Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO SERRANO | ||
Descritores: | CITAÇÃO QUASE PESSOAL CONTAGEM DO PRAZO PARA A CONTESTAÇÃO IRREGULARIDADE DA CITAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - Na citação quase-pessoal, o prazo de defesa não deixa de começar a contar desde a data da assinatura do aviso de recepção por terceiro, a que acresce o prazo de dilação de 5 dias, presumindo-se a entrega da carta de citação por parte desse terceiro dentro desses 5 dias. II - Esta presunção da entrega em 5 dias, associada à referida dilação, é coerente com a imposição do envio da carta do artº 241º, pela secretaria, em «dois dias úteis» e com a genérica presunção de que uma notificação postal opera efeitos no «terceiro dia posterior ao do registo» (artº 254º, nº 3, ex vi do artº 255º, nº 1, quanto às partes). III – Assim o prazo de defesa não se suspende nem deixa de começar a contar desde a data da assinatura do aviso de recepção por terceiro, a que acresce o prazo de dilação de 5 dias, ainda que a carta de notificação a que se reportao art.º 241º do CPC, não seja expedida ou recebida nos prazos legais . IV – Se acaso ocorrer esta última situação – falta de notificação ou notificação após o decurso do prazo para a defesa – verifica-se uma irregularidade na citação, que pode inclusive configurar uma falta de citação (art.º 195º n.º 1 al. e) do CPC), a arguir no prazo de 10 dias após o conhecimento da falta. | ||
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Decisão Texto Integral: | * Proc. nº 1952/07-3ª Agravo (Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 138º, nº 5-CPC) * ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO: Por apenso aos autos de execução instaurados, na comarca de Loulé, por «D..............., Ltd.», deduziram oposição os executados F...................... e mulher, H............................. O respectivo requerimento inicial de oposição à execução foi indeferido liminarmente por extemporaneidade, sem outros considerandos. Deste despacho foi interposto recurso em que era, nomeadamente, suscitada a sua nulidade por falta de fundamentação. Esse recurso obteve provimento nesta Relação, tendo sido declarado nulo o despacho recorrido, ao abrigo dos artos 668º, nº 1, al. b), e 666º, nº 3, do CPC. Subsequentemente, foi proferido novo despacho em 1ª instância, mais uma vez a indeferir liminarmente o requerimento de oposição à execução por extemporaneidade, mas desta feita incluindo a menção à data em que se considerou ter ocorrido a citação dos executados (10/2/2006) e a afirmação de que, à data do requerimento de oposição (11/4/2006), já tinha transcorrido o prazo de 20 dias para deduzir oposição, fixado pelo artº 813º, nº 1, do CPC. É deste despacho que vem interposto pelos executados-oponentes o presente recurso de agravo, cujas alegações culminam com as seguintes conclusões: «1ª – A notificação referida no artº 241º do C.P.C. visa acautelar a menor segurança e certeza no efectivo conhecimento por parte do citando do conteúdo da citação, quando esta é feita por carta registada cujo aviso de recepção é assinado por terceiro que não o próprio citando; 2ª – O disposto no artº 241º do C.P.C., atendendo à alteração que lhe foi introduzida pelo D. L. 38/2003 de 8/3, deve ser interpretado no sentido de que tal notificação deve ocorrer, ainda, dentro do prazo para a defesa. Caso contrário, perderá todo o seu efeito útil; 3ª – O direito à defesa em processo judicial tem dignidade constitucional e, constituindo o disposto no artº 241º do C.P.C. um mecanismo que visa assegurar um acréscimo de garantia do direito de defesa, deve ele ser interpretado, no caso da notificação ser enviada já depois de decorrido o prazo para a defesa, no sentido de que, nesse caso, o citando poderá, ainda, apresentar a sua defesa no decurso do prazo da dilação de cinco dias, que através dessa carta lhe foi notificado de que efectivamente dispõe; 4ª – Decidindo como decidiu, violou o despacho recorrido o disposto nos artos 2º, nº 2 do 18º e nº 1 do 20º, todos da Constituição da República Portuguesa, e o artº 241º do C.P.C.; 5ª – Deve dar-se provimento ao presente recurso de agravo, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que admita a oposição à execução deduzida pelos executados, por tempestiva, uma vez que deduzida dentro do prazo de dilação de cinco dias, o qual se deve ter por iniciado a contar da recepção pela recorrente mulher da carta enviada pela secretaria judicial nos termos do artº 241º do C.P.C., assim se fazendo a já costumada Justiça.» Não houve contra-alegações. Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artos 660º, nº 2, e 664º, ex vi do artº 713º, nº 2, do CPC). Do teor das alegações dos recorrentes resulta que a única questão a decidir se resume a saber, em face do direito aplicável, se foi extemporânea a dedução de oposição à execução, tendo em conta que a citação da executada teve lugar através do mecanismo previsto nos artos 236º, nº 2, e 241º do CPC (citação em pessoa diversa do citando) e vistas as datas da citação dessa pessoa, do envio da carta registada referida nesse artº 241º e da entrada em juízo do requerimento de oposição à execução. Cumpre apreciar e decidir. * II – FUNDAMENTAÇÃO: 1. Para efeitos do presente recurso, há que considerar os seguintes dados de facto (colhidos dos autos, designadamente dos elementos enviados na sequência do despacho do relator de fls. 125 e juntos a fls. 126-145): – o executado F...................... foi citado para a execução através de carta registada com AR, assinado em 10/2/2006 (fls. 136); – a executada H.............................foi citada para a execução na pessoa do seu marido, F......................, através de carta registada com AR, assinado em 10/2/2006 (fls. 135); – a carta registada de notificação da executada H............................, enviada ao abrigo do artº 241º do CPC, foi remetida pelo Tribunal de Loulé em 6/4/2006, dela constando a menção a uma dilação de 5 dias (fls. 144); – o requerimento de oposição à execução dos executados deu entrada em juízo em 11/4/2006 (fls. 2). 2. Pelos elementos enunciados constata-se que os executados foram citados para a execução de modos diferentes, de que se deduzem consequências diversificadas. O executado marido foi citado na sua própria pessoa, por carta registada com AR, em 10/2/2006. Quanto a ele, começou nessa data a correr o prazo de 20 dias para deduzir oposição à execução, previsto no artº 813º, nº 1, do CPC, estando esse prazo já claramente ultrapassado quando o executado veio deduzir a sua oposição à execução, conjuntamente com a executada, sua mulher, em 11/4/2006. Atento o disposto no nº 4 desse artº 813º, não pode esse executado beneficiar dum eventual prazo mais alargado (ou que tivesse terminado em data posterior) que pudesse favorecer a co-executada: a não aplicação à execução do regime previsto no artº 486º, nº 2, do CPC é inequívoca. Sendo assim, a oposição do executado F...................... deve ser considerada extemporânea, não merecendo reparo, nessa parte, o despacho recorrido. Já quanto à executada mulher, foi a mesma citada na pessoa do seu marido, ao abrigo dos artos 236º, nº 2, e 241º do CPC (citação quase-pessoal). Essa ligação familiar não colhe qualquer relevo legal, sendo aplicável à citação do cônjuge o mesmo regime que cabe a qualquer outra pessoa citada ao abrigo dessas disposições legais. Segundo esse regime, incumbe ao terceiro que recebe a citação postal (seja cônjuge ou não) o «dever de pronta entrega ao citando», sendo advertido de que «a não entrega ao citando, logo que possível, o fará incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé» (nos 1 e 4 do artº 236º). Por outro lado, estabelece a lei uma equiparação da citação quase--pessoal à citação pessoal e uma presunção ilidível («salvo prova em contrário») de que «o citando dela teve oportuno conhecimento» (artº 233º, nº 4). Essa presunção é reafirmada pelo artº 238º, nº 1, onde se determina que «a citação postal efectuada ao abrigo do artigo 236º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário». E, além disso, impõe-se, nos termos do artº 241º, «como acréscimo de garantia do direito de defesa», uma «diligência complementar e cautelar» (nestes termos, LEBRE DE FREITAS et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 416, louvando-se na expressão de ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, Coimbra Editora, Coimbra, 1945, p. 648), que consiste no envio ao citando, «pela secretaria, no prazo de dois dias úteis», de uma carta registada, «comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada». Ao mesmo tempo, fixa a lei, no artº 252º-A, nº 1, al. a), uma dilação de 5 dias que acresce ao prazo de defesa do citando. Esta dilação tem como objectivo «assegurar a integridade do prazo da contestação (ou similar)» pelos riscos para o direito de defesa que comporta a citação quase- -pessoal (assim, LEBRE DE FREITAS et alii, ob. cit., p. 439), o que significa, na prática, a criação de uma presunção de que «a entrega da carta ao citando ocorra nos 5 dias da dilação fixada pelo art. 252-A-1-a», sem prejuízo da «ilidibilidade da presunção» (idem, p. 410). Esta presunção da entrega em 5 dias, associada à referida dilação, é, por sua vez, coerente com a imposição do envio da carta do artº 241º, pela secretaria, em «dois dias úteis» e com a genérica presunção de que uma notificação postal opera efeitos no «terceiro dia posterior ao do registo» (artº 254º, nº 3, ex vi do artº 255º, nº 1, quanto às partes). De todo este regime resulta, essencialmente, que, na citação quase- -pessoal, o prazo de defesa não deixa de começar a contar desde a data da assinatura do aviso de recepção por terceiro, a que acresce o prazo de dilação de 5 dias, presumindo-se a entrega da carta de citação por parte desse terceiro dentro desses 5 dias – ou seja, não se afigura sustentável, face à lei, uma qualquer suspensão do prazo de defesa entre a assinatura por terceiro e a recepção da carta do artº 241º (como se defende no Ac. RP de 7/10/2003, Proc. 0323169, in www.dgsi.pt), que levaria, na prática, a contar o prazo de defesa só a partir da recepção da carta registada complementar. É o que pretende sublinhar LOPES DO REGO, quando afirma que a formalidade complementar do artº 241º não traduz uma «dupla citação»: segundo esse autor, trata-se antes de «prever uma espécie de confirmação da citação oportuna e validamente realizada, em casos de presumível menor segurança e certeza na consumação do efectivo conhecimento pelo réu dos elementos essenciais do acto» (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, p. 231). Coloca-se então a questão da consequência do não cumprimento pela secretaria do prazo de 2 dias úteis para o envio da carta registada complementar, designadamente quando essa carta é enviada já depois de findo o prazo de defesa contado desde a assinatura do aviso de recepção pelo terceiro e já acrescido do prazo de dilação – como sucedeu no caso dos autos. Seguramente se estará perante uma irregularidade formal, mas que não pode ser apreciada só por si, antes deve ser vista no contexto mais vasto da validade da citação quase-pessoal ocorrida (e em que se integra o acto a praticar nos termos do artº 241º). Como vimos, a carta registada complementar tem por finalidade dar a conhecer ao citando a citação anteriormente efectuada em pessoa diversa, acautelando a possibilidade de não ter sido cumprido pelo terceiro o seu dever de entrega da carta de citação. Ou seja, a carta do artº 241º tem o alcance de habilitar o citando a reagir à omissão da entrega da carta de citação: dito de outro modo, essa diligência complementar permitirá ao citando, que desconheça a citação operada, aceder à informação necessária para poder sustentar perante o tribunal a ilisão da presunção de entrega por terceiro (no prazo da dilação de 5 dias). E, por essa via, poderá o citando obter o reconhecimento judicial de que o prazo de defesa começou a contar mais tarde (se ainda houver uma entrega da carta de citação no decurso do prazo, mas para além dos 5 dias da dilação) ou que não começou sequer a correr (se não houve de todo essa entrega ou se a entrega ocorreu já depois de findo o prazo de defesa acrescido da dilação). Neste último caso, pode mesmo ser arguida a falta de citação, como, aliás, prevê o artº 195º, nº 1, al. e), do CPC, quando inclui nesse conceito os casos em que «se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável». Neste mesmo sentido se pronunciam LEBRE DE FREITAS et alii, quando escrevem o seguinte: «Provado que não é imputável ao citando o conhecimento tardio (sê-lo-á, por exemplo, se tiver recebido a carta de advertência do art. 241 e não tiver logo pedido ao terceiro a entrega), o prazo da contestação inicia-se na data em que a entrega efectiva tenha tido lugar, sem prejuízo da arguição da falta de citação, quando a entrega tenha lugar depois de decorrido o prazo para a defesa iniciado no termo da dilação (art. 195-e)» (ob. cit., p. 410). De tudo isto se infere que a carta complementar enviada para além do prazo legal de «dois dias úteis» (e mesmo para além do decurso do prazo de defesa acrescido da dilação), e não obstante a sua desconformidade à lei, ainda terá uma utilidade: a de a sua recepção servir de termo inicial do prazo em que pode ser invocada a «ilidibilidade da presunção do conhecimento» ou mesmo ser arguida a falta de citação, ao abrigo do artº 195º, nº 1, al. e), do CPC – prazo esse que será o de 10 dias, resultante da regra geral estabelecida no artº 153º, nº 1, do mesmo Código (sem prejuízo de esse prazo se dever contar de outro facto processual, de acordo com o disposto no artº 205º, nº 1, do CPC). Refira- -se ainda que o regime legal enunciado, pela sua estruturação complexa e garantística, acautela de pleno o direito de defesa constitucionalmente tutelado que assiste ao citando. Aplicando a doutrina descrita ao caso concreto, temos de concluir que a remessa tardia da carta do artº 241º (aqui enviada já depois de terminado o prazo de defesa, contado da assinatura do aviso de recepção pelo terceiro que recebeu a carta de citação, acrescida da dilação), imporia à citanda (executada) o ónus de (no prazo de 10 dias após a recepção da carta de advertência) suscitar a ilisão da presunção de oportuna entrega da carta de citação ou de arguir a falta de citação, alegando (e provando) que o terceiro não cumprira o seu dever de pronta entrega ao citando. Ora, não foi isto que fez a citanda: esta não invocou qualquer omissão de entrega do terceiro, nem arguiu qualquer nulidade da citação; antes se limitou a apresentar a sua oposição à execução no 5º dia posterior à remessa da carta complementar, como se a dilação de 5 dias referida na carta correspondesse à concessão de um prazo equivalente para apresentar essa oposição (tese, aliás, sustentada pelos recorrentes em sede de recurso). Perante isso, diremos que uma tal interpretação quanto à dilação era manifestamente ilegítima, já que essa dilação, por imposição legal, acrescia ao prazo de defesa e que o prazo único daí resultante (artº 148º do CPC) apenas se poderia contar da data da assinatura do aviso de recepção pelo terceiro (artº 238º, nº 1), como o próprio teor da carta de advertência aqui em causa mencionava (v. fls. 144), estando excluída uma qualquer utilização desse prazo de dilação para efeitos de contagem de novo prazo para apresentação de defesa. Por outro lado, afigura-se igualmente evidente que a executada não fez uso do meio processual adequado para ainda poder beneficiar de oportunidade de defesa perante a execução: tinha de ilidir a presunção legal de oportuna entrega da carta de citação pelo terceiro, sendo que nessa hipótese poderia exercer o seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado, o que o tribunal recorrido não poderia impedir (v., nesta linha de raciocínio, o Ac. RL de 6/10/2005, Proc. 10133/2004-8, idem); ao não o fazer, reconheceu tacitamente a ocorrência tempestiva dessa entrega e deixou precludir, irremediavelmente, a possibilidade de ilidir a referida presunção e de exercer o seu direito de oposição à execução (o qual não poderia ser repristinado após aquela preclusão). Sendo assim, resta concluir que o tribunal recorrido, perante a postura de inércia da executada face a um eventual incumprimento do dever de entrega da carta de citação por terceiro, não poderia deixar de constatar a apresentação extemporânea do requerimento de oposição à execução – pelo que, também quanto à executada, não merece censura o despacho recorrido. Em suma: concorda-se com o juízo decisório formulado pelo tribunal a quo, não se mostrando violadas as normas invocadas nas conclusões das alegações de recurso. * III – DECISÃO: Pelo exposto, decide-se negar provimento ao presente agravo, confirmando a decisão recorrida. Custas pelos agravantes. Évora, / / ________________________________________________ (Mário António Mendes Serrano) ________________________________________________ (Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes) ________________________________________________ (Manuel Ribeiro Marques) |