Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO CARDOSO | ||
Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA COMPETÊNCIA POR CONEXÃO | ||
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Data do Acordão: | 05/21/2015 | ||
Votação: | DECISÃO DO PRESIDENTE DA SECÇÃO CRIMINAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - A situação de conexão prevista no artigo 25º do C. P. Penal acresce àquelas que se encontram previstas no artigo 24º do mesmo código, não estando dependente da verificação das mesmas, nem se destinando a concretizá-las. II - A expressão usada pelo legislador no artigo 25º é clara no sentido de conformar a conexão subjetiva como um tipo de conexão diferente das situações de conexão objetiva previstas no artigo 24º e sendo mesmo autónoma das situações aí elencadas. III - A conexão prevista no artigo 25º do C. P. Penal importa, em princípio, unidade de acusado e pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo para cuja apreciação sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca. | ||
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Decisão Texto Integral: | 1. No processo --/13.0GDEVR, a correr termos na Secção Criminal, J1 da Instância Local de Évora, a Magistrada do Ministério Público, fazendo uso da prerrogativa prevista no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (doravante apenas designado por CPP), deduziu acusação contra A., com os demais sinais dos autos, a quem imputa a prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal (a partir daqui, apenas referenciado por CP), em concurso real com um crime de simulação de crime, p. e p. pelo artigo 366.º, n.º1 do mesmo diploma legal. Foram também acusados no mesmo processo B e C, como coautores do referido crime de furto. No desenvolvimento da dinâmica processual adequada, e no âmbito do processo n.º --/14.4PBEVR da Secção Criminal, J2 da Instância Local de Évora, no qual o MP havia formulado acusação - em processo comum, perante tribunal singular, descrevendo factos constitutivos do cometimento, pelo arguido B. em coautoria com D., de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º1 do CP, foi, por despacho de 14-11-2014 [1], declarada a conexão deste processo com o supra referido sob o n.º 99/13.0GDEVR, e, em consequência, foi determinada a apensação daqueles autos a este último para apreciação conjunta dos factos. O Sr. Juiz do processo --/13.0GDEVR, por despacho de 20-01-2015, declarou-se incompetente para o julgamento do processo comum n.º --/14.4PBEVR, por considerar não existir conexão entre estes autos e o processo --/13.0GDEVR. Ambas as decisões em confronto transitaram em julgado. Pelo segundo dos dois Magistrados Judiciais foi então suscitado o conflito negativo de competência. Foi cumprido o disposto no n.º1 do artigo 36.º do CPP; porém, apenas o Sr. Procurador-Geral Adjunto deste Tribunal da Relação emitiu pronúncia, manifestando-se no sentido de a competência para o julgamento do processo 19/14.4PBEVR pertencer ao titular do processo n.º --/13.0GDEVR, ou seja, ao J1da Secção Criminal da Instância Local de Évora. II. Fundamentação: 1. Elementos relevantes: A. No domínio do processo --/13.0GDEVR, a correr termos na Secção Criminal, J1 da Instância Local de Évora, o MP acusou, entre outros, o arguido B., imputando-lhe a coautoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições legais acima referenciadas; B. Após o recebimento da acusação, e no âmbito do processo --/14.4PBEVR, também pendente na mesma Secção Criminal da referida Instância Local, no qual o mesmo arguido fora acusado da prática em coautoria material de um crime de abuso de confiança, subsumível aos preceitos incriminadores supra descritos, foi constatada a existência do outro processo - o já referido --/13.0GDEVR - vindo a senhora juíza a quem o processo fora distribuído, após promoção do Ministério Público, a proferir decisão e a determinar a apensação daquele processo ao de n.º --/13.0GDEVR, conforme melhor consta de fls.26 a 29, cujo teor aqui se dá por reproduzido, fundamentando o decidido nos artigos 24.º, n.º 2, 25.º, 28.º e 29.º, todos do CPP. C. Verificada a apensação, o Sr. Juiz 1 daquela Secção Criminal proferiu, no dia 20-01-2015, decisão deste teor (transcrição parcial): “(…) Compulsado o referido despacho, verifica-se que a decisão de apensação se fundou na circunstância de um dos arguidos no processo comum singular n.º--/14.4PBEVR ser também arguido nos presentes autos, fazendo-se menção ao disposto no art. 25º do Cód. de Proc. Penal. Salvo o devido respeito, entendemos não estarem reunidos os pressupostos legais para que fosse determinada a referida apensação. Vejamos: Conforme reza o art. 25º do Cód. Proc. Penal, « (..) há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19º e seguintes”. É isento de dúvidas que a competência territorial para o julgamento em qualquer dos dois processos referidos cabe à secção criminal da instância local de Évora. Contudo, a interpretação que sempre temos feito do art. 25º do Cód. de Proc. Penal, é a de que a conexão que é prevista em tal norma apenas opera quando exista total identidade de arguidos em todos os processos (conforme se decidiu no acórdão da Relação do Porto de 6 de Julho de 2005, «o artigo 25º do Código de Processo Penal de 1988. No caso de haver mais do que um arguido, só tem aplicação se os arguidos forem os mesmos em todos os processos» - in www.dgsi.pt – Proc.0443684; no mesmo sentido Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo penal Anotado, Vol. I, 2.ª Ed., p.192). Ora, para além de tal ser a interpretação que resulta do elemento literal da norma (o art.25º refere-se ao mesmo agente), a ser diversa a interpretação do aludido art.25º do Cód. Proc. Penal, tal conduziria «a múltiplas situações de conexão e consequente apensação de processos em que até poderá não haver um único arguido comum a todos os processos apensados, sendo julgadas conjuntamente pessoas sem qualquer ligação entre si e por factos sem qualquer ligação palpável, sendo o tribunal «obrigado» a apreciar complexas realidades simultaneamente multi-pessoais e multi-factuais sem outra relação que não seja a de se repetir, e apenas «pontualmente» (pois que bastaria para a conexão que houvesse um arguido – entre muitos – comum entre determinado processo e aquele que seria competente para o julgamento, independentemente do número de arguidos neste acusados, podendo esta situação multiplicar-se por número considerável de processos), um mesmo agente» (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Julho de 2014, que se debruçou sobre situação idêntica – in www.dgsi.pt – Proc.580/12.1GAVNF-B.P1). Em termos exemplificativos, tal conduziria a que se no processo n.º1 fossem arguidos A e B, no processo n.º2 fossem arguidos B e C e no processo n.º 3 fossem arguidos C e D, no processo n.º4 fossem arguidos D e E e no processo n.º5 fossem arguidos E e F, etc., todos estes processos fossem apensados. As normas que preveem a conexão processual, nelas se incluindo o art.25º do Cód. De Proc. Penal, têm diversas razões subjacentes, tais como sejam as de evitar a repetição das mesmas provas, evitar julgados contraditórios ou fomentar a economia processual, obviando-se à realização de múltiplos julgamentos por factos que se mostram subjectiva ou objectivamente intimamente ligados, devendo por isso ser apreciados conjuntamente. Ora não se vislumbra que interpretação que conduzisse à solução referida no parágrafo que antecede cumprisse tais desideratos do legislador ou que fosse essa a sua intenção, já que conduziria a um “emaranhado” processual contrário à boa administração da justiça, sendo certo que o n.º3 do art. 9.º do Cód. Civil, estabelece que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. (…) Conforme se vê, dos cinco arguidos (três nos presentes autos e dois no processo comum singular n.º --/14.4PBEVR), apenas o arguido B. é comum a ambos os processos. Ora, atendendo ao que vimos dizendo, entendemos não estarem reunidos os pressupostos legais previstos no art. 25º do Cód. Proc. Penal para que se verifique conexão entre os dois processos e, em consequência, para que fosse determinada a apensação supra referida. Pelo exposto, considerando-se não existir conexão entre os presentes autos e os autos de processo comum singular nº --/14.4PBEVR, nem dever subsistir a apensação determinada no despacho supra referido, declaro-me incompetente para a realização do julgamento no processo comum singular n.º --/14.4PBEVR. Notifique e, após trânsito, conclua novamente, a fim de ser suscitado conflito de competência (art. 35º, nº1, do Cód. de Proc. Penal). (…)” D. Os sobreditos despachos transitaram em julgado. 2. Cumpre decidir: Estamos perante um conflito negativo de competência cuja resolução passa pela convocação e análise das normas que regulam a competência por conexão, consagradas nos artigos 24.º e 25.º do CPP. Dispõe o art.º 24º, sob a epígrafe “Casos de conexão”: 1 - Há conexão de processos quando: a) O mesmo agente tiver cometido vários crimes através da mesma ação ou omissão; b) O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; c) O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação; d) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; ou e) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar. 2 - A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento. Preceitua, por sua vez, o artigo 25,º, sob a epígrafe “Conexão de processos da competência de tribunais com sede na mesma comarca”: “Para além dos casos previstos no artigo anterior, há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19.º e seguintes”. Como é sabido a regra é a de que a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal predeterminado em função das regras sobre competência material, funcional e territorial, respondendo a exigências precisas de determinação prévia do tribunal competente, para prevenir a manipulação avulsa ou arbitrária de competência em contrário do respeito pelo princípio do juiz natural. O princípio, no entanto, e respeitando ainda exigências mínimas, pode sofrer adequações, previstas na lei e formadas segundo critérios objetivos, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, e assim afastando a competência primária relativamente a alguns dos crimes, desde que entre os vários crimes se verifique uma ligação que torne conveniente para melhor realização da justiça que todos os crimes sejam apreciados conjuntamente. A ligação entre os crimes «que determina exceções à regra de que a cada crime corresponde um processo e às regras de competência material, funcional e territorial, definidas em função de um só crime, chama a lei conexão, e consequentemente a denominada competência por conexão»; representa um desvio às regras normais de competência em razão da organização de um único processo para uma pluralidade de crimes ou de apensação de vários processos que hão-de ser julgados conjuntamente (cf., GERMANO MARQUES DA SILVA, "Curso de Processo Penal I”, 6.ª Edição, p. 207-208). No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, entre outros, no acórdão n.º 21/2012, datado de 12/01/2012: “A regra geral é a de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial. Contudo, tendo em vista objetivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados, em certas situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, a lei admite alterações a esta regra, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo-se, no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente”. Portanto, a competência por conexão tem a sua razão de ser, essencialmente, na melhor realização da justiça, na conveniência da justiça e na celeridade e economia processuais, evitando a multiplicação de atos e diligências semelhantes. Deve existir entre os crimes que hão-de ser julgados conjuntamente uma tal ligação, que se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou completo quando processados conjuntamente, evitando-se contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça: é o que resulta das regras sobre conexão dos artigos 24.º e seguintes do CPP. Diferente da conexão de processos é a apensação ou processamento conjunto do mesmo arguido por vários crimes, quando o tribunal material e funcionalmente competente para de todos conhecer seja o mesmo. Neste caso não há desvio às regras processuais sobre a competência, mas apenas o processamento conjunto, aconselhado por razões de economia processual, mas também para melhor aplicação da regra da punição do concurso de crimes (artigo 77.º do CP). A partir do momento da apensação a continuidade processual e os atos de sequência passam a ser praticados num só processo, que é então o processo principal, isto é, no processo que determinou a competência por conexão [Henriques Gaspar, Anotação ao art.29 do Código de Processo Penal Comentado]. As vantagens de atribuir a um mesmo tribunal (ou juiz) a possibilidade de julgar os casos em que vários crimes eram cometidos pela mesma pessoa ou por várias pessoas foram sendo reconhecidas, paulatinamente, ao longo do tempo, remontando - como explica José Lobo Moutinho, in a Competência por conexão no Novo Código de Processo Penal, 1992, Direito e Justiça - Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa - ao direito Romano, estando presentes nas Ordenações, nas Reformas Judiciárias do século XIX e no Código de Processo Penal de 1929. A ligação entre os vários crimes que justificam o processamento e julgamento conjunto é designada pela doutrina, por conexão, que, no Código de Processo Penal atual, é enquadrada na competência do juiz ou do tribunal - Secção III, Capitulo II, Titulo I, do primeiro Livro da Primeira Parte do Código de Processo Penal. A conexão de processos está, nesta inserção sistemática, correlacionada com a competência do tribunal, dependendo da existência vários crimes com uma concreta ligação – subjetiva (o mesmo agente) ou objetiva (vários crimes) - a justificar a unificação de julgamento por um só tribunal. A conexão de processos prefigura-se, assim, em dois momentos: no primeiro, verifica-se, em concreto, os pressupostos para a unificação, organização de um só processo (artigos 24.º, 25.º, 26.º, 29.º e 30.º do Código de Processo Penal) e, só depois, se fixa a competência do tribunal para julgar o processo já unificado (artigos 27.º, 28.º e 31.º daquele diploma legal). A determinação da competência do tribunal para apreciar e julgar o processo único depende necessariamente da relação fundamento que justifica a junção dos vários processos num só. Sem este não se pode apreciar aquela. Como ensinava Cavaleiro Ferreira – Lições de Processo Penal, 1985-1986, pág. 180 e 181 –: «haverá que definir a pluralidade que pode fundamentar o julgamento conjunto; e haverá que determinar qual o tribunal competente, quer em razão da matéria, quer em razão do território». Os artigos 27.º, 28.º e 31.º do Código de Processo Penal, atribuem competência a um tribunal, nos casos em que a prática de vários crimes devam ser processados em conjunto, num único processo ou por apenso (artigo 29.º). Ou seja, quando existam vários crimes praticados nas condições previstas nos artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, a competência do tribunal para processar e julgar todos eles, é definida nos termos dos artigos 27.º, 28.º, e 31.º do mesmo diploma. Dito de outro modo, a fixação da competência para julgar os vários crimes que, por via da conexão, devem juntar-se num único processo, depende necessariamente da verificação do respetivo fundamento – a verificação dos casos de conexão. O legislador processual penal configura nos artigos 24.º, n.º1 e 25.º do CPP as seguintes situações de conexão, a que chama indistintamente conexão de processos: - unidade de agente mas pluralidade de crimes, corporizando um concurso de infrações (através da mesma ação ou omissão ou quando os crimes continuem ou ocultem outros) [n.º1, al. a) e b do artigo 24.º)]. - pluralidade de agentes, em comparticipação, e unidade de crime [n.º1, al. c) do art. 24.º]. - pluralidade de agentes, em comparticipação, e pluralidade de crimes, na mesma ocasião ou lugar, ligados por causa e efeito ou por unidade de intenção criminosa (crimes que continuem ou ocultem outros) [n.º1. al. d) do art. 24.º]. Estão em causa situações de comparticipação criminosa que se incluem na área da conexão objetiva ou material. - pluralidade de agentes e pluralidade de crimes, reciprocamente, na mesma ocasião, no mesmo lugar [n.º1, al. e) do artigo 24.º]. São também casos de conexão objetiva ou material. - unidade de agente, mas pluralidade de crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca (artigo 25.º). Como se anotou no acórdão desta Relação de 27-09-2011, de que foi relator o Exmo. Desembargador Dr. Sérgio Corvacho, acessível in www.dgsi.pt, “existe uma diferença qualitativa entre as causas de conexão enumeradas no nº 1 do art. 24º do CPP e a situação a que se refere o art. 25º do mesmo Código. Na primeira das disposições legais mencionadas, o legislador procurou assegurar que, sempre que possível, o mesmo acontecimento de vida real ou um processo histórico definido em função de um elemento relevante de unificação fosse julgado num único procedimento, evitando, por essa via, uma indesejável fragmentação dessa realidade, que poderia resultar de uma aplicação incondicional do paradigma «um crime – um processo – um arguido», que, até certo ponto, continua subjacente à vigente tramitação do processo penal. Trata-se de uma preocupação que tem por finalidade última garantir uma busca tão exaustiva quanto possível da verdade material e uma decisão substancialmente justa da causa. Diferentemente sucede com a disposição do art. 25º do CPP. Neste último caso, a conexão de processos não tem na sua base qualquer afinidade genética entre os diferentes crimes conexos, mas obedece somente a imperativos de mera economia processual, mais precisamente evitar a pendência simultânea de mais do que um processo contra o mesmo arguido na mesma comarca. Dito por outras palavras, a conexão do art. 25º é estritamente processual, enquanto a do nº 1 do art. 24º antes de ser processual é sobretudo substantiva.” Portanto, a situação de conexão prevista no artigo 25.º do CPP acresce àquelas que se encontram previstas no artigo 24.º do mesmo código, não estando dependente da verificação das mesmas, nem se destinando a concretizá-las. A expressão usada pelo legislador no artigo 25.º é clara no sentido de conformar a conexão subjetiva como um tipo de conexão diferente das situações de conexão objetiva previstas no artigo 24.º e sendo mesmo autónoma das situações aí elencadas, de resto esta é a única interpretação destes preceitos legais permitida pelo artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil. Em face das acusações públicas deduzidas é patente que não se verifica qualquer situação passível de submissão à disciplina das diversas alíneas do n.º1 do citado artigo 24.º do CPP. Todavia, os processos correm na mesma secção criminal da Instância Local da comarca de Évora, embora distribuídos a diferentes juízes, estando ambos em fase de julgamento. Por isso, a solução legal tem de ser encontrada no âmbito do artigo 25.º do CPP, cujo teor acima se transcreveu, em cujo texto a senhora juíza do processo comum singular n.º ---/14.4PBEVR se amparou para determinar a apensação ao processo n.º --/13.0GDEVR. Ora, em face da apensação determinada, desde logo uma questão se nos coloca, que é a de saber se o artigo 25.º do CPP, que define um caso especial de competência por conexão, é aplicável aos processos em que é apenas um o agente de múltiplos crimes que sejam da competência de tribunais com sede na mesma comarca, ou se apesar de não haver coincidência entre todas as pessoas que assumem a qualidade de arguidos e são acusadas nos processos por crimes que sejam da competência de tribunais com sede na mesma comarca, pode operar a conexão prevista no referido normativo. O professor Germano Marques da Silva [ob. citada, pág. 210] escreveu o seguinte:“ O artº 25º prevê a hipótese de concurso de crimes perpetrados pelo mesmo agente e se todos os crimes forem da competência de tribunais com sede na mesma comarca. Neste caso todos devem ser conhecidos no mesmo processo. A razão é agora a economia processual, por uma parte, e a vantagem de o agente ser julgado conjuntamente pelos vários crimes para efeitos de aplicação da pena única em razão do concurso dos crimes (art. 77º do CP).”. Fazendo simples interpretação literal do preceito legal, crê-se que a mesma comporta a interpretação da Sr.ª Juíza a quem está distribuído o processo --/14.4PBEVR. [[2]] Por isso, poderíamos estar perante um caso de conexão processual na medida em que o arguido B. terá cometido, em cada um dos processos, um crime, em coautoria material com outros arguidos, para cujo conhecimento, em ambos os casos, é competente a mesma secção criminal da instância local da comarca de Évora. Em sentido inverso, e perante uma situação similar, foi entendido na decisão de conflito negativo de competência, proferida em 4 de Julho de 2014 no processo 589/12.1GAVNF-B.P1 do Tribunal da Relação do Porto, citada no despacho supra transcrito, de que foi relator o Exmo. Desembargador Francisco Marcolino, enquanto Presidente da 1.ª Secção Criminal daquele Tribunal. Ali foi referido que “conquanto a letra da lei seja a base de toda a interpretação, deve esta subordinar-se às regras impostas pelo artigo 9.º do C. Civil, máxime deve ter-se em conta “o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. E, determina o n.º 3 do mesmo art.º 9.º, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Porque assim, em nosso entender, tanto o espírito legislativo como a unidade do sistema jurídico impedem se considere que há uma conexão entre os processos em causa. Desde logo porque o art.º 25º do CPP, de forma expressa se refere ao “mesmo agente”, acrescentando: que “tiver cometido vários crimes” Mesmo agente importa unidade de acusado [[3]], não pluralidade de acusados. E assim tem de ser entendido pelas razões que a Sr.ª Juiz do processo comum singular aduz, nas quais nos revemos, e que aqui reproduzimos: “A não ser assim, conduziria o art. 25º do C.P.P. a múltiplas situações de conexão e consequente apensação de processos em que até poderá não haver um único arguido comum a todos os processos apensados, sendo julgadas conjuntamente pessoas sem qualquer ligação entre si e por factos sem qualquer relação palpável, sendo o tribunal «obrigado» a apreciar complexas realidades simultaneamente multi-pessoais e multi-factuais sem outra relação que não seja a de se repetir, e apenas «pontualmente» (pois que bastaria para a conexão que houvesse um arguido - entre muitos - comum entre determinado processo e aquele que seria competente para o julgamento, independentemente do número de arguidos neste acusados, podendo esta situação multiplicar-se por número considerável de processos), um mesmo agente”. Depois porque as razões que estão subjacentes à conexão processual, sejam as de evitar a repetição das mesmas provas, dos mesmos argumentos e o evitar de julgados contraditórios[[4]] nem sequer se colocam quando os arguidos dos processos são diferentes, havendo apenas um em comum pelo que não existe qualquer necessidade de apensação de processos.” Subscrevem-se, sem qualquer reserva, os referidos argumentos no sentido de que a situação de conexão prevista no art.25.º do CPP importa, em princípio, unidade de acusado e pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo para cuja apreciação sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca. Trata-se de um caso de conexão pessoal ou subjetiva, em que a conexão assenta na pessoa do agente, que é responsável por uma pluralidade de infrações, ligando-se os diferentes crimes pelo facto de todos eles terem sido cometidos pelo mesmo autor. Esse parece ter sido o escopo visado pelo legislador ao alterar o art. 25.º do CPP, que tem a redação que lhe foi dada pela Lei n.º59/98, de 25 de Agosto, que não visando um alargamento irrestrito da conexão subjetiva em moldes idênticos aos previstos no CPP de 1929, comporta, ainda assim, um vasto campo de aplicação, face à entrada em vigor da LOSJ que estabeleceu nova matriz territorial das circunscrições judiciais, alargando substancialmente a área de jurisdição das novas comarcas, por incorporação de outras pré-existentes. Segundo Maia Gonçalves, in CPP Anotado, 17ª Edição – 2009, em anotação a tal preceito, comentando a alteração operada pela citada lei n.º 59/98, “procedeu-se a um alargamento da conexão subjetiva independentemente da verificação dos pressupostos previstos no art.24.º quanto à competência para o conhecimento dos diversos crimes pertença a tribunais com sede na mesma comarca. Assim se possibilita que neste caso se organize um único processo por todos os crimes da competência da mesma comarca onde existem vários tribunais, ou se apensem os vários processos, quando instaurados separadamente.” E mais adiante: “Perante este dispositivo, para além dos casos previstos no artigo anterior, passa ainda a haver conexão subjetiva quando o arguido tiver cometido diversos crimes da competência de vários tribunais com sede na mesma comarca”, o que inculca a ideia de que a conexão ou apensação de processos prevista no art. 25.º pressupõe, efetivamente, o mesmo agente - ou uma unidade de agentes [Como anotam Simas Santos e Leal-Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, I Vol. 2.ª ed., p. 192] - de uma pluralidade de crimes que sejam da competência de tribunais sediados na mesma comarca. Este entendimento não impedirá que, para além dos casos previstos nas alíneas d) e e) do art. 24.º do CPP, e em caso de vários arguidos, agindo em coautoria, possa ocorrer a apensação de processos crimes, pendentes na mesma comarca, ao processo a que respeitar o crime determinante da competência por conexão, segundo os critérios enunciados no artigo 28.º (pena mais grave, arguido preso, prioridade da notícia do crime) quando os agentes dos crimes forem os mesmos em todos os processos. [5] No caso em apreço, verificando-se não haver coincidência entre todas as pessoas que assumem a qualidade de arguidos e são acusados nos processos em causa (pois apenas um dos arguidos é comum a ambos os processos), para além de não haver coincidência espacial ou temporal entre as infrações ou que uma ação seja causa e efeito direto doutra, temos como correta a interpretação da norma contida no artigo 25.º do CPP defendida pelo Exmo. Juiz 1 da Secção Criminal da Instância Local de Évora, não operando, in casu, a conexão subjetiva a que alude o art.º 25.º do CPP. Deste modo, salvaguardado o devido respeito por diferente opinião, entendemos que é competente para conhecer do processo comum singular n.º--/14.4PBEVR, a Exma. Juíza 2 da mesma secção Criminal, a quem o processo foi distribuído. V - DECISÃO Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, determino que os processos em causa não sejam apensados, mantendo cada um dos Srs. Juízes a competência para a instrução e julgamento do processo que lhe foi oportunamente distribuído. Cumpra-se o disposto no n.º3 do artigo 36.º do CPP. Sem tributação. (Texto processado por computador e revisto pelo relator, que assina) Évora, 21 de Maio de 2015 Fernando Ribeiro Cardoso ______________________________________________ [1] - E não 14/01/2014, como por manifesto lapso dele consta, já que a conclusão do processo ao juiz tem a data de 14-11-2014. [2] - Neste sentido foi decidido no TRP, por decisão de 09-12-2004, acessível in www.dgsi.pt, proferida no âmbito do processo 0414047, onde se disse que “Se um arguido tem contra si pendentes, na fase de julgamento, dois processos em tribunais diferentes da mesma comarca, há conexão de processos, nos termos do art. 25 do CPP de 1998, mesmo que num dos processos haja outros arguidos.” [3] - Neste sentido, Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I vol., 2ª edição, pg. 192/3. [4] - Assim, Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I Vol., pg. 228 [5] - Neste sentido, o acórdão da Relação do Porto de 6 de Julho de 2005, relator Agostinho de Freitas, acessível in www.dgsi.pt/jtrp |