Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4805/11.9-A
Relator: MÁRIO JOÃO CANELAS BRÁS
Descritores: INTERVENÇÃO ACESSÓRIA PROVOCADA
DIREITO DE REGRESSO
Data do Acordão: 05/31/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3.º JUÍZO DE COMPETÊNCIA CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SETÚBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
Só se houver direito de regresso do réu contra terceiro é que deverá o juiz admitir, na acção, o incidente de intervenção provocada acessória desse terceiro – consabido que a regra é a de que compete sempre ao Autor a ‘escolha’ do seu Réu, sendo excepção todo o tipo de intervenções ou chamamentos de terceiras pessoas aos processos jurisdicionais (artigo 330.º, n.º 1, Código Processo Civil).

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes nesta Relação:
As Apelantes “S…, S.A.”, com sede na Rua…, Charneca da Caparica, e “G…, S.A.”, com sede na Avenida…, em Lisboa, vêm, nestes autos de acção declarativa de condenação, com processo sumário, “para efectivação de responsabilidade civil extra-contratual”, que lhes instauraram, no 3.º Juízo de competência Cível do Tribunal Judicial da comarca de Setúbal, os ora Apelados J…, residente na Rua…, em Setúbal e M…, com residência na Praceta…, em Setúbal – e em que foi já admitida, como associada das Rés, a chamada “Companhia de Seguros…, S.A.”, sedeada…, em Lisboa – vêm, dizíamos, tais Rés, interpor recurso do douto despacho que foi proferido a 26 de Outubro de 2011 (agora a fls. 42 a 54) e que lhes indeferiu o incidente de intervenção provocada principal, como seu associado, ou, subsidiariamente, de intervenção provocada acessória, de R…, residente na Rua… Amadora, enquanto proprietário da fracção onde ficou aberta a torneira de gás que provocou a explosão em apreço – com o fundamento que aí vem aduzido de que “As Rés não pretendem salvaguardar qualquer situação de litisconsórcio passivo, mas pretendem que ocorra, isso sim, uma substituição passiva, já que os eventuais responsáveis não seriam as Rés, mas o chamado”; “É que, a ser verdadeira a tese das Rés, e a ser admitida a intervenção do chamado no processo, como parte principal, este teria interesse em confirmar a tese dos Autores, por forma a não ser ele condenado no pedido por esta (não tendo, porém, a sua intervenção sido requerida pelos Autores, nem sendo contitular da relação jurídica por eles invocada)”, exarou-se a fls. 50 – intentando agora a sua parcial revogação, e alegando, para tanto e em síntese, que embora acatem o indeferimento da intervenção principal provocada, as ora apelantes “não podem concordar com os fundamentos que levaram ao indeferimento do seu pedido de intervenção acessória provocada, motivo pelo qual dela se recorre”. Realmente, o douto despacho ora impugnado “padece de um equívoco, qual seja o de que a imputação da responsabilidade pelo facto ilícito pelas Rés ao Chamado impede o seu chamamento à demanda, ainda que a título acessório”. “Na verdade, o chamamento à demanda de R… visa prevenir a hipótese da pretensão dos Autores ser declarada procedente”, já que “apenas em tal caso seria necessário aos Réus apresentarem uma acção de regresso contra o Chamado R…”. E, por isso, se conclui “que a imputação ao chamado R… da responsabilidade pelo facto ilícito alegado pelos AA não impede a procedência do requerimento de intervenção acessória provocada”. São termos em que “deverá ser concedido provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se o douto despacho do Tribunal a quo e que, em consequência, seja substituído por outro que admita o requerimento de intervenção acessória provocada”, rematam.
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão:

1) Já em sede de contestação, deduziram as Rés/Apelantes incidente de intervenção provocada principal, como seu associado, ou, subsidiariamente, de intervenção provocada acessória, de R…, residente na Rua…, Amadora, enquanto proprietário da fracção do 11º andar, C, do prédio onde se deu a explosão de gás, e na qual ficou aberta a torneira que a provocou, nestes autos de acção declarativa de condenação, na forma sumária, “para efectivação de responsabilidade civil extra-contratual”, que os Autores/Apelados J… e M… vieram deduzir contra as Rés/Apelantes “S…, S.A.” e “G…, SA” – em que foi entretanto admitida, como associada das Rés, a chamada “Companhia de Seguros…, S.A.” –, e onde aqueles Autores peticionaram que fossem as Rés condenadas a pagarem 7.023,79 (sete mil, vinte e três euros e setenta e nove cêntimos), acrescidos de juros, ao Autor M…, e de 3.060,92 (três mil, sessenta euros e noventa e dois cêntimos), acrescidos de juros, ao Autor J…, nos termos da douta petição inicial de fls. 2 a 16 e daquela contestação, ora a fls. 17 a 41 dos autos, e cujos teores aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
2) Os Autores vieram, depois, a opor-se ao deferimento desse incidente de intervenção provocada, quer principal, quer acessória, do que dá notícia o douto despacho recorrido, a fls. 47 dos autos, o qual aqui se dá, igualmente, por reproduzido na íntegra.
3) Sequencialmente, em 26 de Outubro de 2011, foi então proferido o douto despacho ora impugnado em recurso, a indeferir a admissão do requerido incidente de intervenção provocada, quer a título principal, quer acessório, do dito R… (vide tal douta decisão, agora a fls. 42 a 54 dos autos, e que aqui também se dá por integralmente reproduzida).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se emerge alguma ilegalidade na prolação, pelo Tribunal a quo, do douto despacho que indeferiu às Rés/recorrentes “S…, S.A.” e “G…, S.A.” o pedido de intervenção acessória provocada (pois que acataram o relativo à intervenção principal provocada) do chamado R…, enquanto proprietário da fracção do prédio na qual ficou alegadamente aberta uma torneira de segurança de gás de ligação ao fogão, que veio a ser a causa da explosão em apreço na acção, maxime se há alguma incompatibilidade entre esse chamamento e o facto de as Rés quererem atribuir a responsabilidade a tal Chamado. É isso que hic et nunc está em causa, como se vê das conclusões alinhadas no recurso apresentado.
Vejamos, pois.

As RR/apelantes requereram oportunamente aquela intervenção na acção.
Fizeram-no correctamente, dum ponto de vista formal, em requerimento que incluíram logo na contestação, nos termos dos artigos 326.º, n.º 1 e 331.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (agora a fls. 39 dos autos).
No despacho recorrido não se acompanhou, porém, essa preocupação das Rés e indeferiu-se tal intervenção de terceiros, no entendimento de que “As Rés não pretendem salvaguardar qualquer situação de litisconsórcio passivo, mas pretendem que ocorra, isso sim, uma substituição passiva, já que os eventuais responsáveis não seriam as Rés, mas o chamado”.
E de outro modo não poderia ter decidido, quanto à intervenção principal – o que as Rés agora acatam e de que não interpuseram recurso – bastando, para tal, atentar em que se peticiona a intervenção na acção, como seu associado, de alguém que não teria qualquer interesse em associar-se-lhes (pois iria ligar-se a quem pretende, ao Chamado, responsabilizá-lo), antes que poderia era associar-se aos Autores, defendendo a tese destes. [E, recorde-se, que bem poderiam as Rés tê-lo chamado para se associar à parte contrária, nos termos do artigo 325.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, mas optaram por não o fazer, antes, a si, o querendo, expressamente, associado, como peticionaram a fls. 39 dos autos.]
Aliás, é para notar que foi por essa mesma ordem de razões que se veio a admitir a intervenção, também a título principal, da “Companhia de Seguros…, S.A.”, porquanto, tendo a mesma celebrado um contrato de seguro que abrange tal tipo de danos, terá agora todo o interesse em associar-se às Rés, juntando forças na defesa conjunta, já que sendo estas responsabilizadas acabará ela também por vir a sê-lo, por força e na medida do contrato de seguro.
O problema coloca-se, agora, portanto, quanto à intervenção acessória do dito R…, enquanto proprietário da fracção do prédio na qual, alegadamente, teria ficado aberta uma torneira de segurança de gás de ligação ao fogão, que viria a provocar, segundo as Rés, a explosão em apreço na acção. E, designadamente, se há alguma incompatibilidade entre o chamamento e o facto de as Rés quererem atribuir a responsabilidade do evento ao Chamado (as Rés vêm, com efeito, aduzir no recurso que o despacho impugnado “padece de um equívoco, qual seja o de que a imputação da responsabilidade pelo facto ilícito pelas Rés ao Chamado impede o seu chamamento à demanda, ainda que a título acessório”. É que, continuam, “o chamamento à demanda de R… visa prevenir a hipótese da pretensão dos Autores ser declarada procedente”, já que “apenas em tal caso seria necessário aos Réus apresentarem uma acção de regresso contra o Chamado R…”).
Mas será mesmo assim? Vejamos.
Nos termos do artigo 330.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”. E, pelo n.º 2 do seu artigo 331.º, “O juiz, ouvida a parte contrária, deferirá o chamamento quando, face às razões alegadas, se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua conexão com a causa principal”.
A problemática parece, assim, ter de colocar-se em termos de ligação da acção principal (esta) com outra, de regresso, entre os Chamantes e o Chamado, o que nos transporta para os eventuais desfechos da acção e suas consequências. É que é preciso não esquecer que a quem compete sempre a “escolha” dos Réus nas acções é aos Autores, que hão-de arcar com as consequências dessa escolha. Naturalmente. Essa é a regra, sendo excepção todo o tipo de intervenções, ou de chamamentos, de terceiras pessoas aos processos jurisdicionais.
Em consequência, não devem, à partida, vir os Autores a ser confrontados com uma situação de demandarem uns Réus, por si cuidadosamente escolhidos, e, no final, saírem-lhe condenados outros, com quem nem contavam, ou até não estariam interessados em demandar ou ver condenados. Numa situação como a vertente, demandam duas empresas de gás, mais ou menos anónimas, e sai-lhes a condenação também de um vizinho, de quem são eventualmente amigos e que nem queriam demandar.
E daí que se os Autores demandaram aquelas Rés e a responsabilidade foi daquele vizinho que deixou a torneira do gás aberta, as consequências são as de serem tais Rés absolvidas dos pedidos formulados contra si, e os Autores nada receberem, assim tendo que assumir as consequências de terem escolhido mal a quem demandar, pois que haveriam era que ter demandado o dito vizinho.
Ao invés, se se apura que a responsabilidade foi das Rés, através dos seus trabalhadores, pagam elas (ou a sua seguradora), de nada interessando estar lá no processo o vizinho que deixou a torneira aberta, pois que não há, nesse caso, qualquer acção de regresso sobre ele. Isto é: nunca há acção de regresso, já que ao apurar-se a culpa daquele vizinho, exclui-se a das Rés, e não se condenam as mesmas só por estarem no processo, para poderem depois exercer um direito de regresso sobre o vizinho; pura e simplesmente, absolvem-se dos pedidos.
Por fim, no caso de haver alguma concorrência de culpas entre o vizinho e as Rés, a sentença só tem que as condenar na sua parte da responsabilidade, e os Autores que vão demandar o tal vizinho em busca da quota-parte que falta – continuando a não haver, portanto, qualquer motivo para a acção de regresso.
Assim, não se verificando os pressupostos, previstos na lei, do incidente de intervenção provocada acessória de terceiros, foi o mesmo bem indeferido na 1ª instância, pelo que, num tal enquadramento fáctico e jurídico, não têm agora razão as recorrentes ao considerarem que lhes foi feito agravo na prolação do douto despacho recorrido, em consequência do que se mantém o mesmo, intacto na ordem jurídica, e improcedendo o recurso.
Decidindo.
Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido.
Custas pelas Apelantes.
Registe e notifique.
Évora, 31 de Maio de 2012
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo Amaral