Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
516/10.0GFSTB.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: CRIMES DE ROUBO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA DA PENA
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO
Data do Acordão: 10/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE UM DOS RECURSOS
Sumário:
1. Ao momento da determinação da medida das penas, o regime processual penal consagra a devida dignidade, erigindo-a como operação autónoma e específica nos termos do art. 369.º do CPP, em sintonia com as garantias de defesa e com a mínima restrição de direitos fundamentais, constitucionalmente relevantes (arts. 18.º, n.º 2, e 32º, n.º 1, da CRP), por forma a assegurar-se a necessidade, a proporcionalidade e a adequação das penas para a realização das finalidades do art. 40.º, n.º 1, do CP.

2. Ocorre insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando não se investigam e apreciam em audiência factos relativos às condições pessoais, à situação económica, à conduta anterior e posterior aos factos e à personalidade dos arguidos, com relevância para a escolha e determinação da medida da pena.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

*

1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número em epígrafe, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, foram, entre outros, os arguidos JG e TR julgados e condenados, além do mais, nos seguintes termos:

1) - o arguido JG:

- pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210.º, n. º 1, do Código Penal (CP), referente aos factos praticados no dia 21.04.2010, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do CP, referente aos factos praticados no dia 09.06.2010, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1. e 204.º do CP, referente aos factos praticados no dia 04.09.2010, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

- pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 203.º do CP, referente aos factos praticados no dia 18.09.2010, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do CP, referente aos factos praticados no dia 08.02.2011, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210.º do CP, referente aos factos praticados no dia 02.09.2010, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210.º do CP, referente aos factos praticados no dia 02.09.2010, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- em cúmulo, na pena única de 14 (catorze) anos de prisão;

2) - o arguido TR:

- pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210.º e 204º do CP, na pena de 8 (oito) anos de prisão.

Inconformados com tal decisão, os referidos arguidos interpuseram recursos, formulando, respectivamente, as conclusões:

1) - o arguido JG
« (…)
3 - As penas parcelares em que o recorrente foi condenado, foram, desproporcionais, exageradas e severas, considerando as suas molduras penais consideradas em abstracto.

4 - O recorrente confessou, livre e espontaneamente os crimes por ele cometidos, e negou aqueles, que, no seu entender, não teve qualquer participação ou envolvimento.

5 - Pretendeu desde a 1ª sessão de audiência de discussão e julgamento, contribuir para a descoberta da verdade material, prestando depoimento.

6 - Tal postura, humilde e escorreita não colheu o Tribunal a quo, que a entendeu como por “pouca sinceridade e convicção....muito pouca verosimilhança ou mesmo qualquer ponta de coerência ou verosimilhança....

7 - O recorrente tinha como antecedentes criminais, os constante do C.R.C. junto aos autos, mormente a prática de um crime de furto com arrombamento, praticado em 16­-12-2008, em Antuérpia, Bélgica, pelo qual foi condenado na pena de 10 meses de prisão e expulsão.

8 - O recorrente tinha, na data da prática dos factos 25 anos;

O recorrente na data dos factos encontrava-se desempregado;

Tem como habilitações literárias, o 9° ano de escolaridade;

É solteiro, vive com uma companheira, em união de facto, há cerca de 2 anos e 4 meses, da qual têm uma filha menor, nascida em Junho de 2011.

9. O recorrente viveu na Bélgica com a mãe, desde os seus 17 anos, tendo aí permanecido 5 anos, até Maio de 2010, data em que veio viver para o Pinhal Novo.

10. O recorrente tem tido visitas regulares no E.P.R. de Setúbal e apoio familiar;

11. Tem mantido bom comportamento prisional.

12 - O Tribunal “a quo” não teve, devidamente, em consideração a actual situação social e familiar do recorrente;

13 - A ausência de antecedentes criminais de relevo;

14 - A confissão (parcial) dos factos.

15 - As penas parcelares merecer reparo no seu quantum, mormente a pena de 7 anos pela prática do crime de roubo agravado.

10 - Ficaram violadas as normas constantes dos art°s. 40.°, 70°, 71°, do Código Penal.

11 - Devendo o recorrente, ser condenado, em pena institucional, proporcional à medida da culpa.

12 - Reformulando-se o cúmulo jurídico efectuado.

TERMOS EM QUE, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE E SUBSTITUINDO­SE A DOUTA DECISÃO ORA RECORRIDA, COM O QUE SE FARÁ, A MAIS LÍDIMA JUSTIÇA!»;

2) - o arguido TR:

« 1º
O tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210º e 204º do Cód. Penal,


Condenou o arguido numa pena de oito anos de prisão.


O tribunal a quo formou a sua convicção nas declarações da testemunha EL, no entanto os factos dados como provados, contradizem a versão contada pela referida testemunha.


O tribunal a quo considerou ter havido uma conjugação de esforços entre o aqui recorrente e JG, em todos os momentos do crime,


Considerando a culpa do recorrente mais grave do que a de JG.


Daí ter condenado o outro arguido por um crime de roubo simples e em 7 anos de prisão.

Contudo, das declarações da testemunha conclui-se que foi JG que liderou todos os actos de agressão à vítima, nomeadamente tentando espetá-la com uma faca e que lhe retirou os seus pertences.


A actuação do arguido recorrente, foi acessória.


O arguido bateu com a garrafa na cabeça de EL. Foi essa a sua única intervenção nos acontecimentos.

10º
A pena que lhe foi aplicada foi excessiva, na medida em que excede a sua culpa, violando o disposto no art. 40 nº2 do CP.

11º
Pelo que se requer a alteração da pena aplicada ao arguido, devendo a mesma ser reduzida para três anos e meio de prisão.

12º
Embora o arguido já tenha duas condenações por roubo, estas são posteriores à data da prática dos factos pelos quais foi agora condenado.

13º
Além disso é muito jovem, pois apenas tem 23 anos, pelo que ainda é possível a sua integração na sociedade.

14º
Entende-se que ainda é possível concluir ser suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial, a suspensão na sua execução da pena de prisão aplicada ao arguido, dando assim cumprimento ao disposto nos artigos 40º nº2 e 50º nº1, ambos do Código Penal.

Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido, deve ser dado provimento ao presente recurso, com o que se fará a costumada Justiça.».

O Ministério Público apresentou respostas aos recursos, concluindo:

1) – relativamente ao recurso do arguido João Ricardo Ferreira Gomes:

« 1 - Recorre-se para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito, não sendo neste caso admissível recurso prévio para a relação (vd. art.º 432.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, do CPP).

2 - O presente recurso deve ser julgado pelo STJ por ser o competente para dele conhecer, pois versa exclusivamente matéria de direito e o arguido foi condenado na pena única de 14 anos de prisão.

3 - Ressalva-se, no entanto, a possibilidade de, havendo outros recursos da mesma decisão que versem sobre matéria de facto, todos os recursos deverem ser julgados conjuntamente pela Relação (art.º 414º, nº 8 aplicável ex vi 432º, nº 2, do CPP).

4 - Com a alteração ao Código Penal introduzida pelo DL 48/95, de 15.03. a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, pois em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, e estabeleceram-se como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação (cf. art.ºs 40.° e 71.°, n.º 1, do CP).

5 - Na determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena o juiz está vinculado aos critérios contidos no referido art.º 71.° do CP, devendo, em conformidade com o disposto no n.º 2 do referido preceito, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

6 - Para a determinação da medida das penas parcelares e da pena única o tribunal a quo ponderou: a intensidade do dolo na medida em que o arguido actuou como dolo directo; a ilicitude dos factos, que varia entre o moderadamente elevada e o muitíssimo elevada; as necessidades de prevenção geral, que no caso são muito elevadas, porque é o tipo de criminalidade - roubos e ofensa à integridade física - que maior insegurança e desconfiança na sociedade causam, sendo necessário que a pena aplicar permita restabelecer alguma tranquilidade; as necessidades de prevenção especial, que no caso são consideravelmente elevadas; o contexto em que os factos foram praticados; a gratuitidade da violência; a ausência de qualquer arrependimento; os antecedentes criminais (o arguido foi condenado, por sentença de 16.12.2008 e pela prática de um crime de furto com arrombamento, escalamento e chaves falsas, na pena de 10 meses de prisão).

7 - À confissão parcial do arguido não pode ser dado o relevo que reclama, porque num conjunto de 7 crimes apenas recaiu sobre um deles, aquele cujos factos integradores foram praticados a 21.04.2010, negando mesmo quanto a eles o acto mais grave - ter apontado a faca ao pescoço da vítima, facto que veio a ser dado como provado (facto 7) da factualidade dada como provada), o que evidencia por si só ausência de arrependimento e de noção do desvalor da sua conduta.

8 - Os antecedentes criminais que regista, quer pela natureza do crime quer pela proximidade da data da condenação que sofreu relativamente aos factos pelos quais agora foi condenado, não poderiam ser desvalorizados como o pretende.

9 - A problemática aditiva do arguido por referência à data dos factos por que foi condenado não foi por ele confirmada em audiência de julgamento, antes negada peremptoriamente, e o relatório social para determinação de sanção de 9.02.2012 não é esclarecedor quanto à real situação naquele momento temporal.

10 - O agregado familiar do arguido, que integra uma filha menor, não estava na sua dependência económica, pois subsistia com o apoio de terceiros e o rendimento proveniente do rendimento social de inserção, pelo que não é de dar à sua situação actual social e familiar o relevo que pretende.

11 - Não obstante, salvo melhor opinião, considerando as molduras penais abstractas correspondentes aos crimes por que o arguido foi condenado, a sua natureza e gravidade, as consequências para as vítimas e demais circunstâncias a que o tribunal a quo atendeu, entende-se que não colide com as finalidades da punição no caso concreto, nem ofende os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação, a aplicação de penas concretas parcelares ligeiramente inferiores às aplicadas, designadamente no que respeita aos factos praticados em 9.06.2010, 8.02.2011 e em 7.03.2011, com consequente reflexo na determinação do quantum da pena única. »;

2) – quanto ao recurso do arguido TR

« 1 - Existe erro notório na apreciação da prova (cf art.º 410.°, n.º 2, al. c), do CPP) quando esse erro é de tal modo evidente que não passa despercebido ao homem comum, quando o observador médio facilmente dele se dá conta. Porém, não pode traduzir-se na mera discordância da avaliação ou valoração da prova feita pelo tribunal a quo.

2 - Confrontado o depoimento da testemunha EL concretamente os segmentos da gravação do depoimento acima transcritos, com os factos dados como provados sob os nºs 15) a 27) no acórdão recorrido, acima reproduzidos, constata-se haver uma incorrecta imputação dos concretos actos de execução integradores do crime de roubo por que foram os arguidos JG e TR condenados em co-autoria, que poderá ser o resultado de uma simples troca de nomes, ou seja, de um lapso de escrita.

3 - Resulta do depoimento da aludida testemunha que os arguidos TR e JG foram efectivamente os agentes dos factos e que os praticaram de forma concertada, em comunhão de esforços e de vontades.

Mas também resulta ter sido o arguido JG quem fez uso da faca e ter sido o arguido TR quem fez uso da garrafa de vidro. Donde, os referidos factos dados como provados são nessa medida contraditados pelo depoimento da testemunha EL.

4 - A não poder ser qualificado como um lapso de escrita resultante de uma troca de nomes dos arguidos, terá de admitir-se que se verifica em concreto o vício de erro notório na apreciação da prova a seguir o regime estabelecido no art.º 426.°, n.º 1, do CPP.

5 - Com a alteração ao Código Penal introduzida pelo DL 48/95, de 15.03, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, pois em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, e estabeleceram-se como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação (cf. art.ºs 40.° e 71.°, n.º 1, do CP).

5 - Na determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena o juiz está vinculado aos critérios contidos no referido art.º 71.° do CP, devendo, em conformidade com o disposto no n.º 2 do referido preceito, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

6 - À data dos factos em questão o recorrente já havia sofrido condenações pela prática de crime de condução sem habilitação legal, de crime de ameaça, de crime de apropriação ilegítima de coisa achada e de crime de furto de uso de veículo, esta última em pena de prisão substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

7 - A culpa do agente será tão mais elevada se o arguido já tiver sido solenemente advertido em resultado de condenação sofrida e não obstante, cometer novos factos típicos e ilícitos, pelo que se justifica a diferença na medida da pena entre os dois co-arguidos, co­-autores nos factos em apreço.

8 - No caso concreto há a considerar: a pena abstracta que corresponde ao crime de roubo agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 210.°, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.°, n.º 2, al. f), do CP, - pena de prisão de 3 a 15 anos; o grau de ilicitude do facto, que é elevado, atentas as circunstâncias da sua prática, o modo de execução (aqui atendendo aos meios usados - faca e garrafa de vidro - e à zona do corpo do ofendido efectivamente atingida ­cabeça) e a gravidade das suas consequências (traumatismo do pulso esquerdo e na região parietal direita, com ferida no couro cabeludo, assim como, contusão do bordo cubital do punho esquerdo (com edema) de EL, que lhe causaram 7 dias de doença com igual período de incapacidade para o trabalho - vd. factos 23 e 24 da factualidade dada como provada); a intensidade do dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo, de intensidade elevada; a personalidade do arguido revelada na forma como actuou e consequentemente, no menosprezo pelo bem jurídico tutelado; o comportamento anterior à data dos factos, já registando os antecedentes criminais acima enunciados; a ausência de arrependimento; a ausência de consciência crítica do desvalor da conduta; as elevadas necessidades de prevenção geral positiva ou de integração (na afirmação, reforço c reposição da validade das normas violadas), considerando a natureza dos bens jurídicos tutelados no tipo legal (vida, integridade física, liberdade de decisão e de acção e propriedade), a sua importância para a ordem jurídica e a extensão da lesão causada aferida pela elevada gravidade dos factos e elas suas consequências; e as elevadas exigências a nível da prevenção especial na perspectiva da dissuasão da reincidência.

9 - Entende-se em face das referidas circunstâncias que a pena concreta aplicada ao arguido TR não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas - art.º 18°, n.º 2, da CRP, é proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da sua culpa, não tendo consequentemente sido violado o disposto no art.º 40.°, n.º 2, do CP.

10 - É pressuposto da suspensão da execução da pena de prisão a aplicação de pena de prisão em medida não superior a 5 anos e a adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas - prevenção geral e prevenção especial - do caso.

11 - No caso concreto, precavendo a possibilidade de o tribunal de recurso alterar o quantum da pena de prisão para medida não superior a 5 anos de prisão, entende-se que a suspensão da execução da pena de prisão já não realiza no caso, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

12 - Por um lado, o tipo de criminalidade em causa - roubo - é dos que gera maior insegurança e desconfiança na comunidade, sendo necessário, como bem se realça no acórdão recorrido (fls. 1169), que a pena a aplicar permita restabelecer alguma tranquilidade. Por outro, também não resultarão asseguradas, de modo adequado e suficiente, as exigências de prevenção especial na perspectiva de socialização/de necessidade de prevenção da reincidência.

13 - Com efeito, a não admissão dos factos pelo agente, a ausência de arrependimento, os antecedentes criminais que já registava à data da prática dos factos em apreço e a condenação que por factos posteriores a estes (factos de 16.12.2010), da mesma natureza (crime de roubo), veio a sofrer (acórdão de 4.10.2011, transitado em julgado em 17.11.2011) no âmbito do Proc. ---/10.0 PFSTB, da Vara Mista de Setúbal, não permitem formular nem fundamentar um juízo de prognose favorável ao agente.

14 - A pena de prisão deverá no caso ser efectiva na sua execução, pois só desse modo se realizam as finalidades da punição.

15 - Ressalvado o que se conclui em 1 a 4, o recurso deverá improceder no mais. ».

Os recursos foram admitidos.

Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de dever negar-se provimento aos recursos, com excepção da factualidade dada por provada em 15) a 27), a qual deverá ser objecto do cumprimento do art. 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP).

Cumprido o n.º 2 do art. 417.º do CPP, nada foi apresentado.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto dos recursos define-se pelas conclusões que os recorrentes extraíram da respectiva motivação, de harmonia com o disposto no art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410º, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma, designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995.

Delimitando-os, reconduz-se à apreciação:

1) – recurso do arguido JG:

- se as penas parcelares aplicadas ao recorrente devem ser reduzidas e, bem assim, reformulado o cúmulo efectuado;

2) – recurso do arguido TG:

A) – se os factos provados em 17) e 18) estão incorrectamente julgados;

B) – se, por isso, a culpa do recorrente deve ter um grau inferior e a pena aplicada ser reduzida e fixada em 3 anos e 6 meses de prisão;

C) – assim entendendo, se se justifica a suspensão na sua execução.

No que ora releva, consta do acórdão recorrido:

Factos provados:

1) No dia 21 de Abril de 2010, pelas 16.20, na sequência de um plano traçado entre ambos, o arguido JG e a arguida OC deslocaram-se ao estabelecimento comercial denominado “Supermercado X”, sito em Pinhal Novo, propriedade de VM.

2) Para tanto, fizeram-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca FORD, modelo FIESTA, com a matrícula xxx, conduzido pela arguida.

3) Ali chegados, após estacionarem o veículo, o arguido JG e a arguida OC entraram no estabelecimento e dirigiram-se para o corredor onde se encontravam prateleiras com utensílios de cozinha expostos para venda ao público.

4) Seguidamente, o arguido JG retirou de uma dessas prateleiras uma faca de cozinha de cor cinzenta, em inox, com o comprimento total de 26 cm, sendo 11,5 cm de cabo e 14,5 de lâmina, que guardou num dos bolsos das calças.

5) Logo após, cumprindo o plano que previamente acordara com o arguido JG, a arguida OC dirigiu-se ao balcão de atendimento junto do qual se encontrava VM simulando ir pagar um artigo que retirara de uma das prateleiras.

6) No momento em que VM abriu a gaveta da caixa registadora, o arguido transpôs o balcão e retirou de um dos bolsos a dita faca.

7) De imediato, o arguido encostou a referida faca ao pescoço de VM e, em tom sério, ordenou-lhe: “Dá cá já o dinheiro”.

8) Assustado, VM recuou alguns passos, tendo o arguido JG – sempre apontando a faca na direcção do corpo daquele - acabado por retirar do interior da gaveta da caixa registadora a quantia de € 80 (oitenta euros) e um cheque com a quantia nele expressa de € 92 (noventa e dois euros).

9) Com receio do que pudesse suceder, VM nunca resistiu.

10) Na posse dos aludidos bens e valores, que fizeram seus, o arguido JG e a arguida OC abandonaram o local, colocando-se em fuga, acabando, no respectivo trajecto, por derrubar diversos expositores existentes no estabelecimento, por forma a evitar serem alcançados por VM.

11) No dia 9 de Junho de 2010, pelas 14 horas e 30 minutos, o arguido JG dirigiu-se à Rua Avelina Pires Leitão, no Pinhal Novo.

12) Aí avistou RA que caminhava no local.

13) Acto contínuo, aproximou-se do mesmo e de súbito e em tom sério ordenou-lhe: “Dá-me as coisas de valor que tens.”

14) Assustado, RA entregou-lhe a carteira que trazia consigo, de onde o arguido e os seus acompanhantes retiraram a quantia de € 2,70 (dois euros e setenta cêntimos), assim como o seu telemóvel de marca LG, modelo KU990I, de cor preta, no valor de € 124,92 (cento e vinte e quatro euros e noventa e dois cêntimos).

15) No dia 4 de Setembro de 2010, pelas 3 horas e 30 minutos, o arguido JG e o arguido TR, dando execução ao plano que haviam delineado, dirigiram-se ao Largo de S. João Batista, em Palmela, onde decorriam as Festas das Vindimas.

16) Ali chegados, avistaram EL que circulava apeado e aproximaram-se do mesmo, pedindo-lhe que lhes acendesse um cigarro.

17) Acto contínuo, um dos dois arguidos fez um gesto pretendendo introduzir uma das mãos no bolso da camisa que EL envergava, no que foi impedido por este.

18) De seguida, o outro daqueles dois arguidos retirou de um dos bolsos uma faca de características não concretamente apuradas, apontou-a na direcção do corpo de EL e questionou-o: ”Mas então de onde é que tu és?”, após o que lhe desferiu, com força, um empurrão.

19) De súbito, por forma a evitar que EL resistisse, o arguido JG fazendo uso de uma garrafa de vidro que trazia numa das mãos, apontou-a na direcção da cabeça daquele com o intuito de o golpear nessa zona do corpo.

20) Acabando por desferir golpes nos braços e no pulso esquerdo de EL porquanto este os colocou junto à face.

21) Acabando o arguido JG por, logo de seguida, alcançar a cabeça de EL, desferindo-lhe um golpe no couro cabeludo, provocando-lhe hemorragia, tendo, com o impacto, partido a dita garrafa.

22) Após, TR apanhou a garrafa e desferiu, igualmente, um golpe na cabeça de EL.

23) Com as condutas acima descritas, os arguidos causaram traumatismo do pulso esquerdo e na região parietal direita, com ferida no couro cabeludo, assim como contusão do bordo cubital do punho esquerdo (com edema) de EL

24) Lesões que foram causa de 7 (sete) dias de doença com igual período de incapacidade para o trabalho.

25) Aproveitando a circunstância de EL ter ficado atordoado com as pancadas infligidas na cabeça, os arguidos rasgaram o bolso da camisa daquele e daí retiraram o telemóvel de marca Nokia, modelo ExpressMusic, de cor preta, no valor de € 200 (duzentos euros), e a quantia de € 150 (cento e cinquenta euros) em numerário, que fizeram seus;

26) Apenas o telemóvel foi recuperado por EL;

27) Os arguidos só cessaram as suas condutas (concertadas) porque EL conseguiu fugir do local.

28) No dia 18 de Setembro de 2010, pelas 16 horas, no Jardim sito no Largo José Maria dos Santos, em Pinhal Novo, o arguido JG e três indivíduos que o acompanhavam e com identidade não apurado, abordaram RC que ali caminhava com o seu amigo FM.

29) Seguidamente, aproximaram-se do mesmo e, como este não respondesse à pergunta sobre a sua proveniência, o arguido desferiu-lhe uma estalada na face.

30) Acto contínuo, o arguido exibiu uma faca de características não concretamente apuradas na direcção do corpo de RC que, para se defender, o empurrou.

31) Perante tal resposta, os acompanhantes do arguido JG desferiram um soco na face de RC, provocando a sua queda no solo.

32) Com este já caído, o arguido JG e os seus acompanhantes desferiram vários pontapés e socos em várias partes do corpo de RC, até este perder a consciência.

33) Em consequência das condutas supra descritas, RC sofreu traumatismo da face com hemorragia nasal e do membro inferior direito, fractura dos ossos próprios do nariz, sem desalinhamento, hematoma epicraniano frontal antero-lateral direito.

34) Lesões que foram causa de 21 (vinte e um) dias de doença sem incapacidade para o trabalho.

35) No dia 8 de Fevereiro de 2011, pelas 16 horas, na Rua Febo Moniz, em Pinhal Novo, o arguido JG (e um outro indivíduo cuja identidade não se logrou apurar), abordaram ER, de 14 anos de idade, que estava sentado num banco de jardim ali existente manuseando o seu telemóvel, marca Nokia, modelo X6, no valor de € 300 (trezentos euros).

36) De súbito, o arguido JG puxou, com força o aludido telemóvel, retirando-o das mãos do menor, e, após, disse-lhe: “Vou ficar com o teu telemóvel”.

37) Como ER tivesse dito que o arguido não podia fazer seu o telemóvel, JG retorquiu: “Vou ficar com o telefone e acabou”, após o que o entregou ao indivíduo que o acompanhava.

38) De imediato, o arguido JG e o seu acompanhante começaram a correr, fugindo do local, tendo o menor seguido este último.

(…)
40) O arguido JG agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de utilizar a faca identificada em 4) nos termos acima descritos, bem conhecendo as características da mesma e sabendo que não lhe era permitido conservá-la em seu poder.

41) O arguido JG agiu, ainda, livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de, com a actuação descrita supra atingir e molestar fisicamente RC, bem como lhe provocar ferimentos, objectivos que logrou alcançar;

42) Sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

43) No dia 02-09-2010, pelas 19.30, quando se encontravam no recinto do parque desportivo, sito no Largo José Maria dos Santos, no Pinhal Novo, o arguido JG envolveu-se em discussão com JN por motivos concretamente não apurados;

44) A dada altura, o arguido dirigiu-se a JN e agarrou-o pelo pescoço, arrastando-o para junto do corrimão do referido recinto, enquanto lhe desferia vários socos;

45) De seguida, o arguido retirou os brincos que JN usava nas orelhas, no valor de € 75, arrancando-os com força;

46) Em resultado, JN sofreu traumatismo da face, ferida contusa do lábio superior e fractura do inciso superior, lesões que demandaram um período de 15 dias, sem incapacidade para o trabalho;

47) O arguido previu e quis molestar JN no seu corpo e saúde, o que conseguiu;
(…)

52) No dia 7-03-2011, entre as 10.00 e as 12.00, na Praça da Independência, Pinhal Novo, os arguidos LN e JG avistaram JM, chamando-o;

53) Quando JM chegou junto daqueles arguidos, o arguido L arrancou-lhe um fio que trazia ao pescoço com uma cruz e retirou-lhe uma pulseira, ambos os objectos em ouro;

54) Ao mesmo tempo, o arguido JG retirou-lhe um anel também em ouro;

55) A pulseira tinha um valor aproximado de € 700, desconhecendo-se o valor dos demais objectos;

56) Aqueles arguidos quiseram - e conseguiram, por estarem em superioridade numérica – provocar medo e inquietação em JM colocando-o em circunstâncias que lhe não permitiam opor resistência;

57) Agiram estes arguidos livre e conscientemente, conhecendo a ilicitude da sua conduta;

(…)

65) O arguido JG foi condenado, por sentença de 16-12-2008, e pela prática de um crime de furto com arrombamento, escalamento e chaves falsas, na pena de 10 meses de prisão;
(…)

Factos não provados:
(…)

b) No dia 8 de Fevereiro de 2011, tenha o arguido JG se dirigido a EL e lhe dito “Se continuas a correr atrás dele, levas tu e quem for atrás dele”;
(…)

Convicção:

O arguido JG confessou parcialmente os factos referentes a 21 de Abril de 2010, dizendo apenas que não agarrou a pessoa pelo pescoço e não apontou a faca ao pescoço; que precisava do dinheiro para tirar a sua namorada da prisão. E que não terá conseguido levar o dinheiro, sendo que a arguida O também não terá conseguido fugir.

No que respeita a 9 de Junho de 2010, alegou ter estado eventualmente mas não ter retirado nada.

Dia 4 de Setembro, afirmou ter encontrado o arguido T envolvido com a outra pessoa que tinha uma garrafa. Aproximou-se e a pessoa terá tentado agredi-lo com a garrafa. O arguido empurrou-o e, vendo a Guarda Nacional Republicana, resolveu fugir para o meio da multidão. Porquê? Não explicou. De todo...

No dia 18 de Setembro de 2010, admitiu ter desferido um estalo, mas não ter faca nenhuma.

No dia 8-02-2011, terá sido um amigo quem retirou o telemóvel ao E
.
(…)
No dia 2-9-2010, foi o queixoso, alegou, que primeiro desferiu um soco. Queria – justificou-se... – ver os brincos mas não lhe retirou coisa alguma.

No dia 7-3-2011, terá sido L quem fez tudo. Não sabe do anel. Mas sabe que o L retirou uma pulseira e um fio.

O arguido T assumiu ter-se efectivamente envolvido com o queixoso E. Mas alegou que cada um agarrou numa garrafa. E, durante esse “envolvimento”, lhe terá acertado com a garrafa. Mas, alegou, não lhe retirou nada, nem possuía faca alguma.

(…)
A arguida O – presente apenas já na fase final do julgamento, assumiu os factos, justificando com o que designou de “acto de loucura”, uma vez que terá entrado em choque, e que terá pretendido desistir (…).

Os arguidos que optaram por prestar declarações aparentaram, genericamente, pouca sinceridade e convicção. Na realidade (…)todas as justificações dos arguidos aparentaram muito pouca verosimilhança ou mesmo qualquer ponta de coerência ou verosimilhança...

VM, empregado comercial, confirmou integralmente os factos. Denotou enorme sinceridade e isenção.

AC, empregada comercial, confirmou, da mesma forma, os factos.

RA, operador de linha, confirmou toda a factualidade.

EL, empregado de mesa, reconheceu logo os arguidos J e o arguido T. Descreveu o sucedido; os objectos perdidos; os recuperados. As mazelas que sofreu. A suturação. A recuperação apenas parcial.

RC, estudante, reconheceu de imediato o arguido J como alguém que integrava o grupo que o agrediu.

Explicitou como o arguido iniciou a discussão, ter sido ele que desferiu a bofetada, a faca exibida pelo arguido, e a forma como foi pontapeado por vários dos presentes no local, incluindo o arguido J. E que ninguém lhe tirou coisa alguma. Pareceu muito sincero.

JN, estudante, identificou de imediato o arguido J como um dos que integrava o grupo em questão. Confirmou integralmente os factos, incluindo as lesões.

AC e JD, estudante, confirmou na íntegra o depoimento da testemunha anterior. Aparentaram os dois total sinceridade e isenção.

MP, militar da Guarda Nacional Republicana, limitou-se a descrever, sem grande utilidade, como foi chamado ao local e como identificou – por recurso a informações prestadas por terceiros – os arguidos como os responsáveis pelos factos em apreço...
(…)

JS, administrativa, já reformada, confirmou ter encontrado EL, seu filho, com quem morava, depois da festa das vindimas com a cabeça completamente ligada. Vinha do hospital. Teve 2 semanas de baixa, sem trabalhar. A camisa estava rasgada.

A final, não ficou o tribunal com quaisquer dúvidas de que grande a maioria da factualidade descrita nas várias acusações ocorreu efectivamente. Algumas excepções (que se traduzem nos factos não provados) - em que se nem percebeu muito bem o que aconteceu (porque as testemunhas, claramente, não quiseram esclarecer o tribunal) e menos ainda a eventual responsabilidade dos arguidos. Ou de quem que seja, mesmo!

Mas a prova resultou de forma muito natural – as testemunhas supra identificadas descreveram o sucedido de forma tão coerente e convicta; e os arguidos que negaram os factos fizeram-no de modo tão atabalhoada e inverosímil, que a verdade quis, quase sempre, evidenciar-se.

Atendeu-se aos relatórios médicos; aos Certificados de Registo Criminal; aos relatórios sociais; às facturas e recibos juntas pelos queixosos e demandantes.

Apreciando:

À luz da efectuada delimitação do objecto dos recursos, resulta que o arguido TR recorre designadamente em matéria de facto, insurgindo-se contra a factualidade que ficou referida - factos provados em 17) e 18) -, pelo que, segundo uma lógica de análise coerente e eventualmente preclusiva, caberá apreciar tal recurso, nessa vertente, em primeiro lugar.

De seguida, proceder-se-á, conjuntamente, à análise da medida das penas aplicadas, já que ao arguido TR é atribuída actuação conjunta com o arguido JG, sem prejuízo, obviamente, da singularidade de cada uma delas e do que, relativamente ao arguido JG, haverá que dizer na parte restante.

Assim:

2) – recurso do arguido TR:

A) -
Não obstante o recorrente não tenha dado cabal cumprimento ao art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, ao ter omitido, nas conclusões do recurso, a devida especificação dos ónus aí impostos, afigura-se viável, através da respectiva fundamentação – na qual transcreve os factos que julga incorrectamente julgados, faz alusão ao depoimento da testemunha que, no seu entender, impõe decisão diversa, transcrevendo-o na parte pertinente, e faz referência à respectiva localização no suporte de gravação -, facilmente deduzir o que pretende.

Por isso, se prescindiu de eventual convite ao aperfeiçoamento das conclusões (art. 417.º, n.º 3, do CPP), além do mais, também por razões de economia processual, sempre tendo presente a salvaguarda das garantias ao recurso consagrada no art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

O recorrente não vem pôr em crise a sua participação nos factos, mas unicamente a sua intervenção, apelando ao depoimento da testemunha, na situação, ofendido, EL, que, na sua perspectiva, tem de levar à modificação da factualidade dada como provada vertida em 17) e 18), que, por comodidade de exposição e compreensão, aqui se transcreve:

17) Acto contínuo, um dos dois arguidos fez um gesto pretendendo introduzir uma das mãos no bolso da camisa que EL envergava, no que foi impedido por este.

18) De seguida, o outro daqueles dois arguidos retirou de um dos bolsos uma faca de características não concretamente apuradas, apontou-a na direcção do corpo de EL e questionou-o: ”Mas então de onde é que tu és?”, após o que lhe desferiu, com força, um empurrão.

Está relacionada com os restantes referidos sob os números 15), 16), e 19 a 27), reportados ao dia 04.09.2010, em que o aqui recorrente e JG abordaram EL e, depois do que ficou descrito em 17) e 18), o agrediram com uma garrafa, primeiramente, JG e, após, o recorrente, apropriando do telemóvel e dinheiro daquele, no valor, respectivamente, de €200 e €150.

A impugnação do recorrente resume-se a que, de acordo com o depoimento do ofendido, deveria ter-se considerado como provado que foi JG quem pôs a mão no bolso da camisa daquele e que, também, apontou a faca na direcção do corpo do mesmo.

Ora, a matéria de facto provada não colide, só por si, com a pretensão do recorrente, na medida em que, nos aspectos em questão, acabou, sim, por não reflectir, apenas, essa alegada identificação do interveniente nesses actos tendentes à aludida apropriação, ou seja, quem executou esses actos materiais, sendo que é inegável, conforme o recorrente diz, que a sua actuação e a de JG foi conjunta, tal como ficou provado, designadamente, em 15) e 27).

Por seu lado, da motivação da convicção do tribunal “a quo”, decorre que essencialmente teve em conta esse depoimento, já que, quer o recorrente, quer JG, se limitaram a admitir terem-se envolvido com o ofendido, o que, manifestamente, não mereceu credibilidade.

Em conformidade, não se detecta que a decisão possa enfermar de qualquer vício previsto no referido art. 410.º, n.º 2, do CPP, nem mesmo o recorrente a isso se refere, pois a convicção firmada está perfeitamente fundamentada em termos razoáveis, lógicos e coerentes, no respeito dos limites da livre apreciação probatória do art. 127.º do CPP.

Contrariamente ao aduzido pelo Ministério Público, inexiste, pois, erro notório na apreciação da prova, que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, por um lado, apenas com apelo a elementos à mesma intrínsecos e endógenos e, por outro, à luz das máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.

Tal erro deve ser interpretado como o tem sido o facto notório em processo civil, isto é, como o facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (acórdão do STJ de 06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185).

E, melhor concretizando, deparar-se-á quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (acórdão do STJ de 24.03.2004, no proc. n.º 03P4043, disponível em www.dgsi.pt).

Reconduz-se, assim, a um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado de forma ostensiva e inquestionável, que nada tem a ver com a desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a de quem recorre, baseada numa diferente valoração que se imponha e que, afinal, mais não é do que a impugnação da matéria de facto susceptível de a modificar nos termos da alínea b) do art. 431.º do CPP.

Fica esta breve nota para afastar a presença de vício e, consequentemente, do eventual reenvio do processo ao abrigo do art. 426.º do CPP, que o Ministério Público nesta instância sustenta.

Não obstante, a visão que vem reflectida é a de, também segundo o Ministério Público, alterar a factualidade impugnada, tendo para tanto reproduzido, no que interessa, o depoimento invocado pelo recorrente.

Ora, com meridiana clareza, a análise deste depoimento, que cabalmente identificou ambos os intervenientes – reportando-se em audiência ao recorrente como sendo o que exibia camisola branca e, a JG, como o que tinha a camisola azul – e com pormenor explicitou, quanto se afigurava possível e sem que dúvida tivesse manifestado, a actuação de cada um deles, permite concluir que a prática daqueles actos materiais aludidos em 17) e 18) coube a JG.

Deste modo, tratando-se da prova que efectivamente é relevante, existe fundamento para essa matéria de facto ser modificada e, assim,

- quanto ao facto provado em 17), passa a constar:

Acto contínuo, o arguido JG fez um gesto pretendendo introduzir uma das mãos no bolso da camisa que EL envergava, no que foi impedido por este.

- no que respeita ao facto provado em 18), passa a constar:

De seguida, o mesmo arguido retirou de um dos bolsos uma faca de características não concretamente apuradas, apontou-a na direcção do corpo de EL e questionou-o: ”Mas então de onde é que tu és?”, após o que lhe desferiu, com força, um empurrão.

Se tal prova impôs esta modificação, não é menos verdade que haverá de harmonizá-la com a restante factualidade referente àquele dia 04.09.2010, sob pena de desvirtuar-se a globalidade do depoimento, e sem fundamento para desvalorizar, e de alguma dificuldade lógica vir a decorrer de considerar-se que a actuação do aqui recorrente se resumiu ao que ficou vertido como provado em 22) - Após, TR apanhou a garrafa e desferiu, igualmente, um golpe na cabeça de EL -, como se a toda a anterior dinâmica que a realidade demonstrou lhe tivesse, inexplicavelmente, ficado indiferente, perante o plano que havia delineado com JG (facto provado em 15)), já que a testemunha referiu que foi a mesma pessoa quem o agrediu com a garrafa e por duas vezes.

Por isso, também se impõe modificar o seguinte, em resultado desse depoimento e das regras da experiência, embora o recorrente sobre isso nada mencione.

- quanto ao facto provado em 19), passa a constar:

De súbito, por forma a evitar que EL resistisse, um dos arguidos fazendo uso de uma garrafa de vidro que trazia numa das mãos, apontou-a na direcção da cabeça daquele com o intuito de o golpear nessa zona do corpo.

- relativamente ao facto provado em 21), passa a constar:

Acabando por, logo de seguida, alcançar a cabeça de EL, desferindo-lhe um golpe no couro cabeludo, provocando-lhe hemorragia, tendo, com o impacto, partido a dita garrafa.

- acerca do facto provado em 22), passa a constar:

Após, TR apanhou a garrafa e desferiu um golpe na cabeça de EL.

No confronto da acusação deduzida, concretamente de fls. 632 e 633, dá-se então, como não provado (aditando à factualidade vertida nessa parte no acórdão) que:

e) O arguido TR, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 15), apontou a faca na direcção do corpo de EL e questionou-o “Mas então de onde é que tu és?”, após o que lhe desferiu um empurrão.

Operada tal modificação ao nível da aludida matéria de facto, não tem esta virtualidade para conferir algum relevo quanto ao enquadramento jurídico que mereceu.

Isso é igualmente válido para a restante factualidade.

Todavia, um lapso se deve corrigir, ao abrigo do art. 380.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CPP, na parte atinente à fundamentação que consta do acórdão.

Assim, a página 14 deste, correspondendo fls. 1168, 21.ª linha de escrita,
- onde se lê: « referente aos factos praticados no dia 02-09-2010 (…) »,
- deve ler-se: « referente aos factos praticados em 07-03-2011 (…) ».

1) – recurso do arguido JG:

2) – recurso do arguido TR

– B):
Em sede de fundamentação da medida das penas, o tribunal consignou, no que aqui importa:

« Para aferir da medida da pena, teremos de chamar à colação o artigo 40º do Código Penal, o qual estabelece como finalidades das penas a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Assim, com a aplicação de uma pena tem-se em vista a realização da prevenção geral positiva, ou seja, de restauração da confiança da comunidade na norma violada e a prevenção especial positiva, isto é, de reintegração do agente na comunidade, de forma a que não volte a delinquir.

Como é evidente, a culpa continua a surgir como fundamento da pena e não só como seu limite, nos termos do artigo 71º n.º 1 do Código Penal.

Quanto à prevenção geral, a mesma mostra-se muito elevada, porque é o tipo de criminalidade – roubos e ofensa à integridade física – que maior insegurança e desconfiança na sociedade causa, sendo necessário que a pena a aplicar permita restabelecer alguma tranquilidade.

No que concerne à prevenção especial positiva, visa-se a reintegração do autor do facto ilícito na sociedade, de forma a que não volte a cometer mais ilícitos.

Na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal atenderá às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente (artigo 71º n.º 2 do Código Penal).

Nestes termos, como circunstâncias favoráveis, vislumbram-se muito poucas – na realidade, e fundamentalmente, apenas a ausência de antecedentes por parte dos arguidos que os não têm.

Como circunstâncias desfavoráveis, temos a intensidade do dolo, na medida em que os arguidos actuaram com dolo directo, para além da ilicitude do facto, que varia entre o moderadamente elevada e o muitíssimo elevada, o que inevitavelmente terá repercussões na escolha e medida da pena.

Ponderados estes factores, conclui-se que as necessidades de prevenção especial são consideravelmente elevadas.
(…)
Assim, entende-se condenar o arguido JG, pela prática de um crime de roubo simples, previsto e punido pelo art. 210º nº 1 do Código Penal, referente aos factos praticados no dia 21-04-2010, na pena de 4 anos de prisão; Pela prática de um crime de roubo simples, referente aos factos praticados no dia 09-06-2010, na pena de 2 anos de prisão; Pela prática de um crime de roubo agravado, referente aos factos praticados no dia 04-09-2010, na pena de 7 anos de prisão; Pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, referente aos factos praticados no dia 18-09-2010, na pena de 2 anos de prisão; Pela prática de um crime de roubo simples, referente aos factos praticados no dia 08-02-2011, na pena de 2 anos de prisão; Pela prática de um crime de roubo simples, referente aos factos praticados no dia 02-09-2010, na pena de 4 anos de prisão; Pela prática de um crime de roubo simples, referente aos factos praticados no dia 02-09-2010 (já corrigido para 07-03-2011), na pena de 2 anos de prisão; e em cúmulo, condenar o arguido JG na pena única de 14 anos de prisão.

(…)
Condenar o arguido TR, pela prática de um crime de roubo agravado, na pena de 8 anos de prisão.
(…) ».

Ora, se bem que se mostrem sucintamente explicitadas razões que levaram à aplicação das referidas penas, estas quedaram-se por focar alguns aspectos relativos aos critérios legais, às exigências preventivas em presença, ao grau da ilicitude dos factos e à intensidade do dolo.

Estas são circunstâncias, entre outras, previstas no art. 71.º, n.º 2, do CP, mas, a par dessas outras, devem ser devidamente individualizadas, com vista a cumprir o desiderato de avaliação da culpa e das exigências de prevenção, também individualmente consideradas.

Este aspecto foi descurado na fundamentação do acórdão, a que acresce a ausência de apreciação, mormente, das condições pessoais, da situação económica, da conduta anterior e posterior aos factos, da personalidade, de cada um dos recorrentes, bem como, aliás, dos restantes arguidos.

Tal resulta, desde logo, de que, não obstante não tenham apresentado contestações (é o que consta do acórdão), nos factos dados como provados não existe alusão alguma a esses elementos necessários a uma ponderação minimamente rigorosa e susceptível de ser apreciada em recurso.

A situação até oferece alguma estranheza, dado que foram elaborados relatórios sociais, e quanto aos aqui recorrentes constantes de fls. 971/977 e 1014/1018, aos quais o tribunal se refere, na motivação da convicção.

Ao momento da determinação da medida das penas, o regime processual penal consagra a devida dignidade, erigindo-a como operação autónoma e específica nos termos do art. 369.º do CPP, em sintonia com as garantias de defesa e com a mínima restrição de direitos fundamentais, constitucionalmente relevantes (arts. 18.º, n.º 2, e 32º, n.º 1, da CRP), por forma a assegurar-se a necessidade, a proporcionalidade e a adequação das penas para a realização das finalidades do art. 40.º, n.º 1, do CP.

Entende-se, por isso, que o acórdão recorrido padece, nesta vertente, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, implicando que expressamente aprecie factos relativos, como referido, às condições pessoais, à situação económica, à conduta anterior e posterior aos factos, à personalidade dos recorrentes – e, acrescente-se, dos restantes arguidos -, mediante as diligências que o tribunal tenha por pertinentes.

É sabido que tal vício ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar solução de direito, ou nas palavras de Germano Marques da Silva, in ”Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 325, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito, ou, segundo o acórdão do STJ de 16.04.1998 (www.dgsi.pt), quando o tribunal “a quo” deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique.

Mais expressivamente e de acordo com a dimensão interpretativa que aqui se coloca, assinalou-se no acórdão do STJ de 20.04.2006, no proc. n.º 06P363 (www.dgsi.pt ), A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista à sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.

A exigência subjacente à conceptualização do vício decorre do princípio geral de descoberta da verdade material e da boa decisão da causa consagrado no art. 340.º do CPP, através do necessário apuramento da culpabilidade (art. 368º do CPP) e da determinação da sanção.

Impõe-se, em conformidade e para o efeito, o reenvio do processo para novo julgamento e nessa parte – art. 426.º, n.º 1, do CPP -, a realizar pelo tribunal recorrido (art. 426.º-A do CPP), atendendo à prova de que dispõe, às diligências que entenda fazer relativamente aos recorrentes e às consequências que, identicamente, deve extrair para os restantes arguidos, seguida da prolação de novo acórdão.

Fica prejudicada a apreciação dos recursos quanto às penas cominadas.

2) – recurso do arguido TR

– C):

Igualmente, está prejudicada a apreciação da questão.

Finalmente, atendendo a que novo acórdão caberá proferir, em que sejam já consideradas as modificações e correcção ora efectuadas, tenha-se em conta que, certamente, por lapso - mas que poderá consubstanciar contradição entre a fundamentação e a decisão -, embora de acordo com a fundamentação da pena, ao arguido LN, foi entendida como suficiente a suspensão da prisão que lhe foi aplicada (página 16 do acórdão, correspondendo fls. 1170), na parte atinente à DECISÃO, nada consta nesse sentido, sendo que isso não foi objecto da correcção ordenada pelo despacho de fls. 1192.

3. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, decide-se:

- sem prejuízo da parcial procedência do recurso do arguido TR e da modificação da matéria de facto e da correcção que se deixaram consignadas, e daquela aludida “in fine” a que se procederá, ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, pelo tribunal recorrido, em razão de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, relativamente ao apuramento de factos relativos às condições pessoais, à situação económica, à conduta anterior e posterior aos factos, à personalidade dos recorrentes, atendendo à prova de que dispõe, às diligências que entenda fazer relativamente aos mesmos e às consequências que, identicamente, deve extrair para os restantes arguidos, seguida da prolação de novo acórdão.

Sem custas.
*
Processado e revisto pelo Relator.

Évora, 09 de Outubro de 2012

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(Carlos Berguete Coelho)

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(João Gomes de Sousa)