Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA CITAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 11/05/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – Entre os princípios fundamentais que o processo arbitral deve sempre respeitar está o do demandado ser citado para se defender (art. 30º, nº 1, da Lei de Arbitragem Voluntária). II – É insuficiente para demonstrar a citação da requerida, a mera comunicação do árbitro único efectuada à mandatária da requerente, de que a petição inicial foi enviada à requerida por correio, quando desacompanhada de qualquer prova desse envio. III – O internamento compulsivo do legal representante da requerida durante o período que esta tinha para contestar, não permitiu a observância dos princípios do contraditório e da igualdade de armas a que alude o art. 980º, al. e), do CPC, preceito este que deve ser interpretado à luz da Convenção de Nova Iorque [art. V, nº 1, al. b)] e do que dispõem os artigos 30º, nº1 e 56º, nº1, al. a): i) e ii) da Lei de Arbitragem Voluntária. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA, sociedade comercial com sede na Suécia, instaurou a presente acção especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira contra BB Lda., com sede em Portugal, pedindo que, na sua procedência, seja reconhecida a sentença arbitral proferida em 23 de Dezembro de 2013, pelo Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo (“SCC”), Suécia, cuja cópia e respectiva tradução juntou, alegando que a mesma já transitou em julgado, que não se verifica nenhum dos fundamentos de recusa a que aludem as várias alíneas do artigo V da Convenção de Nova Iorque e o artigo 56º da Lei da Arbitragem Voluntária, e que tal decisão não viola os princípios da ordem pública, nem ofende as disposições do direito privado português. Citada a requerida, veio esta deduzir oposição, alegando, em síntese, que esteve impossibilitada de se poder pronunciar sobre o objecto da acção a que respeita a decisão revidenda, não se mostrando assim respeitado o princípio do contraditório e da igualdade das partes, uma vez que não teve conhecimento de quaisquer notificações efectuadas pelo árbitro, nomeadamente da sentença revidenda, da qual apenas tomou conhecimento após ter sido citada para contestar a presente acção, concluindo pela improcedência do pedido de revisão e confirmação da aludida sentença arbitral. A requerente apresentou resposta, sustentando que foram respeitados todos os formalismos legais para a notificação da requerida e concluiu como na petição inicial. Face às dúvidas suscitadas quanto ao trânsito em julgado da sentença revidenda, o Tribunal ordenou a notificação da requerente para juntar aos autos documento comprovativo daquele trânsito, o que esta veio fazer, juntando igualmente a respectiva tradução. Cumprido o disposto no artigo 982º, nº 1, do CPC, apresentaram alegações a requerente, reiterando o pedido de revisão e confirmação da sentença arbitral em causa, a requerida, que pugnou pela improcedência desse pedido, e o Ministério Público, concluindo este último que, por não se verificar o requisito exigido no art. 980º, al. e), do CPC, bem como o fundamento previsto no art. 56º, nº 1, al. ii) da LAV, deve ser recusada a confirmação da sentença, julgando-se improcedente o pedido. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR As principais questões a resolver consubstanciam-se em saber se, no processo arbitral em causa, a requerida foi citada para se defender, e se houve desrespeito dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, em virtude do processo ter decorrido à revelia da requerida e de essa mesma revelia se encontrar justificada pelo súbito internamento compulsivo do seu único sócio gerente. II - FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Mostram-se provados os seguintes factos: 1 - Pela decisão arbitral nº SCC AA (2013/104) do Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo (“SCC”), Suécia, proferida no dia 23 de Dezembro de 2013, através do árbitro único CC, foi julgado o incumprimento de um contrato de produção de software celebrado entre as partes em 1 de Outubro de 2009, ao abrigo do qual a requerida se comprometeu a desenvolver um jogo de estratégia para computador designado por Magna Mundi, o qual deveria ser editado pela requerente que, em 18 de Junho de 2012, rescindiu o contrato. 2 - O dispositivo dessa decisão é o seguinte: «(…) Em conformidade com os motivos supra indicados o Árbitro Único profere a seguinte Sentença e 1. DECLARA que AA, em relação com a BB, LDA. e ao abrigo do Contrato de Produção de Software de 1 de Outubro de 2009, é a única proprietária do Motor Clausewitz e de todos os direitos de propriedade intelectual associados ao mesmo; 2. DECLARA que a BB, LDA., com base no do Contrato de Produção de Software de 1 de Outubro de 2009, não tem qualquer direito a royalties da parte da AA relativamente a qualquer software que utilize o Motor Clausewitz; 3. PROÍBE a BB, LDA. de (i) prosseguir com o desenvolvimento do jogo intitulado “World Stage” ou qualquer outro jogo que utilize propriedades intelectuais da Paradox Interactive AB; e de (ii) criar uma qualquer versão do “World Stage” ou qualquer outro jogo utilizando a propriedade intelectual da AA no mercado. 4. DECRETA E ORDENA a BB, LDA. a pagar à AA 172.500 euros, com juros na ordem de 10.239 euros, em conformidade com a secção 2 e 5 da Lei Sueca de Juros (1975:635), e juros de mora no montante total de 182,739 euros em conformidade com as secções 4 e 6 da mesma Lei, desde 18 de Julho de 2012 até à data de pagamento. (…).» (cfr. doc. de fls. 6 a 31 e tradução de fls. 34 a 56). 3 - Desta decisão não foi interposto recurso (cfr. doc. de fls. 462 a 465). 4 - Consta ainda da referida decisão arbitral o seguinte: «4. A AA remeteu uma notificação de arbitragem datada de 27 de maio de 2013 à BB para a morada que a BB indicou na cláusula 19.6 do Contrato. Todavia, a notificação foi devolvida com a observação de “desconhecido”. A notificação de arbitragem foi remetida à BB, por carta de 28 de maio de 2013 e entregue à BB no dia 31 de maio de 2013, na morada da BB, Lda., Lisboa, Portugal. Foi também enviado por e-mail ao Dr. DD (à época mandatário da BB) no dia 28 de maio de 2013. 5. A BB enviou uma resposta à AA, por e-mail, no dia 31 de maio de 2013, confirmando, por essa via, que havia recebido a notificação da arbitragem. 6. Num estádio posterior, no dia 9 de agosto de 2013, a BB enviou uma resposta, por e-mail (a partir do seguinte endereço de e-mail: xxxx@yyyyyy.com), para o e-mail da SCC de 9 de agosto de 2013, no qual a BB nomeou árbitros. 7. A BB não contestou a jurisdição do árbitro único. O árbitro único examinou, por conseguinte, a sua própria jurisdição neste processo e, consequentemente, considerou-se como detendo jurisdição para dirimir o presente litígio e os pedidos apresentados pela Requerente com fundamento na Cláusula 19.3 do Contrato. 8. Notificações e Outras comunicações, incluindo as Comunicações Escritas. 8.1. As comunicações escritas ou notificações serão consideradas como tendo sido recebidas na data em que e-mail é enviado. 8.2. As comunicações e as provas apresentadas pelas partes deverão ser entregues em suporte electrónico (em formato pdf enviado à outra parte e ao árbitro único; e além disso a entrega em formato Word ao árbitro único) via e-mail. Uma versão em cópia rígida das comunicações e das provas deverá ser também entregue caso assim seja solicitado pelo árbitro único ou pela outra parte. As mensagens e notificações do árbitro único e das partes podem ser transmitidas apenas via e-mail. 8.3. Todavia, esta decisão e a Petição Inicial com os respectivos anexos serão remetidos à Requerida, por correio, de modo a assegurar-se a efectiva entrega destes documentos. O árbitro único assegurará esta entrega por correio. 9. Datas para Apresentação de Comunicações Escritas (i) A Petição Inicial da AA deverá ser enviada ao árbitro único até dia 4 de Outubro de 2013. (ii) A Contestação da BB Lda. deverá ser enviada ao árbitro único até dia 1 de Novembro de 2013. (iii) A eventual necessidade de novas comunicações escritas e alegações após a audiência serão avaliadas e decididas em momento posterior.» Consta ainda de sentença arbitral o seguinte: «6.2.10 Notificação da presente Petição Inicial à BB 108. A BB apresentou a seguinte morada na cláusula 19.6 do Contrato. Contudo, quando a notificação de arbitragem foi enviada para essa morada a mesma foi devolvida com observação “desconhecido”. BB, Lda. (…) Algés Portugal. 109. Numa proposta para resolução do Contrato em Agosto de 2012, a BB forneceu a seguinte morada, a qual aparente ser a actual morada registada da empresa (Anexo C33 – uma versão redigida da primeira página do acordo de resolução). BB (…) Faro, Portugal Contudo, o Árbitro Único informou a BB que a carta registada enviada para esta morada foi igualmente devolvida com a observação “desconhecido”. 110. A notificação de Arbitragem enviada para a BB através de estafeta foi entregue na seguinte morada (Anexo C 28). BB, Lda. Lisboa Portugal 111. A resposta por e-mail da BB à notificação de arbitragem da AA foi enviada a partir do e-mail geraluniverso-virtual.com (Anexo 31). A Universo utilizou igualmente o e-mail xxxx@yyyyy.com para comentar a nomeação de um Árbitro Único (Anexo 32). 112. Para efeitos de diligência da presente Petição Inicial com a BB, na opinião da AA será suficiente a comunicação da mesma para por parte do Árbitro Único para a morada postal acima mencionada e para os referidos e-mails.» 5 - O árbitro único informou a mandatária da requerente que a petição inicial foi enviada à requerida, por correio, em 9 de Outubro de 2013 para a seguinte morada: (…) Lisboa Portugal (cfr. docs. de fls. 279 e 280-281). 6 - No período compreendido entre 09.10.2009 e 21.11.2013, EE foi sócio e era o único gerente da requerida BB (cfr. doc. de fls. 144 a 152, em particular fls. 145 e 148). 7 - Em 01.07.2014, foi proferida decisão na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste Sintra - Juízo de Média Inst. Criminal – 2ª Secção – Juiz 4, onde foram julgados provados os seguintes factos: «- Em 13.10.2013, o referido DD foi internado compulsivamente no Hospital de S. José, constando da avaliação realizada um diagnóstico de psicose [a esclarecer], recusa de tratamento, ausência de reconhecimento da doença, sendo o parecer médico de que a ausência de tratamento seria susceptível de produzir deterioração acentuada do seu estado clínico e o internamento a única forma de garantir a submissão a tratamento adequado (…). Em 21.11.2013, foi realizada nova avaliação psiquiátrica ao internando, sendo o diagnóstico provisório de perturbação delirante e necessidade de internamento e tratamento, face à ausência de crítica para o patológico (…). - Em 09.12.2013 realizou-se a 1ª sessão da sessão conjunta na qual foram prestados esclarecimentos pelo Dr. FF, o qual referiu, em suma, que as conclusões por si apresentadas no relatório médico de fls. … se mantinham à data inalteradas, mantendo-se o parecer médico de internamento compulsivo (…). - Em 18.12.2013 foi realizada nova avaliação clínico-psiquiátrica do internando, sendo o parecer médico no sentido da manutenção do tratamento compulsivo em regime ambulatório (…). - Em 23.12.2013 o internando subscreveu documento designado “Consentimento livre e esclarecimento para actos médicos”, concordando com a terapêutica médica proposta [anti-psicótica], injectável, quinzenalmente (…).». 8 - E na mesma decisão, concluiu-se «não estarem reunidos os pressupostos para a manutenção do tratamento compulsivo em regime ambulatório do internando ou do internamento compulsivo do mesmo, pelo que se determina a sua cessação». O DIREITO Veio a requerida pedir a revisão e confirmação de uma sentença arbitral do Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo (“SCC”), Suécia, proferida no dia 23 de Dezembro de 2013, que condenou a requerida, além do mais, no pagamento da quantia de € 182,739. Segundo a requerente, não se verifica in casu nenhum dos fundamentos de recusa a que aludem as várias alíneas do artigo V da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 10.06.1958 (doravante CNI), e do artigo 56º da Lei da Arbitragem Voluntária (doravante LAV), aprovada pela Lei nº 63/81, de 14.12.2011, não contendo, outrossim, disposições contrárias à ordem pública internacional do Estado Português, nem ofende disposições do direito privado português. A requerida opôs-se a tal pretensão com o fundamento de não lhe ter sido comunicada a petição inicial apresentada pela requerente na arbitragem e na inobservância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes. Dispõe o artigo V da CNI: «1 - O reconhecimento e a execução da sentença só serão recusados, a pedido da Parte contra a qual for invocada, se esta Parte fornecer à autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução forem pedidos a prova: a) (…); b) De que a Parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada quer da designação do árbitro, quer do processo de arbitragem, ou de que lhe foi impossível, por outro motivo deduzir a sua contestação». Visou-se neste artigo, assegurar o contraditório e a ampla defesa – garantir às partes o recebimento de notificação apropriada acerca da designação do árbitro ou do processo de arbitragem e lhe ser possível apresentar seus argumentos -, princípios processuais universalmente consagrados. De salientar ainda, que a análise desses procedimentos deve ser feita sob a perspectiva do ordenamento jurídico aplicável ao caso e não à luz do ordenamento jurídico do Estado no qual se busca o reconhecimento e/ou execução da sentença arbitral[1]. Por sua vez, dispõe a LAV, no seu artigo 30º: «1 - O processo arbitral deve sempre respeitar os seguintes princípios fundamentais: a) O demandado é citado para se defender; b) As partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final c) Em todas as fases do processo é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as excepções previstas na presente lei.» Já o artigo 56º da LAV enuncia, com carácter exaustivo, os fundamentos de recusa do reconhecimento e execução de uma sentença arbitral, sendo que ao caso interessa apenas a alínea a) do nº 1 e as subalíneas i) e ii): «1 – O reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral proferida numa arbitragem localizada no estrangeiro só podem ser recusados: a) A pedido da parte contra a qual a sentença for invocada, se essa parte fornecer ao tribunal competente ao qual é pedido o reconhecimento ou a execução a prova de que: i) Uma das partes estava afectada por uma incapacidade; ii) (…), ou que, por outro motivo, não lhe foi dada oportunidade de fazer valer os seus direitos; (…). É sabido que as sentenças arbitrais proferidas no estrangeiro não são imediatamente exequíveis em território nacional. Ao invés, a formação do título executivo está condicionada pelo prévio reconhecimento veiculado através do processo especial regulado nos arts. 978º e seguintes do CPC. Por seu turno, os requisitos necessários para essa confirmação são os que constam das diversas alíneas do artigo 980º, do mesmo Código: a) que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; b) tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; c) provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; d) que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; e) que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; e f) que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. Entretanto, quanto à análise desses requisitos necessários à confirmação da sentença estrangeira, estabelece o artigo 984º do CPC que “o tribunal verificará oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas als. a) e f) do artigo 980º; e também negará oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”. Relativamente aos dois requisitos que compete ao tribunal verificar ex officio – os das referidas alíneas a) e f) –, realmente não surgem dúvidas sobre a autenticidade do documento donde consta a sentença revidenda, nem sobre a inteligência da decisão, nem conduz o seu reconhecimento a qualquer resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional de Estado Português. Com efeito, nem a requerida veio dizer que o documento é falso e percebe-se perfeitamente que está em causa a rescisão de um contrato celebrado entre as partes. E a sentença estrangeira revidenda também está certificada por pessoa credenciada e autorizada para tal, conforme o documento de fls. 32. Verificamos também que o requisito constante da alínea b) - trânsito em julgado -, o mesmo está documentalmente provado. Quanto aos requisitos constantes das alíneas c) e d) do artigo 980º do CPC – respectivamente, competência em fraude e litispendência ou caso julgado –, nada resulta dos elementos que se mostram carreados para os autos que se tenha verificado alguma dessas situações contrárias à lei, que obstem à confirmação da aludida sentença, nem tal foi invocado pela requerida. Resta-nos, assim, aferir da regularidade da citação da requerida e da observância dos princípios do contraditório e igualdade das partes. Consignou-se na sentença arbitral, como se consignou no elenco dos factos provados supra, que «a decisão e a petição inicial com os respectivos anexos, serão remetidos à requerida, por correio, de modo a assegurar-se a efectiva entrega destes documentos. O árbitro único assegurará esta entrega por correio». Ora, não obstante a requerente ter solicitado ao Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo (SCC) o envio das cópias dos documentos sobre os quais a requerida havia suscitado dúvidas na oposição, certo é que dos vários documentos enviados por aquele Instituto e juntos a fls. 251 e seguintes, não consta nenhum documento que comprove o envio da petição inicial, e muito menos que a mesma tenha sido recebida pela requerida. Sobre essa matéria o que existe nos autos é apenas a comunicação do árbitro único à mandatária da requerente de que a petição inicial foi enviada à requerida no dia 9 de Outubro de 2013, para a seguinte morada: (…) Lisboa Portugal (cfr. docs. de fls. 279/280)[2]. Como se viu supra, entre os princípios fundamentais que o processo arbitral deve sempre respeitar, está precisamente a citação do demandado para se defender, o que in casu não está demonstrado que tenha sucedido [art. 30º, nº 1, al. a), da LAV]. E, sendo assim, tem de presumir-se a falta de citação da requerida, requisito necessário para a confirmação da sentença arbitral revidenda [art. 980º, al. e), do CPC]. Além disso, resulta da matéria de facto provada que a requerida, face ao internamento compulsivo do seu então único representante legal que se iniciou em 13.10.2013 e se prolongou pelo menos até 23.12.2013, esteve impossibilitada de se poder pronunciar sobre o objecto da acção, sabendo-se, ademais, que a contestação deveria ser enviada ao árbitro único até ao dia 1 de Novembro de 2013, na hipótese, que não se concede, da petição inicial ter sido efectivamente entregue à requerida. Admitindo, por mera hipótese, que a citação da requerida ocorreu na morada para a qual o árbitro único diz ter sido enviada a petição inicial no dia 09.10.2013 (uma 4ª feira), como bem diz a requerida, «por mais diligente que fosse o correio “expresso mail”, a missiva em causa atendendo à data da sua expedição, salvo prova em contrário, nunca teria sido entregue no local do destino antes de 2ª feira, dia 14 de Outubro de 2013”. E na hipótese mais remota da citação ter tido lugar no dia 11.10.2013 (uma 6ª feira), o que sempre revelaria, como diz a requerida, «é o facto da revelia da Requerida ter sido justificada pelo súbito internamento compulsivo do único sócio-gerente desta, no domingo, dia 13/10 (…)». Ora, consta da sentença arbitral que «A Contestação da BB Lda. deverá ser enviada ao árbitro único até dia 1 de Novembro de 2013», ou seja, quando decorria o internamento compulsivo do legal representante da requerida. Não pode, assim, dizer-se que o processo arbitral decorreu com observância do princípio do contraditório e da igualdade das partes, requisito também necessário para a confirmação da decisão, nos termos do art. 980º, al. e), do CPC, preceito este que deve ser interpretado à luz da CNI [art. V, nº 1, al. b)] e à luz do que dispõem os artigos 30º, nº1 e 56º, nº1, al. a), i) e ii) da LAV, acima transcritos. III - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a revisão e confirmação da sentença arbitral revidenda. Custas pela requerente. Valor da causa: € 254.718,17. Notifique. * Évora, 5 de Novembro de 2015 Manuel Bargado Elisabete Valente Alexandra Moura Santos __________________________________________________ [1] Cfr. Ac. do STJ de 02.02.2006, proc. 05B3766, in www.dgsi.pt. [2] Embora nesta data a sede social da requerida fosse no Algarve: Faro, como se colhe da certidão permanente junta a fls. 144-152, não está posto em causa pela requerente que as notificações do processo arbitral não devessem ser efectuadas na indicada morada em Lisboa (cfr. também os pontos 109 e 110 da decisão arbitral). |