Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO CORVACHO | ||
Descritores: | OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA INDEMNIZAÇÃO RECURSO DA PARTE CÍVEL DA SENTENÇA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
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Data do Acordão: | 02/06/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
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Sumário: | I - Não o tendo o Ministério Público interposto recurso da decisão condenatória do arguido – com a qual este se conformou - não tem cabimento qualquer intervenção processual do MP em sentido favorável a um recurso interposto por uma demandada civil, visando apenas a reversão da sua condenação no pagamento de várias indemnizações. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No Processo Comum nº 316/10.8TAVRS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António, por sentença depositada em 10/1/14, foi decidido: a) Julgar totalmente procedente a acusação pública deduzida e em consequência condenar o arguido J, pela prática, em autoria material, de um crime 1 (um) crime de ofensa à integridade fisica por negligência, p. e p. pelo art. 148.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa à taxa diária de 6,00€ (seis euros), o que perfaz o montante total de 660,00€ (seiscentos e sessenta euros). b) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante T e, em consequência, condenar a demandada Companhia de Seguros Açoreana, S.A., a pagar àquele: - a quantia 260,76€ (duzentos e sessenta euros e setenta e seis euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a data da notificação para contestar até efectivo e integral pagamento; - a quantia de 8.000,00€ (oito mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros legais contados a partir da data da presente sentença. c) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante Hospital de Faro, E.P.E. e, em consequência, condenar a demandada Companhia de Seguros Açoreana, S.A., a pagar àquele a quantia de 19.728,20€ (dezanove mil setecentos e vinte e oito euros e vinte cêntimos), referente a despesas com a prestação de cuidados de saúde a T, acrescida de juros à taxa legal desde a data da notificação para contestar até efectivo e integral pagamento. d) Absolver a demandada Companhia de Seguros Açoreana, S.A., do mais peticionado. e) Condenar o arguido J no pagamento das custas e encargos do processo, na parte criminal, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (duas unidades de conta) nos termos dos artigos 513,°, n.º 1 e 514°, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, artigo 8.°, n.º 5 do Regulamento das Custas Judiciais e Tabela III do referido diploma legal. f) Condenar a demandada Companhia de Seguros Açoreana, S.A., no pagamento das custas do processo decorrentes do pedido de indemnização civil formulado pelo Hospital de Faro, E.P.E., nos termos do artigo 527.° do C.P.Civil. g) Condenar a demandada Companhia de Seguros Açoreana, S.A., e o demandante T. no pagamento das custas do processo decorrentes do pedido de indemnização civil formulado pelo demandante, na proporção do respectivo decaimento, nos termos artigo 527.°, n.º 2, do C.P.Civil, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário. Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados: 1 - No dia 19 de Agosto de 2010, pelas 18h00, o queixoso T, nascido a 26.09.1922, encontrava-se na parte central da Rotunda do Campezino, sita em Monte Francisco, Castro Marim. 2- A rotunda referida em 1. é contornada por bermas e ao centro com placa central com vegetação de decoração e espontânea. 3 - Como tinha dificuldades de visão, de audição e de locomoção, deslocava-se com o auxílio de uma bengala, e com o propósito de aceder à faixa de rodagem circundante, efectuar o seu atravessamento e chegar aos terrenos de que é proprietário. 4 - O local é de boa visibilidade, com pavimento asfaltado, em perfeitas condições de circulação e com cerca de 10,75 metros de largura. 5 - À data dos factos o estado do tempo era bom e o pavimento estava seco. 6 - A velocidade permitida no local é de 50 kms/h e nas imediações do local existem habitações e outro edificios. 7 - Tanto o ofendido como o arguido conheciam bem o local. 8 - O ofendido T iniciou o atravessamento da via pelo interior da rotunda, e caminhou da placa central em direcção à berma. 9 - Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, o arguido J conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula JH, da marca «BMW», pela rua que constituiu a antiga EN 122, sita em Monte Francisco, no sentido de marcha Monte Francisco-Castro Marim. 10 - Quando o ofendido T se encontrava em atravessamento da faixa de rodagem, o arguido iniciou a aproximação à rotunda e circulou dentro desta, contornando-a. 11 - O arguido não prestava atenção à condução que realizava, e aos obstáculos da via, e colheu o ofendido T em plena faixa de rodagem. 12 - Em resultado da colisão, T sofreu um «traumatismo do membro inferior direito e traumatismo do tórax» e, como consequência directa e necessária, dores, «cicatriz com 8 cm na face anterior do joelho; cicatriz com 14 cm antero-externa do joelho e perna direita; alterações tróficas da pele, rigidez articular marcada do joelho», e 200 (duzentos) dias de doença, 180 (deles) com incapacidade para o trabalho geral e para profissional. 13 - O arguido conduziu o automóvel de forma desatenta e a uma velocidade superior à que lhe teria permitido visualizar o ofendido na faixa de rodagem a atravessar a via pública, e realizar as manobras necessárias para não o colher, designadamente, imobilizar o veículo ou desviar-se, já que a largura da faixa de rodagem permite o trânsito de veículos e de peões, circunstâncias estas que eram do seu conhecimento. 14 - Agiu sem observar os cuidados que devia e podia ter observado, mas sem representar a possibilidade de embater no peão. 15 - O arguido é casado e vive em casa própria com a esposa e três filhos de, respectivamente, dez, seis e um ano. 16 - Exerce a actividade de empresário no ramo imobiliário, auferindo um rendimento mensal médio de 550,00€. 17 - A esposa do arguido é funcionária pública e aufere mensalmente a quantia de 700,00€. 18 - O arguido tem o 9.º ano de escolaridade. 19 - O arguido tem os antecedentes criminais constantes de fls. 292. Do pedido de indemnização civil formulado por T: 20 - O proprietário do veículo JH transferiu validamente a sua responsabilidade civil, por danos causados a terceiros, emergente de acidente de viação, para a Companhia de Seguros demandada, por contrato titulado pela apólice n.º -----, em vigor à data dos factos. 21 - Como consequência das lesões sofridas o demandante sofreu fortes dores que se prolongaram durante o período de convalescença. 22 - O demandante sofreu também, como consequência das lesões, de estados de ansiedade, perturbações nervosas e alterações de humor. 23 - Como consequência destas lesões o demandante foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas, tendo a primeira ocorrido em 29-08-2010, onde foi feito o encavilhamento endomedular fechado com cavilha Stryker e a segunda operação em 25-10-2010, em que foi feita a extracção de cavilha e OTS com placa Axos-Styker, tendo sido novamente internado em 13/01/2011 no serviço de ortopedia do H.D.F., por reactivação do processo infeccioso. 24 - O demandante esteve internado inicialmente no Hospital Distrital de Faro desde 19/08/2010 até 06/09/2010, e seguidamente foi internado na Acaso em Olhão e teve novo internamento no Hospital Distrital de Faro em 01/12/2010 com alta em 16/12/2010. 25 - Após a primeira intervenção cirúrgica o demandante foi internado entre 06 de Setembro de 2010 a 30 de Novembro de 2010 na Unidade Média de Duração e Reabilitação da Associação Cultural de Apoio Social de Olhão a fim de ser sujeito a cuidados de assistência e tratamentos de fisioterapia. 26 - As despesas desse tratamento foram parcialmente suportadas pelo demandante e orçaram em 260,76€. 27 - O demandante começou a ser assistido pelos serviços domiciliários da Santa Casa da Misericórdia de Castro Marim em Janeiro de 2011, que lhe prestam serviços de higiene pessoal, inclusive mudando-lhe as fraldas, tendo despendido o valor de 2.352,09 € (dois mil trezentos e cinquenta e dois euros e nove cêntimos). 28 - O demandante antes da ocorrência era uma pessoa bem disposta e alegre e desenvolvia uma actividade fisica diária própria de uma pessoa da sua idade, dando os seus passeios diariamente, visitando amigos e percorrendo as ruas da vila onde mora. 29 - Depois do acidente o demandante tomou-se uma pessoa triste, reservada e infeliz. 30 - O processo causou ao demandante inúmeros incómodos, sofrimentos e dores Do pedido de indemnização civil formulado pelo Hospital de Faro, E.P.E: 31 - O Demandante Hospital de Faro, E.P.E., é uma unidade hospitalar pública integrada no Serviço Nacional de Saúde, que presta cuidados de saúde à população em geral e sinistrados em particular. 32 - O Sinistrado foi encaminhado para a unidade hospitalar onde lhe foram prestados diversos tratamentos médico/hospitalares, no montante global de 19.728,20 (dezanove mil setecentos e vinte e oito euros e vinte cêntimos). A mesma sentença julgou os seguintes factos não provados: Da acusação pública a) O Ofendido T inciou o atravessamento da via depois de se certificar que nenhum veículo circulava pela mencionada rotunda. b) Ao entrar na área da rotunda o arguido não reduziu a velocidade que imprimira ao seu veículo e circulou dentro da rotunda, contornando-a, ao mesmo tempo que fazia uso de um aparelho de telemóvel para falar. c) Devido à forma súbita e inesperada como o arguido surgiu a conduzir o veículo no local, o ofendido não teve tempo de fugir. Do pedido de indemnização civil formulado pelo demandante T: d) O demandante antes do acidente deslocava-se pelos seus meios e desde da data do evento não mais conseguiu deslocar-se pelos seus meios. e) Depois da ocorrência o demandante ficou fisicamente impossibilitado de desenvolver as suas actividades fisicas quotidianas e tomou-se numa pessoa triste, reservada e infeliz, pelo facto de não poder deslocar com regularidade e autonomia a que estava habituado. f) Não obstante os tratamentos efectuados o demandante mantém dores crónicas e impotência funcional da perna direita. h) Como consequência das lesões sofridas o demandante ficou a sofrer de uma incapacidade permanente e absoluta da perna direita. i) Após a primeira operação ficou dependente do uso de fraldas para satisfazer as suas necessidades fisiológicas. j) Como decorrência do evento o demandante tem de recorrer a auxílio de terceiros para realizar as suas necessidades de higiene diária. 1) Por força da incapacidade permanente e absoluta o demandante é assistido permanentemente duas vezes por dia pelos serviços domiciliários da Santa Casa da Misericórdia de Castro Marim, que lhe prestam serviços de higiene pessoal, levando-o, mudam-lhe as fraldas, os quais não necessitava antes do evento. m) Como consequência do acidente o demandante passou a ter de se deslocar permanentemente em cadeira de rodas. n) O demandante sofreu uma depressão nervosa, com períodos de forte angústia. o) Em virtude do evento o assistente irá necessitar de assistência domiciliária enquanto for vivo, visto que a sua situação fisica se tomou irreversível. Da contestação da demandada Companhia de Seguros Açoreana, S.A.: p) A visibilidade da rotunda é reduzida atenta vegetação existente no interior da rotunda. q) O veículo com matrícula JH circulava a uma velocidade não inferior a 40 Km por hora. r) O condutor do veículo JH travou antes do embate. Da referida sentença a demandada «Companhia de Seguros Açoreana, SA» veio interpor recurso, devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões: 1. A ora Apelante não se pode conformar com a douta sentença, no que respeita à atribuição de responsabilidade ao condutor do veículo seguro na ocorrência do acidente em análise nos autos. 2. Dos pontos 1 a 9 dos factos que resultaram provados em sede de audiência de discussão e julgamento e que se encontram inscritos nos da douta sentença ora recorrida, resulta, no modesto entender da ora recorrente, que a conduta causal para a verificação do acidente descrito nos autos foi o atravessamento por parte do ofendido da faixa de rodagem, em plena rotunda. 3. As rotundas, pela sua configuração e intensidade de trânsito a que estão sujeitas, representam um local de especial perigosidade sendo o seu atravessamento por parte de peões revestido de um elevado grau de perigo e imprudência. 4. Acrescendo que no caso concreto o ofendido tinha dificuldades de visão, de audição e de locomoção. 5. Um peão nestas circunstâncias e características de saúde deveria procurar efectuar o atravessamento de vias com a máxima prudência. Efectivamente, se essa obrigação já se impõe a todos os peões que efectuem o atravessamento da via fora das passadeiras, ao ofendido em concreto acrescem deveres especiais de cuidado atentas as dificuldades de saúde que vieram a resultar provado. 6. O atravessamento da parte central da rotunda para a berma da mesma nas circunstâncias concretas em que se apurou que o peão caminhavam e com os constrangimentos próprios do mesmo reveste-se de um risco imprudente, desnecessário e temerário e elevado e relevante grau. 7. Não é de somenos importância o facto de se ter apurado que a rotunda em causa era contornada por bermas. Permitindo que o ofendido contornasse a rotunda, por fora, utilizando para o efeito as bermas disponíveis e desta forma chegasse ao lado de lá da mesma. 8. O atravessamento por parte do ofendido nas circunstâncias concretas que se apuraram, deu causa directa à ocorrência do acidente descrito nos autos. 9. Culpa que aliás se presume tendo em conta a violação, por parte do peão, do disposto nos art. 3º, n.º 2, 99º a 101º todos do Código da Estrada. 10. Ao condutor do veículo seguro não era exigível que previsse que nas circunstâncias de tempo e lugar um peão fizesse a travessia da rotunda, desde o seu centro para a berma, com as dificuldades específicas de visão, audição e locomoção que possuía o ofendido. 11. Os pontos 11, 13 e 14 dos factos provados da douta sentença devem ser eliminados uma vez que os mesmos não se tratam de factos concretos mas antes de conclusões e considerações que só podem ser retiradas de factos concretos que se tenham apurado e apenas podem ser tidas em conta e discutidas na parte de fundamentação da decisão e nunca ser elencadas como factos provados. 12. Nenhuma culpa pode ser imputada ao condutor do veículo seguro, devendo a ora recorrente ser absolvida dos pedidos contra si formulados. 13. Por mero dever de patrocínio, sempre se alegará que em caso de V. Exas. vierem a considerar que à conduta do condutor do veículo seguro deve ser imputada alguma censura, não deve em caso algum ser atribuída ao mesmo uma percentagem de responsabilidade superior a 40%. 14. Viola, ainda, a douta sentença o disposto do art. 483º do Código Civil. 15. Aos valores indemnizatórios fixados deverá ser descontada a parte de responsabilidade imputada ao ofendido. 16. A não se entender assim, no presente caso a atribuição de culpa de 30% ao próprio ofendido não terá qualquer reflexo no quantum indemnizatório, ficando o mesmo credor de uma indemnização igual à que teria direito caso não tivesse também culpa na ocorrência do acidente. 17. A mesma lógica de raciocínio deve ser aplicada ao pedido efectuado pelo Hospital de Faro. 18. Se o Hospital com os tratamentos efectuados ao ofendido despendeu a quantia de 19.728,20, a condenação da ora recorrente não poderá ultrapassar a correspondente à percentagem de culpa atribuída ao condutor do veículo seguro. Devendo o restante ser suportado pelo próprio lesado. Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a douta Sentença ora recorrida ser alterada como é de inteira Justiça! O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo. A demandante habilitada IC respondeu à motivação do recurso, formulando, a esse propósito, as seguintes conclusões (mantém-se a numeração original, que é sequencial com a da motivação propriamente dita): 19. Não assiste qualquer razão, á Recorrente., nas suas alegações de recurso. A douta sentença recorrida, não merece qualquer tipo de reparo, pelo que, esta deverá ser mantida na integra e, em consequência, não deverá o recurso apresentado pela Recorrente Companhia de Seguros Açoreana, S.A., obter deferimento deste Venerando Tribunal. 20. Ocorre que, a Recorrente omite nas suas alegações de recurso, que, para alem dos factos constantes dos pontos 1 a 9 da douta sentença, considerados provados, em sede de audiência de discussão e julgamento, também foram considerados provados os factos constantes dos pontos 10,11, 13,14 e 19. 21. Foi o ter considerado provados este factos, que no nosso modesto entendimento, conduziram o douto Tribunal “ A quo” a proferir a decisão, ora recorrida, nos moldes em que o fez. 22. É Falso que a conduta do peão tenha violado o disposto nos art. 3º, nº2 99 a 101 do Código da Estrada em vigor á data dos factos “sub iudice” 23. A douta sentença recorrida, apenas faz referencia á violação pelo peão, do artigo 99 do Código da Estrada. 24. Acresce que, o peão foi colhido pelo veiculo JH, conduzido pelo Arguido, na faixa de circulação exterior da rotunda em causa. Conforme o comprova o croquis do anexo junto á participação de acidente elaborado pela GNR, a fls 109 dos presentes, bem como, a participação amigável de acidente preenchida e assinada pelo arguido, a fls.277 dos presentes autos. 25. O Arguido ao embater no peão que circulava na faixa de rodagem exterior da rotunda, violou os nºs 2 e 3 do artigo 14 do Código da Estrada vigente á data da prática dos actos. Conforme o comprova o supra aludido croquis, junto ao auto de noticia da GNR e o desenho efectuado pelo próprio arguido na participação amigável de acidente a fls 277 dos presentes autos. 26. Quanto ás alegadas dificuldades de visão, audição e locomoção do demandante, dir-se-á: Apesar de, na sentença o Meritíssimo juiz a” A quo” ter feito referencia a este facto, não foram cabalmente apurados, nem sindicados em sede de audiência de discussão e julgamento, nem consta da douta sentença recorrida, quais os graus de dificuldade de visão, audição e de locomoção do demandante. 27. Pelo que, não se pode afirmar, como pretende a Recorrente, que as limitações do Demandante referidas na douta sentença, ora recorrida, se possam considerar um risco imprudente, temerário elevado e de relevante grau. 28. È falso que, do local onde o peão atravessou a rotunda não pudesse visualizar a faixa de rodagem em toda a sua extensão pelo menos num comprimento de 50 metros. 29. O peão, tal como o condutor do veiculo automóvel em causa, tinham ampla visão das faixa de rodagem para mais de 50 metros conforme o comprovam as fotos juntas ao relatório fotográfico da GNR, a fls 111 a 116 dos presentes autos. 30. Com a sua argumentação a Recorrente pretende subverter os factos apreciados em sede de audiência de discussão e julgamento e considerados provados e, escamotear a responsabilidade criminal do arguido, seu segurado, que violou a previsão do artigo 24 nº1 do Código da Estrada, pois não obedeceu ao seu dever objectivo de cuidado, bem como, violou o artigo 25 alinea h), deste mesmo Código ao não adequar a sua velocidade ao local onde circulava. 31. O arguido violou, ainda, no nosso entendimento, conforme consta dos autos e foi alegado perante o tribunal “ a quo” em sede de alegações finais e, atrás foi exposto nos pontos 6 e 7 desta resposta, os nºs 2 e 3, do artigo 14 do Código da Estrada, ao circular na rotunda em causa pela via de circulação exterior, quando, face ao seu destino, estava obrigado a circular pela via de circulação interior. 32. De qualquer das formas, não alcançamos como é que as supra referidas dificuldades do demandante, cujo grau não foi cabalmente determinado em sede de audiência de discussão e julgamento, fundamentam, como pretende a recorrente, a não exigência ao arguido que previsse que nas circunstancias de tempo e de lugar um peão fizesse a travessia da rotunda. 33. Não colhe razão a Recorrente ao afirmar que os pontos 11,13 e 14, da douta sentença ora recorrida, não se tratam de factos concretos. 34. Pois, os factos constantes dos pontos 11,13 e 14 considerados provados na douta sentença, ora recorrida, reproduzem os factos imputados ao arguido no douto despacho de acusação, tendo estes factos, após apreciação da prova, pelo Tribunal” A quo”, em sede de audiência de discussão e julgamento, sido considerados como provados. 35. È falso que o Tribunal “A quo” tenha violado o artº 483 do C.Civil. No nosso entendimento, a douto Tribunal “A quo” ao atribuir ao demandante a indemnização no Valor de 8.000,00E,€ a titulo de danos não patrimoniais, já fez o desconto da percentagem de responsabilidade imputada ao ofendido. 36. È o que se depreende da decisão ora recorrida, na sua pagina 28. cujo excerto passamos a transcrever.” Assim, por provadas as circunstancias de facto referidas, as suas consequências, bem ainda o facto de o demandante ter concorrido para a produção do resultado acidente afigura-se como adequada para reparação dos danos morais sofridos pelo demandante, com base na equidade, a quantia de € 8000.00€ (oito mil euros).... Urge concretizar porém que subscrevemos o entendimento segundo o qual atenta a natureza dos danos em causa, que mais do que indemnizar visam a compensação dos pelo dano sofrido, não se compaginam com quantificação aritmética em função da concorrência e culpas apurada, já que na ponderação do montante adequado, segue-se um critério equitativo, como se referiu, sendo incompatível com este critério ou juízo de equidade a incidência a final, da percentagem resultante da concorrência de culpas supra apuradas. Sempre se dirá porém, que o juízo de equidade é necessariamente iluminado, pela consideração da culpa nos termos que supra se consignaram.” Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V.Exªs., deve douta sentença recorrida, por não merece qualquer tipo de reparo, ser mantida na integra. Assim se fazendo JUSTIÇA. Embora o recurso verse essencialmente sobre matéria civil, o Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação, emitiu parecer no sentido de a sentença recorrida se encontrar inquinada do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, tendo concluído nos seguintes termos: «Assim, somos de parecer de que o recurso merece provimento, devendo ser revogada a douta decisão recorrida a fim de ser apurada concretamente as responsabilidade quer do arguido, quer do ofendido, na produção do acidente, e concluir-se pela responsabilidade criminal, ou não, do arguido». O parecer emitido foi notificado aos sujeitos processuais, a fim de se pronunciarem, o que demandante habilitada fez, pugnando pela manutenção do decidido. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência. II. Fundamentação Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra. A sindicância da sentença recorrida, expressa pela recorrente nas suas conclusões, centra-se nas seguintes questões: a) Alegação de que o acidente viário a que respeitam os autos se produziu sem culpa do condutor do veículo seguro na recorrente, com o consequente pedido de absolvição desta; b) Subsidiariamente, pedido de redução do grau de culpa concorrente do segurado da recorrente para 40%, com o correspondente reflexo nos montantes indemnizatórios, ou, se assim se não entender, limitação do valor das indemnizações arbitradas à percentagem de 70%, que é o grau de culpa concorrente ajuizado na sentença sob recurso. Antes de entrarmos na apreciação da pretensão recursiva, nas diferentes questões em que se desdobra, cumpre-nos tecer algumas considerações, motivadas pelo teor do douto parecer emitido pelo Digno PGA. Encontramo-nos perante um recurso interposto da sentença por uma parte civil, que não é sujeito da relação processual penal «strictu sensu», visando a produção de efeitos jurídicos exclusivamente ao nível da condenação no pagamento de indemnizações. Acreditamos ser entendimento pacífico que as partes civis, que não estejam constituídas arguido ou assistente, carecem de legitimidade «ad causam» para interpor recurso de decisões em matéria penal. De igual modo, também se nos afigura fora de dúvida que o MP, enquanto tal, não se encontra legitimado a intervir no que podemos chamar a vertente civil do processo criminal, concretamente, o pedido indemnizatório cuja tramitação se regula pelos arts. 71º a 84º do CPP, a não ser que, por força das suas competências legais, lhe incumba a representação judiciária de alguma das partes civis, o que não é o caso. O art. 402º nº 2 als. b) e c) do CPP estatui que o recurso, que não se funde em motivos estritamente pessoais, interposto pelo arguido aproveita ao responsável civil e inversamente. Da referida disposição legal decorre que a procedência do recurso em presença possa ter como consequência jurídica, em última análise, a absolvição do arguido do crime por que foi condenado em primeira instância. Nesta conformidade, não nos repugna, no limite, aceitar que ao MP seja reconhecida a prerrogativa processual de se opor a um recurso interposto por uma parte civil, para efeitos estritamente civis, de cujo sucesso possa resultar a absolvição de um arguido condenado em primeira instância, tanto mais que, nos termos do art. 400º nº 1 al. d) do CPP, os acórdãos absolutórios proferidos pelas Relações, em sede de recurso, só são recorríveis se tiverem sido antecedidos de decisão condenatória em primeira instância em pena de prisão superior a 5 anos, o que não sucedeu nos presentes autos. O MP junto da primeira instância não deduziu oposição ao actual recurso. Por sua vez, o Digno PGA em funções junto desta Relação tomou posição sobre a pretensão recursiva, não em termos de a ela se opor, mas de forma concordante, ainda que com fundamento diverso dos invocados pela recorrente. Não ignoramos que o MP, por determinação constitucional (art. 219º nº 1 do CRP), se encontra investido na função de guardião legalidade democrática, estando, nessa qualidade, vinculado a critérios de estrita objectividade e isenção. No entanto, importa não perdermos de vista que nos encontramos no âmbito da tramitação de um recurso interposto por uma parte civil, com finalidades exclusivamente civis, pelo que a intervenção do MP na mesma, a haver alguma, assume natureza necessariamente excepcional e limitada às possíveis consequências penais da eventual procedência do recurso civil. O art. 401º nº 1 al a) do CPP reconhece ao MP legitimidade para recorrer de quaisquer decisões «ainda que no exclusivo interesse do arguido», independentemente, saliente-se, da vontade do próprio ou do seu defensor. Caso o MP tenha nutrido algum tipo de discordância em relação à condenação sofrida pelo arguido, em sede de sentença, nada mais lhe teria restado fazer do que interpor o competente recurso, dentro do prazo legalmente previsto. Não o tendo feito, entendemos que não tem cabimento, no actual estado do processo, alguma intervenção processual do MP em sentido favorável a um recurso interposto por uma demandada civil, visando apenas a reversão da sua condenação no pagamento de várias indemnizações. Assim sendo, salvo o devido respeito, não está este Tribunal vinculado a apreciar a questão suscitada pelo Digno PGA, no douto parecer exarado nos autos, no sentido de a sentença recorrida enfermar do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, sem prejuízo do exercício, se for o caso, dos poderes de cognição oficiosa, que lhe são reconhecidos nessa matéria. Voltando a recurso «sub judice», diremos que a recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto, mas alega que os pontos 11, 13 e 14 da matéria provada devem ser eliminados, pois não contêm factos concretos, mas apenas conclusões e considerações. Ora, os referidos pontos da matéria assente contêm, ao contrário do que sustenta a recorrente, a descrição de factos concretos, uns do domínio psíquico e outros do domínio material. A única afirmação contida nos questionados pontos da matéria provada, que, em nossa opinião, foge do âmbito estritamente factual, é a que consta da parte inicial do ponto 14, onde se refere que (o arguido) «agiu sem observar os cuidados que podia e devia ter observado». Trata-se, efectivamente de um juízo valorativo, mas que se apoia, ainda assim, na factualidade descrita nos pontos 11 e 13. Em todo o caso, verifica-se que parte inicial do ponto 13 constitui uma repetição, ainda que por palavras ligeiramente diferentes da afirmação contida na parte inicial do ponto 11, e poderá ser, nessa medida redundante. Nesta conformidade, nada obsta a que se valorem, nos juízos jurídicos, que haja que formular, os factos descritos nos pontos 11 e 13 e na parte final do ponto 14 da matéria assente. O princípio da responsabilidade civil por factos ilícitos, também chamada responsabilidade aquiliana, vem estabelecido pelo nº 1 do art. 483º do CC: Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. A sede legal do dever de indemnizar é o art. 562º do CC: Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Em seguida, reproduzimos os segmentos da fundamentação jurídica da sentença impugnada, com eventual interesse ara a pretensão recursiva (transcrição com diferente tipo de letra): III. ENQUADRAMENTO JURÍDICO Do crime de ofensa à integridade física por negligência. Dispõe o artigo 148°, n.º 1, do Código Penal que: "Quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias ". O bem jurídico protegido por este tipo de ilícito é idêntico ao que subjaz ao tipo doloso de ofensa à integridade fisica. A integridade fisica da pessoa humana é um bem jurídico-constitucionalmente protegido (artigo 25°, da Constituição da República Portuguesa) e entendida ao nível do tipo legal de crime num sentido corporal-objectivo'. Ofensa no corpo ou saúde de alguém é "uma alteração anatómica ou patológica, uma perturbação ilícita da integridade corporal morfolôgica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções especificas" (lesão corporal) ou do "estado de bem-estar fisico, mental e social" (saúde). A ofensa pode ser de nível somático, quando o seu objecto é o corpo, de nível psíquico, quando o seu alvo é a mente, ou de nível funcional, quando atinge o estado de bem-estar de uma pessoa'. A saúde é, assim, o estado da pessoa cujas funções estão no estado normal ou que se não acham perturbadas por doença alguma, sendo ao nível médico-legal um complexo de bem-estar fisico, mental e social. Constituem elementos típicos do crime de ofensa à integridade fisica a produção de uma acção/omissão que cause, como consequência directa e necessária, uma ofensa no corpo ou na saúde de outrem (crime de resultado ou de dano). Assim, entende-se por ofensa no corpo "todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar fisico de uma forma não insignificante'", Integram o elemento típico todas as actuações que envolvem uma diminuição da substância corporal, como a perda de órgãos, membros ou pele; as lesões da substância corporal, tais como nódoas negras, feridas, inchaços; as alterações fisicas ou a perturbação de funções físicas". Por sua vez, a ofensa na saúde traduz-se na criação ou intensificação de uma situação patológica pré-existente. Por outras palavras, toda a acção violenta que perturbe, modifique ou altere desfavoravelmente o estado de equilíbrio psicossomático da pessoa constitui uma ofensa à integridade fisica jurídico-penalmente relevante. Estas formas de realização típica do crime não necessitam de surgir associadas para que estejamos perante um crime consumado. De facto, pode existir crime mesmo que o ofendido não sofra qualquer lesão corporal, não se exigindo, por conseguinte, qualquer lesão externa, dano fisico ou dores para que o elemento objectivo do tipo se tenha por preenchido". Como já foi salientado, o crime de ofensa à integridade fisica (seja doloso ou negligente) trata-se de um crime de resultado. Por isso, "o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão adequada a evitá-lo" (artigo 100, n.º 1, do Código Penal), sendo certo que no caso não é "outra a intenção da lei", pois à norma interessam tanto as actividades que produzem o resultado que visa evitar, como as omissões que permitem a sua produção. Conforme salienta Paula Ribeiro de Faria, "A lesão da integridade fisica terá que ser objectivamente imputada à conduta (ou omissão) do agente. O que supõe, pelo menos nos casos de comportamentos negligentes, a violação de um dever objectivo de cuidado. (. . .) Muito embora o legislador nada diga acerca da medida do cuidado exigível do agente, pode afirmar-se que esta coincide com o necessário para evitar a ocorrência do resultado típico. A afirmação de um tal dever de cuidado far-se-á caso a caso, em função das particulares circunstâncias da actuação do agente, constituindo auxiliares importantes nessa determinação as normas jurídicas que impõem aos seus destinatários específicos deveres e regras de conduta no âmbito de actividades perigosas ... ,,7. Cumpre aferir se se mostram preenchidos os pressupostos de que a lei faz depender a responsabilização jurídico-penal do agente a título de negligência. São elementos típicos do crime de ofensa à integridade física por negligência: a prática voluntária (produto da vontade livre do agente) de uma conduta (ou omissão dessa conduta) causadora de ofensa à integridade fisica de um terceiro; a violação, mediante a prática de tal conduta, do dever objectivo de cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está sujeito; a ocorrência de um nexo entre a violação de tal dever objectivo de cuidado e a produção da ofensa8. Entende-se por prática voluntária de uma conduta aquela que resulta do perfeito domínio da vontade pelo seu agente. Tal conduta deve ser causadora do resultado desvalioso que, neste caso, é a ofensa à integridade fisica. A ocorrência de tal resultado, mediante a prática da conduta voluntária referida, tem de ser previsível (previsibilidade objectiva). Como critério para aferir dessa previsibilidade, deve atender-se às considerações do normal cidadão, inserido nas circunstâncias do caso concreto, com os específicos conhecimentos do agente. É necessário, pois, recorrer a um princípio de adequação para proceder à imputação do resultado produzido à conduta do agente, sendo de imputar ao agente a lesão do bem jurídico sempre que esta surgir como uma consequência previsível e normal da violação do dever de cuidado - cfr. Paula Ribeiro de Faria, Oh. Cit., p. 263. O critério é, pois, a consideração ex ante da concreta situação de perigo de produção da ofensa à integridade fisica, criada pela conduta do agente, por parte do homem médio, colocado no lugar e com os conhecimentos específicos possuídos pelo agente" e saber se tal homem médio seria capaz de prever a produção do resultado desvalioso. Ora, as normas estradais são um repositório de uma ampla previsão de possíveis perigos emergentes da realização de determinadas manobras rodoviárias e resultam de uma larga experiência e reflexão da Comunidade sobre a matéria. Prevêem-se em tais normas vários deveres de cuidado a adoptar pelos utentes das vias de circulação, mormente condutores, para evitar o agravamento dos perigos inerentes à condução rodoviária que, já de si, constitui uma actividade perigosa. No caso em concreto o embate deu-se numa rotunda. Rotunda é uma praça formada por cruzamento ou entroncamento onde o trânsito se processa em sentido giratório e sinalizada como tal (cfr. artigo 1.° alínea p) do Código da Estrada). O artigo 24.°, n.º 1 do Código da estrada dispõe que o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre visível à sua frente. Por outro lado nas rotundas os condutores devem moderar especialmente a velocidade - artigo 25.°, alínea h) do mesmo diploma legal. Consagram estas normas deveres gerais de cuidado por parte dos condutores. Entendemos que tais deveres foram violados pelo arguido. Com efeito, o arguido colheu o ofendido numa rotunda, local onde se exige especial cuidado dos condutores, sendo que o tempo estava bom e o local gozava é dotado de boa visibilidade. E nem se diga que o peão surgiu no meio da faixa de rodagem de modo súbito, pois que, na realidade, o ofendido, pessoa de idade avançada, deslocava-se lentamente e apoiado numa bengala, por ter dificuldades de locomoção pelo menos àquela data, o que significa dizer que não surgiu no local de modo repentino. Impunha-se, face aos deveres objectivos de cuidado acima mencionados, que o arguido adequasse a velocidade e prestasse atenção a todos os obstáculos que pudessem surgir-lhe na rotunda para que pudesse imobilizar o veículo antes do embate. Tudo actuações que o arguido omitiu e que podia ter adoptado, pois está devidamente habilitado a conduzir, conhecendo as regras que norteiam a condução e, no caso em concreto, conhecendo bem o local. Para se saber se se verifica uma relação causal entre a violação do dever objectivo de cuidado e a produção das ofensas em terceira pessoa, deve determinar-se qual o âmbito de protecção da norma de cuidado violada, isto é, qual o interesse tutelado e o acontecimento que se visa evitar. Só se sabe se da conduta violadora do dever objectivo de cuidado resultou a produção do resultado desvalioso caso este coincida com aquele, cuja produção se visa obviar. Ora, os deveres de cuidado vertidos nas normas supra citadas relevam todos para a situação em apreço, pois que a sua violação se mostra causal do sinistro. Importa ainda chamar à colação a norma do artigo 15°, do Código Penal, pois não basta a mera imputação objectiva da conduta do agente para estabelecer a sua responsabilização jurídico-penal, que terá também de assentar numa forma de culpa, que permita a formulação de um juízo de reprovação pelo que fez, ou pelo que deixou de fazer quando podia e devia ter feito (artigo 13°, do Código Penal). De facto, para que a conduta do agente se possa considerar negligente, não basta a mera inobservância de um dever jurídico, sendo ainda necessário que esse dever seja adequado a evitar a produção do evento. Por outro lado, não basta que o agente não tenha usado da diligência que lhe era exigida de acordo com as circunstâncias concretas, tendo em conta os seus conhecimentos e capacidades pessoais, sendo ainda necessário que a produção do evento seja previsível e que ele só a não haja previsto, ou previsto em toda a sua extensão, porque não actuou com a diligência que o dever de cuidado que sobre si impendia lhe impunha. De acordo com aquele artigo 15°, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização (negligência consciente que residirá na deficiente ponderação do risco de produção do facto); b) não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto (negligência inconsciente, que se reconduz à ausência de pulsão para a representação do facto). O facto negligente só é, pois, punível, se for juridicamente censurável. Tal elemento - a culpa na prática do facto negligente - tem por base um raciocínio de comprovação de que o agente estava em condições, face às suas faculdades, aos seus conhecimentos técnicos e à perícia que dispunha no momento da prática do facto, de prever a produção do resultado desvalioso com a prática da sua conduta, de reconhecer o conteúdo do dever objectivo de cuidado violado e de respeitar as exigências de cuidado que do mesmo resultam. O que interessa é, pois, aferir se o agente "com o seu nível individual de força, experiência e conhecimento" estava em situação de poder antever a produção do resultado danoso e o respectivo processo causal, e de cumprir as exigências decorrentes do dever de cuidado objectivamente determinado. Trata-se do dever subjectivo de cuidado, a que alude a expressão "de que é capaz", constante do corpo do artigo 15°, do Código Penal. Dos factos dados como provados, poderá o Tribunal concluir que os elementos acima referidos se verificam? Entendemos que sim. Na verdade, o arguido, que havia entrado em circulação no interior de uma rotunda, não adequou a velocidade do veículo em que seguia por forma a imobilizar o veículo no espaço livre e visível. Impunha-se, face aos deveres objectivos de cuidado acima mencionados, que o arguido prestasse atenção e detivesse a marcha do veículo antes do embate. Tudo actuações que o arguido omitiu e poderia ter adoptado. E nem se diga que é imprevisível que numa rotunda surjam peões a atravessá-la pela faixa de rodagem giratória, uma vez que tratando-se de locais de intersecção de várias estradas, a eventualidade de ali circular um peão que pretenda aceder de um local para outro é uma probabilidade que os condutores devem ter sempre presente, tanto mais quando estas se localizam no interior de localidades ou com habitações nas suas imediações, como acontece na situação em apreço. Aliás, mesmo que a rotunda fosse dotada de reduzida visibilidade (o que não resultou provado), por impossibilidade do condutor não conseguir avistar todas as suas saídas, designadamente face ao relevo, motivos decorativos ou vegetação existentes na praça central, tal circunstância obriga o condutor a redobrar os cuidados para evitar embater em obstáculos que não conseguiu avistar à entrada da mesma, reduzindo especialmente a velocidade para conseguir imobilizar o veículo ou levar a cabo manobras que permitam evitar a colisão, tudo no espaço livre e visível à sua frente. Da conduta do arguido, praticada com perfeito domínio de vontade, violadora de tais deveres, resultou a colisão com o peão, da qual resultaram lesões fisicas para este. Por outro lado, é precisamente a colisão e a consequente produção de ofensa à integridade física aos transeuntes, o resultado lesivo que tais deveres têm por função evitar. Mostra-se, por isso, verificado o nexo de causalidade normativa supra enunciado. O arguido goza das faculdades e destreza comuns às de um normal cidadão, sendo-lhe, por isso, exigível a adopção de uma conduta respeitadora dos deveres de prudência acima mencionados, considerando as circunstâncias concretas do sinistro. O arguido cometeu, pois, o crime de ofensa à integridade fisica por negligência por que vem pronunciado. Não podemos concluir dos factos provados que o arguido previu sequer o resultado, pelo que terá actuado com negligência inconsciente. ------------------------------------------------------------------------------------------------------- PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO Questão prévia: A fls. 403 e ss. o demandante T veio requerer a condenação da demandada Companhia de Seguros Açoreana, S.A., no pagamento das despesas que entretanto efectuou, no valor de 466,75,€ alegando que estes danos são consequência das lesões sofridas. Nos termos do artigo 264, n.º 2, do C.P.Civil, o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. Ora, a requerida ampliação do pedido assenta numa causa de pedir ex novo, antes decorre do desenvolvimento do pedido primitivo, pretendo o demandante ajustá-lo à integralidade da lesão e reparação dos danos que alega ter sofrido, razão pela qual a requerida ampliação é admissível. * De acordo com o art. 483.°, n.º 1, "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação". A causa de pedir nas acções emergentes de acidente de viação é complexa, abarcando, nos casos em que se invoca a actuação ilícita do respectivo responsável (como ocorre in casu), a totalidade dos pressupostos da obrigação de indemnizar vertidos no mencionado artigo - veja-se, a propósito, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2. a ed., p. 662 e ss. e, entre outros, Ac. RL de 14-03-1991, CJ, II, p. 154. São os seguintes tais pressupostos, face ao transcrito art. 483° e 563° do Cód. Civil: a prática de um facto voluntário pelo condutor do veículo; a ilicitude de tal facto; a verificação de um nexo de imputação subjectiva do facto ao seu agente ou culpa; a existência de danos causados de forma adequada pelo facto ilícito e culposo, de modo a permitir afirmar que os danos se devem à conduta ilícita. Em regra incumbe ao demandante enquanto facto constitutivo do seu direito, a prova dos mencionados pressupostos. Já sobre a demanda impende o ónus de provar matéria factual que altere, modifique ou extinga o direito que contra si é invocado. Veja-se, a propósito, o art. 342°, n.º 1 e 2, do Cód. Civil. No âmbito das normas estradais, sempre que se verificar a violação de leis ou regulamentos, a mera culpa ou negligência constitui-se nessa violação, não sendo necessária a sua prova em concreto, desde que o sinistro seja um daqueles que a norma violada pretendeu evitar - cfr. Ac. RC de 31-10-1990, CJ, IV, p. 101. ANÁLISE DOS FACTOS E SUBSUNÇÃO AO DIREITO: o direito que o demandante T pretende fazer valer através da presente acção inscreve-se no domínio da responsabilidade civil aquiliana que radica em quatro pressupostos essenciais: o facto ilícito, o nexo de imputação subjectiva, o dano e o nexo de causalidade. o facto ilícito consubstancia-se no acidente enquanto ocorrência resultante da acção humana lesiva de bens jurídicos pessoais e (ou) patrimoniais. O nexo de imputação subjectiva exprime a ligação psicológica do agente com a produção do acidente e traduz o grau de censurabilidade que a conduta merecer. O dano representa o desvalor infligido aos bens jurídicos alheios por acção do facto ilícito. Finalmente, o nexo de causalidade revela-se no juízo de imputação objectiva do dano ao facto que o produz. Ora, o litígio em apreço centra-se prioritariamente nos dois primeiros pressupostos enunciados, competindo pois captar a dinâmica do acidente, tal como emerge da discussão da causa, para de seguida valorar juridicamente a acção dos respectivos intervenientes de molde a apurar o seu grau de contribuição ou responsabilidade na produção do mesmo. Da análise do factualismo apurado verifica-se que a colisão ocorreu quando o condutor do veículo automóvel matrícula JH-, ligeiro de passageiros, aqui demandado, circulava numa rotunda, momento em que ali se encontrava o demandante a circular a pé no interior da faixa de rodagem giratória da rotunda, pretendo por ali atravessar. Do embate em apreço, resultou para o A., traumatismo do membro inferior direito e traumatismo do tórax» e, como consequência directa e necessária, dores, «cicatriz com 8 cm na face anterior do joelho; cicatriz com 14 cm antero-externa do joelho e perna direita; alterações tróficas da pele, rigidez articular marcada do joelho, e 200 (duzentos) dias de doença, 180 (deles) deles com incapacidade para o trabalho geral e para profissional. Como supra aludimos, o condutor do veículo não adequou a velocidade ao local por onde circulava, em violação do disposto no artigo 24.°, n." 1 e 25.° do C.Estrada. Sucede também que se surpreende da parte do demandante uma infracção ao Código da Estrada. Vejamos. Sob a epígrafe "lugares em que podem transitar" dispõe o artigo 99.° do C.Estrada o seguinte: Os peões devem transitar pelos passeios, pistas ou passagens a eles destinados ou, na sua falta, pelas bermas. 2 - Os peões podem, no entanto, transitar pela faixa de rodagem, com prudência e por forma a não prejudicar o trânsito de veículos, nos seguintes casos: a) Quando efetuem o seu atravessamento; b) Na falta dos locais referidos no n.º 1 ou na impossibilidade de os utilizar; Ora, o demandante não utilizou as bermas da rotunda para proceder à travessia e, não obstante as suas dificuldades de visão, audição e locomoção, optou por transitar na faixa de rodagem de costas voltadas para a circulação normal de trânsito. Se a conduta do demandado é demonstrativa da falta da falta de atenção e cuidado no exercício da condução, foi também a conduta do demandante, que consistiu na infracção à supra aludida regra, aplicável aos peões, como se disse, bem ainda violação do dever de cuidado no exercício da travessia da faixa de rodagem que o fizeram contribuir para a produção do acidente de forma culposa. Se é certo que não fazia a travessia da faixa de rodagem pelo local onde deveria ter feito, e descurou também outras cautelas, não tendo resultado provado que, apesar das suas limitações, tivesse procedido aos cuidados prévios aos atravessamentos das vias, como certificar-se a aproximação de veículos (caminhado até de costas voltadas para os veículos que ali surgissem, como admitiu). Tudo visto, entendemos que concorrem para a produção dos danos a culpa de ambos -demandado e demandante -, e atento o maior grau de culpa de violação do dever legal da parte do condutor habilitado, consubstanciado no facto da transgressão ser praticada ao volante de um automóvel (actividade esta com os riscos que lhe estão associados e a exigir dos condutores redobrados cuidados) em desproporção com o peão, e na circunstância deste ter sido colhido quando se encontrava a atravessar a faixa de rodagem pelo interior da rotunda, quantificamos a concorrência de culpas na proporção de 70% para o condutor do veículo e aqui demandando e de 30% para o peão e aqui demandante. Porque o acidente emerge de um facto ilícito imputável a ambos os intervenientes, no caso do condutor do veículo torna-a incursa na previsão do art. 483°, n.º 1, do Código Civil, impende sobre a Ré seguradora a obrigação de ressarcir os danos causados ao autor, pois por força do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ----, em vigor à data do acidente, o proprietário daquele, transferiu para esta a responsabilidade civil perante terceiros, pelos danos decorrentes de acidentes que envolvessem o veículo JH. * Os danos/Cômputo da indemnização: Apurada que está a obrigação de ressarcir o A. pelos danos decorrentes do acidente de viação, bem como a responsável pela sua reparação, resta determinar qual o montante da indemnização a pagar. A este propósito, dispõe o art. 562° do Cód. Civil que, "quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obrigou à reparação". No que concerne aos danos patrimoniais, uma vez afastada a reconstituição natural, a sua reparação concretiza-se na restituição ao lesado das quantias em que os mesmos sejam avaliados (art. 566, nº 1 do Cód. Civil). Passaremos assim a analisar os factos, que em razão da sua ligação directa ao acidente, se analisam nos danos sofridos. Tais danos de natureza patrimonial são de fácil quantificação dada a matéria de facto assente. Porém, no que concerne ao quantum indemnizatório, destes danos apenas é ressarcível o montante de 260,76€, relativo às despesas custeadas pelo demandado no período em que esteve internado a receber assistência e tratamentos de fisioterapia na Associação Cultural de Apoio Social de Olhão, como decorrência directa do acidente. Das demais despesas que o ofendido custeou em virtude dos serviços domiciliários prestados pela Santa Casa da Misericórdia de Castro Marim desde Janeiro de 2011, relativos a cuidados de higiene pessoal, fraldas e transporte, num total de 2.352,09 € (dois mil trezentos e cinquenta e dois euros e nove cêntimos), por não ter resultado provado qualquer nexo de causalidade entre estes danos e o facto lesivo, deve a demandada ser absolvida. * O demandante peticiona, ainda, a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de 50.0000,00€. Apurou-se apenas que na sequência do embate o demandando, sofreu mesmo traumatismo do membro inferior direito e traumatismo do tórax» e, como consequência directa e necessária, dores, «cicatriz com 8 cm na face anterior do joelho; cicatriz com 14 cm antero-externa do joelho e perna direita; alterações tróficas da pele, rigidez articular marcada do joelho», e 200 (duzentos) dias de doença, 180 (deles) deles com incapacidade para o trabalho geral e para profissional. Atenta a natureza destes danos, toma-se necessário verificar se tal reparação poderá ter ou não lugar face ao exposto no art. 496° do Código Civil. É que, se o nosso legislador permite sem margem para dúvidas a indemnização de danos não patrimoniais, a verdade é que coloca à sua reparação uma limitação acrescida: que tais danos, 'pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.° n.º 1 do Código Civil). No que respeita aos danos não patrimoniais, deve o tribunal, de acordo com o disposto o no art. 496°, nº 3 do C. Civil, recorrer à equidade para determinação do montante devido ao lesado. Procura-se alcançar uma compensação pela sua verificação, na qual se deverá ponderar o grau de culpa do agente, a sua situação económica, a situação económica do lesado e demais circunstâncias com relevância (art. 494° ex vi do art. 496, nº 3, ambos do Cód. Civil). No caso sub Júdice, é significativo quer o sofrimento fisico quer o sofrimento psicológico decorrente das lesões e do tratamento das mesmas a que o demandante teve de se submeter, sendo que tal sofrimento se mostra agravado pela altura da sua vida em que o mesmo ocorreu, já que conta com uma idade avançada. A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente e tendo em conta o disposto no art. 494° do Código Civil (art. 496° nº 3 do Código Civil). Assim, por provadas as circunstâncias de facto referidas, as suas consequências, bem ainda o facto de o demandante ter concorrido para a produção do resultado acidente, afigura-se como adequada para a reparação dos danos morais sofridos pelo demandante, com base na equidade, a quantia de € 8000.00 (oito mil euros), designadamente em face dos critérios orientadores da Portaria n. ° 377/2008 de 26 de Maio, a qual apesar de não vinculativa para os tribunais, contém contributos como instrumento de trabalho. Urge concretizar porém que subscrevemos o entendimento segundo o qual atenta a natureza dos danos em causa, que mais do que indemnizar visam a compensação pelo dano sofrido, não se compaginam com quantificação aritmética em função da concorrência e culpas apurada, já que na ponderação do montante adequado, segue-se um critério equitativo, como se referiu, sendo incompatível com este critério ou juízo de equidade a incidência, a final, da percentagem resultante da concorrência de culpas supra apurada. Sempre se dirá porém, que o juízo de equidade é necessariamente iluminado pela consideração da culpa nos termos que supra se consignaram. Do pedido de indemnização Civil do Hospital de Faro, E.P.E.: O demandante Hospital de Faro, E.P.E, peticionou a condenação do demandado/arguido no pagamento a si da quantia de 19. 728,20€. Por outro lado, o artigo 129°, do Código Penal estatui que, a indemnização de perdas e danos emergentes da prática de um crime é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil, o que vale por dizer que, neste âmbito, o demandado está obrigado a indemnizar os lesados pelos danos resultantes do facto ilícito e culposo que haja praticado. Há, assim, que aferir da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos, fixados no artigo 483.°, do Código Civil. Já foram apurados os elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual o demandado por factos ilícitos, a saber: O facto voluntário do agente; A ilicitude; O nexo de imputação do facto ao agente ou culpa; A produção do dano; E, por último, o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano. O ofendido recebeu tratamento hospitalar que importou um custo de 19. 728,20€. Nos termos do artigo 6.°, n.º 1 do DL 218/99, de 15 de Junho, as instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde podem constituir-se partes civis em processo penal relativo a facto que tenha dado origem à prestação de cuidados de saúde. Sem necessidades de maiores considerações, condena-se a demandada Companhia de Seguros Açoreana, S.A., no pagamento deste valor, posto que se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil. Os factos por que o arguido responde no presente processo ocorreram em 19/8/10, pelo que a versão do Código da Estrada então em vigor era a resultante das sucessivas alterações até à Lei nº 78/2009 de 13/8, inclusive. Na falta de indicação em contrário, as referências que irão ser feitas a disposições do CE serão reportadas à redacção vigente ao tempo da prática dos factos. A recorrente alega, como fundamento da ausência de culpa do seu segurado (arguido) na produção do acidente viário de que resultaram ofensas na integridade física do lesado, a violação, por parte deste, das normas dos arts. 3º nº 2 e 99º a 101º do CE, no processo causal do sinistro. O nº 2 do art. 3º do CE estatui: As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias. Do art. 99º do CE interessa retermos as seguintes disposições: 1 - Os peões devem transitar pelos passeios, pistas ou passagens a eles destinados ou, na sua falta, pelas bermas. 2 - Os peões podem, no entanto, transitar pela faixa de rodagem, com prudência e por forma a não prejudicar o trânsito de veículos, nos seguintes casos: a) Quando efectuem o seu atravessamento; (…) O normativo do art. 100º do CE é manifestamente inaplicável à situação factual em apreço, porquanto disciplina o trânsito de peões na faixa de rodagem em sentido longitudinal e não o seu atravessamento, o qual, por seu turno, se rege pelo art. 101º do mesmo diploma legal, que é do seguinte teor: 1 - Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente. 2 - O atravessamento da faixa de rodagem deve fazer-se o mais rapidamente possível. 3 - Os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito ou, quando nenhuma exista a uma distância inferior a 50 m, perpendicularmente ao eixo da faixa de rodagem. 4 - Os peões não devem parar na faixa de rodagem ou utilizar os passeios de modo a prejudicar ou perturbar o trânsito. 5 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de € 10 a € 50. A norma do nº 2 do art. 3º do CE, cuja transgressão é sancionada com coima pelo nº 3 do mesmo artigo, visa reprimir comportamentos lesivos do normal decurso do trânsito viário e da segurança e do bem-estar dos utentes da via, o que não se confunde com a violação das regras, que disciplinam o trânsito e a utilização da via, por parte dos respectivos sujeitos, mormente, peões e condutores de veículos, que é o que está em causa no presente processo. Nesta ordem de ideias, afigura-se-nos que a conduta do ofendido no processo causal do seu atropelamento pelo veículo conduzido pelo arguido não se encontra abrangida na previsão da mesma norma legal. De todo o modo, partindo-se do princípio, como a recorrente, que o atropelamento a que se referem os autos é imputável total ou predominantemente à conduta do atropelado, teremos de constatar que esta não deu origem a qualquer das consequências a que se refere o nº 2 do art. 3º do CE. Por um lado, o ofendido não atentou contra a segurança ou a comodidade de qualquer dos utentes da via, a não ser, porventura, de si próprio, sendo irrelevantes, no contexto, as condutas autolesivas. Por outro lado, o ofendido não impediu ou embaraçou o trânsito, mas somente terá dado azo a que um veículo, que circulava na faixa de rodagem, tenha embatido na sua pessoa, o que não é o mesmo. De entre as normas estradais que a recorrente entende terem sido violadas pelo ofendido, no processo causal do acidente, a única que se nos afigura poder ter sido por ele transgredida é a do nº 1 do art. 101º do CE, já não que se demonstrou que ele, antes de efectuar o atravessamento da via, se tivesse certificado que não havia veículos a circular no local. Não está em causa a transgressão do disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo em referência, por quanto não se provou que o sinistrado não tenha efectuado o atravessamento da via com a rapidez que lhe era permitida pelas limitações físicas de que sofria, nem que tivesse parado na faixa de rodagem, nem tão pouco que existisse a menos de 50 m do local do acidente uma passagem reservada à travessia de peões. De todo o modo, a circunstância de o ofendido, antes ter iniciado o atravessamento da faixa de rodagem, não se ter certificado que não havia qualquer veículo aproximar-se não implica, conforme salientou o Tribunal «a quo», que ele se tenha interposto de forma imprevista na trajectória do veículo tripulado pelo arguido, em termos de não lhe ter possibilitado, em tempo útil, o accionamento dos órgãos de travagem da viatura. Nesta conformidade, não podemos deixar de concordar com o ajuizamento feito pelo Tribunal «a quo» no sentido de que o atropelamento do ofendido pelo veículo conduzido pelo arguido teve, separada ou cumulativamente, as seguintes causas: - O arguido conduzia sem prestar a necessária atenção à condução; - O arguido fazia circular s viatura a uma velocidade que não lhe permitiu deter ou controlar a sua marcha, de forma s evitar o embate no peão. É certo que sempre poderá dizer-se que, em última instância, o atropelamento não teria tido lugar se o sinistrado não tivesse efectuado o atravessamento da via nos termos em que o fez, cruzando a rotunda, em vez de a contornar, pela respectiva berma, como lhe era legalmente exigido. Daí não se segue, porém, que a presença do peão naquele local da faixa de rodagem fosse, para o condutor, de todo imprevisível, na medida em que é da experiência comum que nem sempre todos os utentes da via cumprem as regras a que estão adstritos. A partir do momento em que o arguido teve ou pôde ter, em tempo suficiente, a percepção do atravessamento da via pelo ofendido, o processo causal do atropelamento passa a estar na sua disponibilidade. Neste contexto, também se nos afigura correcta a ponderação da concorrência de culpas na produção do acidente efectuada pelo Tribunal de julgamento (70 % para o arguido e 30% para o ofendido e demandante civil), ainda que, nesse ajuizamento, tenha feito apelo a um facto, que não consta da matéria assente, a saber que o ofendido atravessou a faixa de rodagem de costas para o sentido de marcha dos veículos que nela circulavam, o que não é processualmente admissível, pois só os factos julgados provados, que, nessa qualidade, foram necessariamente objecto do contraditório pelos sujeitos de processo, podem ser tomados em consideração no conhecimento das questões que tenham de ser dirimidas em sede de sentença, seja na vertente criminal, seja na civil. Mesmo assim, tendo em conta todo o restante contexto factual apurado, o ajuizamento efectuado pelo Tribunal «a quo» deverá ser mantido, não obstante ter de se abstrair do aludido facto, não incluído na matéria provada. Em face do que se vem expondo, a pretensão recursiva terá de soçobrar, na parte relativa ao pedido de absolvição da demandada civil e de alteração, em sentido favorável ao arguido, da concorrência de culpas na produção do acidente fixada pela sentença recorrida. Uma vez aqui chegados, resta-nos apreciar a pretensão formulada pela recorrente, no sentido se ser descontado aos montantes indemnizatórios que foi condenada a pagar, o valor correspondente à percentagem de culpa concorrente do ofendido. A sentença em crise condenou a demandada civil e ora recorrente no pagamento das seguintes quantias indemnizatórias parcelares, todas acrescidas dos juros legais: - € 260,76 (duzentos e sessenta euros e setenta e seis euros), a título de danos patrimoniais, ao demandante civil ofendido, T; - a quantia de 8.000,00€ (oito mil euros) a título de danos não patrimoniais, ao demandante civil ofendido, T; - 19.728,20€ (dezanove mil setecentos e vinte e oito euros e vinte cêntimos), referente a despesas com a prestação de cuidados de saúde a T, ao demandante Hospital de Faro, E.P.E. Sobre o efeito da concorrência de culpas na responsabilidade civil por factos ilícitos rege o art. 570º do CC: 1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar. No que se refere às indemnizações por danos patrimoniais, incluindo a que foi arbitrada ao demandante Hospital, teremos de reconhecer razão à recorrente. Na verdade, a sentença recorrida não fez reflectir nos montantes dessas indemnizações a concorrência de culpas ajuizada, reduzindo-as na respectiva proporção (30%), conforme lhe impõe o nº 1 do artigo da lei civil agora transcrito. Assim sendo, serão as indemnizações por danos por danos patrimoniais diminuídas nos seguintes termos: - De € 260,76 para € 182,53, a indemnização atribuída ao demandante civil TC; - De € 19.728,20 para € 13.80974, a indemnização atribuída ao demandante civil Hospital de Faro, E.P.E. Mais complexa se apresenta a questão, relativamente à indemnização por danos não patrimoniais. Ao contrário do que sucede com a indemnização dos danos patrimoniais, à qual subjaz claramente um princípio de ressarcimento económico-material dos prejuízos sofridos e dos lucros que se deixou de auferir, a indemnização por danos não patrimoniais assume uma função essencialmente compensatória do sofrimento que o lesado tenha tido de suportar. Como tal, de acordo com o disposto no nº 4 do art. 496º do CC, o valor da indemnização por danos morais terá de ser determinado pelo Tribunal, mediante um juízo de equidade, com fundamento nos parâmetros definidos pelo art. 494º do mesmo Código e que são, além de outros que se mostrem relevantes, o grau de culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado. Na sentença sob recurso, o Tribunal «a quo» entendeu que, uma vez estabelecido o montante da indemnização por danos não patrimoniais, a favor do demandante ofendido, não havia lugar ao desconto do valor correspondente à proporção de culpa concorrente do próprio lesado na produção dos danos, porquanto a questão da concorrência de culpas já foi necessariamente considerada no juízo equidade, com base no qual a indemnização foi determinada. Embora reconheçamos que solução está longe de ser inequívoca, tanto mais que a enumeração de circunstâncias do art. 494º do CC não é exaustiva, inclinamo-nos a aceitar que, na elaboração do juízo de equidade a que se refere o nº 4 do art. 496º do CC, apenas sendo o eventual contributo culposo do lesado na ocorrência do facto lesivo exterior a essa operação intelectual. Nesta ordem de ideias, haverá sempre lugar, uma vez quantificada a indemnização, ao desconto do valor correspondente ao grau de culpa concorrente do lesado. Tendo o Tribunal fixado em € 8.000 o valor a indemnização em referência, teremos de concluir que, caso tivesse seguido o caminho inverso, ao referido montante indemnizatório «líquido» teria de corresponder uma indemnização «bruta», isto é antes do desconto, de aproximadamente € 11.430. Considerando os critérios do art. 494º do CC, as consequências, que concretamente resultaram para o ofendido da conduta pela qual o arguido responde criminalmente nos autos, descritas nos pontos 12, 21 a 26 e 28 a 30 da matéria provada, e a orientação mais recente da jurisprudência, o referido montante não se nos afigura, de modo algum, exagerado. Consequentemente, não há lugar à correcção do valor da indemnização por danos não patrimoniais arbitrada ao demandante ofendido, mantendo-se o decidido e improcedendo a pretensão recursiva neste ponto. III. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: a) Conceder provimento parcial ao recurso interposto pela demandada civil «Companhia de Seguros Açoreana, SA», e revogar a sentença recorrida, na matéria cível, nos termos das alíneas seguintes; b) Reduzir para € 182,53 o valor da indemnização por danos patrimoniais, que a demandada vai condenada a pagar ao demandante T, absolvendo-a do demais peticionado nessa sede; c)) Reduzir para € 13.809,74 o valor da indemnização por danos patrimoniais, que a demandada vai condenada a pagar ao demandante Hospital de Faro EPE, absolvendo-a do demais peticionado por este demandante: d) Condenar demandantes e demandada nas custas dos pedidos de indemnização civil na proporção do respectivo decaimento; e) Negar provimento ao recurso quanto ao mais, mantendo a decisão recorrida. Custas do recurso a cargo dos recorrentes e dos recorridos (demandantes), também na proporção do decaimento. Notifique. Évora, 6/2/18 (processado e revisto pelo relator) (Sérgio Bruno Povoas Corvacho) (João Manuel Monteiro Amaro) . |