Delimitação do objecto do recurso. Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (cfr. Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro). No presente recurso vem impugnada a decisão do Senhor juiz do Tribunal de Execução de Penas (TEP) que entendeu não ser admissível a concessão de liberdade ao recluso A. …, condenado na pena única de 9 meses de prisão, com fundamento em que o art. 61º do C.Penal não admite a concessão de liberdade condicional aos condenados em penas de prisão inferiores a um ano. A questão a decidir é a de saber se no caso concreto o recluso pode ou não vir a beneficiar de liberdade condicional (doravante, LC) e, na afirmativa, em que termos, o que passa pela correcta interpretação do art. 61º do C. Penal que regula os pressupostos e duração da LC. Decidindo. 2. – Antes de mais são os seguintes os dados de facto com interesse para a decisão do caso concreto: - No processo sumário n.º… que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de … foi o arguido, A. …, condenado na pena única de 9 meses de prisão por sentença transitada em julgado a 30.03.2006; - O recluso iniciou o cumprimento da pena de prisão em 27 de Abril de 2006, tendo-se procedido à liquidação de pena de fls. 16 a 18, de acordo com a qual o terminus da pena ocorrerá em 27.01.2007, 5/6 da mesma em 11.12.2006 e 2/3 em 26.10.2006, tendo-se completado metade da mesma em 10.09.2006. 3. - Estatui o art. 61.º do CP/1995: «1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado. 2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo 6 meses se: a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social. 3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior. 4 - Tratando-se de condenação a pena de prisão superior a 5 anos pela prática de crime contra as pessoas ou de crime de perigo comum, a liberdade condicional apenas poderá ter lugar quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e uma vez verificados os requisitos das alíneas a) e b) do n.º 2. 5 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena. 6 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos». Sendo pacífico que após a Revisão do C. Penal de 1995 é exigido o consentimento do arguido em todos os casos de liberdade condicional e tratando-se in casu de pena inferior a 5 e 6 anos de prisão, apenas há que cuidar no caso concreto da interpretação das normas constantes dos nºs 2 e 3 do art. 61º. 4. - A dúvida interpretativa bem patente nos autos a partir dos fundamentos da decisão do tribunal a quo e dos argumentos aduzidos na motivação de recurso, começa por reconduzir-se à questão de saber se o actual art. 61º do C. Penal faz depender a admissibilidade da liberdade condicional de um mínimo de pena concretamente fixada, à imagem do que expressa e claramente se estabelecia no nº1 da versão originária do art. 61º do C. Penal de 1982, cuja teor era o seguinte (com negrito da nossa responsabilidade): «1. Os condenados a pena de prisão de duração superior a 6 meses podem ser postos em liberdade condicional quando tiverem cumprido metade da pena, se tiverem bom comportamento prisional e mostrarem capacidade de se readaptarem à vida social e vontade séria de o fazerem.» 5. - Desde já entendemos que não. Vejamos porquê. 6. - A resposta afirmativa seguida no despacho sob recurso, assentará na dedução de que, embora o legislador de 1995 não se refira expressamente a uma pena mínima concreta no art. 61º, tal mínimo decorre da articulação entre a exigência de que o condenado tenha cumprido metade da pena e no mínimo 6 meses expressa no º2, donde se concluiria que aquela metade teria que corresponder, no mínimo, a seis meses de prisão e, portanto, a pena concreta sempre teria que ser pelo menos de 12 meses de prisão. A ser assim, porém, teríamos que aceitar – ao nível do elemento literal ou gramatical da interpretação - que o legislador, em vez de afirmar, como na versão originária, que apenas poderia ser concedida a LC aos condenados a pena de prisão de duração superior a 12 meses, quando tivessem cumprido metade dessa pena, optara por uma formulação (enviesada e redundante ?) para, no fundo, continuar a exigir um tempo mínimo de pena fixada, para além do cumprimento efectivo de metade dessa mesma pena. Esta conclusão, porém, assenta – sempre com o devido respeito por entendimento contrário, obviamente – num vício de raciocínio que se traduz em tomar como argumento aquilo que se pretende demonstrar, ou seja, que o legislador quis fazer depender a concessão da LC de um mínimo de duração da pena concreta. Que não foi este o propósito do legislador resulta suficientemente, em nosso entender, da história da alteração ao art. 61º do C. Penal na Revisão de 1995, tal como é possível reconstitui-la a partir de textos do Prof. F. Dias ( Presidente da Comissão de Revisão do C. Penal) e da ratio do normativo actualmente constante dos nºs 1 e 2 daquele preceito. 7. - Comecemos por ver alguns aspectos caracterizadores do instituto da LC, com interesse para a decisão do caso concreto, particularmente no que respeita aos seus pressupostos e regime. Ao longo da sua história entre nós, a liberdade condicional reconduziu-se a um de dois modelos fundamentais. Por um lado, tendencialmente relacionada com ideias de raiz ético-retributiva e preventiva-geral, a concepção da liberdade condicional como instituto de natureza«graciosa», com que foi introduzida no nosso ordenamento jurídico por legislação de 1893 [1] , assumindo então o sentido de um «benefício» ou «prémio» aos condenados, a título de estímulo e recompensa pela boa conduta na prisão revestindo assim a referida natureza graciosa. Por outro lado, o entendimento da figura nos quadros da prevenção especial, elegendo como exclusivos referentes a perigosidade do indivíduo e o objectivo de ressocialização, como ainda hoje se caracteriza. Conforme pode ler-se no preâmbulo do C. Penal de 1982 “ (…) Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.”. 8. - Se as finalidades de prevenção especial moldam o essencial do instituto, em consonância, aliás, com as finalidades apontadas à execução da pena de prisão no art. 43º do C. Penal, o regime dos seus pressupostos e duração é igualmente permeável a finalidades de prevenção geral, igualmente referidas no nº1 do citado art. 43º do C. Penal, que expressamente refere à defesa da sociedade entre aquelas finalidades. Exigências de prevenção geral que o legislador pretende assegurar de duas formas distintas. De forma abstracta, ao exigir o cumprimento pelo recluso de um mínimo da pena concretamente aplicada, expresso numa dada fracção desta mesma pena, nos nºs 2 e 3 do art. 61º C. Penal (1/2 e 2/3 da pena, respectivamente) e de forma concreta, ao fazer depender a concessão da LC, da satisfação de especiais razões de prevenção geral positiva (apenas ao meio da pena), traduzidas na compatibilidade da libertação com a defesa da ordem jurídica e da paz social (al. b) do nº2 do art. 61º), para além de assegurar a satisfação, em concreto, de razões de prevenção especial, mediante a exigência de uma prognose favorável quanto à futura condução de vida do recluso (al. do nº2 do art. 61º), ( quer a meio, quer a dois terços da pena - -fr. Nºs 2 e 3 do art. 61º). Na verdade, como ensina o Prof. F. Dias, a exigência de que o condenado tenha já cumprido metade da pena “…é, de um ponto de vista político-criminal compreensível e fundada, [porque] permitir a concessão de liberdade condicional antes daquele cumprimento mínimo poderia pôr em causa, as mais das vezes, as exigências irrenunciáveis de prevenção geral, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico, que terão sido tomadas em conta na operação de medida da pena levada a cabo pelo tribunal de condenação; poderia representar, hoc sensu (…) um inadmissível «desrespeito» pela implemantation of the sentence of the court. Por outro lado, antes de cumprida uma parte substancial da pena privativa de liberdade decretada na sentença não se torna possível emitir fundadamente o juízo de prognose que constitui o pressuposto material de concessão da liberdade condicional.” [2] Encontramos, pois, sucintamente exposta neste texto a motivação para a exigência legal do cumprimento de uma dada fracção da pena: em primeira linha as razões de prevenção geral apontadas e, reflexamente, assegurar uma base mínima para a formulação do juízo de prognose relativo à prevenção especial (futura condução de vida).. E a exigência do cumprimento mínimo de 6 meses de pena ( nºs 2 e 3 do art. 61º do C. Penal), que apenas faz sentido nas penas curtas de prisão, pois só nestas a metade ou 2/3 da pena ficarão aquém daquele período de tempo ? - Como compreendê-la? Desde logo, podemos concluir que a razão de ser desta exigência não se encontra na necessidade de assegurar finalidades de prevenção geral, pois estas mostram-se satisfeitas com o cumprimento de metade da pena, o que, se preciso fosse, é confirmado pela exigência do mínimo de 6 meses de pena cumprida, mesmo nos casos de LC aos 2/3 da pena (nº3 do art. 61º), em que o legislador prescinde da averiguação em concreto da satisfação das apontadas necessidades de prevenção geral, ou seja, da compatibilidade da libertação com a defesa da sociedade e da paz social, por presumir que o cumprimento de fracção mais significativa da pena concreta ( 2/3 em vez de 1/2 salvaguarda suficientemente tais finalidades. Por outro lado, sempre a interpretação seguida pelo senhor juiz a quo encerraria uma contradição do ponto de vista da satisfação das finalidades de prevenção geral positiva, pois ficaria por compreender o motivo pelo qual a lei não permitiria a LC para uma pena de 11 meses de prisão, admitindo-a precisamente para as condenações por factos a que corresponderiam condenações mais graves ( doze ou mais meses), ficando ainda por explicar o motivo pelo qual o condenado a uma pena de prisão de duração inferior a outra pudesse ficar preso durante mais tempo, por a lei lhe vedar em absoluto a possibilidade de ser libertado em momento anterior ao do terminus da pena. A exigência do cumprimento mínimo de 6 meses de pena radicará antes na ideia expressa pelo Prof F. Dias de que o juízo de prognose favorável relativo à conduta futura do arguido “… nunca poderia ser devidamente fundado face ao cumprimento de um escassíssimo tempo de prisão…”, a que deve acrescentar-se, com os citados Acórdãos desta Relação de 2 e 9 de Maio de 2006, que antes de escoado um tempo mínimo de prisão (no caso que importa considerar, 6 meses) não é igualmente possível – na concepção do legislador, actualizada com a reforma de 1995 - atribuir seriamente ao cumprimento da prisão uma finalidade ressocializadora, que, lembremo-lo, constitui o primeiro desiderato da execução da pena privativa de liberdade no nosso ordenamento jurídico-penal ( cfr citado art. 43º C. Penal). Ora, foi precisamente aquela ordem de considerações que, nas palavras de F. Dias, justificariam a alteração da versão originária do art. 61º do art. 61.º do CP/82, no sentido que veio a ser concretizado no actual art. 61º nºs 2 e 3 e que já constava do projecto de revisão do C. Penal de 1991. Escreveu ele: «(Dando-se o valor devido (como sem dúvida deve dar-se) a este último argumento, então o pressuposto em causa não deveria tanto referir-se ao tempo de prisão a que o delinquente foi condenado, quanto sobretudo ao tempo de prisão efectiva já cumprido. Pelo que o que a lei deveria exigir como pressuposto de concessão da liberdade condicional, em rigor, não deveria ser o que o delinquente houvesse sido condenado a pena de prisão superior a 6 meses, mas sim que ele houvesse cumprido um tempo mínimo de prisão, v. g. 6 meses» 9. – Estamos, pois, em condições de concluir com os acórdãos desta Relação de 2.05.06 e 9.05.06, citados na motivação de recurso e acessíveis em WWW.dgsi.pt/tre, que o art. 61º nº2 do C. Penal não contempla entre os pressupostos da liberdade condicional a condenação em pena igual ou superior a determinada medida, nomeadamente 12 meses de prisão, exigindo apenas o cumprimento mínimo de seis meses de prisão sempre que metade ou dois terços da pena aplicada representem período de tempo inferior àquele limite absoluto. Assim sendo, pode beneficiar de LC o condenado a pena de prisão cuja medida se situe entre 6 e 12 meses, nos termos do nº2 do art. 61º do C.Penal, logo que cumpridos seis meses de privação da liberdade, desde que verificados os requisitos de ordem material contemplados nas suas als a) e b). 10. - No caso concreto, porém, verifica-se – independentemente do ora exposto – que ao cumprir seis meses de prisão o recluso atingirá 2/3 da pena de 9 meses de prisão que lhe foi aplicada, pelo que sempre será de apreciar a eventual concessão de liberdade condicional à luz do pressuposto material (menos exigente) estabelecido no nº3 do art. 61º do C. Penal (e não do seu nº2), pois presumem-se satisfeitas as necessidades de prevenção geral ao atingir-se 2/3 da pena, como referido supra. 11.- Sempre se diga, aliás, numa última nota, que mesmo de acordo com a interpretação seguida pelo senhor juiz a quo, o recluso dos presente autos poderia vir a beneficiar da concessão de LC ao cumprir 6 meses de prisão, de harmonia com o preceituado no citado nº3 do art. 61º. Na verdade, a ver-se no art. 61º um pressuposto ou limite traduzido na exigência de uma pena mínima concretamente aplicada, tal mínimo não seria de 12 meses como resultaria prima facie do nº2 do artº 61º, mas sim de 9 meses, face à previsão do nº3 do art. 61º. Isto é, se o nº2 se exigisse a condenação em pena cuja metade correspondesse a seis meses, então da formulação literal do nº3, em tudo idêntica à do nº2, sempre se concluiria ser de 9 meses a pena cujos 2/3 corresponderiam ao mínimo de 6 meses igualmente estabelecido naquele nº3. Nada impediria, pois, que nos termos do art. 61º n3 fosse concedida ao recluso a liberdade condicional ao completar 6 meses de prisão, que corresponde a 2/3 da pena de 9 meses que lhe foi aplicada, mesmo na interpretação seguida no despacho sob recurso. 12- Concluindo. a) Tal como concluímos (supra nº9), nada obsta a que pudesse vir a conceder-se ao recluso a Liberdade Condicional logo que complete 6 meses de privação de liberdade, nos termos do art. 61º nº2 do C.Penal, por não exigir este preceito que a pena aplicada seja superior a qualquer outro limite mínimo para além de seis meses. b) No caso presente, porém, o recluso foi condenado na pena única de 9 meses de prisão, pelo que ao atingir 6 meses de privação da liberdade completará 2/3 da pena aplicada. Assim, dispondo o art. 61º nº3 do C. Penal que “ O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses desde que se revele preenchido o requisito constante da al. a) do número anterior, será à luz do preceituado nesta norma que deve proceder-se oportunamente à apreciação da eventual concessão de liberdade condicional, tendo-se em conta que o recluso iniciou o cumprimento de pena em 27.04.05, completando 6 meses de privação da liberdade em 26.10.06, como referido. III. Dispositivo Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, nessa conformidade, revogam o despacho recorrido o qual, oportunamente, deverá ser substituído por outro que admita a apreciação da concessão de liberdade condicional ao recluso, nos termos descritos. Sem custas – alínea a), do n.º 1, do art. 2º, do CCJ. Évora, 26 de Setembro de 2006 (Processado em computador. Revisto pelo relator.) António João Latas Maria Guilhermina Vaz Pereira Santos de Freitas Carlos Jorge Viana Berguete Coelho ______________________________ [1] António Manuel de Almeida Costa, Passado, Presente e Futuro da Liberdade Condicional no Direito Português in Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXV-1989. [2] F.Dias, Direito Penal Português-As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial de Notícias-1993, p. 535 (doravante, F.Dias:1993) |