Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2824/07-3
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: CITAÇÃO POR VIA POSTAL
Data do Acordão: 04/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO SOCIAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. A citação de uma sociedade, por carta registada com a.r., pode ser feita na pessoa de qualquer empregado, que se encontre na respectiva sede ou local onde funciona normalmente a administração (art.º 231º, nsº 1 e 3, do CPC).
2. A recusa, por parte desse empregado, em receber a carta ou em assinar o a.r., desde que devidamente certificada pelo distribuidor postal, não afecta a validade da citação – art.º 237º-A, nº 3, aplicável por força do art.º 233º, nº 2, al. a), ambos do CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes que compõem a Secção social deste Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal do Trabalho de …, e em acção com processo comum, instaurada a 17/11/2004, A. …, identificado nos autos, demandou B. …, Lda., com sede em …, pedindo a condenação da R. no pagamento das quantias de € 2.400 de indemnização de antiguidade, € 1.600,00 de dois meses de remuneração por falta de aviso prévio, € 3.200,00 de subsídios de férias, igual quantia de subsídios de Natal, € 800,00 de salário de Outubro de 2003, e ainda as retribuições deixadas de auferir desde 31/10/2003, até ser proferida sentença. Para o efeito, alegou em resumo ter sido admitido ao serviço da R. em 1/2/2000, como motorista, auferindo a retribuição mensal de € 800,00; em Outubro de 2003, a R. propôs-lhe uma redução de salário, que não aceitou, levando a empregadora, a 22/11 seguinte, a despedi-lo verbalmente; por outro lado, nunca gozou férias, que também nunca lhe foram pagas, tal como os respectivos subsídios, e os subsídios de Natal.
A R. não se fez representar na audiência de partes prevista no art.º 55º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), tendo a Ex.ª Juiz, considerando-a devidamente citada, determinado então a notificação da mesma para contestar.
Decorrido o prazo para o efeito, e não tendo sido deduzida contestação, a Ex.ª Juiz considerou confessados os factos alegados na petição, e proferiu sentença, julgando a acção parcialmente procedente, declarando ilícito o despedimento do A., e condenando a R. a pagar-lhe as quantias de € 3.048,00 de subsídio de férias, igual quantia de subsídio de Natal, € 800,00 relativos ao salário de Outubro de 2003, € 2.400,00 de indemnização de antiguidade, e ainda as retribuições que o A. deixou de auferir, desde 17/10/2004 e até À sentença, no valor de € 6.533,34.
Inconformada com tal condenação, dessa sentença veio então apelar a R.. Na respectiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
- a sociedade R. ora apelante foi condenada em sede de 1ª instância por considerar o tribunal a quo que esta se considerava regularmente notificada e consequentemente, ao não ter contestado, considerou confessados os factos alegados pelo A.;
- a citação foi efectuada com inobservância das formalidades estatuídas na lei, sendo por isso nula (art.º 198º do Código de Processo Civil – C.P.C.);
- o expedidor postal ao tentar entregar a citação, não conseguiu fazê-lo na pessoa da legal representante da R., pelo que deveria ter deixado aviso para que a citação pudesse ter sido levantada na estação de correios;
- a funcionária da sociedade R. não estava autorizada por esta a receber correspondência registada, pelo que não recusou a citação como refere o expedidor postal, antes sim lhe disse que não estava autorizada a receber a referida correspondência, o que é manifestamente diferente;
- o expedidor postal tinha a obrigação legal de proceder em conformidade com o disposto no nº 5 do art.º 236º do C.P.C., mas assim não fez;
- e lavrou na correspondência que esta tinha sido recusada pela R., quando nem sequer a R. teve conhecimento da correspondência ter sido enviada nem de onde provinha;
- ainda assim deveria a citação ter sido repetida e em caso de nova frustração, deveria aquela ter sido depositada na caixa do correio da R., mas tal formalismo legal nunca foi cumprido;
- nem sequer deixou aviso para que a R. pudesse proceder ao levantamento posterior da correspondência registada;
- em conformidade com o supra descrito, o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no nº 3 do art.º 237º-A do C.P.C. considerou confessados os factos alegados pelo A.;
- no entanto entendemos que tal interpretação legal não corresponde à letra nem ao espírito da lei, é que para que seja cumprido o disposto no nº 3 do citado preceito legal, terão que se verificar todas as condições constantes nos nsº 1 e 2, mas tal não aconteceu;
- não existe contrato reduzido a escrito nem dele consta, porque não existe, convenção entre A. e R. do local para onde deveriam ser enviadas as notificações;
- nem houve informação de alteração de morada;
- assim, o incumprimento da lei por parte do expedidor postal e a interpretação errónea da lei por parte do Tribunal a quo levaram a que fosse proferida a decisão de que ora se recorre,
- o Tribunal recorrido considerou provado ter existido um contrato de trabalho verbal entre A. e R. e que ao montantes peticionados pelo A. lhe são devidos pela R.;
- mas na verdade o contrato verbal existente entre A. e R. era um contrato de prestação de serviços, cfr. docs. Juntos e que se reproduzem para todos os efeito legais;
- não havendo subordinação hierárquica do A. à R., não existindo salário fixo nem horário de trabalho estipulado.
E terminou a recorrente pedindo a sua a absolvição do pedido, devido à nulidade da citação, ou em alternativa que o processo seja mandado repetir ab initio.
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Notificado da interposição do recurso, o A. não contra-alegou.
Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Magistrada do MºPº emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência da apelação.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Vem questionada pela recorrente a validade da citação e da notificação para contestar efectuadas nos autos, que o Tribunal a quo considerou regulares, nessa medida, e face à revelia da R., julgando confessados os factos alegadas na p.i., por força da regra do art.º 57º, nº 1, do C.P.T..
O âmbito de recurso circunscreve-se a essa problemática, já que no que toca à questão da existência, ou não, de um contrato de trabalho subordinado, que a apelante igualmente suscita, não pode ela ser conhecida neste âmbito. Trata-se, manifestamente, de matéria de defesa, cuja oportunidade apenas cabe em sede de contestação (cfr. art.º 489º, nº 1, do C.P.C.). A alegação da mesma só poderá vir a fazê-la a R. caso a apelação interposta venha a ser julgada procedente, e assim ordenada a repetição dos actos, citação e notificação, que a recorrente sustenta serem nulos.
Mas atentemos nos elementos do processo que se mostram pertinentes ao conhecimento do mérito do recurso.
Designada no despacho liminar a audiência de partes prevista no já referido art.º 55º, e nesse âmbito determinada também a citação da R. para comparecer a tal diligência, a secretaria judicial expediu para o efeito à R., para a morada da respectiva sede, referida na p.i., carta registada com aviso de recepção, de modelo constante do anexo à Portaria nº 953/2003, de 9/9.
Essa carta, e o respectivo a.r., foram porém devolvidas ao Tribunal, pelo distribuidor postal, que consignou no verso do sobrescrito a referência ‘Recusado’, preenchendo ainda, no local aí designado de ‘nota de incidente’, os campos destinados a ´recusa de recebimento da carta’, e ‘recusa de assinatura do AR’.
Junta aos autos a carta devolvida, e o a.r., a Ex.ª Juiz proferiu despacho, nos seguintes termos: ‘Considero a citação efectuada – art.º 237º-A do C.P.C.. Aguarde a data da a.p.’.
Na referida diligência a R. não se fez representar, sendo então designada data para julgamento, e determinada a notificação da demandada para contestar, em dez dias, e sob a cominação legal.
Em cumprimento do ordenado, nova carta registada foi enviada à R., para o mesmo local. Também ela veio devolvida pelo distribuidor postal, que fez consignar, no respectivo verso, a referência ‘Recusado pelo destinatário’.
A Ex.ª Juiz considerou a notificação feita, proferindo depois sentença, em que julgou confessados os factos articulados pelo A., e decidiu de direito, nos termos que se referiram.
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A disciplina jurídica das citações e notificações acha-se prevista nos arts.º 228º e ss. do C.P.C., em termos que importa reconhecer não serem perfeitamente lineares, fruto de sucessivas alterações que ao longo dos tempos têm sido introduzidas neste segmento da lei processual.
A citação, enquanto acto pelo qual se dá conhecimento ao réu que contra ele foi proposta determinada acção (art.º 228º, nº 1), é em primeira linha pessoal, e efectuada por via postal, que se opera mediante a entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção (art.º 233º, nº 2, al. a)), cujo conteúdo formal deverá ainda obedecer às regras enunciadas no art.º 236º, nº 1.
No caso de pessoas colectivas e sociedades, a citação ou notificação deve fazer-se na pessoa dos seus legais representantes; porém, tais entidades não deixarão de considerar-se também pessoalmente citadas ou notificadas se o forem na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração (art.º 231º, nsº 1 e 3).
Se o citando recusar o recebimento da carta ou a assinatura do a.r., o distribuidor postal deve então lavrar nota do incidente, certificando a recusa, e devolvendo a carta ao remetente – arts.º 233º, nº 2, al. a), e 236º, nº 6.
O que se pergunta, e constitui afinal o cerne da questão do recurso, é se nessas situações a citação deve ou não ter-se por validamente efectuada, tal como se a carta tivesse sido devidamente entregue ao destinatário.
A resposta é inequivocamente afirmativa: tal como expressamente prevê o art.º 237º-A, nº 3, ‘...a citação considera-se efectuada face à certificação da ocorrência.
Não colhe, neste particular, o argumento da inaplicabilidade ao caso dos autos da regra deste art.º 237º-A, nº 3, em que a recorrente assenta, no essencial, a sua tese. Muito embora tal normativo se encontre inserido em preceito da lei processual relativo à citação nas acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito, em que as partes tenham convencionado o local onde se têm por domiciliadas para o efeito da citação, em caso de litígio, a generalização do mesmo, a outros casos de citação, é sem dúvida operada pelo aludido art.º 233º, nº 2, al. a), cujo texto acolhe expressamente aquele nº 3.
Na hipótese dos autos, que cabe plenamente em semelhante previsão da lei processual, deve por isso entender-se que a citação da R., e a posterior notificação para contestar foram regulares, observaram os pertinentes formalismos, e produziram todos os efeitos, designadamente cominatórios quanto à alegação de facto.
Duas referências finais:
Ao invés do pretendido pela recorrente, no caso dos autos não havia que seguir o procedimento previsto no art.º 236º, nº 5. Tal expediente apenas deverá observar-se quando não é possível a entrega da carta, por inexistência de pessoa, no local, que possa recebê-la.
Para tal efeito, a empregada da recorrente estava perfeitamente habilitada a proceder ao recebimento da carta. A alegada falta de autorização para receber correspondência registada é de todo irrelevante, face à previsão do referido art.º 231º, nº 3.
Improcedem pois todas as conclusões da alegação da apelante.
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Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção social em julgar a apelação improcedente, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora,08/04/08
Baptista Coelho