Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
124/10.6JBLSB.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
TENTATIVA
SEQUESTRO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
ACTO PREPARATÓRIO
ACTOS DE EXECUÇÃO
BUSCA
DOMICÍLIO
DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO UM DOS RECURSOS. PROVIDOS EM PARTE OS DEMAIS
Sumário:
I - Contrariamente ao que sucedia na vigência do regime anterior à Lei n.º 48/2007, de 29.08, inexiste qualquer obrigação legal do juiz de determinar a reprodução do conteúdo de declarações para memória futura no auto a que se refere o art. 275.º, n.º 1, do CPP, já que esse conteúdo está suportado na gravação efectuada, desde logo, porque actualmente a documentação obedece em regra à forma definida pelo art. 364.º do CPP.

II – Se a essas declarações se aplicam as regras de produção de prova em audiência, não se descortina fundamento para que as mesmas não sejam valoradas na sua integralidade, o que favorecerá a desejável plenitude da avaliação em julgamento e não contende com a susceptibilidade de defesa, com as quais não é minimamente surpreendida, em sintonia com a estrutura acusatória do processo e relativamente às quais exercerá, do modo que afigurar conveniente, o contraditório.

III – Não resultando de diligências não documentadas, decorrendo, estas, da iniciativa do arguido e, a ausência de documentação, de pedido deste, por um lado, para sua própria protecção e, por outro, por se encontrar eminente a morte do ofendido, que tivessem decorrido com vícios na formação da vontade, por meio de sugestão ou de promessa de vir a obter benefício, ou, até, de engano acerca dessa susceptibilidade, que implicitamente pudesse perturbar a integridade moral do arguido, elas não constituem meio ilegal de obtenção de prova.

IV – No entanto, a sua valoração tem de restringir-se aos limites dos depoimentos e declarações produzidos em audiência.

V - Conforme à melhor interpretação da harmonia e das especificidades do regime, ao reconhecimento de voz, para que seja válido, não tem de seguir-se um reconhecimento presencial, mas apenas que, tendo em conta o objecto sobre o qual aquele deva incidir, haja de rodear-se do formalismo descritivo preliminar e do procedimento recognitivo exigidos para o reconhecimento dito presencial.

VI - Para o efeito da devida protecção constitucional e penal, o domicílio corresponde ao espaço funcionalmente utilizado como habitação humana, local reservado que é o centro da vida pessoal e familiar de cada um, ou seja, aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde, recatada e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar.

VII – Se, no mandado de busca emitido por ordem judicial, não se encontram especificadas casas amovíveis, que constituem centros de vida pessoal e familiar na acepção descrita, habitações exclusivas dos seus utilizadores, sem o carácter de acessoriedade ou de dependência de moradia sobre a qual versava esse mandado e perfeitamente autónomas como domicílios, as buscas a essas casas não são válidas, sendo meio proibido de obtenção de prova.

VIII - O regime de proibições de prova e do que através dela é obtido tem alcance diverso do regime das nulidades, prevalecendo sobre este.

IX - Se é de admitir que o resultado de intercepções telefónicas possa suportar a ligação de alguém à actividade de tráfico de estupefacientes, atentos os peculiares contornos e modalidades de que se reveste, não raras vezes sem uma prova directa que a revele, porém, também nessa situação, se exige a recolha de elementos de certa segurança, sedimentados, ou não, por outros aspectos, para que nenhuma dúvida fique no espírito do julgador.

X – São actos relevadores do início de execução aqueles que sejam idóneos a produzir o resultado típico e relativamente aos quais, segundo a experiência comum, seja de esperar que esse resultado, através deles, se concretize.

XI – Se esses actos foram delineados pelo agente e se integraram na colocação em movimento da decisão tomada, comportando já uma intensidade idónea a vir a produzir o resultado, cuja proximidade de lesão do bem jurídico protegido pelo tipo é revelada, constituem já actos de execução, distinguindo-se de actos meramente preparatórios. [1]
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número em epígrafe, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, após pronúncia dos arguidos SJ, CM, RR, TM e WQ realizado o julgamento e proferido acórdão, decidiu-se, além do mais, condenar os arguidos, pelos crimes e penas, adiante indicados:

1 - SJ:
- um crime de homicídio qualificado, em co-autoria e na forma tentada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 22.º, 23º, 131.º e 132º, n.ºs 1 e 2, alínea g), do Código Penal (CP), na pena de 11 (onze) anos de prisão;

- um crime de sequestro agravado, em co-autoria e consumado, p. e p. pelo art. 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art. 144.º, alíneas a) e b), todos do CP, na pena de 9 (nove) anos de prisão;

- um crime de ofensa à integridade física qualificada, em co-autoria e consumado, p. e p. pelos arts. 144.º, alínea a), e 145.º, nºs 1, alínea b), e 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, alíneas d), e), h) e j), todos do CP, na pena de 11 (onze) anos de prisão;

- um crime de tráfico agravado, em co-autoria e consumado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma, na pena de 10 (dez) anos de prisão;

- um crime de detenção de arma proibida, em autoria e consumado, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, alínea c), “ex vi” dos arts. 2.º, n.ºs 1, alíneas p), s), v), e 5, alínea g) e 3.º, n.º 2, alínea l), todos da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- em cúmulo jurídico, na pena única em 25 (vinte e cinco) anos de prisão;

2 - CM:
- um crime de sequestro agravado, em co-autoria e consumado, p. e p. pelo art. 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art. 144.º, alíneas a) e b), todos do CP, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

- um crime de ofensa à integridade física qualificada, em co-autoria e consumado, p. e p. pelos arts. 144.º, alínea a), e 145.º, nºs 1, alínea b), e 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, alíneas d), e), h) e j), todos do CP, na pena de 9 (nove) anos de prisão;

- um crime de tráfico agravado, em co-autoria e consumado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

- em cúmulo jurídico, na pena única em 15 (quinze) anos de prisão;

3 - WQ:
- um crime de sequestro, em co-autoria e consumado, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1, do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- um crime de tráfico agravado, em co-autoria e consumado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

- em cúmulo jurídico, na pena única em 8 (oito) anos de prisão.

Inconformados com tal decisão, os referidos arguidos interpuseram recursos, formulando, respectivamente, as conclusões:

1 - SJ:

«1. O Arguido recorre, porquanto é um direito que lhe assiste, fá-lo com todo o respeito pelo Douto Acórdão, que é bem merecido.

2. Na acusação de fls. 4138 e ss. dos autos foi indicado como prova documental as "declarações para memória futura de fls. 1784 a 1790, de fls. 2040 a 2058 e de fls. 2059 a 2072".

3. Todo o conteúdo do restante depoimento, não vertido nessa provada documental, não foram indicadas na acusação, mas foram valoradas pelo Tribunal "a quo".

4. Não foram indicadas como prova, nos termos do art. 283º do C.P.P., devendo assim ser consideradas nulas.

5. O arguido não foi confrontado na acusação, e nem durante a audiência de julgamento, uma vez que por despacho datado de 28/03/12 prescindiu-se da reprodução em audiência de julgamento dessas declarações, não deverá tal prova ser valorada, tal como o foi pelo Tribunal lia quo", na sua integralidade, muito além dos que consta dos respectivos autos.

6. Estipula do art. 99º n.º 1 do C.P.P. que “ O auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram aos actos processuais e cuja documentação a lei obriga ... “

7. Sendo aplicável o disposto pelo art. 169º do mesmo diploma legal, que atribui o valor probatório dos factos constantes desses autos.

8. O legislador limita ao que fica consignado em auto de declarações para memória futura, o valor probatório do mesmo.

9. É reduzido a escrito o que durante o decurso das declarações para memória futura é dito, sempre sobre o crivo do Exmo. Sr. Dr. Juiz de Instrução.

10. Ir para além do que ai fica consignado em auto, é violar os direitos de defesa do arguido.

11. Os relatos da testemunhal que não ficam a constar do Auto de Declarações para memória futura, assim o é porque o próprio Exmo. Sr. Dr. Juiz de Instrução neles não encontrou qualquer relevância, o mesmo acontecendo ao Arguido, que por tal facto não exerce o seu direito de contraditar.

12. Só as provas produzidas ou discutidas oralmente, na audiência de Julgamento, podem servir de fundamento à decisão.

13. A leitura das declarações para memória futura, em audiência, visa suprir a ausência da testemunha e é, uma exigência, na modesta opinião da defesa, dos princípios da imediação, do contraditório e da publicidade.

14. Na data em que as declarações para memória futura do ofendido e da sua esposa foram prestadas, o arguido apenas tinha tido acesso a parte da documentação processual e que apenas se encontrava indiciado pela pratica de crimes contra o próprio ofendido, encontrando-se logo aí limitado no seu poder de contradita.

15. O tribunal valorou prova não produzida nem examinada em audiência de julgamento, fora do âmbito das excepções previstas no artigo 356.º do C.P.P., o legislador permite, nesse dispositivo legal, a leitura de tais declarações, é porque entende que tal leitura deve ser feita, caso o Tribunal dela necessite de se socorrer.

16. Ocorre, deste modo, uma violação de uma proibição de prova, na modalidade de proibição de valoração, que gera a nulidade da decisão e implica a repetição do julgamento.

17. O método, da produção de prova testemunhal é também expressão do principio do contraditório, garantido para a audiência, pelo art. 32º nº5 da C.R.P. sendo a cada um dos sujeitos possível e permitido aduzir as suas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas e a controlar as provas contra si deduzidas e que poderão levar a condenação por determinado crime.

18. Crimes que no caso em apreço o Arguido não se encontrava indiciado na data em que tal depoimento foi prestado.

19. O facto de existir declarações para memória futura e as testemunhas não terem estado presentes na audiência, apesar de também terem sido arroladas como testemunhas da própria defesa, impunha-se, pelo menos, a audição de tais depoimentos na sua integralidade, tal como o Tribunal “a quo” vem agora reclamar como meio de prova. Até mesmo para se aferir da necessidade, ou não de nova audição.

20. Com todo o respeito pela decisão ora recorrida, que deveria o Tribunal "a quo" ter usado de tal prerrogativa facultada por lei e justificando a necessidade de audição da gravação do depoimento, o que não fez.

21. A prova proibida é nula, significando que é inválida e que invalida os actos que dela dependeram e que possa afectar - art. 122º do C.P.P.

22. O Acórdão ora recorrido, violou os princípios do contraditório, da oralidade, da imediação e da publicidade, art. 32º nº5 da CR.P., 125º e 355º do CP.P.

23. Para justificar a agravação do crime de tráfico o Tribunal "a quo" considerou que: “... considerando a quantidade de produto estupefaciente que apreendida na propriedade de Sarilhos Grandes e a sofisticação dos meios utiíirados, o esforço económico envolvido, o investimento feito em material especificamente utilizado para produzir in door quantidades consideráveis de haxixe, toda a estrutura montada e a linha de produção estabelecida, desde o berço até á secagem das plantas, não deixam dúvidas de que o arguido S. tinha na sua posse o estupefaciente e investidos recursos (matérias), que dariam ainda assim para abastecer elevado número de pessoas e por um largo período de tempo, permitindo-­lhe continuar em laboração, mesmo de forma continuada, o que só por si podia significar um processo de abastecimento de toxicodependentes a larga escala, no mercado interno e mesmo noutras partes da Europa, atendendo-se ainda aos preços de mercado corrente destes produtos, e por outro lado às quantias monetárias envolvidas nesta operação ...”

24. Consta dos autos a o peso das plantas apreendidas (fls. 1295 e 2474/2475)} 1,05kg que não se pode de modo algum considerar-se sequer razoável, muito menos elevada.

25. A lei contenta-se com a expectativa de grandes lucros mas} exige que o agente tenha obtido proventos de uma grandeza que claramente extravase os lucros que normalmente se obtêm ou se tentam obter com o tráfico de produtos estupefacientes.

26. Esta agravante supõe a realização concreta de negócios de grande envergadura.

27. A este título nada ficou provado.

28. Veja-se a falta de prova relativamente: as quantidades transaccionadas, a dimensão do abastecimento do mercado, o efeito conjugado da oferta e da procura, a complexidade ou estruturação da organização de fornecimento aos revendedores e a distribuição pelos consumidores directos, e até mesmo que era intenção de qualquer dos arguidos vender.

29. Para além de imputações genéricas e a existência de material elétrico e a descoberta de plantas de cannabis (que não poderia ainda ser consumidas muito menos comercializadas}, o Douto Acórdão recorrido não indica o lugar, o tempo, a motivação, o grau de participação de cada arguido.

30. Pelo que a Decisão ora recorrida padece do vício elencado no art, 410º, nº 2 al a) do CPP, e nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos arts, 379, nº 1 al. a) e 374º, nº 2 do C.P.P. é nula.

31. Os pés de Plantas de cannabis, não poderia ser consumido como produto estupefaciente, pois ainda se encontrava em fase de secagem.

32. Não foi apreendido, no local Sarilhos Grandes, qualquer produto estupefaciente pronto a ser comercializado.

33. Nem tão pouco, foi apurado, por qualquer forma que as plantas aí encontradas se destinavam a ser colocadas no Mercado.

34. De salientar a situação pessoal do arguido, nomeadamente que provém de um agregado familiar com poucos recursos económicos, e que na data em que foi detido, vivia com a companheira e seus 4 filhos no interior de uma carrinha.

35. Nem lhes foram apreendidos valores monetários que evidenciassem que tivessem sido adquiridos com avultados proventos da actividade de tráfico.

36. Nem consta que tivesse contas chorudas em estabelecimento bancário ou que as tivesse empregue na aquisição de bens ou por qualquer forma dissipado ou dissimulado.

37. A circunstância agravante modificativa prevista na al. c do artigo 24º do mencionado diploma legal, terá de ser avaliada com recurso a factos objectivos por forma a verificar se a compensação económica obtida pelo recorrente ou a que eles pretendia obter ultrapassa o mero negócio rentável atingindo patamares de avultadas compensações remuneratórias, o que não resulta provado.

38. A livre convicção que se refere o artigo 127º do C.P.P. não é um puro juízo subjetívo, antes devendo ser um juízo baseado em provas concretas, avaliadas tendo em conta o princípio "in dubio pro reo".

39. Acresce que não ficou provado que as plantas apreendidas se destinava a venda, donde pudesse resultar qualquer lucro.

40. E mais o tipo de droga, cannabis muito menos lucrativa e nefasta para a saúde pública.

41. Os factos provados no 30 a 34 dizem respeito a facto passados fora do território nacional, pelo que não deve o Tribunal deles conhecer, muito menos considerá-los provados.

42. Não se ter apurado o grau de toxicidade das plantas de cannabis apreendidas, na quinta de Sarilhos Grandes.

43. Ou será que, para a prática de tal crime, bastaria a plantação de uma qualquer planta independentemente de esta ser ou não prejudicial para a saúde pública?

44. Ou sequer a colocação num mesmo espaço físico de equipamento elétrico que poderia servir para o desenvolvimento de qualquer planta?

45. O teste rápido realizado acusa Liamba e que no teste laboratorial acusa cannabis.

46. Existe uma discrepância entre estes exames, sem menção da descrição técnica e fundamentada que é cannabis.

47. Impunha-se, proceder a peritagem ou esclarecimentos complementares, o que não tendo sido feito, oficiosamente inquina a prova de nulidade que deve ser conhecida, em conformidade com o estabelecido pelo art, 120º n.º 2 al. d) do C.P.P.

48. No que tange as diligências não documentadas em que intervieram arguidos"

49. Diligências realizadas pelo Arguido T, a pedido das Autoridades Policiais, que o foram buscar ao Estabelecimento Prisional, após a aplicação de medida de coação Prisão Preventiva e que o Arguido apenas realizou por acreditar que iria obter beneficio com as mesmas.

50. O que aliás resulta do depoimento dos agentes da Policia Judiciária que se transcreve.

51. Ora, estipula o art. 126º n.º 2 al. d) do C.P.P., estabelece como métodos proibidos de prova “… ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto ... "

52. Ao que acresce o facto do arguido de nacionalidade Inglesa, desconhecedor da Língua Portuguesa e com defensor nomeado nos autos, teria que se encontrar acompanhado por advogado e interprete. O que não aconteceu.

53. A decisão recorrida reconhece que se trata de uma Diligência processual não documentada, e portanto de um acto processual.

54. Que, terá que se encontrar sujeito a regras de todas as restantes diligências processuais. Por conseguinte, ao estipulado pelo art. 64º n.º 1 al. c), do mesmo diploma legal. Que prevê a obrigatoriedade do arguido que se encontrar assistido por defensor, em qualquer acto processual sempre que o arguido for desconhecedor da língua Portuguesa.

55. Tal omissão constitui nulidade insanável, prevista pelo art. 119º alínea c), que desde já se argui.

56. O arguido não se encontrava assistido por interprete, tal como estipula o art. 92º n.º 2 do C.P.P., o que determina um nulidade constante do art. 120 n.º 2 al. c) do mesmo diploma legal.

57. Nem se poderá afirmar que o arguido prescindiu da presença de defensor e interprete} uma vez que é totalmente inexistente qualquer auto donde tal resulte. Art 128 n.º 3 CP.C. - necessidade de redução a autos.

58. Na sequência dessa diligência, ferida de nulidade nos termos supra expostos, vieram a ser efectuadas e realizadas as buscas e apreensões à quinta de Sarilhos Grandes, as quais foram documentadas e juntas aos autos.

59. Entre a diligência realizada com o arguido T e as buscas e apreensões que vieram a ser efectuadas na quinta de Sarilhos Grandes existe um nexo funcional, que, necessariamente, fere de nulidade as buscas e apreensões ali efectuadas.

60. Toda a prova recolhida na quinta de Sarilhos Grandes, obtida de forma proibida em violação ao art. 126º do CPP, e na sequência de uma diligência ferida de nulidade insanável, é, também ela, prova viciada e nula.

61. Nulidade esta, que o recorrente aqui invoca na qualidade de participante processual interessado, e cuja declaração de nulidade se requer com as legais consequências.

62. Valorar ainda assim tais diligências de prova, pela utilização do depoimento dos agentes que intervieram nessas diligências, também não pode colher - o art. 122º do C.P.P. que "As nulidades tornam inválido o ato em que se verifiquem, bem como os que dele dependerem, e aquelas puderem afetar."

63. Estipula o art. 356º n.º 7 que "os órgãos de policia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer titulo, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.

64. Assim, entende a defesa, por respeito ao princípio da legalidade não deve tal depoimento ser valorado nessa parte.

65. No que concerne o Crime de Homicídio Qualificado na forma tentada, Estipula o Art. 26º do C.P. " É punível como autor quem executar o facto por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar diretamente na sua execução, por acordo com outro ou outros, e ainda quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.

66. O co- autor tem de tomar parte direta na execução do crime.

67. A execução não se materializa no acordo, pois isso significava antecipar a execução para o momento do acordo e considerá-lo um acto de execução, o que não se enquadra no art. 22º do C.P.

68. O co-autor presta um contributo essencial, indispensável á realização do plano criminoso e ele pode fazer gorar a consumação do crime pela simples omissão da sua tarefa, tem o poder de impedir a consumação do facto não prestando o seu contributo, tem necessariamente de ter o domínio do facto, através do domínio da sua função.

69. O Arguido SJ, não detinha o domínio do facto.

70. É falso que o arguido SJ, enquanto ocorriam os factos integradores do crime ora em análise (tentativa de homicídio), na noite de 12/10/10 para 13/10/10, manteve sempre o contacto com MC e com o arguido TM reiterando a sua vontade de que os mesmos pusessem termo à vida de JR. - Ponto 79 dos factos provados.

71. Para além da conversa parcialmente transcrita no ponto 73 dos factos provados, que diz respeito a uma intercepção do dia 12/10/10 pelas 18:47h, (antes do inicio dos factos) não existe qualquer outra comunicação mantida com o arguido TM ou MC.

72. Para além do mais o Tribunal "a quo" condenou pelo crime tentado na forma agravada, obviando que circunstâncias do n.º 2 do art, 132º do C.P. não são de funcionamento automático.

73. As circunstâncias do caso concreto, tentativa de homicídio, embora preencham a ali. g) do n.º 2 do art. 132º C.P, não revelam uma especial censurabilidade, pelo que não estamos perante uma tentativa de homicídio qualificado.

74. As circunstâncias exemplificativamente contidas no n.º 2 do art. 132º do C.P., não são elementos do tipo de ilícito, que só por si possam qualificar o crime, são sim, regras de determinação da medida de pena.

75. Entende ainda o recorrente que não foram praticados quaisquer actos de execução.

76. Até porque não se apurou por que meio seria a vítima morta.

Factos Provados Ponto “72 Na realidade, a tampa destinava-se a ser presa ao corpo de JR quando o atirassem, depois de lhe terem posto termo à vida, como tinham projectado na altura, para dentro da albufeira da Barragem de Santa Clara, para fazer com que o corpo se fundasse nas águas.“

77. Ficou pois, um vazio relativamente aos actos execução que seriam praticados para provocar a morte à vítima.

78. Como é possível aceitar que foram praticados actos de execução de crime de homicídio tentado, se não se consegue apurar porque forma seria provocada a morte?

79. A viagem até ao local da barragem, no máximo, configura um acto preparatório, uma vez que não preenche um elemento constitutivo do tipo de crime (homicídio); não é per si idóneo a produzir o resultado tipo (morte); e não é de natureza a fazer esperar que se lhe sigam actos que preencham o tipo de crime ou que possam produzir o resultado morte, tal como estipula o art. 22º do C.P.

80. No caso em análise não foi praticado nenhum acto que preencha o elemento constitutivo do crime de homicídio.

81. A alínea b) do art. 22º do CP. estipula que são ainda actos executórias os que forem idóneos a produzir o resultado típico.

82. Não foram praticados actos que pudessem conduzir ao resultado morte.

83. São considerados actos preparatórios os que segundo a experiencia comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos constitutivos do crime ou actos idóneos a produzir o resultado típico pretendido, in caso, homicídio.

84. Todavia, no caso concreto, não existe nenhum acto de execução para a ocorrência do resultado morte.

85. Nenhum dos actos relatados se enquadra nos descritos pelos art. 21º e 22º do CP., pelo que deverão ser excluídos da qualificação jurídico penal: quer a verificação no caso concreto, de actos preparatórios a que se refere o art 21º do C.P., os quais não são puníveis e a própria tentativa de homicídio qualificado, previsto e punível nos termos das disposições conjugadas dos art. 22º, 23º, 131º e 132º n.º 1 e 2 aI. G)h) e j) todos do C.P..

86. Caso assim não se entenda, e por mero dever de patrocínio, ainda se dirá que existiu um movimento interior e exterior de retrocesso, tendo os agentes desistido de prosseguir o eventual resultado morte da vítima.

87. Não se podendo configurar a suspensão da intenção morte da vítima, uma vez que não foram praticados quaisquer outros actos executórios posteriores, (ou anteriores) tendentes ao resultado típico morte.

88. ... mas sim o retrocesso/desistência.

89. Desistência essa que é reconhecida pelo Tribunal "a quo".

90. Não se provando, por qualquer meio que posteriormente foi praticado qualquer acto executório tendente a obter o resultado morte.

91. Muito pelo contrário, a vítima foi solta.

92. Relativamente ao crime de ofensas a Integridade Física qualificada, da leitura dos autos de declarações para memória futura do ofendido não se encontra a necessária concordância com os factos que o Tribunal "a quo" considerou provados.

93. Nos termos do art. 355º do C.P.P. não valem para o efeito da convicção do Tribunal, quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência. Pelo que, tais factos devem ser expurgados da matéria dada como provada, sob pena de violação dos princípios da imediação e da oralidade.

94. O tribunal lia quo" considerou provados factos que entram em clara contradição com o depoimento da vítima;

95. 63 Algumas horas depois, os arguidos SJ e CM e outros indivíduos não identificados, deixaram JR na habitação, ficando a guardá-lo o arguido MC, o qual acabou por retirar a venda dos olhos do JR.

93 "O arguido SJ, com o acordo de MC, do arguido CM e juntamente com outros indivíduos de identidade não apurada, dolosamente e de forma concertada, a partir da noite de 05 para 06/10/2010, agrediram fisicamente o corpo do ofendido JR(...)".

96. A vítima declarou expressamente que durante dois dias ninguém saiu da casa, bem como declarou de forma clara, que as agressões ocorreram durante as primeiras 48 horas, sendo que as mais graves terão ocorrido no final.

97. Da prova documental junta aos autos e do depoimento da testemunha RB, (que se transcreve) resultou demonstrado, de forma inequívoca, que o Arguido S se encontrava a partir da manhã do dia 6 de Outubro em albufeira, seguindo depois em direção ao Pinhal Novo e que no dia 5 do mesmo mês, nunca o seu telemóvel acciona a célula da Picota.

98. Célula esta indicada como tendo "fortes probabilidades de ser accionada, por quem se encontra-se na casa onde ocorreram as ofensas à vítima.

99. Somente o ofendido e os seus agressores saberão o que ocorreu durante as agressões, e não pode o Tribunal "a quo" julgar para além do que resulta do seu depoimento.

100. O ofendido afirma que as agressões terão durado cerca de dois dias - o Douto Tribunal a quo, valora integralmente essas declarações, e depois dá como provado que tudo ocorreu a partir da noite de 5 para 6.

101. Trata-se pois de um erro notório na apreciação da prova, art. 410 n.º 2 al. c) do C.P.P., que deve ser conhecido e que desde já se invoca.

102. Impunha-se, pelo menos, que, “face às regras da experiência comum”, surgisse dúvida e em consequência, impunha-se a aplicação do princípio "in dubio pro reo".

103. Nos termos do artº 410º nº 2 al.c) o Douto Acórdão recorrido cometeu um erro notório na apreciação da prova, que resulta do texto da decisão recorrida em confronto com as declarações da própria vítima, porquanto a dúvida razoável sobre o autor do crime de ofensas a integridade física qualificada, deveria ter sido valorada a favor do arguido.

104. No que tange os crimes de Sequestro agravado e ofensas a integridade física qualificada, o Tribunal “a quo” violou o princípio “ne bis in idem”.

105. Estamos perante uma relação de consunção, que ocorre quando o preenchimento de um tipo legal inclui já o preenchimento de outro tipo legal.

106. No caso sub-judice, como vimos, tendo-se demonstrado que a privação da liberdade foi acompanhada de actos que constituem uma ofensa à integridade física grave, impõe-se a absolvição do arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave.

107. A Douta Decisão recorrida condenou o recorrente como autor de um crime de sequestro agravado pela qualificativa da al. b) do nº 2 do art. 158º do C.P., mas simultaneamente pela autoria de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 144º, als. a) e 145º, nºs 1, al. b) e 2, com referência ao art. 132º, nº2, als. d), e), h) e j), todos do CP.

108. Ora, ao valorar duplamente as ofensas à integridade física, o Douto Tribunal a quo violou o princípio "ne bis in idem".

109. Ficou demonstrado que a privação da liberdade do ofendido, foi acompanhada de actos que constituem uma ofensa à integridade física grave, pelo que se impõe a absolvição do recorrido como co-autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada.

110. Considerou ainda provado e por conseguinte condenou o Tribunal “a quo” o Arguido pelo crime de posse de munição, no entanto,

111. Arma e munição em questão foram encontradas numa Quinta em Sarilhos Grandes.

112. Local onde também foram encontrados outros objectos que indiciam a presença de diversas pessoas no local, como 3 talões de carregamento de um telemóvel, 2 cartões de saúde europeus de LM, etc.

113. Cujos proprietários, por maioria de razão também estiveram no local.

114. De salientar, que não corresponde à verdade que o Arguido detivesse consigo a espingarda e cartucho de caçadeira, pois tal objecto foi apreendido no dia 25/10/2010, data em que o Arguido já se encontrava detido, fls. 1147 e ss.

115. Nenhum vestígio na referida arma e munição, do arguido S foi encontrado.

116. Por ultimo, ainda se dirá que foi aplicado ao arguido por todos os crimes de que veio a ser condenado, penas parcelares muito próximas, para não dizer idênticas ao limite máximo legal.

117. Muito acima da medida de sua culpa.

118. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita, nos termos do artº 71º do C.P., em função da culpa e das exigências de prevenção.

119. Devendo o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas de que aí se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.

120. À questão de saber de que modo e em que termos actuam a culpa e a prevenção responde o artº 40º, ao estabelecer, no nº 1, que "a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" eJ no nº 2J que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".

121. À culpa cabe um papel limitador, constituindo a sua medida um tecto que não pode ser ultrapassado.

122. A alínea e) do artigo 72º, n.º 2 do Código Penal, põe em relevo para a medida da pena a conduta anterior ao facto e a posterior a esta, ou seja a conduta destinada a reparar as consequências do crime.

123. No caso em apreço militam a favor do facto de não ter antecedentes criminais por crimes de idêntica natureza, tendo registado um crime de condução sem habilitação legal.

124. Conta com o apoio da sua família.

125. Durante todos os seus anos de permanência em Portugal nunca foi envolvido ou indiciado pela prática de crimes de idêntica natureza.

126. O Arguido é querido pelos seus amigos e familiares, que aliás se deslocaram de Inglaterra para em Portugal depor a seu favor em audiência de Julgamento.

127. Por tudo o que aqui fica dito, entende o Arguido que a pena de 25 anos de prisão a que foi condenado, é Excessivamente onerosa e que, misericordiosamente espera a sua redução, pois em nada colidirá com a finalidade das penas.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser revogado o aliás Douto Acórdão, no termos supra expostos,

E,
Em qualquer caso, mesmo que assim não se entenda, deverá a pena aplicada ao Arguido ser alterada por outra próxima dos limites mínimos legais. »;

2 – CM:

«A - Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21°-1° e 24°-c), do DL n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa a este diploma

1 - Por acórdão datado de 13 de Julho de 2012 foi o ora recorrente condenado na pena de sete anos por tráfico na forma agravada porque considerados provados os pontos 1 a 29 da "Matéria de Facto" dada como provada.

2 - A realidade é que os elementos nos quais o Tribunal recorrido motivou o seu juízo condenatório, como sejam, os depoimentos e as intercepções telefónicas não revelam a prática dos factos imputados ao ora recorrente, tipificadores e qualificadores do tipo de crime de tráfico de drogas agravado.

3 - As intercepções telefónicas, cuja transcrição se encontra junta aos autos, consistem em conversas inconclusivas, vagas e imprecisas, cujo teor é incapaz de concretizar condutas por parte do recorrente que consubstanciem a actividade de tráfico de drogas agravado nos termos dos factos dados como

4 - O Douto Acórdão recorrido motiva a Decisão com conjecturas, hipóteses e afirmações, que não são corroboradas por qualquer meio de prova.

5 - O conteúdo das intercepções telefónicas é manifestamente insuficiente para a concretização e prova dos factos dados como provados nos pontos 1 a 29 da matéria dada como provada.

6 - O Douto Acórdão recorrido não fundamentou, nem explicou, nem aclarou as razões pelas quais as intercepções telefónicas levaram a dar como assente a matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 29.

7 - O princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal não iliba o julgador de explanar as razões que levaram à sua convicção.

8 - Nenhuma das testemunhas ouvidas sobre a matéria do crime de tráfico de drogas agravado atribuiu ao recorrente condutas tipificadoras do tipo de crime de tráfico de drogas.

9 - O Douto Acórdão recorrido, no que respeita ao crime de tráfico de drogas, padece desde logo de falta de fundamentação, por não referir na motivação quais os depoimentos em que se baseou para formar a sua convicção.

10 - O Douto Acórdão recorrido não levou em linha de conta os depoimentos prestados pelas testemunhas do recorrente, que, sob juramento, atestaram que este tem uma actividade profissional, optando por, sem sustentação factual ou jurídica, dar como assente que o recorrente não tinha qualquer ocupação lícita e que os proventos que obtinha eram resultantes do tráfico de drogas ­repete-se, sem que na motivação sejam indicadas as razões que levaram a dar tal facto como assente.

11 - Acresce, que na motivação da Douta Decisão recorrida nada é dito, nem ali se adiantam quais os meios de prova capazes de levar a concluir que o recorrente tinha participação na estrutura e nos recursos investidos na quinta de Sarilhos Grandes, e ali cultivava ou ajudava a cultivar, ou produzia ou ajudava a produzir haxixe, ou o distribuía ou o vendia, obtendo, por esse meio, ou pretendendo obter, proventos que extravasem os lucros normais, circunstância que levaria à avultada compensação económica, qualificativa prevista na al. c) do art. 24° do DL n° 15/93, de 22.01., pelo que nunca poderia o recorrente ser condenado pela prática do crime de tráfico de drogas qualificado nos termos da supra referida qualificativa.

12 - Na matéria dada como provada no Douto Acórdão recorrido não se retiram factos concretos e específicos da conduta do recorrente susceptíveis de um enquadramento jurídico-penal do crime de tráfico de drogas agravado, tout court.

13 - O Douto Acórdão recorrido não individualiza, nem concretiza factos específicos da conduta do recorrente que possam levar a concluir que o mesmo na Quinta de Sarilhos Grandes cultivava ou ajudava a cultivar, ou produzia ou ajudava a produzir haxixe, ou o distribuía ou o vendia, desde quando o fez e como o fez, como procedia à venda do produto ou a quem vendia, razão pela qual a Decisão recorrida faz jus de uma imputação genérica, que não é admissível em sede de fundamentação de facto, pelo que desde logo se impunha a absolvição do recorrente da prática deste crime.

14 - A matéria dada como provada na Decisão recorrida não corresponde a factos, mas sim a imputações genéricas que não indicam o lugar, o tempo, a motivação, o grau de participação ou as circunstâncias relevantes, pelo que as afirmações apresentadas como "factos", inviabilizam o direito de defesa do recorrente, porque não são passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do seu direito de defesa constitucionalmente consagrado, e nesse sentido constituem uma grave ofensa dos seus direitos constitucionais previstos no art. 32° da CRP.

15 - No que respeita ao crime de tráfico de drogas agravado, o Douto Acórdão padece de total falta de fundamentação, pelo que a Decisão ora recorrida consuma o vício elencado no art. 410°, n° 2 al a) do CPP, e nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos arts. 379, n° 1 al. a) e 374°, n° 2 do C.P.P. é nula.

16 - Por total falta de fundamentação e porque os factos dados como provados no Douto Acórdão recorrido não podem conduzir a um enquadramento jurídico-penal do crime de tráfico de drogas agravado, o ora recorrente deveria ter sido ABSOLVIDO da prática do crime de tráfico de drogas agravado.

17 - Por essencial e não menos importante para a boa decisão da causa em sede de recurso, impõem-se chamar à colação a forma como foi recolhida a prova obtida na quinta de Sarilhos Grandes.

18 - As provas obtidas na quinta de Sarilhos Grandes, na sequência das diligências de reconhecimento de local realizadas com o arguido T, foram obtidas num circunstancialismo em que aquele aceita colaborar na indicação da localização da quinta na perspectiva de obter alguma vantagem, pelo que, nos termos da aI. d) do art. 126° do C.P.P, as provas obtidas nessa quinta são nulas por terem sido obtidas mediante promessa de vantagem inadmissível.

19 - As diligências feitas com o arguido Terence à quinta de Sarilhos Grandes ocorreram depois de este ter sido presente ao Mm" Juiz de Instrução Criminal para primeiro interrogatório e de lhe ter sido nomeado nos autos defensor, pelo que sendo este britânico e desconhecedor da língua portuguesa, nos termos do art. 64°, n° 1 al. c), deveria ter sido assistido pelo seu defensor, no acto processual de reconhecimento de local da dita quinta, acto este que tinha em vista a obtenção de provas relevantes para o crime de tráfico de estupefacientes.

20 - A falta de defensor em acto que obrigue à sua comparência constitui, nos termos da al. c) do art. 119° do CPP, uma nulidade insanável que determina e impõe a nulidade de actos praticados sem a presença do defensor, pelo que, atento às disposições conjugadas da al. c) do n° 1 do art. 64 e da al. c) do art. 119° do CPP, o acto de reconhecimento de local à quinta de Sarilhos grandes, em que interveio o arguido Terence padece de uma nulidade insanável.

21 - As provas obtidas na quinta de Sarilhos Grandes foram obtidas na sequência de acto que padece de nulidade insanável, sendo que entre esse acto ferido de nulidade insanável e as diligências de obtenção de prova existe um nexo de dependência, razão pela qual, nos termos do disposto no art. 122º do CPP, as diligências subsequentes que visaram a obtenção de provas na referida quinta estão, também elas feridas de nulidade, e por isso todas as provas ali recolhidas são inválidas e não podem ser valoradas.

B - Quanto ao crime de Sequestro Agravado e ao crime de ofensa à integridade física qualificada

22 - O Douto Tribunal a quo valorou as declarações prestadas pelo ofendido perante os órgãos de OPC, tendo dado como provados factos que foram "retirados" dessas declarações.

23 - Sob pena da violação dos princípios da imediação e da oralidade, não podem valer para a convicção do Tribunal quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência, pelo que os factos que foram "retirados" dessas declarações devem ser expurgados da matéria dada como provada.

24 - As declarações para memória futura do ofendido JR constituem a prova basilar dos autos, e é delas que deve resultar a matéria provada.

25 - Das declarações para memória futura do ofendido JR resulta que as agressões de que foi vítima duraram dois dias, declaração que também prestou quando foi sujeito a exame médico-legal, sendo que a dinâmica dos factos por este declarada perante o Mmº Juiz de Instrução (devidamente expendida nas motivações de recurso), conjugada com outros elementos de prova valorados pelo Tribunal (depoimentos e listagens telefónicas), demonstra que o recorrente não pode ter praticado os factos pelos quais vem condenado.

26 - No dia 06 de Outubro o recorrente estava em Espanha, conforme resulta de elementos de prova juntos aos autos e valorados pelo Tribunal (listagens telefónicas e depoimentos), pelo que a Douta Decisão recorrida deveria ter dado tal facto como provado.

27 - O Douto Acórdão recorrido apresenta evidente contradição entre a fundamentação e a motivação - valida integralmente as declarações da vítima e depois dá como provados factos que contrariam essas mesmas declarações.

28 - O Tribunal valida integralmente as declarações para memória futura do ofendido, nas quais este claramente diz que foi vítima de agressões durante dois dias e depois nos pontos 63 e 93 da matéria provada dá como provado que tudo sucedeu em "poucas horas" e a "partir na noite de 5 para 6 de Outubro", pelo que é evidente a contradição entre a fundamentação e a motivação.

29 Os vestígios lofoscópicos e biológicos do recorrente encontrados na casa onde se deram as agressões, resultam de o mesmo ali ter vivido (conforme foi provado por depoimentos e foi confirmado pelo arguido T nas suas declarações), sendo, por isso, natural que ali sejam encontrados vestígios dessa natureza, em objectos que por ele tenham sido usados e utilizados.

30 - A recolha de vozes que foram apresentadas à vítima para efeitos de reconhecimento de voz, apresentavam registos diferentes, o que condicionou a escolha do ofendido.

31 - À data do reconhecimento de voz o ofendido já sabia tudo sobre os arguidos, o seu nome, de onde eram naturais, a sua idade e o que tinham dito no 1 ° interrogatório de arguido detido - circunstância que não foi alheia ao reconhecimento que veio a fazer.

32 - Para além do mais, o reconhecimento de voz não respeitou o formalismo do n° 2 do art. 147° do CPP, que impõe que a obtenção deste meio de prova é obrigatoriamente presencial, sendo que este formalismo se estende ao reconhecimento de voz por força do n° 5° do art. 147° do CPP.

33 - No caso dos autos a recolha de vozes não foi presencial, pelo que, por não ter respeitado o preceito legal acima referido, o reconhecimento de voz não tem valor como meio de prova e não poderia ter sido valorado pelo Tribunal, conforme disposto no n° 7 do art. 147° do CPP.

34 - O Douto Acórdão recorrido, no que respeita aos crimes de sequestro agravado e ofensas à integridade física qualificadas, padece do vício elencado na al. c) do art. 410° do CPP., erro notório na apreciação da prova - vicio este que resulta do juízo arbitrário que fez sobre a apreciação das provas.

35 - De facto, O Tribunal a quo ao valorar integralmente as declarações da vítima, os factos por si declarados não podiam ser contrariados - ao dar como provados factos que contrariam tais declarações, o Tribunal fez um juízo arbitrário na apreciação da prova.

36 - Da prova produzida resulta que o recorrente não praticou os factos pelos quais vem condenado, e nesse sentido, impunha-se a absolvição, sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, pelo menos, da prova produzida decorrem factos que não poderiam ser subtraídos à "dúvida razoável" do Tribunal, pelo que com a decisão condenatória o Douto Tribunal a quo violou o princípio basilar constitucionalmente consagrado do in dubio pro reo.

37 - Neste contexto, deveria o recorrente ter sido ABSOLVIDO dos crimes de sequestro agravado e de ofensa à integridade física qualificada.

38 - A Douta Decisão recorrida condenou o recorrente como autor de um crime de sequestro agravado pela qualificativa da al. b) do nº 2 do art. 158° do C.P., mas simultaneamente pela autoria de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 144°, als. a) e 145°, nºs 1, al. b) e 2, com referência ao art. 132°, n° 2, aIs. d), e), h) e j), todos do CP.

39 - O crime de sequestro agravado por ofensas à integridade física, desde que estas acompanhem o sequestro, não concorre com o de ofensa a essa integridade, pois que estas já estão valoradas como circunstância qualificativa do sequestro.

40 - Ao valorar duplamente as ofensas à integridade física, o Douto Tribunal a quo violou o princípio "ne bis in idem", pelo que se impõe a absolvição do recorrido como co-autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada.

41 - O Tribunal a quo preteriu prova requerida pelo arguido na fase de julgamento, que se manifestava indispensável à descoberta da verdade material, pelo que, com essa preterição violou os seus direitos de defesa, constitucionalmente consagrados no art. 32° da CRP.

42 - O Tribunal a quo deu por finda a produção de prova, e proferiu decisão condenatória, sem que estivesse junta aos autos a prova que, legitima e atempadamente foi requerida pelo recorrente, e que se revelava indispensável para a descoberta da verdade, pelo que incorreu o Tribunal a quo na nulidade processual susceptível de ser enquadrada na al. d) do n° 2 do art. 120° do CPP.

43 - A nulidade supra pode ser invocada no recurso da Decisão, como decorre do disposto no n° 3 do art. 410° do CPP, nulidade esta cuja declaração se requer, com as legais consequências.

44 - O Tribunal a quo não atendeu ao disposto nos artigos 40° e 71 ° do C.P., pois desconsiderou circunstâncias que depunham/depõem a favor do recorrente, vindo a decidir por uma pena que se considera objectivamente excessiva.

45 - A norma do art. 127° do CPP, tal como se encontra escrita, viola as garantias constitucionais do art. 32° n" 1 da CRP, por, no limite, permitir juízos arbitrários, pelo que, tal norma padece do vicio de desconformidade com a CRP.

Nestes termos e nos mais de direito, entende-se que claramente e sem margem para dúvida:

a) Quer por total falta de fundamentação;
b) Quer por erro notório na apreciação da prova;
c) Quer por errado enquadramento jurídico-penal

Cumpriria decidir de outra forma, devendo por conseguinte, sempre com o Douto suprimento de V. Exas., ser dado provimento ao presente Recurso, com a consequente reapreciação da prova, a fim de a decisão recorrida ser substituída por outra que decida pela, ABSOLVIÇÃO do ora Recorrente.»;

3 – WQ:
1. O recorrente não mantém interesse no recurso interlocutório oportunamente admitido e retido - competência territorial.

2. Foram incorretamente julgados os factos descritos nos pontos 1, 2,4, 23, 24, 27, 28, 29 e a parte final do provado na página 22 da matéria de facto.

3. Os pontos 23 e 24 foram incorretamente julgados pois a apreensão daqueles bens foi precedida de uma busca domiciliária ilegal por não estar autorizada.

4. Do mandado de busca de fls. 1356, resulta claro que foi apenas autorizada a busca a uma moradia implantada num terreno e não às casas amovíveis que também estavam implantadas naquele terreno.

5. As outras casas amovíveis não podem ser consideradas como garagem ou parqueamento, porque são domicílios autónomos da casa principal - moradia - apesar de implantados no mesmo terreno.

6. Assim sendo são nulas as buscas constantes de fls. 1357 a 1362 realizadas às casas amovíveis por violação do artigo 177º do CPP.

7. Os factos provados nos pontos 1, 2, 28 e 29 foram incorretamente julgados.

8. Trata-se de matéria genérica, conclusiva ou meros conceitos de direito.

9. Não se concretiza o tempo, espaço, quantidade, qualidade e o seu circunstancialismo.

10. São apenas formulações genéricas, relacionando-se vagamente o arguido com coarguidos, sugerindo-se atos de tráfico sem tradução em factos concretos praticado pelo recorrente.

11. Imputa-se uma atividade indeterminada de tráfico indeterminada.

12. Não se provou que o descrito nos pontos 23 e 24 esteja relacionado com o descrito em 1 e 2.

13. É manifestamente impossível ao arguido defender-se de que não participou na atividade de tráfico de droga.

14. Em nenhum momento da factualidade provada, se descreve minimamente uma conduta do recorrente dirigida à tal atividade.

15. ...de resto, as afirmações genéricas, contidas no elenco desses «factos» provados do acórdão recorrido, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe os locais em que os citados arguidos venderam os estupefacientes/ quando o fizeram/ a quem/ o que foi efectivamente vendido/ se era mesmo heroína ou cocaína/ etc. Por isso/ a aceitação dessas afirmações como «factos» inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e/ assim/ constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no artigo 32º da Constituição.

16. Violaram-se em consequência, os direitos de defesa dos arguidos - art. 32º da C.R.P. -, pois os factos acima referidos deveriam ter sido dados como não provados. É esta a melhor interpretação que deve ser dada às normas constantes dos artigos 283º, nº3, al. b), 374º, nº2, 410º, nº2 e 412º, nº3, do CPP, sob pena de as mesmas padecerem de inconstitucionalidade material por contenderem com o estatuído nos artigos 205º, nº1 e 32º, nº1, da CRP. Com efeito, a interpretação que foi dada pelo tribunal, às referidas normas, a prova dos factos basta-se com uma descrição genérica dos factos sem um mínimo de concretização dos mesmos designadamente no que concerne à data concreta em que o recorrente adquiriu, deteve ou vendeu os produtos estupefacientes, a quantidade e qualidade e a especificação dessas vendas.

17. Por outro lado, as provas produzidas impunham sempre decisão diversa da recorrida quanto a estes pontos.

18. Da decisão recorrida e da sua fundamentação de facto, não resulta qualquer nexo causal entre o apreendido em 23 e 24 e os coarguidos.

19. Muito menos qualquer vestígio de contacto deste recorrente com o coarguido S.

20. Não é crível que o recorrente tivesse conhecimento da droga apreendida na casa amovível onde estava a I quando, entre a ss 63 a sua detenção distam 18 dias em que não houve qualquer controlo policial.

21. Conforme resulta do depoimento do inspetor RB - ficheiro 20120518145756_226267_64705.wma entre o minuto 1:31:30 e :1:32:50 - entre o dia 14.10 e o dia 3.11, data da detenção e buscas, não se verificou qualquer vigilância policial.

22. Se assim fosse, dizem as regras da experiência que se teria livrado daquela mochila.

23. Por outro lado, como o arguido referiu em julgamento - ficheiro 20120412100810_226267_64705.wma minuto 6:30 e 7:40 - não sabia das plantações do arguido S e nunca lá esteve.

24. Ainda, decorre da espontaneidade do arguido momento da detenção o conhecimento da droga que foi apreendido na sua casa amovível testemunha RB entre o minuto 1:28 e 1:29:30 ficheiro 20120518145756_226267_ 64705.wma.

25. Pelo que os factos impugnados foram incorretamente julgados como provados no que toca ao recorrente.

26. Impugna-se ainda os factos provados nos pontos 4 e 27.

27. Nada se apurou a este respeito, concluindo o acórdão recorrido que este arguido só podia viver do tráfico.

28. Contudo, a DGRS apurou que o arguido vivia de à custa do filho e de trabalhos para o patrão e dono da casa amovível onde estava.

29. Nenhum ato de tráfico anterior à sua detenção do dia 3.11 foi apurado.

30. Nenhuma testemunha ou folha do processo se refere a este arguido na atividade de tráfico do coarguido S.

31. Devem os factos descritos neste ponto serem julgados como não provados, por as provas produzidas em Tribunal não só admitirem decisão diversa, como impõem decisão diversa da recorrida.

32. Os factos provados, nomeadamente em 77 e 78 não permitem a condenação do recorrente pelo crime de sequestro.

33.A intervenção do arguido não manteve ou aumentou o sequestro que já se verificava.

34. Por outro lado, o dolo do arguido estava dirigido a ir buscar o seu sobrinho T conforme se provou em 77.

35. Era sua intenção transportar aquelas pessoas dali, após terem tido um acidente, o que aconteceu.

36. Quando já estavam preenchidos os elementos subjetivos do crime de sequestro, a conduta do arguido em nada aumentou a provação de liberdade do JR.

37. Pelo que o provado em 77 e 78 não preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de sequestro.

38. O arguido não praticou qualquer crime de tráfico agravado.

39. Os produtos que lhe foram apreendidos integram quanto muito a previsão do nº2 do art. 40º do DL 15/93 de 22.1 ou quanto muito o art. 25º do mesmo diploma legal.

40. Nada se provou quanto à intervenção do arguido numa atividade maior dos outros coarguidos e mesmo que assim fosse o seu dolo não deve ser extensivo às agravantes.

41.As penas parcelares e única devem sempre ficar mais próximas dos limites mínimos.

Violaram-se as seguintes disposições:
- Artigos 70º, 71º e 158º do CP;
- Artigo 177º do CPP;
- Artigos 21º, 24º, 25º e 40º do DL 15/93 de 22.1.

Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento:
- Alterando-se a decisão de facto, absolver-se o recorrente;
- Alterando-se a qualificação jurídica dos factos;
- Reduzir-se as penas aplicadas.».

O Ministério Público apresentou respostas, concluindo:
1 - quanto ao recurso de SJ:

«1ª - O recorrente apresentou as motivações de recurso, sendo certo que o arguido SJ não recorre da apreciação da matéria de facto e da prova gravada (como se depreende do requerimento/motivações de recurso).

– Convirá notar que o recorrente apresentou as alegações de recurso, e embora requeira a reapreciação da prova gravada, não o fez com as exigências a que alude o artigo 412º, n.º 3 do CPP.

- Com efeito, importa referir que, quando o recurso pretende impugnar a matéria de facto, o recorrente tem o dever legal (art. 412º, n.º 3 do CPP) de especificar, (a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e (c) as provas que devem ser renovadas.

- O ora recorrente interpôs o seu recurso e a sua motivação deveria enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância em relação à decisão e que delimitam o âmbito do recurso.

- Entende-se que, no presente recurso do arguido SJ, as exigências legais inerentes à impugnação ampla da matéria de facto não foram integralmente observadas. Da harmoniosa interpretação das normas constantes das als. a) e b) do n.º 3 do art. 412º do CPP, resulta que o recorrente terá, a um tempo, que individualizar cada facto julgado provado na sentença recorrida e a concreta localização de cada declaração ou depoimento que, no seu entender, impunha diverso julgamento e que, por assim não ter sido ali entendido, pretende em recurso ver reapreciado pelo Tribunal da Relação [neste sentido, já entendeu a Relação de Évora, nos acórdãos de 12/03/20008 e de 24709/2009, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt ].

- No caso sub judice, não restam dúvidas que o recorrente não cumpriu cabalmente o ónus supra referido (quer na motivação, quer nas conclusões do recurso) de indicação da parte seleccionada da gravação, com referência à hora, minuto e segundo de início e da hora, minuto e segundo do respectivo termo: o que se indica é meramente um minuto e segundo que se desconhece se corresponde ao início de todo o depoimento, ao fim do mesmo, ao início de determinado trecho que interessa apontar ou o fim deste, inexistindo a necessária individualização temporal dos trechos específicos que fundamentam a impugnação, com indicação inequívoca do seu princípio e também do seu fim [sublinhado e negrito nossos].

- Entende-se também que não pode haver convite ao ora recorrente (SJ) para apresentar especificações em falta [cfr. Ac. RP de 28/05/2003, Proc. 0311827, acessível em htpp://www.dgsi.pt e Ac. TC n.º 259, de 18/06/2002, em DR, II série, de 13.12.2002 e Ac. TC n.º 140/2004, de 10/03/2004, em DR, II série, n.º 91, de 17/04/2004].

- O conteúdo das intercepções telefónicas constitui meio de aquisição de prova – e não se confunde com meio de prova -, pelo que a análise crítica dos abundantes meios de prova (testemunhal, documental e pericial) que permitiram ao Colectivo de Juízes concluir que o arguido (ora recorrente) se dedicava à actividade internacional de tráfico de estupefacientes.

- Bem pelo contrário, entende o Ministério Público que o douto acórdão recorrido está exaustivamente fundamentado e concretiza os meios de prova que permitem concluir pela condenação do ora recorrente.

10ª – Contrariamente ao recorrente, entende-se que o Tribunal “ a quo” se pronunciou sobre as questões que devia apreciar a que alude a alínea c) n.º 1 do art. 379º do CPP, assim como o acórdão recorrido contém todos os requisitos ínsitos no n.º 2 do art. 374º.

11ª – Da análise do acórdão recorrido, também não se descortina qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão. Pelo contrário, os fundamentos de facto dados por provados entre si e também estes com os ali tidos por não provados harmonizam-se perfeitamente entre si.

12ª – As declarações para memória futura (a que alude o artigo 271º do CPP) constituem produção antecipada de prova para julgamento e, perante o Senhor Juiz de instrução criminal, foram asseguradas todas as garantias de defesa aos co-arguidos e exercício pleno dos princípios da oralidade, da imediação e do contraditório.

13ª – Nada impõe na lei processual penal que as declarações para memória futura à vitima e sua mulher tenham, em audiência de julgamento, uma vez mais ser reproduzidas e o Tribunal “a quo” deva limitar-se a ponderar a súmula (em suporte papel), o que, a admitir-se como sendo assim, esvaziaria de utilidade o conteúdo a gravação áudio das inquirições efectuadas às testemunhas JR (ofendido) e sua mulher, DH.

O meio de prova é válido e eficaz em julgamento. Nenhuma nulidade se verifica.

14ª - A nosso ver, o Tribunal “a quo” também não violou o disposto nos artºs 127º e 355º, ambos do Código Penal. Como sabemos o art. 127º do C.P. acolheu o princípio da “livre apreciação da prova”, o qual impõe uma valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência comum e dos conhecimentos científicos, que permite ao julgador a apreciação dos factos, requisito necessário para a motivação da decisão.

15ª – O acórdão recorrido também não violou o princípio “in dubio por reo”. Analisado o douto acórdão não se vislumbra que o Tribunal “a quo” tenha ficado na dúvida sobre a forma de decidir a matéria de facto e muito menos que tivesse optado por decidir essa dúvida contra o arguido (que é apenas hipotética ou apenas sentida pelo recorrente, portanto.

16ª - O que, de resto, é compreensível, a quem se acha na posição de isenção, como é a do Tribunal, cujo acórdão contém fundamentação exaustiva daquele que foi a convicção do Colectivo de Juízes. Assim, concluímos que também se não tem por verificada qualquer violação do princípio «in dubio pro reo». E por consequência de tudo o referido que se não vê razão para alterar a decisão da matéria de facto provada.

17ª - O acórdão recorrido está fundamentado até à exaustão – dizemos nós. Afigura-se-nos fundamentação bastante – ainda que o recorrente desta discorde, o que é expectável para quem, como o arguido, não admitiu os factos imputados na acusação.

18ª - Na formação da convicção do Tribunal Colectivo não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, reflectindo-se aqui a relevância que têm na formação da convicção do julgador “elementos introduzíveis e subtis” tais como, a “mímica de todo o aspecto exterior de todo o depoente” e as “próprias reacções, quase reacções, quase imperceptíveis no auditório” que vão agitando o espírito de quem julga – cfr. Prof. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, 1980, vol. III, 211 [negrito e itálico nossos].

19ª – No decurso do inquérito e da instrução, o arguido SJ estava devidamente representado e dispunha de Advogado constituído, pelo que o exercício do contraditório foi plenamente exercido durante a tomada de declarações para memória futura, ao abrigo do artigo 271º do CPP.

20ª – Não existe qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art. 410º, n.º 1 al. a) do C.P.P.) e o acórdão não violou o princípio de presunção de inocência (cfr. art. 32º/2 da CRP), assim como interpretou correctamente o disposto no art. 127º do CPP.

21ª – Por outro lado, «O concurso entre sequestro e as ofensas corporais é um concurso aparente quando as ofensas corporais são apenas as necessárias para a execução do sequestro. Se ultrapassarem essa medida, há concurso efectivo. Havendo ofensas corporais graves, funciona a agravação prevista no artigo 158º, n.º 2, al. b) do Código Penal» [cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UCP, 2008, anot. 25, pág. 427].

22ª – Salvo o devido respeito, a existência de concurso efectivo entre a prática, pelo arguido SJ, de um crime de sequestro agravado (p. e p. pelo artigo 158º, nºs 1 e 2 al. b), com referência ao art. 144º, als. a) e b) do Código Penal) e ainda, de um crime de ofensas corporais qualificada, p. e p. pelos arts. 144º, al. a) e 145º, nºs 1, al. b) e 2, com referência ao art. 132º, n.º 2, als. d), e), h) e j) todos do CP, está exaustivamente explicitada a fls. 81 a 89 do acórdão.

23ª – Concorda-se, pois, com o enquadramento dos «Factos e (d)o Direito» a fls. 66 verso a 89 do acórdão recorrido, do qual, entre o mais e quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada, ao crime de sequestro agravado e à tentativa de crime de homicídio qualificado.

24ª – Inexiste, no caso em apreço, qualquer violação do princípio «ne bis in idem» pelo tribunal colectivo e, apreciando o caso concreto, o concurso entre o crime de sequestro e o crime de ofensa à integridade física qualificada é efectivo e real.

25ª – O arguido SJ (ora recorrente) teve um processo justo, equitativo e adequado à sua situação de reclusão, como resulta dos trâmites dos presentes autos e não se concede, de modo algum, que tenha sido violado o disposto no artigo 32º da Constituição da República ou qualquer norma da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou qualquer dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (cfr. seu artº 10º).

26ª - Por conseguinte, não existe qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art. 410º, n.º 1 al. a) do C.P.P.) e o acórdão não violou o princípio de presunção de inocência (consagrado no art. 32º/2 da CRP).

27ª – Da análise do acórdão recorrido, constata-se a inexistência do vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de Direito. Também não se descortina qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão.

28ª - Pelo contrário, os fundamentos de facto dados por provados entre si e também estes com os ali tidos por não provados harmonizam-se perfeitamente entre si.

29ª - Não se vislumbra no douto acórdão recorrido qualquer dissonância entre os factos nela dados por provados e a decisão de direito, pois que, na presença de todos os factos objectivos e subjectivos integradores do tipo de ilícito de sequestro agravado.

30ª - Analisando o conteúdo do acórdão recorrido, nada se colhe que ostensivamente possa ser tido como contrário ao que qualquer pessoa, colocada no lugar do tribunal, poderia considerar ou que possa ser contraditado pelas regras da experiência comum.

31ª - Consequentemente, entende o Ministério Público que o acórdão recorrido deverá ser confirmado, também nesta parte, soçobrando a pretensão do ora recorrente e mantendo-se, como é de Justiça, a condenação do arguido pela prática dos sobreditos crimes.

32ª - Entende-se que o Tribunal “a quo” ponderou “todos os factores assinalados, dentro da moldura abstracta das penas abstractas aplicadas aos crimes de sequestro agravado, ao crime de ofensa à integridade física qualificada, à tentativa de crime de homicídio qualificado, ao crime de detenção de arma proibida e ao crime de tráfico de estupefacientes agravado – afigura-se ser de aplicar ao arguido as penas parcelares e a fixação, em cúmulo jurídico, a pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão aplicada ao arguido SJ.

33ª - O douto Acórdão recorrido tratou todos os aspectos gerais e abstractos pertinentes à determinação da medida concreta dessas penas, uma vez que nada se nos afigura de relevante acrescentar à integração dos factos às normas aplicáveis.

34ª - Atento o que antecede, o Ministério Público concorda na íntegra com o acórdão do Tribunal Colectivo; acórdão esse, que na nossa perspectiva é justo e equilibrado à gravidade dos ilícitos cometidos pelo ora recorrente, às consequências danosas para a sociedade em geral e à ausência de assunção da responsabilidade ou de arrependimento do arguido.

35ª – Por conseguinte, somos de entendimento que não se verifica qualquer dos vícios apontados pelo recorrente – ou, outros quaisquer vícios -, devendo o acórdão do Tribunal “a quo” ser confirmado e, consequentemente, negado provimento ao presente recurso. »:

2 - relativamente ao recurso de CM:

«1ª - O recorrente apresentou as motivações de recurso, sendo certo que o arguido CM recorre da apreciação da matéria de facto e da prova gravada (como se depreende do requerimento/motivações de recurso).

– Convirá notar que o recorrente apresentou as alegações de recurso, e embora requeira a reapreciação da prova gravada, não o fez com as exigências a que alude o artigo 412º, n.º 3 do CPP.

- Com efeito, importa referir que, quando o recurso pretende impugnar a matéria de facto, o recorrente tem o dever legal (art. 412º, n.º 3 do CPP) de especificar, (a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e (c) as provas que devem ser renovadas.

- O ora recorrente (CM) interpôs o seu recurso e a sua motivação deveria enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância em relação à decisão e que delimitam o âmbito do recurso.

- Entende-se que, o presente recurso, as exigências legais inerentes à impugnação ampla da matéria de facto não foram integralmente observadas. Da harmoniosa interpretação das normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 412º do CPP, resulta que o recorrente terá, a um tempo, que individualizar cada facto julgado provado na sentença recorrida e a concreta localização de cada declaração ou depoimento que, no seu entender, impunha diverso julgamento e que, por assim não ter sido ali entendido, pretende em recurso ver reapreciado pelo Tribunal da Relação [neste sentido, já entendeu a Relação de Évora, nos acórdãos de 12/03/20008 e de 24709/2009, ambos disponíveis em htpp://www.dgsi.pt].

- No caso sub judice, não restam dúvidas que o recorrente não cumpriu cabalmente o ónus supra referido (quer na motivação, quer nas conclusões do recurso) de indicação da parte seleccionada da gravação, com referência à hora, minuto e segundo de início e da hora, minuto e segundo do respectivo termo: o que se indica é meramente um minuto e segundo que se desconhece se corresponde ao início de todo o depoimento, ao fim do mesmo, ao início de determinado trecho que interessa apontar ou o fim deste, inexistindo a necessária individualização temporal dos trechos específicos que fundamentam a impugnação, com indicação inequívoca do seu princípio e também do seu fim [sublinhado e negrito nossos].

- Entende-se também que não pode haver convite ao recorrente para apresentar especificações em falta [cfr. Ac. RP de 28/05/2003, Proc. 0311827, acessível em htpp://www.dgsi.pt e Ac. TC n.º 259, de 18/06/2002, em DR, II série, de 13.12.2002 e Ac. TC n.º 140/2004, de 10/03/2004, em DR, II série, n.º 91, de 17/04/2004].

- O conteúdo das intercepções telefónicas constitui meio de aquisição de prova – e não se confunde com meio de prova -, pelo que a análise crítica dos abundantes meios de prova (testemunhal, documental e pericial) que permitiram ao Colectivo de Juízes concluir que o arguido (ora recorrente) se dedicava à actividade de tráfico de estupefacientes.

- Bem pelo contrário, entende o Ministério Público que o douto acórdão recorrido está exaustivamente fundamentado e concretiza os meios de prova que permitem concluir pela condenação do ora recorrente.

10ª – Contrariamente ao recorrente, entende-se que o Tribunal “ a quo” se pronunciou sobre as questões que devia apreciar a que alude a alínea c) n.º 1 do art. 379º do CPP, assim como o acórdão recorrido contém todos os requisitos ínsitos no n.º 2 do art. 374º.

11ª – Da análise do acórdão recorrido, também não se descortina qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão. Pelo contrário, os fundamentos de facto dados por provados entre si e também estes com os ali tidos por não provados harmonizam-se perfeitamente entre si.

12ª – Constata-se a inexistência do vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de Direito, uma vez que valorou os elementos de prova documental (i.e., a localizacaçao ceclular do telemóvel e cartão accionado neste, ambos pertença do arguido C), as declaraçoes para memória futura de JR (i.e., valoração das declarações prestadas perante o Juiz de instrução e com pleno exercício do contraditório pelas Defesas dos arguidos), e as declarações da testemunha RB, inspector da Polícia Judiciária.

13ª – A nosso ver, o Tribunal “a quo” também não violou o disposto nos artºs 127º e 355º, ambos do Código Penal. Como sabemos o art. 127º do C.P. acolheu o princípio da “livre apreciação da prova”, o qual impõe uma valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência comum e dos conhecimentos científicos, que permite ao julgador a apreciação dos factos, requisito necessário para a motivação da decisão.

14ª – O acórdão recorrido também não violou o princípio “in dubio por reo”. Analisado o douto acórdão não se vislumbra que o Tribunal “a quo” tenha ficado na dúvida sobre a forma de decidir a matéria de facto e muito menos que tivesse optado por decidir essa dúvida contra o arguido (que é apenas hipotética ou apenas sentida pelo recorrente, portanto.

15ª - O que, de resto, é compreensível, a quem se acha na posição de isenção, como é a do Tribunal, cujo acórdão contém fundamentação exaustiva daquele que foi a convicção do Colectivo de Juízes. Assim, concluímos que também se não tem por verificada qualquer violação do princípio «in dubio pro reo». E por consequência de tudo o referido que se não vê razão para alterar a decisão da matéria de facto provada.

16ª - O acórdão recorrido está fundamentado até à exaustão – dizemos nós. Afigura-se-nos fundamentação bastante – ainda que o recorrente desta discorde, o que é expectável para quem, como o arguido, não admitiu os factos imputados na acusação.

17ª - Na formação da convicção do Tribunal Colectivo não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, reflectindo-se aqui a relevância que têm na formação da convicção do julgador “elementos introduzíveis e subtis” tais como, a “mímica de todo o aspecto exterior de todo o depoente” e as “próprias reacções, quase reacções, quase imperceptíveis no auditório” que vão agitando o espírito de quem julga – cfr. Prof. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, 1980, vol. III, 211 [negrito e itálico nossos].

18ª – O arguido CM não tinha de ser submetido a reconhecimento presencial (a que alude o artigo 147º n.º 1 do CPP), o de resto seria um acto processualmente inútil, quando é certo e sabido que a vítima JR não conhece pessoalmente o ora recorrente.

19ª – A recolha do registo de voz foi realizado pela polícia inglesa e entregue à Polícia Judiciária no âmbito da cooperação judiciária internacional nesta investigação de tráfico internacional de estupefacientes.

20ª – Não existe qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art. 410º, n.º 1 al. a) do C.P.P.) e o acórdão não violou o princípio de presunção de inocência (cfr. art. 32º/2 da CRP), assim como interpretou correctamente o disposto no art. 127º do CPP.

21ª – Por outro lado, «O concurso entre sequestro e as ofensas corporais é um concurso aparente quando as ofensas corporais são apenas as necessárias para a execução do sequestro. Se ultrapassarem essa medida, há concurso efectivo. Havendo ofensas corporais graves, funciona a agravação prevista no artigo 158º, n.º 2, al. b) do Código Penal» [cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UCP, 2008, anot. 25, pág. 427].

21ª – Salvo o devido respeito, a existência de concurso efectivo entre a prática, pelo arguido CM, de um crime de sequestro agravado (p. e p. pelo artigo 158º, nºs 1 e 2 al. b), com referência ao art. 144º, als. a) e b) do Código Penal) e ainda, de um crime de ofensas corporais qualificada, p. e p. pelos arts. 144º, al. a) e 145º, nºs 1, al. b) e 2, com referência ao art. 132º, n.º 2, als. d), e), h) e j), todos do CPenal, está exaustivamente explicitada a fls. 81 a 89 do acórdão.

22ª – Concorda-se, pois, com o enquadramento dos «Factos e (d)o Direito» a fls. 66 verso a 89 do acórdão recorrido, do qual, entre o mais e quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada,

23ª – Inexiste, no caso em apreço, qualquer violação do princípio «ne bis in idem» pelo tribunal colectivo.

24ª – Sempre com o devido respeito, por entendimento diverso, o arguido (ora recorrente) nunca esteve privado de exercer os seus direitos de defesa e fê-lo arrolando, pelo menos, uma testemunha residente em Espanha – a testemunha F (que esteve na audiência de julgamento) – e, por maioria de razão, podia ter colaborado com a defesa do arguido no sentido de fazer diligências em Algeciras, Andaluzia, Espanha.

25ª – O arguido C (ora recorrente) teve um processo justo, equitativo e adequado à sua situação de reclusão, como resulta dos trâmites dos presentes autos e não se concede, de modo algum, que tenha sido violado o disposto no artigo 32º da Constituição da República ou qualquer norma da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou qualquer dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (cfr. seu artº 10º).

26ª - Por conseguinte, não existe qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art. 410º, n.º 1 al. a) do C.P.P.) e o acórdão não violou o princípio de presunção de inocência (consagrado no art. 32º/2 da CRP).

27ª – Da análise do acórdão recorrido, constata-se a inexistência do vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de Direito. Também não se descortina qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão. Pelo contrário, os fundamentos de facto dados por provados entre si e também estes com os ali tidos por não provados harmonizam-se perfeitamente entre si.

28ª - Diga-se ainda que não se vislumbra no douto acórdão recorrido qualquer dissonância entre os factos nela dados por provados e a decisão de direito, pois que, na presença de todos os factos objectivos e subjectivos integradores do tipo de ilícito de sequestro agravado. Igualmente não se vislumbra no douto Acórdão qualquer erro notório (com o sentido traçado pelo recorrente) na apreciação da prova.

29ª - Analisando o conteúdo do acórdão recorrido, nada se colhe que ostensivamente possa ser tido como contrário ao que qualquer pessoa, colocada no lugar do tribunal, poderia considerar ou que possa ser contraditado pelas regras da experiência comum.

30ª - Consequentemente, entende o Ministério Público que o acórdão recorrido deverá ser confirmado, também nesta parte, soçobrando a pretensão do ora recorrente e mantendo-se, como é de Justiça, a condenação do arguido pela prática dos sobreditos crimes.

31ª - Entende-se que o Tribunal “a quo” ponderou “todos os factores assinalados, dentro da moldura abstracta das penas abstractas aplicadas aos crimes de sequestro agravado, ao crime de ofensa à integridade física qualificada e ao crime de tráfico de estupefacientes agravado – afigura-se ser de aplicar ao arguido as penas parcelares e a fixação, em cúmulo jurídico, a pena única de 15 (quinze) anos de prisão aplicada ao arguido CM.

32ª - O douto Acórdão recorrido tratou todos os aspectos gerais e abstractos pertinentes à determinação da medida concreta dessas penas, uma vez que nada se nos afigura de relevante acrescentar à integração dos factos às normas aplicáveis.

33ª - Atento o que antecede, o Ministério Público concorda na íntegra com o acórdão do Tribunal Colectivo; acórdão esse, que na nossa perspectiva é justo e equilibrado à gravidade dos ilícitos cometidos pelo ora recorrente, às consequências danosas para a sociedade em geral e à ausência de assunção da responsabilidade ou de arrependimento do arguido.

35ª – Em conclusão, o acórdão recorrido não padece dos vícios de falta de fundamentação, erro notório na apreciação da prova e menos ainda, um errado enquadramento jurídico-penal.

36ª – A norma do art. 127º do CPP, tal como se encontra escrita, não viola as garantias constitucionais do art. 32º da CRP, razão pela qual, esta norma não padece do vício de desconformidade com a Constitucional.

37ª - Por conseguinte, somos de entendimento que não se verifica qualquer dos vícios apontados pelo recorrente – ou, outros quaisquer vícios -, devendo o acórdão do Tribunal “a quo” ser confirmado e, consequentemente, negado provimento ao presente recurso.»;

3 – acerca do recurso de WQ:

«1ª – O Ministério Público nada tem a opor ao desinteresse do arguido WQ pelo prosseguimento do recurso interlocutório (admitido e retido) e relativo à competência territorial deste tribunal para conhecer da prática dos crimes vertidos no despacho de pronúncia.

- O recorrente apresentou as motivações de recurso, sendo certo que o arguido CM recorre da apreciação da matéria de facto e da prova gravada (como se depreende do requerimento/motivações de recurso).

– Convirá notar que o recorrente apresentou as alegações de recurso, e embora requeira a reapreciação da prova gravada, não o fez com as exigências a que alude o artigo 412º, n.º 3 do CPP.

- Com efeito, importa referir que, quando o recurso pretende impugnar a matéria de facto, o recorrente tem o dever legal (art. 412º, n.º 3 do CPP) de especificar, (a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e (c) as provas que devem ser renovadas
.
- O ora recorrente (WQ) interpôs o seu recurso e a sua motivação deveria enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância em relação à decisão e que delimitam o âmbito do recurso.

- Entende-se que, o presente recurso, as exigências legais inerentes à impugnação ampla da matéria de facto não foram integralmente observadas. Da harmoniosa interpretação das normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 412º do CPP, resulta que o recorrente terá, a um tempo, que individualizar cada facto julgado provado na sentença recorrida e a concreta localização de cada declaração ou depoimento que, no seu entender, impunha diverso julgamento e que, por assim não ter sido ali entendido, pretende em recurso ver reapreciado pelo Tribunal da Relação [neste sentido, já entendeu a Relação de Évora, nos acórdãos de 12/03/20008 e de 24709/2009, ambos disponíveis em htpp://www.dgsi.pt].

- No caso sub judice, não restam dúvidas que o recorrente não cumpriu cabalmente o ónus supra referido (quer na motivação, quer nas conclusões do recurso) de indicação da parte seleccionada da gravação, com referência à hora, minuto e segundo de início e da hora, minuto e segundo do respectivo termo: o que se indica é meramente um minuto e segundo que se desconhece se corresponde ao início de todo o depoimento, ao fim do mesmo, ao início de determinado trecho que interessa apontar ou o fim deste, inexistindo a necessária individualização temporal dos trechos específicos que fundamentam a impugnação, com indicação inequívoca do seu princípio e também do seu fim [sublinhado e negrito nossos].

- Entende-se também que não pode haver convite ao recorrente para apresentar especificações em falta [cfr. Ac. RP de 28/05/2003, Proc. 0311827, acessível em htpp://www.dgsi.pt e Ac. TC n.º 259, de 18/06/2002, em DR, II série, de 13.12.2002 e Ac. TC n.º 140/2004, de 10/03/2004, em DR, II série, n.º 91, de 17/04/2004].

- O conteúdo das intercepções telefónicas constitui meio de aquisição de prova – e não se confunde com meio de prova -, pelo que a análise crítica dos abundantes meios de prova (testemunhal, documental e pericial) que permitiram ao Colectivo de Juízes concluir que o arguido (ora recorrente) se dedicava à actividade de tráfico de estupefacientes.

- Bem pelo contrário, entende o Ministério Público que o douto acórdão recorrido está exaustivamente fundamentado e concretiza os meios de prova que permitem concluir pela condenação do ora recorrente.

10ª – Contrariamente ao recorrente, entende-se que o Tribunal “ a quo” se pronunciou sobre as questões que devia apreciar a que alude a alínea c) n.º 1 do art. 379º do CPP, assim como o acórdão recorrido contém todos os requisitos ínsitos no n.º 2 do art. 374º.

11ª – O Tribunal “a quo” também não violou o disposto nos artºs 127º e 355º, ambos do Código Penal. Como sabemos o art. 127º do C.P. acolheu o princípio da “livre apreciação da prova”, o qual impõe uma valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência comum e dos conhecimentos científicos, que permite ao julgador a apreciação dos factos, requisito necessário para a motivação da decisão.

12ª – Os mandados de busca de fls. 1356 dos autos, não padecem de qualquer vício ou nulidade e foram emitidos pelo Mmo. Juiz de instrução, com observância das normas legais.

13ª - O que, de resto, é compreensível, a quem se acha na posição de isenção, como é a do Tribunal, cujo acórdão contém fundamentação exaustiva daquele que foi a convicção do Colectivo de Juízes.

14ª - Assim, concluímos que existe prova inequívoca também se não tem por verificada qualquer violação do princípio «in dubio pro reo». E por consequência de tudo o referido que se não vê razão para alterar a decisão da matéria de facto provada.

15ª - O acórdão recorrido está fundamentado até à exaustão – dizemos nós. Afigura-se-nos fundamentação bastante – ainda que o recorrente desta discorde, o que é expectável para quem, como o arguido, não admitiu os factos imputados na acusação.

16ª - O arguido WK não tinha de ser submetido a reconhecimento presencial (a que alude o artigo 147º n.º 1 do CPP), o de resto seria um acto processualmente inútil, quando é certo e sabido que a vítima JR não conhece pessoalmente o ora recorrente.

17ª - Não existe qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art. 410º, n.º 1 al. a) do C.P.P.) e o acórdão não violou o princípio de presunção de inocência, assim como interpretou correctamente o disposto no art. 127º do CPP.

18ª – Salvo o devido respeito, a existência de concurso efectivo entre a prática, pelo arguido CM, de um crime de sequestro agravado (p. e p. pelo artigo 158º, nºs 1 e 2 al. b), com referência ao art. 144º, als. a) e b) do Código Penal) e ainda, de um crime de ofensas corporais qualificada, p. e p. pelos arts. 144º, al. a) e 145º, nºs 1, al. b) e 2, com referência ao art. 132º, n.º 2, als. d), e), h) e j), todos do CPenal, está exaustivamente explicitada a fls. 81 a 89 do acórdão.

19ª – Concorda-se, pois, com o enquadramento dos «Factos e (d)o Direito» efectuado no acórdão e considera-se, em síntese, a existência de factos suficientes para a condenação de WQ como co-autor, material, pela prática de um crime de sequestro simples e de um crime de tráfico de estupefacientes (a partir do Verão de 2011).

20ª – O arguido WQ (ora recorrente) teve um processo justo, equitativo e adequado à sua situação de reclusão, como resulta dos trâmites dos presentes autos e não se concede, de modo algum, que tenha sido violado o disposto no artigo 32º da Constituição da República ou qualquer norma da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou qualquer dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (cfr. seu artº 10º).

21ª - Por conseguinte, não existe qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art. 410º, n.º 1 al. a) do C.P.P.) e o acórdão não violou o princípio de presunção de inocência (consagrado no art. 32º/2 da CRP).

22ª – Da análise do acórdão recorrido, constata-se a inexistência do vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de Direito. Também não se descortina qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão. Pelo contrário, os fundamentos de facto dados por provados entre si e também estes com os ali tidos por não provados harmonizam-se perfeitamente entre si.

23º - Analisando o conteúdo do acórdão recorrido, nada se colhe que ostensivamente possa ser tido como contrário ao que qualquer pessoa, colocada no lugar do tribunal, poderia considerar ou que possa ser contraditado pelas regras da experiência comum.

24ª - Consequentemente, entende o Ministério Público que o acórdão recorrido deverá ser confirmado, também nesta parte, soçobrando a pretensão do ora recorrente e mantendo-se, como é de Justiça, a condenação do arguido pela prática dos sobreditos crimes.

25ª – O acórdão do Tribunal “a quo” não violou as disposições insitas nos artºs 70º, 71º e 158º todos do Código Penal, o art. 177º do CPP e o disposto nos artigos 21º, 24º, 25º e 40º do Direito Processual Penal.

26ª - O douto Acórdão recorrido tratou todos os aspectos gerais e abstractos pertinentes à determinação da medida concreta dessas penas, uma vez que nada se nos afigura de relevante acrescentar à integração dos factos às normas aplicáveis.

27ª - Atento o que antecede, o Ministério Público concorda na íntegra com o acórdão do Tribunal Colectivo; acórdão esse, que na nossa perspectiva é justo e equilibrado à gravidade dos ilícitos cometidos pelo ora recorrente, às consequências danosas para a sociedade em geral e à ausência de assunção da responsabilidade ou de arrependimento do arguido.

28ª – Em conclusão, o acórdão recorrido não padece dos vícios de falta de fundamentação, erro notório na apreciação da prova ou erro de enquadramento jurídico-penal.

29ª – Entendemos, assim, que não se verifica qualquer dos vícios apontados pelo recorrente – ou, outros quaisquer vícios -, devendo o acórdão do Tribunal “a quo” ser confirmado e, consequentemente, negado provimento ao presente recurso. ».

Os recursos foram admitidos.

Neste Tribunal da Relação, embora tendo sido requerida pelo arguido CM a realização de audiência (fls. 6558), o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que a decisão recorrida não merece censura.

Cumprido, por isso, o n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), os arguidos CM e WQ reiteraram as suas posições.

Colhidos os vistos legais e realizada audiência, com observância do legal formalismo, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto de cada um dos recursos define-se pelas conclusões que o respectivo recorrente extraiu da motivação, de harmonia com o disposto no art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade do acórdão, nos termos do art. 379.º do CPP, e dos vícios da decisão e nulidades que não se considerem sanadas, previstos no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995.

Delimitando-os, sem embargo de que a decisão de alguma questão possa vir a prejudicar a apreciação de outra(s), resulta que, numa cronologia lógica e preclusiva, se reconduzem à análise:

1 – recurso de SJ:

A) - da proibição de valoração das declarações para memória futura;
B) - da invalidade da prova obtida através das diligências em que interveio o arguido TM;
C) - do erro notório na apreciação da prova;
D) – da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
E) - da falta de fundamentação quanto aos factos atinentes ao tráfico de estupefacientes;
F) - da não agravação do crime de tráfico de estupefacientes;
G) – da indevida dupla valoração de circunstância qualificativa;
H) - da ausência da prática do crime de homicídio tentado;
I) - da não qualificação do crime de homicídio tentado;
J) - da absolvição pelo crime de detenção de arma proibida;
K) - da redução das medidas das penas parcelares e da pena única.

2 – recurso de CM:
A) - da invalidade da prova obtida através das diligências em que interveio o arguido TM;
B) – da invalidade do reconhecimento de voz;
C) - da omissão de diligência essencial da prova;
D) – do erro notório na apreciação da prova;
E) - da falta de fundamentação quanto aos factos atinentes ao tráfico de estupefacientes;
F) - da não agravação do crime de tráfico de estupefacientes;
G) – da ausência de participação nos factos atinentes ao sequestro e à ofensa à integridade física;
H) - da indevida dupla valoração de circunstância qualificativa;
I) – da redução das medidas das penas parcelares e da pena única.

3 – recurso de WQ:
A) - da invalidade das buscas às casas amovíveis;
B) - da ausência de prova quanto aos factos provados em 1, 2, 4, 23, 24, 27, 28 e 29;
C) - da absolvição pelo crime de tráfico de estupefacientes;
D) – da não agravação do crime de tráfico de estupefacientes;
E) - da absolvição pelo crime de sequestro;
F) - da redução das medidas das penas parcelares e da pena única.

Consta do acórdão recorrido:

Factos provados:
1 Os arguidos SJ, CM, WQ e TM cidadãos britânicos, bem como outros indivíduos não cabalmente identificados, designadamente MS e conhecido pela alcunha de “Pierre”, dedicaram-se, desde altura não concretamente determinada, à actividade de tráfico de drogas, designadamente cannabis.

2 Em Portugal, a referida actividade era desenvolvida através da produção de cannabis, cujas plantas semeavam em terrenos que para o efeito eram adquiridos. As plantas criadas eram depois sujeitas a tratamentos de secagem e prensagem, com vista à obtenção do produto final – haxixe – a cuja venda procediam, com a obtenção de elevados lucros, através dos diferenciais entre os custos produção e os valores de venda.

3 Por outro lado, era o arguido SJ quem procedia à escolha e contratação de pessoas, designadamente cidadãos do Reino Unido, para virem trabalhar nas plantações de cannabis que o grupo possuía em Portugal.

4 Estes arguidos não tinham qualquer ocupação profissional lícita nem recebiam qualquer remuneração ou rendimentos em Portugal, para além de proventos obtidos resultantes da actividade de tráfico de drogas.

5 Num local ermo, denominado por Barranco da Canha, em Santa Margarida do Sado – Grândola (na posição geográfica com a localização GPS 38.082361 N – 8,401537 W), área remota e de muito difícil acesso, dentro de uma coutada de caça denominada Serrado da Canha – Santa Margarida do Sado, situa-se um terreno com aproximadamente 50 metros de comprimento por 20 de largura, correspondendo-lhe, assim, uma área de cerca de 1.000 metros quadrados.

6 Neste local, vieram a ser encontrados e apreendidos pela Polícia Judiciária - UNCT, no dia 20 de Outubro de 2010, 22 pés de plantas de cannabis (sativa L) cuja natureza e composição foi laboratorialmente determinada.

7 O arguido SJ possuía, no interior de uma outra quinta, sita na Estrada dos Quatro Marcos (Pinhal do Monte, em Sarilhos Grandes) - Montijo, instalada em vários edifícios, uma estufa/laboratório de cultivo, produção, secagem e embalagem da planta cannabis, com meios técnicos sofisticados e elevada capacidade de produção.

8 Neste local foram localizados e apreendidos, no dia 25 de Outubro de 2010, quando os sistemas de refrigeração e secagem do laboratório se encontravam em pleno funcionamento, diversos artigos relacionados com o cultivo e produção da planta, nomeadamente centenas de vasos com plantas de cannabis, holofotes, ventoinhas, desumidificadores, fertilizante, condutas de ventilação e ventiladores, termómetros de parede, botijas de CO2, sacos para embalagem, sendo os equipamentos eléctricos maioritariamente alimentados através de tomadas de modelo inglês.

9 Neste local foram encontrados e apreendidos, designadamente, os seguintes haveres:

• 235 pés da planta cannabis, que a PJ acondicionou num saco de serapilheira;
• Um saco de serapilheira contendo resíduos da planta cannabis;
• Uma balança de precisão;
• Uma carta verde referente à viatura Chrysler Voyager com a matrícula “---KL82”;
• Três fotografias onde consta retratado o arguido SJ;
• Um rolo fotográfico que, após revelação, se verificou ter retratado o arguido SJ e os elementos do seu agregado familiar;

• uma pintura em tela assinada por “J. M.”, nome este também utilizado pelo arguido SJ;

10 A natureza estupefaciente do produto apreendido foi confirmada por exame pericial.

11 O arguido SJ detinha ainda, no mesmo local, o seguinte:

• Uma espingarda caçadeira calibre 12 m/m (com o número de série rasurado, – a qual consta na base de dados “Schengen” como objecto roubado, desviado ou extraviado);

• Um cartucho de caçadeira.

12 A espingarda caçadeira é uma arma de calibre 12m/m, modificada através de ocultação da sua numeração de origem, e o arguido não possui qualquer tipo de autorização para o seu uso, porte ou detenção de armas de fogo desse tipo, arma esta que, mediante uma intervenção não autorizada tem a sua coronha reduzida de forma relevante na sua dimensão.

13 O cartucho de caçadeira é uma munição de calibre 12 m/m, e o arguido não possui qualquer tipo de manifesto, documento ou autorização para uso, porte ou detenção de armas desse calibre, nem sequer apresentou o competente livro de aquisição e registo de munições.

14 O laboratório/fábrica instalado no Pinhal do Monte, em Sarilhos Grandes – Montijo era importante para a actividade descrita, razão pela qual havia sido arrendado o local, pelo preço de €1.000,00 (mil euros) mensais ao proprietário respectivo, DC.

15 Por sua vez, nas proximidades da quinta e a apenas cerca de 6 kms de distância dela, o arguido SJ tomara de arrendamento, a AS, uma residência sita na Rua... - no Pinhal Novo, sendo o contrato de arrendamento respectivo datado de 19 de Maio de 2010 e figurando como arrendatário S C, cidadão britânico, titular do passaporte nº ---.

16 No dia 09/10/2010, o arguido SJ deslocou-se ao Aeroporto de Faro, levando consigo cidadãos britânicos, os quais havia contratado para trabalhar nas plantações de cannabis e regressavam ao Reino Unido. Eram eles DB, ou S W (actual companheiro de TW) RJ, QM e SB, viajando ainda com eles TW (ex-companheira do arguido SJ).

17 Foi o arguido SJ quem efectuou as reservas de voo para todos os cidadãos britânicos referidos.

18 No dia 15 de Outubro de 2010, o arguido SJ, que se encontrava já a ser investigado e seguido pela PJ-UNCT na sequência do desaparecimento do cidadão britânico JR, foi localizado e detido numa zona descampada junto a um lago em Albufeira, onde tinha parqueado a viatura de marca Ford (modelo Transit, com a matrícula ---FML). Na altura, detinha consigo e foram-lhe apreendidos, no interior da viatura referida vários objectos, designadamente:

• 10,328 gramas de uma substância que o exame laboratorial confirmou tratar-se de cannabis (sativa L);

• 1 impresso da operadora VODAFONE, com referência ao nº 919----;

• 2 sacos de plástico contendo restos de uma substância que o exame laboratorial determinou ser cannabis (sativa L), com o peso líquido respectivo de 1,423 e 5,835 gramas.

19 No mesmo dia e já no interior das instalações da PJ-UNCT, em Lisboa, o arguido SJ detinha consigo e foi-lhe apreendido um blusão que vestia e que continha resíduos de uma substância que o exame laboratorial confirmou tratar-se de cannabis.

20 O arguido TM no dia 15 de Outubro de 2010, no quarto que utilizava na residência sita na..., no Barrocal – São Bartolomeu de Messines, detinha consigo e foram-lhe apreendidos, designadamente, uma balança de precisão contendo vestígios de produto cujo exame laboratorial confirmou ser cannabis e o montante de €400,00 (quatrocentos euros) em dinheiro.

21 Este arguido, não obstante residir em Messines, havia tomado de arrendamento, pela renda mensal de €700,00 (setecentos euros) uma vivenda designada “Casa ...”, sita em ... – Alfontes - Loulé, tendo pago seis meses adiantados.

22 Tal casa era pertença de JD.

23 No dia 3 de Novembro de 2010, o arguido WQ, quando se encontrava no local em que residia, no interior de uma casa amovível sita no Caminho dos Morgadinhos e implantada no terreno situado em Fontainhas – Albufeira, detinha consigo e foram-lhe apreendidos, designadamente, os seguintes objectos:

• Diversos pedaços de cannabis, nomeadamente 20g de Liamba e 46,66g de Haxixe, cuja natureza foi confirmada por exame laboratorial;

• Uma balança de precisão, no qual foram encontrados vestígios de cannabis, confirmados por exame laboratorial;

• Um bloco contendo diversos os dizeres manuscritos “Tez”, “Ron” e “Calum” e a atribuição de valores a cada um deles;

• Uma tesoura de podar, na qual foram encontrados vestígios de cannabis, confirmados por exame laboratorial;

• Diversas referências a cartões telefónicos, nomeadamente aos nº 91---- (atribuído ao arguido WQ) e 917--- (atribuído arguido TM);

• Diversos telemóveis;

• Dinheiro, no montante de €770,00 (setecentos e setenta euros) em notas de diversos valores faciais.

24 No interior de outra casa amovível sita no mesmo local, onde se encontrava YL (tia do arguido TM), foi localizada e apreendida uma mochila, pertencente ao arguido WQ, contendo cannabis (sendo 622 gramas de sumidade de folhas e 182 gramas de resina - haxixe), mochila essa que foi colocada pelo mesmo arguido na casa amovível onde estava YL, depois do mesmo se ter apercebido que elementos policiais rondavam o local.

25 Nas imediações do local foi ainda encontrada e apreendida a viatura ligeira de passageiros, pertencente ao arguido WQ, da marca Daimler -Jaguar (modelo 4.0 Auto, com a matrícula inglesa ----BPA).

26 No dia 15 de Outubro de 2010, o arguido CM detinha consigo e foi-lhe apreendido, quando se encontrava na residência do arguido TM (sita na Vivenda..., no Barrocal – São Bartolomeu de Messines) um Cartão de Memória e um telemóvel de marca NOKIA (modelo 8800D, com o IMEI ---), onde constam diversas fotos de plantações de cannabis, bem como dinheiro, no montante de €225,00 (duzentos e vinte e cinco euros).

27 Todos os bens e dinheiro que os arguidos detinham em seu poder e supra descritos, foram obtidos como resultado ou com vista à actividade de tráfico de cannabis a que se dedicavam.

28 Bem conheciam, os arguidos SJ, CM, TM e WQ, a natureza e características das substâncias estupefacientes.

29 Estes arguidos, com as suas condutas, pretenderam auferir ou proporcionar a outros que auferissem, elevados ganhos pecuniários, através dos diferenciais entre os preços de custo de produção e venda da tal produto.

30 O arguido SJ, no Reino Unido, já havia estado ligado a uma organização cujo escopo era, de igual forma, o tráfico de drogas e na qual trabalhou o cidadão britânico JR.

31 Nessa actividade e por força dela, o arguido SJ entendia que JR lhe devia dinheiro e que o havia ainda atraiçoado, por ter trabalhado para outro grupo que se dedicava à mesma actividade de tráfico de drogas no Reino Unido.

32 Foi no âmbito deste enquadramento factual que, em dia não determinado do mês de Agosto de 2010, quatro indivíduos encapuzados e armados com facas, a mando do arguido SJ, haviam entrado na residência de JR no Reino Unido, intimando-o a pagar a dívida reclamada.

33 Enquanto os indivíduos encapuzados se encontravam no interior da casa de JR, o arguido SJ telefonou, dizendo que mandaria incendiar a casa caso não fosse feita a entrega do dinheiro que JR lhe devia.

34 O arguido SJ, em Portugal, decidiu vingar-se de JR.

35 Para além destas motivações, acrescia ainda a circunstância de JR ser casado com DH, mulher que o arguido SJ também gostava de ter como companheira.

36 O arguido SJ idealizou então um plano, com o objectivo de atrair JR a Portugal.

37 Depois de vários contactos telefónicos, o arguido SJ conseguiu convencer JR, o qual se decidiu a vir para Portugal.

38 Entretanto, para levar a cabo o plano que idealizou, o arguido SJ convidou o arguido CM e outros indivíduos de nacionalidade britânica, entre os quais se contava MC (e não se tendo apurado em concreto a identidade dos restantes), a tomarem parte activa nas acções a levar a cabo para a concretização do plano de vingança traçado, proposta que estes aceitaram levar a cabo, sob a sua direcção.

39 Assim, no dia 05/10/2010, JR viajou do Aeroporto Internacional de Gatwick (voo BA2696) para Portugal Continental, através do Aeroporto Internacional de Faro, onde chegou cerca das 20h55m do mesmo dia.

40 Nessa viagem, JR trajava uma camisa em xadrez branco e preto (da qual veio a ser encontrado um pedaço, apreendido na casa onde veio a estar em cativeiro, sita em São Faustino – Alfontes - Loulé), umas calças de cor escuras, uns sapatos/ténis de cor branca e um casaco de cor escura, transportando ao ombro um saco desportivo de cor escura e na mão direita um saco branco.

41 À espera do ofendido, no interior do Aeroporto Internacional de Faro, encontrava-se o arguido SJ, o qual, no momento da chegada do JR, se deslocou para um café, onde pediu cafés para ambos, ficando os dois durante alguns minutos à conversa.

42 O arguido SJ disse então a JR que iria levá-lo a uma vivenda onde pernoitaria e transportou-o, na sua carrinha de marca Ford (modelo Transit), para a vivenda sita em São Faustino (Alfontes - Boliqueime – Loulé), arrendada pelo arguido TM.

43 A casa referida é uma vivenda no interior algarvio, num local rural e ermo, com terreno privado na sua periferia, ladeado por um muro de alvenaria, numa zona com vivendas isoladas e sem vizinhança próxima.

44 Chegados à residência, o arguido SJ, juntamente com os indivíduos referidos, estes encapuzados com gorros pretos, sendo um deles o co-arguido CM, de imediato imobilizaram JR, amarraram-lhe as mãos e os pés e prenderam-no a uma palete de madeira, desta forma o privando da sua liberdade.

45 Seguidamente, cortaram-lhe as roupas e puseram-no completamente nu, vendaram-lhe ainda os olhos, enquanto o iam agredindo corporalmente, com socos e pontapés por todo o corpo.

46 O arguido SJ e seus companheiros, depois de, pela forma descrita, terem posto o JR na situação de impossibilidade de lhes opor qualquer resistência, de imediato retiraram os diversos pertences que o mesmo trazia consigo, contra a sua vontade, designadamente um telemóvel e uma máquina fotográfica e peças de ouro.

47 Objectos estes aos quais o ofendido atribui o valor global de €1.500,00 (mil e quinhentos euros).

48 De seguida, os arguidos SJ, CM e seus companheiros, submeteram JR a actos de tortura, queimando-o com cigarros, líquidos efervescentes e com a ponta de um maçarico, tendo-lhe infligido fortes dores.

49 Enquanto estes actos iam sendo praticados, os arguidos SJ, CM e seus companheiros, iam-se rindo às gargalhadas, enquanto fotografavam e filmavam o sofrimento do JR, fazendo chacota da situação em que o mesmo se encontrava.

50 Em determinado momento, o arguido SJ colocou uma abraçadeira à volta dos testículos de JR e apertou-a até não conseguir mais, provocando-lhe dores muito intensas.

51 Ainda assim, não satisfeito com as dores causadas por esta forma e com um movimento abrupto, o arguido SJ voltou a apertar a abraçadeira até ouvir mais dois clics, causando a JR dores de tal forma intensas que quase o fizeram a perder os sentidos.

52 O arguido SJ e seus companheiros agrediram então JR com um bastão.

53 Sendo que, a determinado momento disseram a JR, em língua inglesa ”O bastão está três polegadas pelo teu cú acima”.

54 O arguido SJ e seus companheiros queimaram então o pénis e as nádegas de JR com a ponta de um cigarro.

55 Através do uso de um martelo e de uma cavilha, o arguido SJ, após dizer que ia mostrar aos restantes como se fazia, trespassou os dorsos das mãos e dos pés de JR.

56 Obrigaram de seguida JR a sentar-se, amarrado e pregado às paletes de madeira, numa cadeira de lona, a cujos braços amarraram as mãos dele, enquanto os pés eram amarrados um ao outro. De seguida, arrastaram-no para uma casa de banho e introduziram-lhe os pés dentro de uma banheira.

57 Neste momento, o arguido CM aproximou-se de JR e disse-lhe, em língua inglesa, “o John saiu pelo que agora eu posso fazer o que quiser… Eu estive no exército.”

58 De seguida, o arguido CM começou a queimar a orelha esquerda de JR com a chama de um isqueiro.

59 Cerca de 10 minutos depois, o arguido SJ regressou, altura em que um dos indivíduos de nacionalidade britânica começou a apertar o dedo mindinho do pé direito de JR com um alicate de corte de ferro. O arguido SJ disse então, em língua inglesa, “Eu mostro-vos como se faz” e, fazendo uso do referido alicate de corte de ferro, decepou-lhe, sucessivamente, os dedos mindinhos do pé direito e do pé esquerdo.

60 Acto contínuo, sempre animado do intuito de fazer sofrer JR, o arguido SJ, fazendo uso de um x-acto, decepou-lhe a orelha direita e, novamente com recurso ao alicate de corte de ferro, amputou-lhe o dedo anelar da mão esquerda, onde JR tinha a aliança do seu casamento com DH e já com o dedo decepado na mão, no qual se encontrava colocada a aliança de casamento de JR, o arguido SJ disse, em língua inglesa “Isto é para a D”, referindo-se à mulher do ofendido.

61 O arguido SJ martelou então os joelhos de JR e cortou-lhe quase na totalidade o tendão de Aquiles, após o que este arguido e seus companheiros lhe entornaram produtos químicos sobre as feridas, o que avivou ainda mais as fortes dores já sentidas.

62 Após todas estas mutilações, o arguido SJ começou a procurar tirar a abraçadeira dos testículos de JR, o que apenas conseguiu depois de a cortar, atendendo à força com que a tinha apertado.

63 Algumas horas depois, os arguidos SJ e CM e os outros indivíduos não identificados, deixaram JR na habitação, ficando a guardá-lo MC, o qual acabou por retirar a venda dos olhos de JR.

64 Por força das agressões e mutilações de que foi alvo, supra descritas, JR começou a esvair-se em sangue, tendo sido necessário o recurso a avultadas quantidades de papel e lençóis para estancar as hemorragias.

65 No dia seguinte, 07/10/2010, pelas 15h30m, o arguido SJ deslocou-se ao Centro Comercial Fórum Montijo, de onde efectuou uma chamada telefónica, através do posto fixo nº 212310706 (correspondente a uma cabine telefónica localizada no Centro Comercial Fórum Montijo) para a DH, mulher de JR, a quem disse que tinha agredido o seu marido, designadamente que lhe tinha partido os pés, pernas e braços, afirmando-lhe então que ela não poderia falar com o marido, porquanto este se encontrava fechado numa jaula, nos bosques, acrescentando que JR se encontrava inanimado porque tinha os pés, os tornozelos, as pernas, os braços e as costelas partidos. O arguido SJ, na altura, fez ainda um aviso, dizendo a DH que, caso as autoridades policiais fossem alertadas, JR seria abatido.

66 Depois de regressar à habitação onde se encontrava fechado JR, o arguido SJ disse-lhe que já tinha falado com D, acabando por lhe dar, na altura, uma bebida, de natureza não apurada, a qual provocou no ofendido dolorosas alucinações.

67 Alguns dias depois, a 12/10/2010, o arguido TM bem como o arguido RR, dirigiram-se à residência onde se mantinha preso JR.

68 Nessa ocasião, estando vendado e amarrado JR, foi-lhe dito que iria ser levado para um hotel em Lisboa, o que não correspondia à verdade, uma vez que, obedecendo a ordens dadas pelo arguido SJ, de pôr termo à vida de JR e fazerem desaparecer o seu corpo, o arguido TM e MC introduziram JR no banco traseiro do veículo Mercedes CLK (com a matrícula inglesa ---TYV), utilizado pelo arguido TM e por este disponibilizado para o efeito, no interior do qual estava o arguido RR.

69 O arguido TM conduzia a viatura e o arguido RR seguiu ao seu lado, no lugar do pendura, enquanto MC entrou para o banco traseiro, sentando-se ao lado de JR que ali foi colocado.

70 Dirigiram-se então para a zona da barragem de Santa Clara, no Alentejo, fazendo o percurso, durante cerca de 30 minutos por estradas secundárias e, depois, em estradas de terra batida, vias estas cheias de solavancos e com subidas e descidas muito íngremes.

71 Cerca de uma hora depois de circularem nas estradas de terra batida, MC e o arguido TM recolheram uma tampa de betão, com cerca de 30 quilos de peso, pertencente ao sistema de bombagem da Barragem de Santa Clara, a qual introduziram na bagageira da viatura, tendo dito a JR, na altura, que se tratava de um ornamento de jardim e que mais tarde lho iriam mostrar.

72 Na realidade, a tampa destinava-se a ser presa ao corpo de JR quando o atirassem, depois de lhe terem posto termo à vida, como tinham projectado fazer na altura, para dentro da albufeira da Barragem de Santa Clara, para fazer com que o corpo se afundasse nas águas.

73 Nessas alturas, em conversa telefónica mantida com o arguido SJ pelo referido MC - através do telemóvel nº 919---pertencente ao arguido TM -, o arguido SJ foi dando as instruções sobre os procedimentos a tomar, de pôr termo à vida de JR por afogamento na barragem, dizendo-lhe “Eu sei o que estás a dizer, mas tens de ir pelas estradas secundárias, companheiro. Só há duas hipóteses... ou o fazes agora... ou fá-lo desaparecer...” e depois de o arguido SJ repetir “ou o fazes agora ou tens de o fazer desaparecer...”, o mesmo M disse “Portanto... vai nadar...?”, ao que o arguido SJ respondeu “Quanto mais depressa, melhor, companheiro...”.

74 Já nas imediações da Barragem de Santa Clara (num local denominado Barranco do Bufo) e depois de terem efectuado uma subida muito íngreme, iniciaram uma descida de forte inclinação, acabando o veículo por ficar imobilizado num local de onde não conseguiu o arguido que a conduzia, TM fazê-la sair pelos próprios meios.

75 Nesta altura, saíram todos da viatura, levando consigo JR, e o arguido T provocou o incêndio do veículo, regressando todos à estrada de alcatrão, em Santana da Serra, a pé.

76 A circunstância de não terem conseguido retirar a viatura do local levou a que ficasse sem efeito o projecto de pôr ali termo à vida de JR, por recearem os arguidos e MC que se viesse a fazer ligação da eventual descoberta do corpo da vítima à viatura e ao arguido TM bem como aos restantes arguidos.

77 No percurso, o arguido TM telefonou então para o arguido WQ, seu tio, e solicitou-lhe que os fossem buscar, pedido que foi atendido por este último, tendo comparecido na zona de Santana da Serra ao volante da sua viatura de marca Jaguar (modelo Daimler, com a matrícula inglesa ---BPA).

78 Cerca das 03h30m, já do dia 13/10/2011, enquanto os arguidos TM WQ e RR se deslocaram para as respectivas residências, deixaram JR e MC, o qual estava encarregue da sua guarda e vigilância, na vivenda de São Faustino.

79 O arguido SJ, enquanto ocorriam os factos supra descritos, manteve sempre o contacto com MC e com o arguido TM reiterando a sua vontade de que os mesmos pusessem termo à vida de JR.

80 Entretanto, no dia 15/10/2010, os arguidos SJ, CM, TM e RR, na sequência de uma operação levada a cabo pela PJ-UNCT, vieram a ser detidos e apresentados em juízo, tendo sido aplicada a cada um deles, em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a medida de coacção de prisão preventiva.

81 Com efeito, os arguidos TM CM e RR vieram a ser localizados e detidos pela Polícia Judiciária, no dia 15 de Outubro de 2010, na residência sita no Barrocal – São Bartolomeu de Messines, denominada Vivenda ..., ocupada pelo primeiro.

82 Procedeu-se, na altura, também à apreensão da viatura de marca Ford (modelo Escort e matrícula ---FR) na qual estes arguidos se haviam transportado até à residência, bem como e, designadamente, dos seguintes objectos, para alem dos referidos supra, nos pontos 20 e 26:

• Um telemóvel com o IMEI --- que tinha introduzido o cartão SIM (com a referência 700-----) que corresponde ao contacto 91----, encontrado no hall de entrada;

• Um telemóvel com o IMEI --- que tinha introduzido o cartão SIM correspondente ao contacto 919---, encontrado no quarto do arguido TM;

• Um cartão SIM com a referência ---, que corresponde ao contacto 917---, encontrado no quarto do arguido TM;

• Os documentos da viatura Mercedes CLK (com a matrícula ---TYV) encontrado dentro de um saco do lixo.

83 Ao arguido RR, foi encontrado e apreendido dinheiro, no montante de €315,00.

84 Nos dias 21 e 22/10/2010 foi dado cumprimento ao Mandado de Busca emitido para a residência onde o ofendido JR esteve privado da sua liberdade e onde ocorreram as agressões e torturas de que foi alvo, sita em São Faustino – Boliqueime, nela tendo sido encontrados e apreendidos, designadamente, os seguintes objectos:

• Um par de boxers de cor preta, completamente danificados por acção de um objecto cortante e correspondendo à descrição dos acontecimentos feita por JR;

• Um cinto em pele de cor preta, danificado por acção de objecto cortante e correspondendo à descrição dos acontecimentos feita por JR;

• Documentos em nome de “WQ”, “C M”, “Mr. J. R”, “JD” e “Mr. RR”;

• Uma tabela de marés com o nº 92--- manuscrito (contacto que está registado na agenda telefónica do cartão com nº 916---, pertencente ao arguido CM);

• Um saco contendo diversos pedaços de madeira consumida pelo fogo (carbonizada), pedaços de peças de roupa queimadas e três telemóveis também queimados, pertencentes a JR;

• Um rolo de fita adesiva castanha;

• Uma bracelete metálica de um relógio da marca Lorus, pertencente a JR;

• Uma cadeira de lona, contendo ainda diversos pedaços de fita adesiva e correspondendo à descrição dos acontecimentos feita por JR;

• Diversas abraçadeiras plásticas, umas por estrear outras já usadas e cortadas e algumas ensanguentadas, as quais serviram para manietar e torturar JR;

• Diversos lençóis, resguardos e toalhas cobertas de sangue de JR;

• Um pedaço de tecido em xadrez preto e branco, com vestígios de sangue e do padrão correspondente à camisa que JR vestia à data da chegada a Faro;

• Um gorro passa-montanhas, com vestígios biológicos do arguido CM.

85 No dia 17/10/2010, após ter estado com o referido “Pierre” em Albufeira, MC, sabendo das detenções dos arguidos e por recear a acção das autoridades, acabou por abandonar a residência de São Faustino, assim soltando JR que, no entanto, esgotado e fragilizado pela dor e sofrimento, ainda ali permaneceu até ao dia seguinte.

86 Com efeito, só na manhã do dia seguinte, 18/10/2010, ao raiar do dia, JR, subalimentado e sob grande sofrimento por força das agressões, torturas e amputações de que fora alvo, conseguiu abandonar a residência de São Faustino, arrastando-se ao longo da estrada, até ser encontrado por CP, na mesma manhã, pelas 09h30m.

87 Como causa directa e necessária das agressões de que foi alvo, JR sofreu as seguintes lesões, examinadas 12 dias depois da data em que as sofreu:

- Equimose verde-acastanhada, na face anterior do escroto (compatível com a colocação de braçadeira à volta dos testículos);

- Escoriação linear na face anterior do escroto, horizontal, que mede 5cm de comprimento (compatível com a colocação de braçadeira à volta dos testículos);

- Escoriações no joelho esquerdo, arredondada, com 1,5cm de diâmetro (compatível com marteladas desferidas nos joelhos);

- Escoriações no joelho direito, de maior eixo vertical, ovalada, com 3cm x2 cm (compatível com marteladas desferidas nos joelhos);

- Amputação do pavilhão auricular direito e da região retroauricular direita, com secção completa da hélix, do tragus e do lóbulo, com placa amarelada sobre a região retroauricular;

- Amputação do 4º dedo da mão esquerda, a nível da extremidade proximal da falange proximal, com exposição óssea de superfície irregular e acima do nível da solução de continuidade cutânea;

- Amputação do 5º dedo do pé esquerdo, a nível da extremidade proximal da falange proximal, com exposição óssea de superfície irregular e acima do nível da solução de continuidade cutânea e de bordos ligeiramente tumefactos e hiperemiados;

- Amputação do 5º dedo do pé direito, a nível da extremidade proximal da falange proximal, com exposição óssea de superfície irregular e acima do nível da solução de continuidade cutânea;

- Ferida incisa na extremidade distal da face posterior da perna esquerda, de bordos lineares, com diastase de 1cm, apresentando um fundo com tecido de granulação e áreas amareladas, de maior eixo oblíquo para baixo e para a esquerda, que mede 7cm de comprimento (compatível corte na zona do tendão de Aquíles);

- Duas feridas perfurantes, punctiformes, transfixivas do dorso da mão esquerda, cobertas por crosta (compatíveis com pregos espetados nas mãos e pés);

- Duas feridas perfurantes, punctiformes, transfixivas do dorso da mão direita, cobertas por crosta (compatíveis com pregos espetados nas mãos e pés);

- Duas feridas perfurantes, punctiformes, transfixivas do dorso do pé esquerdo, cobertas por crosta (compatíveis com pregos espetados nas mãos e pés);

- Duas feridas perfurantes, punctiformes, transfixivas do dorso do pé direito, cobertas por crosta (compatíveis com pregos espetados nas mãos e pés);

- Queimadura térmica irregularmente ovalada, na região sagrada e no sulco internadegueiro, de maior eixo ligeiramente oblíquo para baixo e para a esquerda, que mede 12cm x 5 cm (compatível com queimaduras provocadas por liquido em ebulição);

- Queimadura térmica circunferencial, na região nadegueira esquerda, com zona central poupada e halo perifocal avermelhado, com 0,4cm de largura e diâmetro máximo de 3cm (compatível com queimaduras provocadas pela boca de um maçarico);

- Queimadura térmica circunferencial, na região nadegueira direita, com zona central poupada e halo perifocal avermelhado, com 0,4cm de largura e diâmetro máximo de 3cm (compatível com queimaduras provocadas pela boca do maçarico);

- Queimadura térmica circunferencial, na face posterior da extremidade distal da coxa direita, com zona central poupada e halo perifocal avermelhado, com 0,4cm de largura e diâmetro máximo de 3cm (compatível com queimaduras provocadas pela boca do maçarico);

- Queimadura térmica redonda, na face dorsal do pénis, que mede 1cm de diâmetro (compatível com queimaduras de cigarros no pénis).

88 Tais lesões, conforme se conclui no Relatório do Exame Médico-Legal:

• foram causadas por traumatismos de natureza contundente, corto-contundente, cortante, perfurante e física (compatíveis com acção de calor/fogo/líquido em ebulição/metal ao rubro);

• configuram o conceito de desfiguração grave e permanente (amputação de orelha direita, amputação de dedo da mão esquerda e de dois dedos dos pés), sendo, cumulativamente, susceptíveis de afectarem, de maneira grave, as capacidades de utilização do corpo e, inerentemente, a capacidade de trabalho;

• devido à multiplicidade de lesões infligidas e de instrumentos utilizados e a gravidade das sequelas resultantes, houve, em conclusão, uma clara intenção de marcar (sic) a vítima.

89 Os arguidos quiseram e participaram, cada um com o seu contributo, nos factos.

90 Sob a orientação e ordens do arguido SJ, em todas estas acções levadas a cabo contra JR, quer no sentido de ser este privado da sua liberdade durante 13 dias, despojado dos seus haveres, quer enquanto agredido corporalmente e torturado, MC, os indivíduos não aqui identificados e o arguido CM participaram e auxiliaram de forma determinante a acção daquele.

91 Ainda sob a orientação e ordens do arguido SJ, em momento posterior, tendo aquele decidido matar JR, o arguido TM aderiu a esse plano, muito embora dele viesse a desistir já na Barragem de Santa Clara quando se verificou a perda do veículo em que se transportavam.

92 A morte de JR, nessa altura, apenas não se verificou pelo facto de se ter perdido o transporte conduzido pelo arguido TM e, posteriormente a isso, porque a intervenção da Polícia Judiciária – UNCT criou sucessivos embaraços à determinação do arguido SJ que culminaram com a fuga de MC que, por seu lado, permitiu a libertação de JR e a detenção dos arguidos.

93 O arguido SJ, com o acordo de MC, do arguido CM e juntamente com outros indivíduos de identidade não apurada, dolosamente e de forma concertada, a partir da noite de 05 para 06/10/2010, agrediram fisicamente o corpo do ofendido JR, perpetrando-lhe diversos socos, pontapés, marteladas no joelhos, sendo ainda fisicamente torturado com queimaduras provocadas por cigarros (inclusive no pénis), por líquido a ferver, com a boca de um maçarico e com um isqueiro e crucificado com pregos espetados nos pés e mãos, mutilado através da amputação de dois dedos dos pés, de um dedo das mãos e de uma orelha, do corte do tendão de Aquiles, bem como do aperto dos testículos por intermédio de uma abraçadeira.

94 Agiram todos estes arguidos, nas respectivas condutas, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo serem as mesmas proibidas e puníveis por lei.

95 O arguido SJ sabia ainda que não podia deter consigo, nas condições descritas acima a espingarda caçadeira de calibre 12 m/m e a respectiva munição.

96 Já após a detenção dos arguidos, o arguido TM decidiu prestar algumas informações à PJ, exigindo que tais contributos não ficassem documentados no processo, desde logo conduzindo-os à referida fábrica de Sarilhos Grandes – Montijo e, posteriormente, ao local onde estava estacionada a carrinha Chrysler verde, bem como às imediações da casa de S. Faustino.

Resultou ainda apurado que:

O arguido SJ é oriundo de um agregado familiar com poucos recursos económicos, mas coeso e afectivo, mantendo-se com a mãe após a separação dos pais e tendo posteriormente abandonado a mesma para viver com a namorada.
Concluiu o ensino secundário e frequentou escola politécnica e formação adicional em carpintaria.
Profissionalmente exerceu várias tarefas, como manobrador de máquinas e mergulhador, mas também fez trabalhos em ferro-velho, reciclagem e revenda de peças de automóveis.
Viveu no Reino Unido, no México e Malawi, bem como em Espanha e França.
Alterou o nome de nascimento para SJ.
Tem companheira e filhos menores de idade.
Tem antecedentes criminais averbados em Portugal.

O arguido CM é oriundo de um agregado familiar com poucos recursos económicos, mas coeso e afectivo.
Concluiu o ensino secundário e ingressou no serviço militar prolongando-o por cinco anos.
Teve um relacionamento afectivo de dez anos com uma companheira, de quem tem dois filhos biológicos e um adoptado, hoje já adultos e autónomos.
Desenvolveu actividades de vendedor e consultor em empresa de serviços de vigilância.
Viveu no Reino Unido, Espanha, Holanda, Dinamarca e França, bem como em África – Marrocos e Senegal.
Não tem antecedentes criminais averbados em Portugal, muito embora o IRS tenha apurado envolvimento com o sistema judiciário no Reino Unido e em Espanha.

O arguido TM vem de um agregado familiar equilibrado do ponto de vista financeiro e emocional.
Após o divórcio dos pais, aos 12 anos, ficou a viver com a mãe, com um percurso escolar irregular, tendo então desenvolvido trabalhos de mecânica e limpeza.
Tem companheira e dois filhos de diferentes relações que vivem com a respectiva mãe.
Não tem antecedentes criminais averbados em Portugal, mas tem MDEs pendentes no TRL a fls. 4919 cujo cumprimento aguarda o desfecho destes autos.

O arguido RR vem de um agregado familiar constituído apenas pela mãe de medianas posses económicas, mas educado sobretudo por uma tia, enfermeira, atentas as dificuldades económicas da progenitora.
Completou sete anos de escolaridade, trabalhando depois temporariamente.
Viveu no Reino Unido, Turquia, Bulgária, França e Holanda.
Não tem antecedentes criminais averbados em Portugal, mas tem MDEs pendentes no TRL a fls. 4897 cujo cumprimento aguarda o desfecho destes autos.

O arguido WQ vem de um agregado familiar equilibrado do ponto de vista financeiro e emocional.
Completou onze anos de escolaridade, iniciando a vida profissional na construção civil.
Tem dois filhos maiores de idade.
O IRS apurou antecedentes criminais no Reino Unido e a pendência de um MDE pendente também desse País por tráfico de estupefacientes, muito embora nada conste do seu CRC em Portugal.
Presta alguns serviços de duração e natureza não apurada no bar Kilt e Kelt em Albufeira.

Factos não provados:
Que os arguidos acordaram, ou não, todos entre si que constituíam em Portugal um grupo, cujo escopo era a actividade de tráfico de drogas, estruturado e organizado.

No acordo que estabeleceram, todos reconheceram o arguido SJ como o chefe da organização e aquele que decidia todas as acções a serem levadas a cabo, ora procedendo aos necessários contactos com os outros elementos da rede, ora decidindo o momento oportuno para a realização de viagens ao estrangeiro, designadamente ao Reino Unido, com vista a providenciar pela expedição e transporte da canabis para fora de Portugal.

Que a plantação de cannabis sita em Barranco do Canha – Santa Margarida do Sado – Grândola pertencesse ou fosse, ou não, explorada directamente por qualquer destes arguidos.

Aos cidadãos britânicos contratados que estiveram a trabalhar para a organização chefiada pelo arguido SJ nas referidas plantações, eram-lhes retirados os telemóveis e as roupas que utilizavam no fim do “serviço”, por forma a acautelarem-se de fuga de elementos de prova de que as autoridades policiais pudessem vir a apoderar-se.

O arguido T disponibilizou, ou não, a vivenda de S. Faustino à organização, na qual fizeram uma plantação de cannabis.

Que o arguido T disponibilizava à organização a viatura Mercedes CLK identificada para que fosse utilizada nas suas actividades.

Que o arguido CM (e o indivíduo chamado “MS” - conhecido pela alcunha de “Pierre”) na tarde do dia 13/10/2010, quando se tinha apercebido já de que era alvo de investigação pelas autoridades policiais, esteve, ou não, na zona da plantação de cannabis, sita em Santa Margarida do Sado, com vista a proceder à recolha de plantas daquela espécie vegetal.

Que as fotografias constantes do cartão de telemóvel apreendido na posse do arguido CM sejam, ou não, da plantação de Barranco da Canha, Santa Maria do Sado – Grândola.

Que os arguidos CM, TM e WQ, bem como os outros indivíduos ainda não identificados, sempre que praticavam qualquer acto no âmbito da produção e tráfico de cannabis, reportavam-no, ou não, previamente ao arguido SJ, o qual decidia sempre os procedimentos a tomar.

Ao longo do tempo em que levou a cabo a sua actividade, a organização constituída, em Portugal, pelos arguidos SJ, CM, TM WQ e outros não identificados, revelou possuir os meios indispensáveis ao prosseguimento da sua finalidade de produção e comercialização a larga escala de drogas.

Estes arguidos, em todos os actos que praticaram, supra descritos, sempre o fizeram com a perfeita consciência de que integravam uma organização, liderada pelo arguido SJ, o qual, bem ciente da sua função de chefia, tomava todas as decisões e impunha-as a todos os outros elementos, os quais as acatavam.

Que JR tivesse trabalhado no RU sob as ordens do arguido SJ ou para qualquer organização ou grupo cuja função fosse distribuir, vendendo, a droga produzida em Portugal por esse arguido.

Que a intenção do arguido SJ em trazer JR a Portugal fosse a de poder auxiliá-lo a arranjar maneira de pagar o que lhe devia.

Tendo o mesmo arguido SJ, ou conjuntamente com terceiros, desde o início, decidido pôr termo à vida de JR depois de, previamente, lhe infligir maus tratos físicos e torturas.

E que o tenha convencido, ou tenha pretendido fazê-lo, a vir a Portugal com uma alegada promessa de trabalho nas plantações de cannabis da organização que chefiava em Portugal.

Tendo vindo JR por ter acreditado na veracidade da proposta.

E por ter aceite a proposta de trabalho para liquidação da dívida que lhe foi feita pelo arguido SJ.

Que a vivenda de S. Faustino tenha sido disponibilizada, no âmbito do acordo que fizera com o arguido SJ, pelo arguido TM para servir de cativeiro a JR.

Que a casa isolada tenha sido, ou não, usada para que desta forma se acautelasse uma eventual denúncia, por vizinhos, dos factos que projectaram todos praticar, às autoridades policiais.

Que o arguido SJ ou qualquer dos agressores tenha, ou não, introduzido um bastão no ânus de JR, desta forma o sodomizando.

Que o arguido CM tenha, ou não, por qualquer forma e durante o cativeiro, demonstrado a JR a obediência que tinha relativamente ao arguido SJ.

Que, em 12.10.10, quando se dirigiu à casa de S. Faustino, o arguido TM fosse com o rosto encoberto, tendo sido ele, ou não, a vendar os olhos e a amarrar as mãos de JR atrás das costas e lhe tenha dito que esperava que tivesse aprendido a lição.

Que a conversa telefónica referida no ponto 73 provado tenha sido entre o arguido CM e o arguido SJ.

Que o arguido WQ tenha acedido a ir buscar os arguidos T e R à barragem, que estavam com MC e JR, face ao compromisso assumido perante o arguido SJ de agredir, torturar e eliminar o mesmo JR.

Que a casa de S. Faustino fosse propriedade do arguido TM.

Que o arguido SJ, durante esses factos ocorridos na barragem, se mantivesse sempre em contacto com o arguido CM.

Que os arguidos T, Q e R, por mútuo acordo e em conjugação de esforços, tenham decidido auxiliar o arguido SJ quanto às agressões produzidas em JR na casa de S. Faustino.

Que foi com o acordo também destes três arguidos que na noite de 05 para 06/10/2010, depois de terem colocado JR na impossibilidade de resistir, nos termos supra descritos, lhe foram subtraídos todos os objectos que lhe pertenciam e que o mesmo possuía no momento dos factos.

Que foi com o acordo destes mesmos três arguidos que, na noite de 05 para 06/10/2010, depois de terem colocado JR na impossibilidade de resistir, por intermédio de agressões e tortura, lhe foi introduzido um bastão no ânus.

Todos os arguidos praticaram os factos descritos com a plena consciência da função que a cada um fora atribuída e de que o faziam no âmbito de um grupo organizado, cujo chefe, o arguido SJ, determinava e impunha a todos os procedimentos a levar a cabo.

Resultou, ainda, não provado que:

Qualquer dos arguidos seja, ou tenha sido, consumidor dependente de qualquer tipo de drogas, sendo o arguido S de haxixe há mais de trinta anos.

Que as viagens reservadas pelo arguido S para cidadãos estrangeiros fossem apenas para familiares seus, ou que qualquer desses cidadãos seja, efectivamente, seu familiar, à excepção da ex-companheira TW, mas não se provando sequer que relacionamento tem com a mesma.

Que este arguido suportasse a sua subsistência em Portugal, e da sua família, com o subsídio de menores pago aos filhos pelo Reino Unido.

Que o arguido S vivesse de, ou com, a pintura de quadros de sua autoria.

Que este arguido realizasse em Portugal trabalhos de mergulhador.

Que a quinta de Sarilhos Grandes servisse apenas interesses de um amigo do arguido, Pierre, desconhecendo o arguido que uso lhe dava, nada conhecendo o arguido do que lá se passava.

Que a carrinha Chrysler apreendida fosse do referido Pierre.

Que a arma e munição apreendidas fossem do mesmo Pierre.

Que o arguido não tenha usado o nome S C para fazer o arrendamento da casa na Rua ... no Montijo ou que vivesse juntamente com o arguido e família esse indivíduo.

Que o arguido não tenha pago as passagens aéreas dos cidadãos acima referidos de regresso ao Reino Unido.

Que o mesmo arguido apenas tenha tido o número de telemóvel 912----.

Que este ou qualquer dos arguidos não tenha praticado os factos acima descritos.

Meios de prova e razões da convicção:

A liberdade de apreciação da prova, que conforma o nosso sistema penal e processual penal, refere-se a uma liberdade que não é meramente intuitiva. Trata-se de um critério de justiça que não prescinde da verdade histórica das situações nem do contributo dos dados psicológicos, sociológicos e científicos para a certeza e segurança da decisão.

Atento o disposto no artº 374º, nº 2 do CPP, importa fundamentar a decisão do Tribunal relativa à matéria de facto, não bastando a fundamentação genérica ou enunciação dos meios de prova considerados.

A convicção do Tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, com apreciação crítica dos meios de prova disponíveis, com apelo às regras de experiência comum e de normalidade – artº 127º CPP.

Para que se esclareça totalmente o leque de recursos probatórios à disposição do Tribunal para o efeito de sustentar a convicção quanto à matéria de facto, para além dos depoimentos e declarações e dos restantes constantes dos autos, foi possível atender aos ELEMENTOS DE PROVA indicados no processo, tendo sido todos ponderados, merecendo embora alguns deles uma referência adicional adiante.

Atendeu-se às declarações do ofendido e mulher, ambos ouvidos para MEMÓRIA FUTURA nos autos de fls. 1784 a 1790, 2040 a 2058, 2059 a 2072.

Quanto às declarações para memória futura, importa ponderar três questões fundamentais.

Em primeiro lugar, o facto que nos parece ser incontroverso, de que as declarações para futura memória constituem uma antecipação de prova de modo a garantir que os depoentes, por qualquer das razões enunciadas na respectiva norma de previsão, sejam ouvidos no tempo mais próximo dos factos sempre que estejam em causa motivos de ordem pessoal ou processual atendíveis. Não havendo margem para discricionaridade, pode verificar-se que nestes autos o Exmo. Juiz de Instrução ponderou essencialmente duas razões fundamentais – a natureza dos factos em causa e as repercussões deles na vida e vivência do ofendido; o tempo dos factos e o intervalo previsível para a audiência de julgamento, sendo também atendível o facto de o ofendido, e mulher, expostos à natureza e gravidade dos factos sob investigação (e daqueles que, por conta da investigação, estariam em causa do ponto de vista pessoal) terem domicílio fora de Portugal, não se mostrando desde logo adequado fazê-los regressar sempre que se sentisse necessidade de os ouvir.

Os depoimentos recolhidos, por outro lado, respeitam os requisitos de forma e substância, tendo sido assegurados todos os direitos de defesa dos arguidos.

Em segundo lugar, tendo em conta a natureza dos mesmos factos e a natureza do papel do ofendido neles, parece de consenso concluir que o ofendido, colocado nas exactas circunstâncias que se deparavam à investigação, é fonte privilegiada de informação, já que as circunstâncias de facto transpostas para a decisão instrutória denunciavam que, além dele, as únicas pessoas que teriam assistido aos acontecimentos estariam todas na posição de agressores. Pelo que, ao salvaguardar as suas declarações para memória futura, obviou-se a que estas pudessem, decorrido o tempo, produzido o desgaste na memória, até pela actuação dos respectivos mecanismos de defesa, ser esquecidas pelos inquiridos.

Por último, e em terceiro lugar, agora atendo-nos a elementos de natureza mais formal, para deixar esclarecido que, como parece óbvio, as declarações para memória futura são ponderadas na sua integralidade, ou seja, sem a restrição imposta pela súmula escrita que o Exmo. Juiz de Instrução deixou consignada nos autos. E quando dizemos que isto nos parece óbvio, estamos a refutar peremptoriamente o entendimento segundo o qual são de ponderar apenas as declarações resumidas para auto. Parece-nos óbvio que, a favor deste nosso entendimento militam razões de legalidade de prova, de integridade de prova e de lealdade processual.

O princípio da imediação, que tende a esquecer-se com facilidade nos dias que correm, implica que os depoimentos sejam prestados em discurso directo, ponderados como depoimentos directos, só assim se podendo ajuízar verdadeiramente da sua importância para vincular o juízo probatório.

Não estando em causa o princípio da imediação pelo simples facto de a produção dessa prova ter sido antecipada, uma vez que essa antecipação visa acautelar precisamente a integridade das declarações, e encontrando-se, como tem de encontrar-se, no processo, em suporte áudio, essas declarações, pensamos que é de elementar respeito pela legalidade que possam, Tribunal e demais intervenientes, ponderar as declarações em si mesmas e não os seus resumos.

A integridade do sistema judiciário só está garantida, em nossa opinião, quando, estando disponíveis as declarações directas, sejam estas a ter em conta. Daí que, como adiantámos logo em audiência, tenha este Tribunal ponderado também as declarações gravadas destes depoentes.

Atendeu o Tribunal ao teor das TRANSCRIÇÕES DE INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS juntas aos autos, todas elas em geral e em especial nos casos que se mencionarão adiante, acervo esse probatório cujos pressupostos formais de determinação, prorrogação, transcrição e junção foram pautados sempre com elevado critério de ponderação pelo Exmo. Juiz de Instrução, como denunciam os sucessivos despachos e autos juntos ao processo.

Nenhuma nulidade de recolha, apresentação e validação impede a ponderação desses meios de obtenção de prova.

Num caso que adiante se mencionará, o Tribunal confirmou para esta decisão o teor da escuta, por forma a ultrapassar uma incorrecção na indicação de um dos interlocutores que perpassou todo o processo até à fase de julgamento. Nessa escuta, é possível concluir que a factualidade que vem relacionada ao arguido CM não o teve como interlocutor, mas ao indivíduo que aparece nos autos referido como MC a quem o arguido TM na altura, cedeu o telemóvel. De todo o modo, soe dizer-se que, independentemente do registo, essa correcção decorre já do depoimento de testemunhas da PJ ouvidas em julgamento e que, relacionando os factos entre si e as circunstâncias em que os mesmos se produziram, concluíram no mesmo sentido.

Quanto à ponderação dos RELATÓRIOS DE DILIGÊNCIA EXTERNA (RDEs),

Muito se tem dito e escrito sobre a ponderação, para o processo decisório, dos RDEs.

Próprias de jovens Democracias em que os direitos de cidadania ainda não encontraram bem o seu lugar e muitas vezes se confundem com direitos de arguidos, estas discussões parecem estéreis sempre que não estejam em causa atropelos à legalidade processual.

De facto, excluir da ponderação do Tribunal os RDEs – e apenas quando eles não sirvam os interesses dos arguidos – é o mesmo que dizer que a presunção vigente é a de que as polícias, as investigações são suspeitas nas suas funções, ao mesmo tempo que se deixa a aparência de que o processo penal é gracioso até ao despacho do artº 311º do CPP e judicial a partir daí. Não fosse esta já uma conclusão pelo absurdo, ainda serviria o argumento para pôr em causa a responsabilidade e poderes de investigação das autoridades policiais e, em última instância, a autonomia e credibilidade de quem dirige a investigação.

Ao contrário, um sistema penal que conviva bem com o facto de, ao abrigo do princípio da lealdade processual, especialmente preponderante no processo penal, poderem ser aceites e ponderados, com as reservas necessárias e que não refutamos, todos os mecanismos probandos que não seja proibidos por lei, é um sistema assente no princípio do respeito mútuo e das regras democráticas que verteram para o Texto Fundamental os limites da ponderação dos mecanismos de recolha de prova.

Muito embora nestes autos a questão não mereça grande controvérsia, até porque foram as Defesas quem, em primeiro lugar, trouxeram ao julgamento os RDEs do processo, confrontando com algumas das diligências ali documentadas as testemunhas, convém deixar esclarecido que este Tribunal tem o entendimento de que os RDEs são sempre de ponderar, na medida em que coadjuvem os restantes elementos de prova, desde logo enquanto colocam os investigadores nas diligências e atestem o cumprimento da legalidade nos procedimentos de investigação. Além disto, os elementos de prova essenciais são os produzidos em fase de julgamento.

Assim, como sempre faz, o Tribunal ponderou os RDEs juntos aos autos, aqueles com cujo teor foram confrontadas as testemunhas, e os restantes, na medida em que sirvam para servir de suporte documentado das diligências realizadas e do esforço investigatório que resulte dos mesmos depoimentos testemunhais.

Quanto a INFORMAÇÕES DE SERVIÇO e trocas de CORRESPONDÊNCIA E COOPERAÇÃO com autoridades congéneres da PJ na Europa,

Suscitaram algumas reservas à Defesa as informações trazidas ao processo no âmbito da cooperação policial em espaço europeu. E começamos mesmo por aqui.

O processo tem um manancial de informação enorme, diluído em muitos volumes e, sobretudo, contando com muita informação que, mercê das circunstâncias que estiveram em causa (eventual morte de um cidadão estrangeiro) foram necessariamente recolhidos com a celeridade que se impunha, ou seja, em contra-relógio, sendo que seria de todo descabido, como se percebe, aguardar pelos instrumentos institucionais de cooperação entre Autoridades Judiciárias.

Por mais celeridade que se imprimisse, estes mecanismos são, pela sua própria natureza, mais demorados. Pelo que, estando no horizonte a possibilidade de se resgatar com vida um indivíduo que os indícios levariam a concluir que estivesse em vias de ser morto, muito bem andou a investigação ao antecipar, aligeirar e mostrar exequíveis os mecanismos que tinha ao seu dispor. Aliás, a este respeito, impõe-se dizer que a PJ – UNCT teve um desempenho cuja adjectivação é difícil, uma vez que em cerca de dez dias recolheu o grosso dos elementos de prova que permitiram construir o processo.

O trabalho da UNCT está amplamente plasmado no processo, independentemente do desfecho que venha a ter, demonstrando-se nele, à exaustão, que Portugal pede meças quanto a este tipo de investigação.

Isto, sem prejuízo, como parece evidente, de nem todas as diligências efectuadas poderem ser ponderadas pelo Tribunal nesta sede, por razões que têm que ver exclusivamente com a prova atendível para efeitos de julgamento e decisão final no nosso sistema de processo penal.

Para além de outras considerações pontuais que se venham a fazer adiante, surgem já duas questões essenciais.

Como se sabe, no processo em geral e no penal em especial, há elementos cuja prova carece de garantias acrescidas de autenticidade. É o caso da matéria atinente aos antecedentes criminais que é demonstrável por documento emitido pelas Autoridades competentes de cada Estado.

Não pondera este Tribunal, dando como assentes esses antecedentes criminais, as informações trocadas, por exemplo, entre autoridades administrativas deste País ou com este País. Isto porque, havendo meios próprios para demonstrar a existência de antecedentes criminais, têm esses meios de ser disponibilizados ao Tribunal.

Não valendo as informações policiais para o efeito de dar como provados antecedentes criminais em Portugal, muito se estranharia que essas informações pudessem valer para dar como assentes antecedentes criminais em Países terceiros em fase de decisão.

Por isso, reafirma aqui o Tribunal Colectivo que, para a ponderação do passado/presente criminal dos arguidos, apenas ponderou a documentação que se prefigure nos termos antecedentes, ou seja, emitidas por Autoridade competente para o efeito (exemplo a fls. 4915). Sem prejuízo disto, no entanto, não deixará o Tribunal de considerar, se isso vier a propósito e quando venha, por exemplo, o facto de os ou parte dos arguidos estarem já indiciados ou julgados por crimes, até porque, como se verifica neste caso, alguns dos arguidos têm mandados de detenção europeus (MDEs) pendentes – fls. 4897 e 4919.

Quanto às informações consignadas nos autos, o Tribunal ponderará aquelas que demonstrem relevância quer para a Acusação quer para a Defesa, uma vez que muitas foram objecto de análise e confronto em sede de depoimentos testemunhais e outras juntam informação recolhida durante a investigação.

Quanto à possibilidade de ponderação de DILIGÊNCIAS NÃO DOCUMENTADAS EM QUE INTERVIERAM ARGUIDOS no processo,

Outra das questões que mereceram especial atenção nas alegações.

A prova assenta em factos e está documentada no processo. Primeira constatação de facto que - não fora La Palice ser francês, poder-se-ia dizer que é tão óbvia quanto estar vivo é o contrário de estar morto[2] - é a de que, na busca da verdade mais aproximada da real, compete ao Tribunal, excluindo-se a utilização de meios ilegais de obtenção de prova, olhar a todos os elementos do processo como potenciadores e concorrentes para o estabelecimento, ou não, da culpa dos agentes e sua maior ou menor responsabilidade nos factos.

É ponto assente o de que o Tribunal sustenta a sua convicção na prova, como é ponto assente o de que as diligências com vista à recolha de prova têm de estar documentadas no processo. E isto, mesmo nos casos limite de interferência de agentes encobertos na investigação não deixa de ser assim, salvaguardadas as especialidades deste estatuto processual.

Ora, neste caso, não tendo embora agentes encobertos, tivemos testemunhas acima de qualquer suspeita, agentes da PJ, sucessivamente a descreverem algumas diligências que foram feitas com a colaboração, após a detenção, do arguido TM. Uma após outra, as testemunhas vieram falar da exibição de mapas àquele arguido para que pudesse dar indicações à polícia, ou mesmo uma deslocação feita com ele ao Algarve, à zona de Alfontes onde se situa a casa de S. Faustino.

Ainda que a propósito das questões suscitadas quer pela Acusação, quer pela Defesa, o facto é que as testemunhas, presenciais desses actos de investigação, referiram tais diligências – falaram destas diligências as testemunhas R (que se cruzou com uma equipa da PJ em Sarilhos Grandes, estando esta outra equipa acompanhada pelo arguido T), F (que falou efectivamente de algumas informações prestadas pelo mesmo arguido e diligências externas, após a detenção, tendo mesmo dito que foi o arguido quem pediu para que a sua ajuda não ficasse a constar do processo), L (que referiu algumas das informações prestadas pelo arguido T), RC (o depoimento mais rico em pormenores dessa colaboração) e FH (que, juntamente com a anteriormente mencionada, veio com o arguido T ao Algarve), além do arguido TM.

É facto, também, que essas diligências, por uma razão ou outra que se prendem com aquilo que terá sido uma exigência na altura do próprio arguido, não estão vertidas em auto. Mas isso, com o devido respeito, não significa que não existiram, mas tão só que o Tribunal não pode ponderá-las além do limite dos depoimentos e declarações. Não significa que não existiram ou que não devam existir, mas tão só que foram feitas no pressuposto de que este arguido, cuja colaboração foi prestada às Autoridades, podia ser determinante para o desfecho do processo quando em causa estivesse a eminência ou morte do ofendido.

Mais uma vez, e outra vez bem em nossa opinião, a PJ valeu-se dessa ajuda, trouxe o arguido ao Algarve, tentou aproveitar os avanços e retrocessos da sua determinação, para que a investigação disso aproveitasse.

Dizemos que bem fez a PJ, uma vez que, não esqueçamos, estava ou podia estar em causa a morte de um indivíduo e a responsabilização dos autores.

Não obsta à legalidade do juízo de prova, como tal, a ponderação dessas diligências, independentemente de se considerar que o arguido ajudou, ou não, em concreto a investigação, factor que será ponderado oportunamente.

Do ponto de vista técnico, se se quiser, podemos mesmo dizer que resultam provadas por depoimento, sendo portanto a prova delas testemunhal.

Ainda do ponto de vista técnico, podemos também dizer que foram objecto de prova directa, uma vez que as testemunhas que sobre elas mais esclareceram foram mesmo as que as presenciaram, as que vieram com o arguido, que falaram com ele, que ouviram na primeira pessoa as sua hesitações e receios, as certezas e incertezas que verbalizou. É, como tal, de prova directa que falamos. É, como tal, prova que pode ser valorada pelo Tribunal.

Não consta em auto, atentos os motivos expressos pelas testemunhas, tal como não constam em auto as constatações de facto e valorações percebíveis pelas testemunhas e que apenas chegam ao Tribunal pelas suas próprias declarações, na generalidade dos casos.

ELEMENTOS DE PROVA INDICADOS NO PROCESSO:
- Informação de Serviço de fls. 2 a 12;
- Informações das autoridades britânicas de fls. 13 a 17, 582 a 594, 595 e 596, 1215 a 1218 e de fls. 1220 a 1241;
- Informações a fls. 107, 130 e 131, a fls. 732, de fls. 756 a 759 e de fls. 1692 a 1694;
- Relatos de Diligência Externa de fls. 38 a 40, a fls. 81 e 82, 132 e 133, 134 e 135, 334 a 336, 449 a 451, 483 e 484, 597 e 598, a fls. 766 e 767, 768 a 771, 1000 e 1001, 1002 a 1008, 1350 a 1352, 1353 a 1355, 1475, 1687 a 1690, 1759, 2970, a fls. 3017 e 3018 e a fls. 3832;
- Recolhas de Voz de fls. 131 a 1315 e fls. 1508;
- Reconhecimentos de fls. 860 a 862, de fls. 1306 a 1308, de fls. 1316 a 1321, a fls. 1346 a 1347, a fls. 1509 e 1510 e de fls. 1855 a 1866;
- Autos de Visionamento de fls. 310 a 320, 321 a 333, 381 a 392 e de fls. 3074 a 3083;
- Reportagens Fotográficas de fls. 499 a 519, 521, a fls. 532, 534 a 553, 613 a 639, 760 a 765, 795 a 799, a fls. 876, 966 a 975, 1009 a 1095, 1111 a 1117, 1363 a 1429, 1479 a 1495, 1497 a 1499, 1504 a 1507, 1696 a 1698, 2790 a 2802, 2811 e 2812, 2819 a 2821, 2826 a 2831, 2879 e 2880, 2881 a 2892, 2909 a 2914, 2931 a 2943, 2948 a 2958, 3011 e 3012, 3461 e 3462 e de fls. 3466 a 3469;
- Apreensões de fls. 485 a 487, a fls. 493, a fls. 494, 495, 520, 525 e 526, 578, 600 e 601, a fls. 612, 1006 a 1110, 1357 a 1362, 1473 e 1474v, 1477 e 1478, 1503, 2344, 2907, 2929 e 2930, 2966 e a fls. 2978 e 2979;
- Exames Directos a fls. 531, a fls. 1436 e 1437, 1496, 2787 a 2789, 2810, 2818, a fls. 2824 e 2825, a fls. 2908, 2946 e 2947, 3010, 3459, 3460, a fls. 3463, a fls. 3464 e a fls. 3465;
- Documentação de fls. 488 a 492, 496 a 498, 527 a 530, 562 a 564, 569 e 570, 575 a 577, 604 a 611, 1453 a 1456, 2803 a 2805, 2832 a 2858, 2894 a 2903, 2980 a 2991 e fls. 2992 a 3009;
- Informações Médicas de fls. 785 a 789, a fls. 1119 e de fls. 2123 a 2130;
- Relatórios de Exames Periciais de fls. 1303 a 1305, 2170 a 2237, 2238 a 2241, a fls. 2242 e 2243, a fls. 2244, 2245 a 2252, 2255, 2256 a 2261, 2262 a 2267, 2268 2273, de fls. 2293 a 2318, 2347 a 2361, 3038, 3435 e 3436, 3454, 3456, 3835 a 3859 e de fls. 3865 a 3871;
- Juntadas a fls. 308 e 309 e a fls. 580 e 581, de fls. 3041 a 3057;
- Cotas a fls. 533, a fls. 579 e a fls. 794;
- Localizações Celulares de fls. 110 a 113, a fls. 259 e 260 e de fls. 265 a 271;
- Listagens Telefónicas de fls. 156 a 212, 214 e 215, 217, 218, 437 e 438, 459 a 461, 465 a 469, 1567 e 1568, 2158 a 2162, 3023 a 3036, 3518 a 3564, 3663 a 3665 e fls. 3860 e 3861;
- Listagens Telefónicas dos Apensos B1 a B9;
- Exames Periciais dos Apensos C1 a C19;
- Transcrições dos Produtos nº 9, 41, 48, 60, 79, 97 e 108 - alvo 2C476M do Apenso F1.
- Informação de Serviço de fls. 2 a 12;
- Informações das autoridades britânicas de fls. 13 a 17, 107, 130 e 131, 582 a 594, 595 e 596, 1215 a 1218 e de fls. 1220 a 1241;
- Informações a fls. 580 e 581, a fls. 1756, de fls. 2430 a 2457, de fls. 3902 a 3906, de fls. 3911 a 3913 e a fls. 3914 e 3915;
- Relatos de Diligência Externa a fls. 132 e 133, a fls. 134 e 135, 334 a 336, 449 451, a fls. 483 e 484, a fls. 597 e 598, 766 e 767, a fls. 877 e 878, de fls. 978 a 980, 1000 e 1001, de fls. 1002 a 1008, 1128 a 1130, 1322, 1324 e 1325, 1350 a 1352, 1353 a 1355, 1475, 1760 a 1762, a fls. 2404 e 2405, 2970 e a fls. 3438 e 3439;
- Reportagens Fotográficas de fls. 499 a 519, de fls. 534 a 553, de fls. 613 a 639, a fls. 876, de fls. 879 e 887, de fls. 966 a 975, de fls. 981 a 992, de fls. 1009 a 1095, de fls. 1131 a 1136, de fls. 1154 a 1173, de fls. 1326 a 1340, de fls. 1363 a 1429, de fls. 1479 a 1495, de fls. 1497 a 1499, de fls. 1504 a 1507, de fls. 1766 a 1768, de fls. 2406 a 2412, de fls. 2775 a 2780, de fls. 2790 a 2802, a fls. 2811 e 2812, de fls. 2819 a 2821, e fls. 2826 a 2831, de fls. 2881 a 2892, de fls. 2931 a 2943, de fls. 2948 a 2958, a fls. 3011 e 3012, a fls. 3139 e 3140, de fls. 3323 a 3353 e de fls. 3466 a 3469;
- Apreensões de fls. 485 a 487, a fls. 493, a fls. 494, a fls. 495, a fls. 578, a fls. 600 e 601, a fls. 612, a fls. 993, de fls. 1106 a 1100, de fls. 1147 1153, a fls. 1174, de fls. 1357 a 1362, a fls. 1439, a fls. 1441, a fls. 1443, a fls. 1445, a fls. 1473 e 1474v, a fls. 1477 e 1478, a fls. 1503, a fls. 1765 e 1765v, a fls. 2344, a fls. 2419 e 2420, a fls. 2929 e 2930, a fls. 2978 e 2979, a fls. 3134, de fls. 3309 a 3311 e a fls. 3444;
- Teste Rápido a fls. 602, a fls. 603, a fls. 1295, a fls. 1438, a fls. 1440, a fls. 1442 e a fls. 1444;
- Exames Directos a fls. 1436 e 1437, a fls. 1496, a fls. 2773 e 2774, de fls. 2787 a 2789, a fls. 2810, a fls. 2818, a fls. 2824 e 2825, de fls. 2946 a 2947, a fls. 3010, a fls. 3137 e 3138, de fls. 3315 a 3319, de fls. 3320 a 3322, a fls. 3459, a fls. 3460, a fls. 3464 e a fls. 3465;
- Documentação de fls. 337 a 380, de fls. 488 a 492, de fls. 496 a 498, de fls. 562 a 564, a fls. 569 e 570, de fls. 575 a 577, de fls. 604 a 611, de fls. 1453 a 1456, de fls. 1466 a 1470, de fls. 2781 a 2783, de fls. 2803 a 2805, de fls. 2832 a 2858, de fls. 2866 a 2876, de fls. 2894 a 2903, de fls. 2992 a 3009, de fls. 3087 a 3090, de fls. 3446 a 3450 e a fls. 3451 e 3452;
- Folhas de Suporte de fls. 1175 a 1192, 1193 a 1202, a fls. 1203 e de fls. 2980 a 2991;
- Relatórios de Exames Periciais a fls. 1300 e 1301, a fls. 1871, a fls. 2255, de fls. 2256 a 2261, de fls.2262 a 2267, de fls. 2268 a 2273, de fls. 2276 a 2284, de fls. 2285 a 2292, de fls. 2347 a 2361, de fls. 2362 a 2390, a fls. 2400 e 2401, a fls. 2402 e 2403, a fls. 2467 e 2468, de fls. 2473 a 2476, a fls. 2478 e 2479, a fls. 2481 e 2482, a fls. 2484 e 2485, a fls. 2964 e 2965, de fls. 3084 a 3086, a fls. 3098 e 3099, a fls. 3100 e 3101, a fls. 3102 e 3103, a fls. 3104 e 3105, a fls. 3106 e 3107, a fls. 3245 e 3246 e de fls. 3835 a 3859; 3862, 3863, 3864, 3866, 3883, 3885, 3887, 3889, 4744, 4751, 4753;
- Juntadas de fls. 3041 a 3057 e de fls. 3060 a 3071;
- Listagens Telefónicas de fls. 156 a 212, 272 a 274, 437 e 438, 439 a 445, 448, 465 a 469, 1827, a fls. 2097, 2158 a 2162, 2548 e 2549, 3023 a 3036, 3518 a 3564, 3663 a 3665 e de fls. 3860 a 3861;
- Listagens Telefónicas dos Apensos B1 a B9;
- Exames Periciais dos Apensos C1 a C19;
- Transcrições dos Produtos nº 4, 38, 41 e 60 - alvo 2C476M, Produtos nº 12, 14, 57, 63 e 73 - alvo 2C517M e dos Produtos nº 20 e 32 - alvo 2C494M.
- Auto de Busca e Apreensão – “Vivenda Vista do Vale” (fls. 485 a 487 e fls. 1477 e 1478);
- Auto de Busca e Apreensão – TM (fls. 493);
- Auto de Busca e Apreensão – RR (fls. 494);
- Auto de Revista Pessoal e Apreensão – CM (fls. 495);
- Auto de Apreensão de Veículo – Ford Escort (fls. 520);
- Auto de Busca e Apreensão – Ford Escort (fls. 525 e 526);
- Auto de Revista Pessoal e Apreensão – SJ (fls. 578);
- Auto de Busca e Apreensão – Ford Transit (fls. 600 e 601 e fls. 2978 e 2979);
- Auto de Apreensão de Veículo – Ford Transit (fls. 612);
- Auto de Apreensão – Plantas de Cannabis (fls. 993);
- Auto de Busca e Apreensão – residência em S. Faustino – Boliqueime (fls. 1106 a 1110);
- Auto de Busca e Apreensão – Quinta em Sarilhos Grandes (fls. 1147 a 1153 e fls. 3309 a 3311);
- Auto de Apreensão – Plantas de Cannabis (fls. 1174);
- Auto de Busca e Apreensão – Residência do Pinhal Novo (fls. 1324 e 1325 e fls. 3444);
- Auto de Busca e Apreensão – Residência no Caminho dos Morgadinhos (fls. 1357 a 1362);
- Auto de Busca e Apreensão – Mercedes Benz (fls. 1431);
- Auto de Busca e Apreensão – Ford Chairman (fls. 1433);
- Auto de Busca e Apreensão – Honda X8RS (fls. 1435);
- Auto de Apreensão de produto estupefaciente – Caminhos dos Morgadinhos (fls. 1439, fls. 1441, fls. 1443 e fls. 1445);
- Auto de Apreensão – Daimler – Jaguar (fls. 1473 a 1474v);
- Auto de Busca e Apreensão – Daimler – Jaguar (fls. 1503);
- Auto de Busca e Apreensão – Bens do “Pierre” (fls. 1765 e 1765v);
- Auto de Apreensão – Chrysler Voyager (fls. 2344);
- Auto de Busca e Apreensão – Busca a residência do suspeito “Pierre”, sita em Albufeira (fls. 2419 e 2420);
- Auto de Apreensão – Roupa do ofendido JR (fls. 2907);
- Auto de Busca e Apreensão – Chrysler Voyager (fls. 2929);
- Auto de Apreensão de Viatura – Mercedes CLK (fls. 2966);
- Auto de Apreensão – Objectos localizados em Santa Margarida do Sado – Grândola (fls. 3134);
- Apensos: A1, B1, B2, B3, B4, B5, B6, B7, B8, B9, C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C14, C15, C16, C17, C18, C19, D1, D2, E1, E2, F1, F2, F3.

Num processo com esta dimensão, com elementos de prova vastíssimos, foram atendidos também os documentos e informações recolhidos em fase de julgamento, a solicitação dos arguidos e excepcionando os demais que, tardiamente juntos, impediram essa ponderação por todos os intervenientes processuais (como o volume junto em 14.03.08 com inquirições de eventuais testemunhas, em que, aliás, o formalismo da nossa lei para inquirição relevante em julgamento não foi sequer salvaguardado, ou a perícia ao computador apreendido que chegou durante a última sessão de prova).

Foram, ainda, tomados em consideração os RELATÓRIOS SOCIAIS DOS ARGUIDOS e o CRC de cada um deles, bem como as informações resultantes dos expedientes juntos a fls. 4897, 4915 e 4919.

PROVA POR DECLARAÇÕES DOS ARGUIDOS,

Os arguidos informaram o Tribunal, no início do julgamento, de que não queriam prestar declarações sobre os factos que lhes estavam imputados.

Mais adiante, foram ouvidos, a seu pedido, OS ARGUIDOS RR, TM e WQ que, usando da faculdade de prestarem declarações em qualquer fase do processo, descreveram os factos de acordo com a respectiva versão.

Os arguidos não confessaram os factos descritos na pronúncia, limitando-se, os que falaram, a contextualizar acontecimentos assentes em outros elementos de prova, dizendo mesmo que não falariam sobre alguns factos que se mostram relevantes no processo, como a ligação do arguido SJ com a produção e negócios de droga e a relação, nesse âmbito, deles com aquele.

Foram ouvidas as TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO E DA DEFESA.

Nas primeiras, podemos encontrar um lote uniforme de depoimentos: os dos inspectores da Polícia Judiciária (PJ - UNCT) que fizeram toda a recolha de prova documental e vestígios, seguimentos, vigilâncias, abordagens e apreensões.

Neste lote de testemunhas pudemos contar com depoimentos muito pormenorizados, mercê do trabalho exaustivo do Ministério Público e, bem assim, da Defesa. Quando se mostrou necessário foram as testemunhas confrontadas com elementos físicos do processo, esclarecendo autos, fotografias, desde logo, relatórios de diligências, informações policiais e outros.

As testemunhas, por assim dizer civis, vieram esclarecer os factos pontuais em que intervieram, como foi o caso da testemunha P (que disse conhecer todos os arguidos por morar perto da vivenda de S. Faustino e aí os ter visto) que descreveu como encontrou o ofendido JR no local, após a sua fuga, o estado em que se encontrava, ferimentos e o auxílio que lhe prestou; da testemunha P (que disse conhecer o referido Pierre) que descreveu o episódio em que o referido Pierre lhe pediu que ficasse com duas malas suas quando viajou para o estrangeiro; a testemunha MM que veio descrever como arrendou a um Mikal e a sua mulher, Nathalie, uma casa (de quem reproduziu em audiência os contactos telefónicos que mantinha no seu telemóvel) e que referiu que, no último contacto estabelecido com eles, soube que a mulher estaria já em França e o marido na República Checa; a testemunha AS (proprietária da casa da Rua --- no Montijo) que disse como foi arrendada a casa através de uma agência e que a mulher do casal era Heather de nome (cujo contacto telefónico reproduziu e coincide com o nome da companheira na altura do arguido S), sendo o preço sempre pago de 450€ mensais, até à data em que o casal deixou a casa para vir para o Algarve e que, quando contactada pela PJ, disponibilizou a casa para buscas, estando muito desarrumada e com comida ainda no frigorífico e no fogão, nunca tendo sido devolvida a chave; confirmando o teor do contrato de fls. 3449, disse que o casal tinha uma carrinha Ford de matrícula inglesa (a carrinha apreendida inicialmente ao arguido S e onde se encontrava e que foi objecto das vigilâncias pela PJ de que, aliás, o arguido fala nas escutas telefónicas); a testemunha C que viu o Mercedes CLK abandonado na ravina da Barragem; a testemunha C (que identifica o arguido S na sala) e que é o proprietário da propriedade de Sarilhos Grandes e descreveu as circunstâncias em que foi arrendada, como era paga a renda e luz, os trabalhos de pintura e electricidade que se apercebeu terem lá sido feitos, que colocou nos factos o arguido S e o referido Mikal e disse que por lá andava uma carrinha Ford Transit, um Peugeot e um Opel, todos com matrícula estrangeira, e que entregou todas as chaves da propriedade ao arguido SJ; confirmando as fotografias no processo e dizendo que os equipamentos instalados não o tinham sido por si, e confirmando, ainda, entre o mais, que foi feita uma puxada de electricidade para a casa, concluindo que a renda era sempre paga e que comunicava ao mesmo Mikal as contas da luz que, à excepção da última, sempre lhe foram também pagas.

As testemunhas da PJ, cujos depoimentos de elevada precisão foram escalpelizados em audiência, com a exibição de autos, fotografias, mandados, informações, relatórios, mapas e outra documentação com que foram sucessivamente confrontados, persuadiram o Tribunal a concluir que os seus depoimentos mereciam total credibilidade.

Destes depoimentos destacamos apenas três que se nos revelaram particularmente significativos em alguns pormenores que se destacaram, precisando, os demais.

Estão nessa série as declarações da testemunha R (brigada de homicídios) que referiu a sua deslocação à Barragem, a sua deslocação a Santa Maria do Sado e a Sarilhos Grandes, descrevendo o laboratório/fábrica encontrado e a ajuda do arguido T nessa localização (tendo aí regressado dois dias depois para fazer a busca) e descrevendo de forma pormenorizada tudo o que viu, que foi a primeira e única vez que viu uma instalação daquela dimensão e em funcionamento em toda a sua vida profissional, descrevendo como estavam colocadas as estufas, os controladores de humidade e temperatura com controladores horários, comutadores, adubos e equipamentos de rega que considerou impressionantes e descreveu a casa e os anexos. Explicou, ainda, que esteve também em Albufeira nas vigilâncias à carrinha Ford, numa altura em que já estava identificado e vigiado o arguido S.

O segundo destaque vai para a testemunha A (da UNCT – PJ) com um depoimento também muito rico em pormenores, aliás herdados da intervenção da testemunha R nesta investigação, um depoimento pormenorizado como se disse e ainda que não muito extenso, esclarecendo como foram feitas localizações de telemóveis, como passou a identificar a voz particular do arguido T após acompanhar as escutas, como interveio nas buscas e detenção em casa do mesmo arguido; explicando que no início da investigação seguiram as informações fornecidas pelas autoridades policiais britânicas a quem fora comunicado o desaparecimento de JR e, ainda, que na busca à carrinha Ford onde estava o arguido S e família, estavam também 6.000€ junto ao lugar do condutor que não foram apreendidos porque foram entregues à sua mulher e para que providenciasse por sítio onde ficar com as crianças e respectiva alimentação.

O terceiro destaque vai para o depoimento da testemunha RC (da UNCT – PJ) suficientemente pormenorizado e fazendo referência expressa, entre o muito mais, à intervenção do arguido TM a quem acompanhou, em algumas diligências no Algarve após a detenção.

Esta testemunha descreveu facto por facto essa intervenção, dizendo como foi o arguido, com sucessivos avanços e recuos, que foi prestando algumas informações relativas à localização da casa de cativeiro e da carrinha Chrysler, descrevendo os sucessivos também amuos do arguido, como dava com uma mão e queria tirar com a outra na sua expressão, e como foi a PJ relacionando todos estes elementos com as escutas (a carrinha, por exemplo, estava referenciada ao ofendido e ao destino que lhe estaria traçado).

Explicou como este arguido descrevera os acontecimentos na Barragem, e como estava o ofendido sem mazelas e que o deixou com vida; como andou com a PJ junto às vivendas e como o arguido não conseguia identificar a casa num primeiro momento, andando às voltas pelas redondezas horas e que depois estiveram com colegas de Faro que comunicaram ter estado naquela casa (episódio relatado também pelo ofendido nas memórias futuras e que lhe foi contado pelo M que o guardava) e nada de suspeito terem verificado, razão por que regressaram a Lisboa.

Estes depoimentos merecem destaque pelo que fica dito, muito embora se inscrevam numa lista de muitos depoimentos de agentes da UNCT da PJ que foram, todos eles, rigorosos, objectivos e denotando isenção face aos factos e que estabeleceram os elos entre os restantes elementos de prova e os factos com a necessária profundidade (nota-se o depoimento também da testemunha F, da testemunha B e da testemunha L, este último, um dos determinantes), facilitando muito a percepção de todos os cenários pelo Tribunal.

As testemunhas de defesa vieram, sobretudo, atestar o carácter que conhecem aos arguidos que as indicaram.

Da parte do arguido SJ vieram revelar um carácter amável e respeitados, uma personalidade calma e não violenta.

Da parte do arguido CM, vieram atestar também a sua personalidade afável e tranquila, dizendo-o homem que quando trabalha o faz a sério e que nas férias que tem sai de Espanha, onde disseram residir, na sua caravana, passando-as por vezes em Portugal.
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CONCRETIZANDO E ENTRECRUZANDO A PROVA,

A actividade de tráfico a que se dedicam os arguidos referidos em – FACTOS 1 A 29 - está perfeitamente, à exaustão, demonstrada nos autos. Não estando nós sequer a falar das informações constantes de fls. 595 e 596, 1215 a 1218, encontram-se demonstrados factos que permitem essa conclusão.

O ofendido refere ser essa a actividade do arguido SJ, que aliás teria motivado uma divergência pessoal entre ambos que resultaria nas agressões e mutilações de que foi vítima. Mas também das intercepções telefónicas e registos de comunicações, associados estes elementos aos restantes, resulta essa demonstração.

Os arguidos referidos nada faziam profissionalmente, vivendo de rendimentos que, segundo um deles (Q) viriam de uma actividade desenvolvida junto de dois bares identificados no processo – e de que, aliás, nada demonstrou -, segundo outro (T) de rendimentos que a família lhe enviava porque se encontraria aqui foragido das autoridades britânicas.

A estes dois arguidos, Q e T, foram apreendidas balanças de precisão nos autos, com vestígios de haxixe, estupefaciente, dinheiro e telemóveis, sendo que no primeiro dos casos a quantidade de estupefaciente não permite concluir que era para consumo, ainda que considerado todo o agregado familiar e amigos (do Apenso F3 resultam várias referências a este arguido e a produto estupefaciente que guarda, como por exemplo a fls. 32). Já no caso do arguido T, os sinais evidentes de ligação ao tráfico, completamente inequívocos das intercepções telefónicas, associam-se a um poder monetário desusado, aceite mesmo pelo próprio, e numa disponibilidade de recursos que nada tem que ver com alguém que vive o sobressalto de ser preso. Os carros que tinha à sua disposição, as casas que tinha à sua disposição, a ligação estreita que tinha com o arguido SJ e que procurou atenuar mas resulta evidente das escutas, por exemplo, mesmo o conhecimento, também evidente das escutas, do referido Pierre e M (aliás, pessoa também relacionada com Q como decorre das escutas, Apenso F2 a fls. 7), todos estes elementos permitem concluir que este arguido Terence era pedra fundamental deste xadrez.

Não fosse, ainda, o facto de ter ficado esclarecido, até a insistência da sua Defesa, que colaborou com a PJ na localização da fábrica (Sarilhos Grandes, Montijo) e que foi determinante nessa localização, também está fotografado a fls. 289 do Apenso C1 numa plantação de haxixe (embora seja certo, afirmámo-lo antes e reiteramos, que daí se não conclui que seja qualquer das referidas na instrução, mas não deixa de ser uma plantação e de haxixe assim mesmo).

O arguido T tem a disponibilidade para fazer carregamentos monetários nos cartões telefónicos de Q e mesmo do arguido S, como resulta das escutas (por exemplo Apenso F2, fls. 5 e Apenso F3 a fls. 5, fls. 12); bem como resulta das conversas estabelecidas com o arguido S que está a par de tudo o que se passa com o negócio, tendo relacionamento com o referido Pierre (Apenso F3 a fls. 5, fls. 8, fls. 9 – conversa que é mantida com o arguido C – fls. 16 que é uma conversa com o próprio Pierre, entre o mais) e com o mesmo M (Apenso F3 a fls. 11, 30, 31, por exemplo).

As relações destes dois arguidos com o bar F também passam por mais do que uma simples relação de clientes habitual, e a relação com o proprietário também está patente nas intercepções. Só que, quanto a estas relações e quanto ao facto de este poder ser mais um elo no processo, não foram suficientemente apuradas no processo. Desde logo, não foi suficientemente explorada a relação disto tudo com a testemunha D (que até foi ouvido em julgamento depois de ter estado dias preso em Espanha, para onde se tinha já rogado a sua inquirição por videoconferência), que teve um depoimento em que, para além de notado desconforto nas respostas, veio dizer que conhece os arguidos R e T, sendo dono da casa de S. Faustino e do apartamento em que vivia R, dizendo que tinha vendido o mercedes ao arguido T (ao contrário do que disse este mesmo arguido) e que o mesmo T nunca lhe disse que não ocuparia a casa (também contra a versão daquele), acabando por tentar esconder também a identidade de T W, quando mesmo o arguido R foi expresso em identificá-lo como amigo de T e, afinal, o intermediário que estabeleceu os contactos para o arrendamento da casa de R e da própria casa de S. Faustino (ficando-se sem saber se é o T a quem se referem repetidas conversas telefónicas e ainda familiar de SJ).

Também o arguido C, que resulta das escutas e depoimentos inequivocamente relacionado com esta actividade e muito viajado entre Portugal e Espanha (talvez também para França, talvez para o mesmo local de Espanha em que foi preso D, alguns destes elementos ficaram por apurar) e mesmo o norte de África[3], sendo um dos homens de confiança do arguido S.

Das escutas, ainda que não existam muitas em que intervém directamente, resulta que a qualidade de homem de confiança de S conjugada com alguma capacidade para controlar as emoções que detém (e esteve patente desde logo em julgamento, mantendo sempre uma postura controlada e de respeito) é reconhecida pelos restantes arguidos que, algumas vezes, falam do seu nome como a pessoa a quem poderia ser delegada uma tarefa difícil que a controlaria e a levaria a bom termo – são inequívocas as escutas no Apenso F3, a fls. 7 a 10, Apenso F1 a fls. 45 a 47, 68 a 73, 78 a 80 e fls. 111 a 117, entre outras.

As relações de todos estes arguidos e a sua actividade estão, abundantemente diríamos, demonstradas nos autos.

São prova evidente desta actividade e do papel determinante do arguido S no seu desenvolvimento, para além das intercepções telefónicas de onde resulta como pivot central de toda ela, os RDEs juntos que documentam as deslocações da PJ à fábrica (Sarilhos Grandes), o material apreendido e a qualidade do investimento ali feito; as reportagens fotográficas que revelam inequivocamente as características do local e o escalonamento das fases de produção, de cada uma delas, e do seu conjunto que pode, também conjugado com as declarações do ofendido e mulher, dar a indicação aproximada do número de quilos elevadíssimo que se obtinha de haxixe e o rendimento dali retirado e, conjugando tudo isto, como não podia deixar de ser, com as perícias, concluindo que todos estes arguidos gravitavam à volta desta actividade[4].

As apreensões também não deixam dúvidas. Só na fábrica, ainda tinha o arguido S deixado para trás balança de precisão, os documentos da viatura Chrysler tão falada nestes autos, apreendida, que poderia estar pronta para dar transporte ao destino final de JR(deixada para que o arguido T a usasse onde foi apreendida) e cuja chave, como resulta das escutas, foi deixada ao arguido T no bar pelo próprio arguido S para esse efeito; fotografias pessoais deste arguido SJ, e até uma pintura assinada por si (o arguido diz ser pintor e ganhar a vida com essa actividade). Dessa fábrica, cujas instalações (supostamente para fins agrícolas) foram arrendadas a DC (que identificou na sala o arguido S) contra o pagamento mensal de 1.000€ de renda, foram as chaves entregues ao arguido S, muito embora andasse por lá também um Michal. Tendo esta testemunha dito que por lá estaria uma Ford Transit (o arguido S foi detido numa destas carrinhas e andava com ela, tendo inclusivamente ido buscar R ao aeroporto nela, como resulta dos RDEs e das declarações do próprio R) e também confirmando a presença de um electricista (veja-se a fls. 2978 a apreensão de objectos do interior da Ford – recibos em nome de Michal S da compra de um poste em madeira de 7 metros a uma empresa do Montijo e de material eléctrico a retalhista do Barreiro). Junte-se a isto o facto de o arguido T ter identificado o local à PJ, desde logo, porque a electricidade vinha em postes de madeira; junte-se também o facto de a PJ ter apurado que a electricidade para essa fábrica vinha desses postes de madeira, aliás, para além da corrente comum da propriedade, também de uma puxada ilegal que fizeram questão de referir nos depoimentos, confirmada pela testemunha C; junte-se a isto o facto de todo o equipamento ali apreendido exigir um consumo de electricidade elevado; e junte-se a isto as fotografias de fls. 289 e 290 do Apenso C1 (do telemóvel atribuído pela investigação a R, mas que se não apurou se era o próprio efectivamente que usava) em que se fotografam áreas dessa fábrica, aparecendo essas fotos em sequências com fotos do arguido T e S, e temos, além do muito mais que está no processo, uma relação perfeita destes arguidos com a produção e escoamento de cannabis a alta escala.

Quanto aos FACTOS 30 A 37, resultam provados, entre o mais, dos registos de chamadas documentados nos autos, conjugados com as filmagens obtidas no Centro Comercial do Montijo, de onde o arguido S telefonou à mulher de R (aliás, perto da morada que usava então no mesmo Montijo, Rua --- e morada identificada no processo e cujo arrendamento foi confirmado no julgamento pela senhoria e resulta demonstrado pelos RDEs das sucessivas vigilâncias que foram feitas a este arguido), e sobretudo, das declarações de JR e mulher (aquela testemunha que descreve nas suas declarações para futura memória as relações quase estreitas mantidas com o arguido S e de cujo casamento o arguido guarda as fotografias que foram apreendidas a fls. 2978 na Ford Transit em que foi detido, a mesma testemunha que confirma as conversas tidas entre ambos e a confissão deste arguido de que se tinha vingado do seu marido e das lesões que lhe provocara no cativeiro, a mesma testemunha que descreve a personalidade do arguido S como pessoa controladora e muito violenta e, finalmente, que resolve procurar a polícia britânica por causa do desaparecimento do marido e dá origem a toda esta investigação) donde, sem dúvidas, resulta que o arguido S controlou (embora não se tenha apurado se sozinho) um negócio de droga com ligações ao Reino Unido, com colaboradores nesse País, como fazia a recruta de trabalhadores e, finalmente, como atraiu R a Portugal e o foi buscar ao aeroporto (filmagens que estão disponíveis nos autos e são inequívocas).

Quanto aos FACTOS 38 A 66, a prova está sobretudo nas declarações para futura memória de JR, conjugadas com o exame pericial médica e as respectivas conclusões, com a captação de imagens juntas aos autos da partida de R do Reino Unido e chegada a Faro, com as apreensões dos vestígios deixados na casa de S. Faustino, desde o material genético/biológico do ofendido (bem como de pedaços da sua roupa, cinto e relógio – fls. 2190, 2255, 2907 a 2914 e 3836) e do arguido C e de MC a fls. 2262 e 2264, 2277 e 2284 (embora também dos arguidos R e T, conforme fls. 2256, 2258, 2270 e 2271, mas que estes justificaram com a permanência na casa em datas anteriores assumida pelos mesmos e que, de acordo com as declarações de R, não são colocados no cenário das agressões e tortura), elementos estes que podem ainda ser combinados com as declarações da própria mulher do ofendido - mas também com as declarações do arguido T que descreveu como «filme de terror em 3D» o estado em que encontrou o ofendido R quando o viu na noite de 12.10.10 e, finalmente, com as recolhas e identificação de voz a que procedeu o ofendido R (fls. 1313 e 1314, fls. 1316 e 1317), reconhecendo aquelas que colocou nas agressões e cativeiro, coincidindo com as escutas telefónicas na parte em que se denuncia claramente que era MC quem o ficara a guardar depois de os outros terem abandonado a casa, dizendo mesmo o ofendido R nas suas declarações como esse M lhe confirmou então as agressões de que fora vítima e os objectos usados para o efeito.

A respeito dos reconhecimentos de voz pelo ofendido, este destaca o episódio em que a pessoa que reconhece como sendo o arguido C, durante as agressões, e enquanto lhe queimava a orelha com um isqueiro, lhe disse ter estado no exército, facto que o ofendido não poderia ter adivinhado, e que a testemunha de defesa apresentada pelo mesmo arguido confirma, bem como o seu relatório social.

Coadjuvam estes elementos as localizações e registos telefónicos, elementos que localizam arguidos e factos, disponíveis desde logo a fls. 3911 a 3916 (com relevo, quanto ao arguido C, fls. 32 do Apenso B4), Apensos B3 a fls. 37, B4 a fls. 20 e 32, B5 a fls. 46 e 58 (fls. 249 dos autos), B6 a fls. 34; e os vestígios, sobretudo referidos a fls. 3835 a 3859.

Quanto aos FACTOS 67 A 79, continuando nós num registo necessariamente genérico em vista da multiplicidade de elementos de prova disponíveis, e porque estamos no segmento fáctico da ida à Barragem de Santa Clara, podemos retirar a factualidade provada, essencialmente, além das declarações do ofendido com o necessário pormenor, da inquirição das testemunhas JC (residente perto do local e que numa pescaria no dia seguinte viu o carro abandonado num plano muito inclinado), R (inspector da PJ que esteve no local e o analisou), das declarações dos arguidos R e T que descreveram com pormenor alguns aspectos desta deslocação (sendo particularmente marcantes as declarações do arguido T quando descreve que foi à casa, onde estavam R e M, e o estado em que estava a casa e o ofendido, como se disse já, bem como o cheiro muito intenso libertado do interior da casa), conjugando isso com as reportagens fotográficas do local, quer da casa de S. Faustino, quer da Barragem, quer da viatura ardida; elementos que se combinam com os registos telefónicos de fls. 24, 46, 66 e 70 do Apenso B5 e transcrições das escutas (em que são frequentes as conversas sobre estes acontecimentos, quer do arguido T, quer de M, quer do referido Pierre e com o arguido SJ), das informações de serviço e RDEs sucessivamente juntos aos autos pela PJ e das próprias declarações do arguido Q.

Destes elementos resulta que os arguidos T e R, juntamente com MC, levaram JR até à Barragem para lhe porem termo à vida de acordo com as ordens que se predispuseram a cumprir do arguido SJ; que recolheram pelo caminho uma tampa de conduta da barragem que, como referiu o arguido T, serviria para manter o corpo de R submerso após a morte.

Este elemento não contraria as declarações do arguido Q, no sentido de que os foi buscar à Barragem para os deixar novamente na casa de S. Faustino, onde se manteve o cativeiro e nem a conclusão de que a sua ajuda foi preciosa, uma vez que os restantes estavam no meio de nada e sem transporte.

Muito embora se não aceite que este arguido Q não tenha visto os ferimentos e o estado da vítima - já que esta evidência, além das declarações do próprio ofendido, pode ir-se buscar às próprias declarações do arguido T e ao cenário dantesco que descreveu e estado da vítima -, uma vez que as regras da experiência e normalidade das coisas nos dizem que alguém que, após a uma hora da madrugada, é chamado ao meio do nada, no Alentejo (vivendo no Algarve), para ir buscar quatro indivíduos que não se sabe como foram lá parar, um com sinais evidentes de lesões (veja-se o que diz a testemunha que socorre R na estrada no dia em que este se liberta do cativeiro), não pode deixar de saber ao que vai, o que se passa e o que deve fazer seguidamente e, como tal, o arguido Q sabia disso tudo e deu-se ao trabalho de ir, não porque era o seu sobrinho que estava em apuros, mas porque sabia que a situação era de tal modo grave que tinha mesmo de ajudar.

Quanto ao arguido R, embora aceitando genericamente as suas declarações, também não pode aceitar-se, nos mesmos termos, que um adulto, com capacidade intelectual normal, fosse num carro para um ermo de barragem, ali andasse às voltas, em subidas e descidas e visse outros dois a pegarem numa lage (tampa de uma conduta da barragem com 30 quilos de peso que o mesmo arguido disse terem T e M colocado no carro) a meio da madrugada achando isto tudo normal; que visse o estado do ofendido, porque não podia deixar de ver, e estivesse ali apenas para fazer companhia ao seu amigo T (aliás, veja-se que o arguido R seguiu no banco da frente do veículo, junto a T, e o ofendido não descreve o cenário de constantes interrogações e perguntas que terá feito a T).

Como parece evidente, e ainda que se aceite que este arguido participou nisto mais por companheirismo e lealdade a T do que outra coisa, não pode deixar-se de concluir que, um e outro (o arguido T por maioria absoluta de razão) sabia ao que ia o arguido T o que deles se esperava e que era o objectivo daquela deslocação era a morte de R, percebeu que poderia ser algo desse tipo o arguido R (neste particular, as próprias declarações do ofendido excluem, no entanto, R deste propósito de matar, quando diz que ele terá feito um comentário de contrariedade por ter sido colocado naqueles factos, aceitando-se que este elemento, conjugado com o facto de o arguido R não ter estado no exterior do carro, como afirma também o arguido T, quando M recebeu a ordem para matar de S, portanto não tomando disso conhecimento directo, o exclui do propósito de matar o ofendido). Aceitaram-no M e o arguido T e estiveram lá, ajudaram a preparar as coisas para que acontecesse, o arguido R arrastado para as circunstâncias, sem que as dominasse e sem conhecer toda a extensão do plano, designadamente o desfecho.

E o arguido T participou activamente, até ao momento em que alguma coisa o fez hesitar e, como se viu, arranjou maneira de evitar que R morresse nessa noite. Este arguido, no meio de todas as suas controvérsias de personalidade, e mais uma vez demonstrando-as, finalmente, decidiu que não queria ser ele, ou com ele, que a morte de R se produziria.

Teve, ao contrário do arguido R, o controlo de toda a situação, disponibilizou o meio eficaz para que assim fosse (o transporte) mas, por sua iniciativa e no âmbito desses poderes de gestão dos acontecimentos que tinha, decidiu arrepiar caminho, impedir o homicídio de JR, desistindo desse propósito de forma muito relevante.

Esta factualidade resulta inequivocamente demonstrada.

Os FACTOS DE 80 A 84 estão demonstrados pelos expedientes de fls. 650 a 6767, 480 a 484, apreensão de fls. 494, fotografias juntas, fls. 2836, 2855, 2856 e 2858, apreensão de fls. 1106 a 1110, fotografias de fls. 1009 a 1095, RDE de fls. 1002 a 1008, lofoscopia de fls. 2170 a 2241, 2242 a 2252, 2256 a 2261, 2262 a 2267, 2268 a 2273.

Resultam também das declarações das testemunhas da PJ ouvidas e que tiveram intervenção em cada uma destas circunstâncias, assegurando buscas, recolha de objectos, expediente, análise de elementos recolhidos junto das operadores telefónicas e que, sucessivamente, foram estabelecendo entre os factos, as apreensões e perícias, as relações que se mostram por isso evidentes.

A este respeito, revela-se-nos justo dizer que a UNCT da PJ deixa nestes autos um trabalho notável a todos os títulos, uma exaustão de esforços que confirmam os pormenores e pormaiores de uma factualidade que se denunciava à partida como de dificílima execução.

Neste esforço, permita-se-nos adicional nota, foram sempre tutelados, e em todos os actos, por actuações de exemplar qualidade do Ministério Público e do Sr. Juiz de Instrução que, desde os simples despachos sobre escutas, a mandados de busca e recolha de elementos e vestígios, tal como resulta dos autos, em que revelam um aprimorado sentido de legalidade em todos os segmentos, e que facilitaram em muito o trabalho deste Colectivo em Julgamento[5].

Não se deixando, ainda, de notar o trabalho de assistência desenvolvido desde cedo pelas Defesas dos arguidos, que acompanharam todas as diligências importantes, requereram o que consideraram relevante e, com isso, sobretudo à evidência em julgamento, ajudaram a dignificar o exercício da Justiça a que aqui se pretende corresponder.

Os FACTOS 85 A 88 estão demonstrados na perícia médica realizada ao ofendido JR (fls. 2123 a 2130), particularmente pormenorizada e concluindo pela inequívoca intenção de marcar a vítima (ponto a que voltaremos), como das declarações do mesmo ofendido e de sua mulher em memória futura.

Quanto a esta intenção de marcar, por que conclui o relatório médico pericial, mostra-se ela em perfeita sintonia com a restante factualidade apurada. Como se assumiu desde sempre, e desde cedo começou a prova a prefigurar, as agressões e mutilações do ofendido nunca foram, como primeiro objectivo, uma forma de iniciar um processo lento de homicídio deste. A intenção inequívoca do arguido SJ e dos restantes que a ela aderiram e ajudaram a concretizar, não foi inicialmente de matar. Tê-lo-iam feito sem esforço e sem, eventualmente, que outros dessem conta dela, logo na noite em que R chegou a Portugal.

Precisamente porque nunca foi intenção inicial do arguido S e dos demais a de tirarem a vida a R é que se deu esse arguido ao trabalho de arquitectar um plano para o atrair a Portugal, para lhe mostrar como era estar sem o apoio de quem o podia defender, como era sentir-se amesquinhado, desprotegido, ferido e preso, para que aprendesse a lição e, até, para lhe demonstrar que era mais homem e inferiorizá-lo aos olhos da mulher (o pormenor da informação sobre a sodomização, aliado ao pormenor da amputação do dedo em que R tinha a aliança, com ela posta e dizendo-lhe que era para a mulher são absolutamente esclarecedores).

No entanto, ao longo do caminho, não se apurou por que facto concreto - mas muito provavelmente porque foi farejada a intervenção da PJ que rondava arguidos, locais que frequentavam e chamadas telefónicas que faziam, assim também impedindo a sua liberdade total de movimentos para o negócio da droga a que se dedicavam - o arguido S decidiu que a solução era matar JR e levou atrás de si, de uma forma ou outra, outros dos arguidos, talvez pelo receio de, no fim, serem todos relacionados com as violências de que o ofendido fora vítima e na casa que estava a uso do arguido T, amigo fiel de R e sobrinho de Q.

As provas conjugadas denunciam e apuram todos estes segmentos de facto e cada momento da decisão de cada um dos arguidos, deixando-os expostos e perfeitamente demonstrados.

Os FACTOS 89 A 95, vulgarmente relacionados com o chamado ilícito subjectivo ou processo volitivo e intencional, e que normalmente andam associados a uma pré-conclusão retirada do restante conteúdo probando, também resultam evidenciados das declarações do ofendido e mulher (o propósito era atingir o primeiro no corpo e moral e a segunda na estima emocional que tinha pelo marido, mais tarde de matar o primeiro que se tornara um problema a resolver e fragilizar ainda mais a segunda), da conjugação de todos os segmentos de prova atrás descritos (desde escutas, a buscas, documentos recolhidos, vestígios coleccionados e depoimentos, quer quanto ao tráfico quer quanto ao demais) e das declarações dos arguidos que decidiram em diversos momentos prestar declarações ou aceder a esclarecerem novas questões, ponderadas estas, como se viu acima, com as cautelas devidas para declarações de co-arguido, sempre com relevância particular para os factos que descreviam e em que directamente haviam participado.

Aliás, neste aspecto, convém lembrar que os arguidos que falaram desde logo esclareceram que não prestariam declarações sobre assuntos de droga relacionados com o arguido SJ, no que foram às últimas consequências, assim como se foram assegurando de que pouco diriam do arguido C e dos outros eventuais participantes de todas as circunstâncias, como MC, Michal S, TW, JD, entre o mais.

Estes factos decorrem, antes de mais, das próprias acções dos arguidos em cada momento, documentadas nos autos, esclarecidas em julgamento, numa decorrência lógica e coerente uns das outras.

Em cada segmento destes factos estão presentes, dos acima listados, vários meios de prova que os confirmam, destacando-se os seguintes.

Estão no processo os fotogramas da saída de R do RU e chegada a Faro, que confirmam as suas declarações quanto a estes factos e quanto ao facto de ter sido levado pelo arguido SJ para a casa de S. Faustino – o percurso de S está traçado no dia 05.10.10 desde meio da tarde na sua vinda para o Algarve (Apenso B3), e no dia seguintes com a ida ao Forum Montijo e contacto com a mulher do ofendido (idem e fls. 215, 217 e 218 e declarações de DH), esta associada às imagens recolhidas no mesmo Forum (veja-se fls. 38 a 40, 81 e 82, 321 a 333), o que se conjuga com a localização do telemóvel do ofendido, que accionou rooming à chegada a Faro e está a fls. 459 a 461.

Todos estes elementos se conjugam, através de telemóveis e cartões localizados e seguidos, conforme documentam os Apensos F1, F2 e F3.

Merecem também destaque os exames de fls. 2245 a 2252, 2255, 2256 a 2261, 2262 a 2267 e 2268 a 2273.

As deslocações dos arguidos T e R à barragem constam também de fls. 259 e 260 que deve conjugar-se com o RDE de fls. 1350 a 1352, confirmando a presença nos factos do arguido Q (ambos factos admitidos pelos três arguidos e descritos por R), com a fuga às autoridades no mesmo dia, antes de irem à barragem que está documentada a fls. 580 e 581. Esta viatura foi identificada no âmbito de diligências em que foram também visionados, junto à casa de Q, os arguidos T e R, logo no dia 13.10.10, conforme fls. 449 a 451.

Quanto aos contactos efectuados e reveladores da persistência do arguido S no propósito de matar R e diálogos trocados entre arguidos, vejam-se as transcrições do Apenso F1 (com a correcção acima notada) e que podem conjugar-se com as declarações do próprio arguido T em julgamento.

A fls. 732 está a informação policial que localiza a viatura CLK queimada e abandonada junto à Barragem, que deve ser conjugada com as declarações dos arguidos T e R e do ofendido R (e fls. 760 e 761 a 765, com o relatório pericial a fls. 2293 e fls. 1303.

A fls. 1687 a 1690 está documentada a diligência da PJ sul à casa de S. Faustino, em que se buscava a carrinha Chrysler identificada nos autos, e que ali não foi encontrada, devendo estes elementos ser conjugados, entre o mais, com as declarações da testemunha RC e do arguido TM.

Relativamente à apreensão da carrinha Ford Transit em que foi detido o arguido S (que o mesmo aceita na sua contestação), ainda se destacam a fls. 2978, os elementos apreendidos e as facturas ali encontradas, cópia do contrato apreendida da casa na Rua --- e registo de contribuinte da então mulher do arguido, que devem relacionar-se com os elementos de fls. 1322 a 1340, 3438 e 3439, com as declarações da testemunha proprietária do imóvel ouvida em julgamento.

Como sempre há que esperar em processos desta natureza, atenta a sua especial complexidade e o facto de os grandes conhecedores das circunstâncias serem, precisamente, os seus agentes, nem toda a factualidade indiciada logrou provar-se sem qualquer dúvida.

Neste acervo estão os factos que relacionam os arguidos todos com a organização própria de uma estrutura associativa formada com vista à prática de crimes, como estão alguns aspectos do envolvimento de alguns arguidos em determinados factos.

Quanto ao primeiro ponto, convém esclarecer que – e muito embora não sejamos da opinião de que a associação criminosa só se prova quando registada, bem pelo contrário, sendo esses os casos em que mesmo dificilmente se prova – como parece de fácil percepção, o sistema penal português não está estruturado para que a prova se faça com facilidade, e muito menos a todo o custo. E se quanto ao primeiro aspecto podemos assacar a responsabilidade à própria orgânica e dinâmica das normas relativas à prova, no segundo caso, diremos, ainda bem, uma vez que a prova só deve ser validamente atendida quando validamente recolhida ou obtida, ou validada no processo.

No caso da associação criminosa, atentas as exigências legais para o preenchimento dos seus requisitos, muitas vezes apenas a confissão dos arguidos permite dar como assentes os factos que a integram, em todo o caso sendo necessário que entre todos os associados se estabeleçam relações, estruturação de tarefas e, finalmente, obediência à chefia e objectivo comum no interesse da associação.

Neste processo, e muito embora se assuma desde já, há indícios da existência de uma e outra das associações criminosas apontadas pela instrução, mas não logrou o julgamento apurar todos os factos essenciais.

Não se apurou, desde logo, que os arguidos, para além de ligações pontuais, que tangem aqui e ali, à vez, as factualidades apuradas, tenham um qualquer vínculo entre si, dependência ou, mesmo, apesar de uma actividade em comum, um mesmo objectivo de conjunto e em proveito do grupo, que não em proveito de cada um.

Das duas realidades que, a este título, aparecem, quer a associação criminosa em termos gerais quer a que respeita ao tráfico de drogas, o julgamento apurou alguns espaços comuns, relações difusas, mais ao jeito de que este não era um grupo organizado mas talvez estivessem envolvidos dois grupos diversos que se ajudaram em algumas circunstâncias, um mais próximo de uns dos arguidos (dedicado sobretudo à produção e comércio por grosso de estupefaciente) e outro mais lateral, com outros dos arguidos (ligado a eventualmente outros negócios aparentemente legítimos) com a função de comercializar o produto.

No entanto, esta percepção decorre de conjecturas várias sobre diversas pontas que permaneceram soltas após o julgamento, não podendo, como é necessariamente de aceitar, determinar qualquer juízo de valor sobre a actuação dos arguidos. Os indícios permanecem indícios e, como tal, não constituem certeza e segurança suficientes para a decisão.

Quanto à autonomização estabelecida na associação criminosa para efeitos dos crimes que envolveram o ofendido JR, menos elos ainda se estabelecem, não chegando as perícias para concluir dessa forma, tendo em conta que é o próprio ofendido que, nas suas declarações, retira da factualidade ocorrida na casa de S. Faustino os três arguidos R, T e Q

Esta exclusão, que acaba inclusivamente por determinar da parte da PJ no seu relatório final a mesma conclusão, acaba por conjugar-se com outros elementos de prova que a vêm consubstanciar e já acima apontados.

Assim, são mesmo estes três arguidos que se excluem dessas circunstâncias, tal como faz o ofendido quanto a eles, sendo que mesmo o reconhecimento de voz a que procedeu este ofendido vai ao encontro desta conclusão.

Quebrado este elo que parecia indiciado pela investigação, até porque estes três arguidos aparecem nos factos adiante, não consegue estabelecer-se quanto a qualquer deles o vínculo das associações criminosas, das ofensas qualificadas, do roubo ou da violação.

Antecipemos, ainda, e porque facilita a tarefa, as conclusões quanto ao roubo imputado.

Está adquirido no processo que o ofendido foi despojado dos seus bens, o que ocorreu em circunstâncias de particular e inquestionável violência.

No entanto, o que resulta da prova é que a intenção que esteve na base dessa subtracção não foi a de apropriação pelos arguidos, mas a de facilitar o crime que estavam a executar e, no limite, encobrir o mesmo.

Repare-se, a maioria dos objectos que o ofendido trazia consigo de viagem foram todos recuperados, desde o relógio à roupa (ou partes dela) e até a carta que trazia na expectativa de demonstrar ao arguido S que efectivamente usara o dinheiro que este reclamava para pagar a sua hipoteca, todos estes objectos foram recuperados, embora destruídos ou parcialmente destruídos.

Não há, como tal, factos provados de onde resulte que estes arguidos ou parte deles, ou estes e outros, se quiseram apoderar desses bens, mas tão só que os retiraram na sequência das agressões, sendo que obviamente o telemóvel do ofendido lhe foi tirado para não contactar terceiros a pedir ajuda.

Neste contexto, os actos de subtracção violenta de bens do ofendido integram ainda os factos essenciais a garantir o seu sequestro e manutenção em cativeiro, com segurança para os autores dos crimes.

Daí que, para este Tribunal, a factualidade acima provada e que inscreveria o tipo objectivo do crime de roubo qualificado, deve ser integrada na factualidade mais alargada em que se inscreve o sequestro, uma vez que essa actuação é auxiliar daquela, verificou-se para ajudar a executar o crime de sequestro e o crime de ofensa à integridade física qualificada.

Sendo-lhe instrumental, esta factualidade é consumida por aquela e não pode, como tal, considerar-se crime autónomo. Daí que, quanto ao crime de roubo, também, faleça a factualidade da decisão instrutória, no sentido de integrar um crime de roubo qualificado.

O mesmo raciocínio deve fazer-se quanto à factualidade que visa inscrever o crime de violação imputado aos arguidos.

Resulta das declarações do próprio ofendido e, aliás, também da sua mulher, que um dos arguidos deste processo (SJ), para além de uma fixação na pessoa de DH, em diversas ocasiões revelou desprezo pela escolha desta para marido, ao mesmo tempo que, e isso resulta das mesmas declarações, revelou uma necessidade compulsiva de mostrar força, poder e a sua masculinidade e domínio sobre as mulheres. O que, aliás, ficou ainda patente no facto de ter trazido a depor como testemunha de abonação a sua mulher que sabia perfeitamente que ele tinha outro ou outros relacionamentos, desde logo, em Portugal.

Esta necessidade de afirmação destas características de personalidade, no que à mulher do ofendido respeita, pode ter diversas explicações, umas mais prosaicas que outras, mas está inequivocamente adquirida nos autos, até mesmo com base nos restantes factos apurados, e recordamos apenas o pormenor de o arguido S, ao decepar o dedo anelar do ofendido, com a aliança posta, lhe ter dito que seria para dar à sua mulher, D.

E este perfil conjuga-se também com outra factualidade que está ainda apurada com base nas declarações do ofendido e da mulher e que diz respeito a anteriores relações do arguido S com grupo ou grupos de tráfico de droga no Reino Unido, que terão mesmo invadido pela força a casa do ofendido num passado recente à sua vinda a Portugal e que a determinaram.

A afirmação de uma liderança e controlo (sem necessária relação a qualquer associação criminosa) é sempre sentida pelos agentes como uma necessidade num meio que aparece descrito como sendo da venda de droga e entre grupos rivais.

O perfil conjuga-se neste quadro, pelo que retirar daqui que este poder foi expressamente verbalizado ao ofendido durante as agressões (a frase que lhe dizem de que o bastão está introduzido no seu ânus é disso a prova) para o vexar, para o subjugar naquilo em que a masculinidade é mais sensível, para o inferiorizar do ponto de vista da sua posição como homem e chefe de família, é um passo coerente e lógico. Além de que, recorde-se, o que está provado é que isso lhe foi dito, e não que aconteceu de facto.

Desta interpretação, que nos parece sair de forma escorreita das circunstâncias deste caso, resultam duas conclusões essenciais – primeira, a de que os actos físicos de penetração anal não estão consubstanciados na prova pericial, pelo que esta lesão não obtém prova em julgamento; segunda, a de que o contexto em que foi dada a informação ao ofendido, ao invés de revelar a intenção de molestar sexualmente o mesmo, revela apenas que se pretendeu atingir emocionalmente o ofendido, subjugando-o o arguido S a um sentimento quase de vingança por ter a mulher que, decorre da prova, este arguido tanto cobiçava e o havia escolhido.

Ao fim e ao cabo, o que se pretendeu foi aumentar a dor emocional ou arrasar emocionalmente o ofendido que pertencerá ao mesmo quadro cultural em que a masculinidade se afecta com a subjugação sexual.

Pelo que, e concluindo, não apenas se não consegue a prova cabal da factualidade que integra o tipo objectivo deste crime – desde logo, a própria sodomização -, como, ainda que se provasse, resulta do acervo probatório que ela se inscreve ainda nas ofensas à integridade física qualificadas, como mecanismo utilizado para aumentar o sofrimento da vítima. Assim, a imputação autónoma desta factualidade improcederá, por consumpção relevante destes factos.

NOTA FINAL QUANTO À PARTICIPAÇÃO DOS ARGUIDOS NOS FACTOS,

Excluindo as improcedências de facto relativamente a qualquer dos arguidos pronunciados quanto aos crimes de associação criminosa, associação criminosa com vista ao tráfico de estupefacientes, roubo qualificado e violação, entende-se deixar uma nota adicional, atento o manancial de factos e a complexidade das circunstâncias, para esclarecer a participação, ou o título a que ela se faz, relativamente a cada um dos arguidos – deixando de lado os factos relativos às armas cuja autoria solitária fica demonstrada.

O CP prevê, no seu artº 13º que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência (nº 1).

Os crimes imputados aos arguidos são dolosos, sendo o dolo directo, nos termos do artº 14º do mesmo diploma, por terem os agentes representado a realização de um facto que preenche cada tipo legal de crime, actuando com a intenção de o realizar (nº 1).

Assim, o dolo caracteriza parcialmente o elemento subjectivo dos tipos legais enunciados, na medida em que constitui representação e intenção de actuar contra a lei, de onde resulta a consciência da ilicitude do facto pelos agentes.

Para além dele, vem a vontade livremente determinada na actuação.

O processo volitivo reveste-se de grande importância, uma vez que não há consciência da ilicitude sem vontade, e não há vontade criminalmente relevante sem que seja, ela mesma, livremente determinada.

A vontade do agente, dirigida a conseguir apenas o fim a que se determinou ou cada um dos seus elementos temporais e factuais é, como tal, a pedra de toque de todo o sistema legal. A vontade de agir em desconformidade ao direito, que revela também a personalidade do arguido e a tenacidade criminógena ou a intencidade do dolo na actuação, todos estes elementos concorrendo para que se estabeleça a necessidade de punir o agente.

Por outro lado, o agente pode praticar o facto directamente, executando-o, ou indirectamente, ordenando-o, instigando-o, assim como pode ser determinante na execução do crime ou simples figurante ou auxiliar.

O artº 26º CP caracteriza a autoria como forma de execução do crime. Estamos, in casu, perante uma imputação de co-autoria dos, ou alguns, arguidos na genaralidade dos casos.

É consensual o entendimento de que, quando o artº 26º CP se refere à autoria como o poder de decidir pela execução do facto ou de executar o próprio facto.

Determina o CP que:

Artigo 26º - Autoria
É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.

A actuação dos arguidos, inscreve-se neste contexto geral em que cada um, relativamente às circunstâncias para que é solicitada a sua intervenção, tem efectivamente o domínio do facto, podendo determinar o seu desfecho e o sucesso maior ou menor da actuação conjunta.

É autor do crime quem dá causa à sua realização, em termos de causalidade adequada. É ainda autor quem determina outrem dolosamente ao seu cometimento (a chamada autoria mediata ou moral).

Quando a realização do crime envolve uma pluralidade de pessoas (ou, pelo menos, duas), cada uma delas é co-autora, se tomar parte directa na sua execução, por acordo, ou se actuar juntamente com outro ou outros.

É uma forma de comparticipação na realização do facto típico.

Podemos dizer que a co-autoria pressupõe uma execução conjunta, traduzida numa participação directa do co-autor, ou seja, numa participação co-decisiva, em que o seu contributo seja tido como essencial ou determinante para a produção do facto (teoria do domínio funcional do facto), mas não é imprescindível que o co-autor realize todos os elementos do tipo. Basta que a sua participação seja decisiva para a produção do facto na sua totalidade, encaixando-se a sua parcela de actividade na dos restantes co-autores, de modo a, ajustadamente e conforme combinado entre eles, se chegar à realização do facto típico ilícito. Daí que a cada um dos intervenientes seja imputada a parcela de actividade dos restantes, como se se tratasse de acção própria[6].

A nossa melhor Jurisprudência vai esclarecendo ainda que essa forma de comparticipação distingue-se da cumplicidade, que é outra forma de comparticipação, porque a co-autoria supõe a acção conjunta de dar causa ao crime (e, portanto, a comparticipação decisiva ou essencial do co-autor), enquanto que, na comparticipação por cumplicidade, o cúmplice desenvolve uma actividade que não é essencial ou decisiva para a prática do crime. Na co-autoria, a acção de todos, agindo concertadamente e dando causa ao crime, torna todos responsáveis por ele, como se cada qual fosse autor singular.

De facto, na cumplicidade, a participação do cúmplice, não sendo essencial e decisiva, seria prescindível, no sentido de que o crime teria sido realizado na mesma, só que por modo, em tempo, lugar ou circunstâncias diversos, segundo a formulação clássica, que vem de Farinacio e Feurbach.

Todos eles, enquanto comparticipantes, concorrem para a prática do facto, só que o modo como cada um deles coopera é que é substancialmente diverso, sendo decisiva (ou co-decisiva) a comparticipação dos co-autores e acessória ou incidental a dos cúmplices. Daí que a cumplicidade esteja numa relação de subalternização em relação à autoria, traduzindo-se numa causalidade não essencial[7], ou seja, num mero auxílio à prática do crime, sem domínio do facto típico – um auxílio doloso, consistente tanto numa ajuda material como moral, mas, em todo o caso, não determinante da vontade do autor ou da execução do crime e posicionando-se apenas como o favorecimento do cúmplice num facto alheio, e daí a sua menor gravidade objectiva, apesar de se configurar como concausa do crime [8].

A factualidade aponta, no caso do arguido SJ, para a autoria (depois veremos se partilhada, ou não) em crimes de sequestro agravado, ofensa à integridade física qualificada, homicídio qualificado tentado, tráfico agravado de estupefacientes e detenção ilegal de arma.

Em todas estas circunstâncias este arguido, como demonstra a prova, interveio na qualidade de autor material e moral. Em todas as acções em que teve intervenção foi o elemento preponderante, mesmo sem que o carácter organizativo deste grupo de pessoas se tenha provado, que controlava os acontecimentos (de que é paradigmático o controlo das operações para e na Barragem de Santa Clara, através dos contactos mantidos telefonicamente com o referido M), assumia até a iniciativa em alturas de alguma hesitação dos companheiros (de que é demonstrativo o episódio em que mostra como se faz a mutilação de JR), investia o risco, ainda que auxiliado por terceiros, nas operações que podiam mais facilmente ser descobertas (como no caso da fábrica cujo arrendamento foi contratado consigo, mas também na postura de auxiliar seu que está nas escutas assumida pelo referido Pierre, como era referenciado pelos restantes como skiper ou sir, como controlava por telemóvel as operações à distância e como os restantes tendiam a protegê-lo, enfim, elementos abundantes de onde se retira o seu papel fundamental, ainda que não como dono das circunstâncias, como revelam também as escutas com o arguido T que lhe comunicava coisas mas que não parecia ter-lhe propriamente uma obediência cega, e resultando também das escutas que, por exemplo, o produto das produções ficava à guarda de vários e os destinos eram controlados por estes vários), como mantinha um relacionamento cordato com todos (a quem tratava como companheiros), deixando-lhes no entanto o poder de decisão de muitas das circunstâncias de que não pedia também contas. Afinal, praticando factos conjuntamente com outros, exercendo os actos de execução partilhadamente, ainda que, porventura por características de personalidade, revelando um perfil dinâmico e destemido.

Vejamos no mais.
A intervenção do arguido S perpassa toda a factualidade apurada, em toda ela actua com igual iniciativa (ainda que partilhada), revela ter ideias próprias e autonomia de vontade, sem hesitações.

Neste caso, também cada uma das condutas imputadas a cada um dos arguidos, em todos os crimes cuja factualidade procede e lhes venha imputada, é uma actuação conjunta com as outras dos restantes arguidos. Estando estabelecida inequivocamente a actuação como co-autores dos arguidos SJ e TM com outro indivíduo identificado nos autos como MC quanto ao crime de homicídio qualificado tentado.

Quanto ao arguido R e no que a estes factos respeita, no entanto, pensamos que a sua actuação nem sequer tange os limites da cumplicidade, uma vez que, não tendo qualquer domínio dos factos, não controlando qualquer dos seus segmentos com vista ao resultado final e nunca tendo ficado apurada sequer a sua real vontade - senão mesmo que se rebelou pelo facto de estar metido naquele quadro que nem lhe foi explicado -, há que concluir que este arguido passou tangencialmente por factos de execução a que não aderiu, que desconhecia o propósito, que nunca lhe foi comunicado o objectivo e que, como tal, nunca manifestou vontade relevante para acolher o processo de decisão e partilhar dele e, sobretudo, nunca dominou as circunstâncias, nem concorrencialmente com outros, de forma a poder delas desistir ou a delas se demarcar. Por isso a opção desde logo pela sua simples absolvição.

Quanto aos arguidos CM e WQ, nem sequer se provam factos que impliquem a sua intervenção a qualquer título numa intenção e acção de matar a vítima JR. Aliás, o arguido C mostra-se mesmo alheio a esta factualidade e o arguido Q intervém precisamente quando ela se frustra. Daí, também, a decisão da sua absolvição.

Vejamos, ainda, quanto ao arguido T um aspecto.

Estamos perante um crime tentado de homicídio em que, como se viu, o papel deste arguido foi determinante.

O arguido T sabia ao que ia quando foi para a Barragem, sabia como ia terminar essa deslocação porque isso lhe terá sido transmitido por M na casa de cativeiro e sucessivamente após contactos telefónicos na sua presença com o arguido S (de cujo conteúdo sabia, como aceito), facilitando este arguido o transporte para o local onde devia ser morto JR e, com isso, aderindo ao plano e vontade de matar o ofendido.

No caminho, recolheu com o referido M uma espécie de lage que deveria, como o mesmo afirma, servir para afundar a vítima já defunta. Deu a sua colaboração inequívoca e preciosa, não apenas providenciando o transporte para o efeito, como conduzindo ele mesmo a viatura para o local e recolhendo com outro uma peça de 30 quilos pelo caminho que sabia ao que ia servir.

Estes actos não são meros actos de exercício de uma qualquer coisa não estruturada (como quanto ao plano de matar R se mostra a actuação do arguido R), mas verdadeiros actos de execução de um crime de homicídio que se pretendia cometer e a que aderiu.

No entanto, quis o destino da vítima que este arguido, com o papel determinante que desenvolvia nesses factos, por uma razão ou outra, tenha mudado de ideias. É irrelevante se o fez por medo ou por falta de coragem, porque a finalidade da norma é a protecção da vida e esse valor foi garantido quando nada o fazia prever.

O que significa que este arguido, praticando actos de execução (artº 22º, nº 2 CP – equiparação dos actos típicos aos actos idóneos para a verificação do tipo legal) relevantes e a que, logicamente, se seguiria a morte do ofendido, aproveitando precisamente a partilha do domínio do facto que tinha nessa ocasião, desistiu de cometer o crime[9].

E precisamente porque a sua participação era preponderante, esta desistência singular arrastou a todos a frustração do crime e ele não se consumou. É relevante esta desistência? Diremos que é determinante, mesmo. A desistência deste arguido do propósito de matar R determinou que este permanecesse vivo.

Na avaliação da relevância da desistência relativamente ao facto e conjugando-a com a culpa do agente, numa expressão da chamada teoria dos fins das penas, o Tribunal Federal Alemão veio concluir que a desistência deve ser pensada na perspectiva da necessidade da pena, precisamente porque envolve a ponderação da culpa na actuação e a capacidade do agente para redimir comportamentos, e deve ser entendida como o regresso do agente ao direito, que contraria o mau começo com um bom desfecho, apagando com essa contrariedade ao anti-jurídico a impressão negativa que havia causado na comunidade[10].

Tese a que Roxin veio aderir, corrigindo embora a conclusão que via no interesse da vítima o grande fundamento da não punibilidade, e afirmando que o fundamento que está na base da preterição da punição é a verdadeira inversão do perigo (neste caso, para a vida da vítima), sendo esta a essência da desistência e o fundamento para a sua não punibilidade – teoria dos fins das penas modificada. Acrescentando-lhe Figueiredo Dias que a desistência tem que ser obra pessoal do agente, porque só esta garante a inversão do perigo e o seu regresso à ordem jurídica e, como tal, justifica a impunidade do comportamento[11].

Como fica demonstrado, a desistência do arguido T, que determinou, que decidiu e cujo sucesso garantiu, ditou o desfecho dos factos e manteve vivo JR naquele momento, pelo que, quanto a este arguido, será ponderada em sede própria.

Quanto ao crime de sequestro, imputado a todos em co-autoria, vemos também que a factualidade provada não revela padrões de igualdade nas actuações.

Já deixámos dito que os arguidos S, C T, Q e R intervêm nesses factos. E também já vimos que apenas os arguidos S e C aderem ao plano desde o início, preparam as coisas e iniciam de forma até vigorosa estas circunstâncias. Entram como co-autores nesta factualidade com outros indivíduos não identificados e o referido MC.

Nas suas actuações não se distinguem esforços, todos gerem as circunstâncias em conjunto, e muito embora se mostrem mais afoitos os arguidos S e C, é sempre o conjunto que actua de forma homogénea, cada um controlando os acontecimentos, participando deles e executando-os de igual maneira num contexto inequívoco de agravação pelo artº 158º, nº 2 do CP.

Os arguidos T, Q e R intervêm nestas circunstâncias numa fase posterior, quando devolvem ao cativeiro a vítima depois da ida à Barragem, assegurando-se estes arguidos T e Q que assim aconteça.

Qualquer deles, e bem assim o referido M, tem o controlo dos acontecimentos e das respectivas actuações e qualquer deles poderia ter determinado um desfecho diferente para a situação, sendo como tal co-autores no crime, porque aderiram à vontade inicial partilhada por S e C e asseguraram-se de que a situação se não alterava, muito embora quanto aos arguidos T, Q e R se não verifique o domínio quanto às circunstâncias agravativas do tipo legal (artº 158º, nº 2 do CP).

Quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada, de que já afastámos os arguidos R, Q e T, também as actuações dos arguidos S e C se não distinguem num quadro de co-autoria com os outros indivíduos que participaram, valendo aqui as notas atrás deixadas, quer quanto às circunstâncias, quer quanto à qualificação delas.

Quanto ao crime de tráfico agravado, imputado aos arguidos SJ, CM, TM e WQ, em co-autoria, também não suscita dúvidas.

O tráfico de drogas será um dos crimes em que mais facilmente se consegue estabelecer a co-autoria.

Ou é feito sem ser no âmbito de uma organização criminosa e, então, será em co-autoria, autorias paralelas ou autoria simples, sendo residuais e em regra fáceis de caracterizar as formas alternativas de comparticipação, ou é feito no âmbito de uma organização e, nesse caso, basta estabelecer as hierarquias para se conseguir, em regra também, concluir por cada forma de comparticipação em concreto.

Relembrando as notas acima deixadas, e atentos os factos provados a que já fizemos variadas referências, não existem elementos de onde passa retirar-se uma diferença na actuação dos arguidos.

Era, efectivamente e como se disse, o arguido S que tomava as rédeas de alguns dos factos, como o controlo dos trabalhos, os arrendamentos (dando um dos nomes que lhe são atribuídos no processo), mas fazia-o com os restantes, tendo todos eles autonomia de vontades e de acções que, muito embora concertadas, eram concertadas por todos sem preponderância digna de nota para nenhum deles.

Aliás, das escutas resulta isso mesmo, a autonomia das vontades, embora num propósito comum que era assegurado e controlado em conjunto. E das buscas resulta o mesmo, balanças de precisão em vários dos arguidos, dinheiro vivo em vários deles sem que trabalhassem, disponibilidades financeiras de todos para as mais variadas situações.

Quando se fala em tarefas, também não se está a deixar a janela aberta ao associativismo a que já se fechou a porta.

Sendo o tráfico por excelência uma actividade desdobrada em múltiplas, podem estar uns dos comparticipantes afectos a umas e outros a outras, sem que isso dependa de uma vontade estruturante e estratificante.

Assim, quanto a este crime, a procedência da co-autoria está demonstrada quanto aos arguidos a quem vinha imputada.

Apreciando o mérito dos recursos, sendo que as questões que ficaram definidas, quando tendencialmente idênticas relativamente a vários recorrentes, serão analisadas, tanto quanto necessário, conjuntamente:

1 – recurso de SJ:

A) - da proibição de valoração das declarações para memória futura:

Aludindo à valoração que o tribunal “a quo” fez das declarações para memória futura, como decorre da motivação do acórdão de fls. 6285/6287, o recorrente põe em causa a sua validade, fundando-se em que, na sua perspectiva, foram atendidas para além, por um lado, do que constou da acusação em sede de indicação das provas respectivas e, por outro, do que resulta do auto que as documentou, em preterição dos arts. 283.º, 99.º, n.º 1, e 169.º do CPP, bem como em que, não obstante essa circunstância, não foram lidas em audiência, violando o art. 355.º do CPP e os princípios da imediação e da oralidade, com o que os seus direitos de defesa, mormente o exercício do contraditório, foram limitados, além do mais porque, à data dessas declarações, apenas tinha acesso a parte da documentação processual e se encontrava tão-só indiciado pela prática de crimes contra o ofendido.

Se bem que o recorrente, também, considere que esse meio de prova é, à luz da sua argumentação, proibido e, como tal, ferido de nulidade, com as consequências atinentes ao art. 122.º do CPP, é na respectiva valoração que a sua posição se coloca, já que, manifestamente, não aponta qualquer motivo para infirmar que essa tomada de declarações não fosse legalmente permitida (art. 125.º do CPP), aliás, efectuada em conformidade com a sua justificação legal e o formalismo exigível (art. 277.º, n.ºs 1 e 5, do CPP).

O Ministério Publico entende que se deverá considerar válida a prova produzida (antecipadamente), como sejam as inquirições para memória futura e que o acórdão recorrido não violou os princípios do contraditório, da oralidade, da imediação e da publicidade, consagrados no art. 32º da CR e nos artºs 125º e 255º, ambos do Código de Processo Penal.

Da acusação deduzida (fls. 4142/4191), ficou a constar a menção às referidas declarações para memória futura (fls. 4185), deste modo cumprindo o desiderato de que tal meio de prova viesse a ser atendido em julgamento, relativamente ao qual a defesa, quando produzido, pôde exercer plenamente o contraditório, não meramente pela sua presença, mas sim mediante a formulação de perguntas, como decorre plenamente dos autos em que ficaram documentadas, de fls. 2040/2058 e 2059/2072, especialmente, no que respeita ao recorrente, de fls. 2050/2051 e 2066/2068.

Tendo as diligências sido realizadas no decurso do inquérito, foram reduzidas a auto, de acordo com imposição do art. 275.º, n.º 2, do CPP, sendo este, tal como o recorrente refere, o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram, confirmando a veracidade da sua realização e do seu conteúdo (art. 99.º, n.ºs 1 e 4, do CPP).

E, ainda, de acordo com o n.º 6 do referido art. 271.º, foram documentadas através de gravação, inevitavelmente acessível ao recorrente (art. 101.º, n.º 3, do CPP), na sua integralidade.

Acresce que, nos termos do n.º 1 desse art. 275.º, o auto pode ser redigido por súmula, sem que isso se confunda propriamente com o conteúdo das declarações, este suportado na gravação efectuada, inexistindo qualquer obrigação legal do juiz, contrariamente ao que sucedia na vigência do regime anterior à Lei n.º 48/2007, de 29.08, de determinar a reprodução desse conteúdo, integralmente ou por súmula, consoante os meios de registo e transcrição disponíveis, desde logo, porque actualmente a documentação obedece em regra àquela forma definida pelo art. 364.º do CPP, como no caso sucedeu.

Não obstante, tenha o juiz, em concreto, procedido a grande parte da reprodução do que as testemunhas inquiridas disseram, se a estas declarações se aplicam as regras aplicáveis a outras que vierem a ser produzidas em audiência, não se descortina fundamento para que as mesmas não sejam valoradas na sua integralidade, o que até favorecerá a desejável plenitude da avaliação em julgamento e não contende com a susceptibilidade de defesa, sendo esta conhecedora, conforme ao que ficou referido, do conteúdo em causa, relativamente ao qual exercerá, do modo que afigurar conveniente, o contraditório.

Se como o recorrente diz e efectivamente se confirma, a leitura em audiência das declarações foi prescindida, o que não foi objecto de oposição, nem preteriu a faculdade de que assim se não tivesse entendido (art. 356.º, n.º 2, alínea a), do CPP), nem por isso se criou uma limitação de valoração para o tribunal nesse âmbito.

Embora a leitura das declarações fosse permitida, ela não é obrigatória, perante o disposto no art. 355.º do CPP, ficando, de todo o modo, assegurada a oralidade e a imediação que regem a audiência, independentemente do que os autos forneciam, à data da tomada dessas declarações, quanto à suposta indiciação, vertida que foi, esta, em acusação (e pronúncia), determinativa do objecto de discussão em julgamento.

Neste sentido, as declarações para memória futura não deixam de constituir prova que, apesar de antecipada relativamente à audiência e por razões perfeitamente razoáveis, se reconduz, afinal, a prova produzida em audiência, que vale em julgamento e, inelutavelmente, na sua percepção global, não alheia ao interesse na descoberta da verdade material, com a qual a defesa não é minimamente surpreendida, aliás, em sintonia com a alegada estrutura acusatória do processo.

Certamente antevendo que a questão suscitada se colocasse em via de recurso, o tribunal explicitou as razões da valoração das declarações, que dissipam a argumentação agora trazida pelo recorrente.

Fê-lo de forma esclarecedora, que não merece censura, nem justifica outras considerações para além das que, ora, se deixaram vertidas.

Tanto basta para que as declarações para memória futura devam ser, como foram, valoradas como meio de prova e na íntegra, não se mostrando, de modo algum, inquinadas por qualquer nulidade ou irregularidade na sua produção, nem susceptíveis de ter afectado as invocadas garantias constitucionais.

1 – recurso de SJ:

B) - da invalidade da prova obtida através das diligências em que interveio o arguido TM:

2 – recurso de CM:

A) - da invalidade da prova obtida através das diligências em que interveio o arguido TM:

Os recorrentes suscitam a proibição da prova obtida através de diligências em que interveio o arguido TM assim se reportando ao que ficou vertido no facto provado em 96 (“Já após a detenção dos arguidos, o arguido TM decidiu prestar algumas informações à PJ, exigindo que tais contributos não ficassem documentados no processo, desde logo conduzindo-os à referida fábrica de Sarilhos Grandes – Montijo e, posteriormente, ao local onde estava estacionada a carrinha Chrysler verde, bem como às imediações da casa de S. Faustino”), relativamente ao que o tribunal, no acórdão, se pronunciou, na descrita vertente de “ponderação de DILIGÊNCIAS NÃO DOCUMENTADAS”.

Em síntese, invocam que essas diligências foram efectuadas na perspectiva de que aquele arguido obtivesse alguma vantagem e sem que tivesse sido assistido por defensor (e, ainda, quanto a CM, por intérprete), qualificando-a, por um lado, como prova proibida nos termos do art. 126.º, n.º 2, alínea d), do CPP, e, por outro, ferida de nulidade, em violação dos arts. 64.º, n.º 1, alínea c), e 92.º, n.º 2, ao abrigo do art. 119.º, alínea c), todos do CPP.

Ora, da explicitação do acórdão, decorre que a ausência de documentação das diligências se deveu a exigência daquele arguido e, enquanto tal, não constituem, em rigor, actos processuais, se bem que, acerca das mesmas, os agentes da PJ que nelas participaram tenham expressado em audiência aquilo que constataram e, assim, reconduzindo-se nesse âmbito a prova directa, para além das declarações do próprio arguido.

Todos os métodos proibidos por um dispositivo como o artigo 126.º do CPP, configuram atentados à liberdade de formação e actualização da vontade de declaração (Manuel Costa Andrade, “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra, 1992, pág. 212).

De modo algum se descortina, não obstante as referências que os recorrentes fazem a partes dos depoimentos desses agentes que entenderam como pertinentes, que a decisão do arguido em colaborar com a investigação tivesse sido viciada na formação da vontade por meio de sugestão ou de promessa de vir a obter benefício, ou, até, de engano acerca dessa susceptibilidade, que implicitamente tivesse perturbado a sua integridade moral.

A circunstância das diligências não terem sido documentadas não presume diferente entendimento, na medida em que isso resultou da própria iniciativa do arguido, a que se deu assentimento face aos interesses da investigação em jogo, por um lado, a protecção daquele e, por outro, ainda mais relevante, tal como se assinalou no acórdão, a “eminência ou morte do ofendido”.

Assim, o meio através do qual os agentes tomaram conhecimento do que relataram não pode ser visto como atentatório de legalidade que a situação impusesse, sendo que, note-se, a ponderação dos elementos colhidos só foi feita pelo tribunal dentro dos limites dos depoimentos e declarações produzidos em audiência, com o que ressalvada se tornou, e bem, a restrição na sua valoração.

Afigura-se, pois, que as diligências não são configuradas como método proibido de prova, nem, também, ficaram inquinadas pela ausência de defensor e de intérprete.

Não se podendo equiparar a actos processuais, nem tendo o tribunal lhes atribuído relevo como tal, como ficou descrito, a assistência de defensor e/ou de intérprete não era obrigatória.

Acresce que, conforme sublinhado pelo Ministério Público, não resulta que o arguido TM tenha feito, nesse âmbito, declarações incriminatórias.

Aceita-se, assim, a fundamentação vertida no acórdão, implicitamente se concluindo que a prova que foi produzida pelos agentes, na parte atinente às aludidas diligências, não foi inquinada pelos meios nestas utilizados.

2 – recurso de CM:

B) – da invalidade do reconhecimento de voz:
Entende o recorrente que o reconhecimento da sua voz, feito pelo ofendido, deveria ter sido presencial, de acordo com o formalismo do art. 147.º, n.º 5, do CPP, pelo que, assim não tendo acontecido, não poderia valer como meio de prova, no confronto do n.º 7 do mesmo preceito legal.

No acórdão, foram, designadamente, relevados os reconhecimentos de voz de fls. 1316 a 1321 e 1509 a 1510, na sequência das recolhas e gravações de amostras de fls. 1313 a 1315 e 1508, tendo consignado que “A respeito dos reconhecimentos de voz pelo ofendido, este destaca o episódio em que a pessoa que reconhece como sendo o arguido C, durante as agressões, e enquanto lhe queimava a orelha com um isqueiro, lhe disse ter estado no exército, facto que o ofendido não podia ter adivinhado”, resultando de fls. 1320 que o ofendido reconheceu, sem qualquer dúvida, a voz do indivíduo correspondente ao ficheiro digital com o n.º2: “VN68004. WMA” (este reporta-se à gravação da voz do recorrente, conforme fls. 1315), como sendo o indivíduo de pronúncia escocesa que agrediu na casa onde esteve sequestrado.

Trata-se, no caso, de reconhecimento de voz que foi previamente gravada, e não de reconhecimento de pessoa na sua verdadeira acepção, na medida em que, embora sendo a voz um dos elementos que pode identificar a pessoa, as formalidades exigidas pelo art. 147.º, n.ºs 1 e 2, do CPP implicam a presença da pessoa a reconhecer.

De qualquer modo, a sua validade como meio de prova obedece às cautelas especiais que o legislador não deixou de impor, na medida em que, segundo o n.º 5 desse art. 147.º, “só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2”.

Não obstante, não resulta da melhor interpretação da harmonia e das especificidades do regime, contrariamente ao que parece o recorrente supor, que ao reconhecimento de voz se tenha de seguir um reconhecimento presencial, mas apenas que, tendo em conta o objecto sobre o qual o reconhecimento deva incidir, haja este de rodear-se do formalismo descritivo preliminar e do procedimento recognitivo exigidos para o reconhecimento dito presencial.

Aliás, em concreto, como referido pelo Ministério Público, é certo e sabido que a vítima JR não conhece pessoalmente o ora recorrente, donde a utilidade no reconhecimento presencial nem sequer existiria.

Importante para resposta à questão suscitada pelo recorrente, é saber se o reconhecimento de voz obedeceu, então, àquele mencionado formalismo.

E, na verdade, dúvida não há de que o acatou, perante o que consta do respectivo auto (fls. 1320 a 1321), atendendo a que o ofendido descreveu a voz do suspeito no que concerne ao timbre, à entoação e ao sotaque, disse que este parecia ter mais de 40 anos de idade, tinha um sotaque indiscutivelmente escocês, provavelmente proveniente de Western Isles e que tinha uma voz forte, procedeu à audição das gravações de amostras de voz que lhe foram apresentadas, que continham a voz de um dos suspeitos e mais duas vozes, pertencentes a indivíduos naturais da mesma região que o suspeito e com idade semelhante, sendo que essas outras duas vozes gravadas foram disponibilizadas pelas autoridades britânicas, como decorre de fls. 1310, no âmbito da normal cooperação internacional.

Como tal, não se vislumbra que o procedimento não tenha observado o formalismo exigido, além de que não está demonstrado, contrariamente ao alegado, que as vozes apresentadas para reconhecimento denotassem diferenças nas suas condições de audição, que infirmassem a validade do meio usado para a identificação em vista.

Assim, nada existe que ponha em crise a validade do invocado reconhecimento de voz.

3 – recurso de WQ:

A) - da invalidade das buscas às casas amovíveis:

Alega o recorrente que as buscas às casas amovíveis, que suportaram a factualidade vertida como provada em 23. e 24., devem ser declaradas nulas, por não se encontrarem no âmbito do mandado judicial que determinou a busca na moradia sem número sita no Caminho dos Morgadinhos, Fontainhas, Albufeira, constante de fls. 1356.

Tal mandado decorreu do despacho judicial de fls. 914/915, onde se refere que a busca deveria incidir efectivamente naquela moradia, residência dos proprietários do veículo de marca Jaguar que recolheu o ofendido junto da barragem de Santa Clara, na mesma abrangendo todos os anexos e dependências dos imóveis (parqueamento, garagens, e arrecadações), caixas de correio e viaturas na disponibilidade dos visados, quer se encontrem em zonas de estacionamento, quer na via pública.

A busca, e consequentes apreensões, acabou por ser efectivada pelo órgão de polícia criminal naquelas casas ditas amovíveis, tendo ficado a constar do respectivo auto, de fls. 1357/1358, que Efectuada a entrada na residência verificou-se que a mesma é composta por um edifício principal, de alvenaria e denominado como “Casa ---”, o qual é habitado pelo identificado KS e pela sua mãe, e por cinco casas amovíveis identificadas nos seguintes termos: na parte da frente do terreno casa amovível (…) na qual residem os identificados WQ e WJQ (doravante denominada “Casa 1”; casa amovível (…) na qual reside a identificada IL (doravante denominada “Casa 2”).

È sabido que as buscas são diligências tendentes à obtenção de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de respectiva prova ou ainda à detenção de uma pessoa, fundamentando-se a sua determinação na existência de indícios de que os mesmos se encontrem em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, como decorre do art. 174.º, n.º 2, do CPP.

Atenta a vertente de autorizarem entrada em espaço de acesso restrito ou vedado, assumem carácter intrusivo que, no caso de incidir em casa habitada ou numa sua dependência fechada, se acentua, desde logo, pelo respeito da consagração constitucional da inviolabilidade do domicílio - art. 34.º da Constituição da república Portuguesa (CRP) -, sendo, aliás, nulas todas as provas obtidas mediante abusiva intromissão no domicílio (art. 32.º, n.º 8, da CRP).

Tal inviolabilidade exprime, nesse âmbito particular, a garantia do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, afirmada no art. 26.º, n.º 1, da CRP e, também, no art.º 8.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Constituindo, assim, a busca domiciliária, sem dúvida, uma medida restritiva de direitos fundamentais, ela está sujeita a reserva de lei e de juiz para a respectiva autorização ou, nos casos expressamente previstos (n.º 3 do art. 177.º do CPP), para a sua validação depois de ordenada pelo Ministério Público ou efectuada pelo órgão de polícia criminal, sendo que, como se referiu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 114/95, de 23.02, in D.R. 2.ª série de 22.04.1995, A intervenção do juiz é exigida pela preocupação de controlar a legalidade da diligência e, bem assim, garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, no caso, o direito à inviolabilidade do domicílio, o que por outras palavras, vale dizer ser a intervenção do juiz, in casu, de dimensão exclusivamente garantística, e não de valoração das provas.

O conceito de domicílio, subjacente à diligência, tem uma abrangência mais ampla do que a mera definição civilística e, conforme Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 540, Tendo em conta o sentido constitucional deste direito, tem de entender-se por domicílio, desde logo, o local onde se habita – a habitação - , seja permanente, seja eventual; seja principal ou secundária. Por isso, ele não pode equivaler ao sentido civilístico, que restringe o domicílio à residência habitual (mas, certamente incluindo também as habitações precárias, como tendas, “roulottes”, embarcações), abrangendo também a residência ocasional (como o quarto de hotel) e, ainda, de modo idêntico, segundo Jorge Miranda/Rui Medeiros, in “Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2010, pág. 759), Qualquer tentativa de aproximação ao conceito de domicílio não pode perder de vista o bem jurídico que este direito fundamental pretende proteger, no caso concreto a chamada “esfera privada espacial”. Assim, a qualificação de qualquer espaço como domicílio implica, necessariamente, que aí se resida, isto é, que aí se pratiquem atos relacionados com a vida familiar e com a esfera íntima privada e que é possível extrair um requisito fundamental para a determinação do conceito de domicílio: a existência de uma compartimentação espacial suscetível de evitar ou limitar a possibilidade de violações ou entradas.

Para o efeito da devida protecção constitucional e penal, o domicílio corresponde ao espaço funcionalmente utilizado como habitação humana, local reservado que é o centro da vida pessoal e familiar de cada um, ou seja, aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde, recatada e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar.

Resultando, em concreto, que as casas amovíveis seriam residências das identificadas pessoas, pacificamente são reconduzíveis à noção de domicílio.

Não se encontrando, porém, especificadas no mandado de busca, será que, da circunstância de se situarem no terreno onde estava implantada a moradia referida e de revestirem aquela característica, se poderão considerar como anexos ou dependências da mesma, de molde a que ficassem abrangidas pela ordem judicial?

Entende-se que não.

Na verdade, do que é possível perceber do retratado nas fotografias de fls. 1364, 1365, 1370, 1374, 1379 e 1406 a 1408, aquelas casas amovíveis, ainda que implantadas no mesmo terreno da moradia, nenhuma relação domiciliária teriam com esta, sendo perfeitamente autónomas como centros de vida pessoal e familiar na acepção descrita, constituindo habitações exclusivas dos seus utilizadores, sem o carácter de acessoriedade ou de dependência que permita sustentar outra perspectiva.

Embora localizadas no mesmo terreno em que estava implantada a moradia, este aspecto não sobreleva relativamente à natureza e à dimensão da protecção em discussão.

Afigura-se, pois, que nenhum fundamento válido se divisa no sentido de que esses autónomos domicílios não fossem dignos da protecção legal, à semelhança da moradia, carecendo, para a realização das respectivas buscas, de ordem expressa para o efeito, sob pena de nulidade (art. 177.º, n.º 1, do CPP).

O mandado efectivamente não cobria essas diligências e inexiste sequer consentimento do(s) visado(s) para que às mesmas se pudesse proceder, pelo que, neste aspecto, ao recorrente assiste razão, estando-se perante método proibido de prova, afectando a utilização do que por essa via foi obtido.

Pese embora só em via de recurso a questão tenha sido suscitada, o disposto no art. 118.º, n.º 3, do CPP, segundo o qual decorre um regime das proibições de prova de alcance diverso relativamente ao das nulidades, como que prevalecendo aquelas sobre estas, ainda que se entendesse que a nulidade das buscas se pudessem ter sanado pelo desenrolar dos autos (art. 120.º, n.º 3, alínea c), do CPP), sempre a utilização da prova consequente estaria inviabilizada, inevitavelmente também porque a diligência que a suportou não é susceptível de repetição.

E isto independentemente das dificuldades interpretativas que subjazem ao art. 126.º do CPP.

Conforme Costa Andrade, ob. cit., pág. 210, Sob a aparência de um regime claramente recortado e tendencialmente unificado na sua densidade axiológica e relevância normativa, afronta-se aqui um domínio marcado pela heterogeneidade e centrifugicidade.

Com efeito, se é certo que o n.º 3 desse art. 126.º, ao caso aplicável, prevê proibições de prova relativas, contrariamente ao que sucede com os seus n.ºs 1 e 2, em que estão em causa direitos indisponíveis, tal apenas é justificado quanto àquele pela susceptibilidade de consentimento, não se confundindo, todavia, com a problemática da nulidade do acto em que se obteve essa prova.

O regime das nulidades é autónomo do regime das proibições de prova, tratando-se, em concreto, de proibição de valoração das provas obtidas nas buscas em apreço, com as consequências que haverão de extrair-se.

2- recurso de CM:

C) - da omissão de diligência essencial da prova:

Vem o recorrente invocar que o tribunal omitiu diligência, no seu entender, indispensável à descoberta da verdade, visando demonstrar que em 06.10.2010 não se encontrava em Portugal, mas sim em Espanha, por si requerida já em fase de inquérito e reiterada em julgamento, arguindo, por isso, a nulidade prevista art. 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, reputando, essa omissão, como violadora dos seus direitos de defesa (art. 32.º da CRP).

Refere-se, assim, à prova documental requerida na sua contestação, de fls. 5099/5100, no sentido de que se oficiasse às entidades espanholas, com vista a que se obtivesse informação de unidade hoteleira (Hostal Bahia Algeciras) quanto às datas da sua entrada e saída da mesma.

Desde logo, assinale-se que se mostra afastada a susceptibilidade de nulidade cometida no inquérito, por referência ao alegado art. 120.º, n.º 2, alínea d), dado que, por um lado, essa diligência não configura acto legalmente obrigatório a praticar nessa fase e, ainda que assim não fosse, a respectiva arguição deveria ter sido feita, nos termos da alínea c) do n.º 3 desse preceito legal, até ao encerramento do debate instrutório.

Veio, então, a diligência a ser deferida, por despacho em audiência, de fls. 5379/5380, ordenando-se se oficiasse a essa entidade, “a saber se o arguido CM esteve ai entre as datas de 6 e 13 de Outubro de 2010 e, em caso, afirmativo, em que circunstâncias”.

No mesmo despacho, consignou-se que “vai deferido este requerimento do arguido CM na medida em que as respostas ao mesmo sejam juntas ao processo até ao encerramento da restante prova e, caso, não esteja, tomará o Tribunal Colectivo decisão em conformidade oportunamente”.

Por despacho, também em audiência, de fls. 5479, determinou-se a colaboração da PJ junto das entidades policiais espanholas para obter a pedida informação, tendo, na sequência, essa entidade informado que a unidade hoteleira se encontrava encerrada e que as autoridades espanholas continuavam a desenvolver diligências para localizar responsáveis que possibilitassem acesso aos registos (fls. 5488).

O aqui recorrente insistiu depois pela obtenção da informação, reconhecendo que até à data a diligência se mostrara infrutífera (fls. 5607).

Até ao encerramento da produção de prova, a pretendida informação não foi obtida.

Não se descortina que o tribunal expressamente se tivesse pronunciado para além do que ficou descrito, o que implicitamente terá de ser entendido, sem prejuízo do deferimento anterior e da subjacente utilidade que viu na diligência, como sintoma da sua inviabilidade prática que ficou reflectida na informação da PJ e de que a mesma não fosse tida por essencial para a descoberta da verdade.

Aliás, essa suposta essencialidade sempre contenderia com a ressalva colocada a que a informação estivesse disponível até esse encerramento da prova, inevitavelmente obviando a que, injustificadamente, se protelasse o julgamento, por maioria de razão, em processo com arguidos em prisão preventiva.

Nem mesmo a posição do tribunal se poderá propriamente reconduzir a omissão de diligência, ainda que esta fosse absolutamente necessária e imprescindível, já que usou dos meios disponíveis para o efeito, motivo por que, certamente, o recorrente não arguiu a nulidade antes que a audiência tivesse terminado, como lhe impunha o n.º 3, alínea a), desse art. 120.º, sob pena de considerar-se sanada.

Por seu lado, compreendendo-se nas garantias de defesa do recorrente, reconhecidas pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP, a protecção de que se reunisse das provas adequadas a contrariar a acusação, tal não significa que isso não tenha de ser compaginado com a apreciação do tribunal acerca da pertinência da prova e para a finalidade que com esta era visada e, sobretudo, da sua essencialidade para a descoberta da verdade, dentro do dever funcional de controlar, ao abrigo do art. 340.º do CPP, a produção da prova, numa visão equilibrada da respectiva susceptibilidade de fornecer elementos que pudessem ser decisivos para a avaliação de determinados factos.

Ora, dentro destes parâmetros, atenta a motivação do acórdão, não se alcança que a diligência fosse essencial e tenha sido preterida a defesa do recorrente, sendo certo que este reconheceu que resultou infrutífera, além de que não era exigível que, nessa circunstância, o tribunal devesse ter insistido na informação.

1 – recurso de SJ:
C) - do erro notório na apreciação da prova:

2 – recurso de CM:
D) - do erro notório na apreciação da prova:

Os recorrentes invocam existir erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.

Ambos se reportam aos factos provados em 63 (“Algumas horas depois, os arguidos SJ e CM e os outros indivíduos não identificados, deixaram JR na habitação, ficando a guardá-lo MC, o qual acabou por retirar a venda dos olhos de JR”) e 93 (“O arguido SJ, com o acordo de MC, do arguido CM e juntamente com outros indivíduos de identidade não apurada, dolosamente e de forma concertada, a partir da noite de 05 para 06/10/2010, agrediram fisicamente o corpo do ofendido JR, perpetrando-lhe diversos socos, pontapés, marteladas no joelhos, sendo ainda fisicamente torturado com queimaduras provocadas por cigarros (inclusive no pénis), por líquido a ferver, com a boca de um maçarico e com um isqueiro e crucificado com pregos espetados nos pés e mãos, mutilado através da amputação de dois dedos dos pés, de um dedo das mãos e de uma orelha, do corte do tendão de Aquiles, bem como do aperto dos testículos por intermédio de uma abraçadeira”), alicerçando-o em alegada contradição com o depoimento da vítima.

SJ refere que esta declarou expressamente que durante dois dias ninguém saiu de casa e que as agressões terão ocorrido durante as primeiras 48 horas, além de que a prova documental e o depoimento de RB permitem a conclusão de que no dia 05.10.2010 nunca o seu telemóvel accionou a célula da Picota e que a partir da manhã do dia 06.10.2010 se encontrava em Albufeira, no sentido de fundamentar que, pelo menos, a dúvida se devesse ter colocado quanto à sua participação nas agressões.

CM, por referência às mesmas declarações e, ainda, às declarações do arguido TM e aos depoimentos de RV, AV e RB, bem como a fls. 20 do Apenso B4, sustenta que a circunstância de ter vivido na casa onde foram perpetradas as agressões entre finais de Agosto/princípios de Setembro de 2010 se compadece com a recolha dos seus vestígios lofoscópicos e biológicos, que, relativamente ao reconhecimento da sua voz, aponta deficiências no procedimento, sendo que outros escoceses o acompanhavam segundo aquele arguido declarou, e que no dia 06.10.2010 se encontrava em Espanha, o que o tribunal terá descurado na sua avaliação.

Ora, qualquer vício da decisão, como seja o preconizado erro, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, do que decorre que os parâmetros da sua análise se restringem ao texto da decisão sem apelo a elementos que à mesma não sejam intrínsecos e às máximas da experiência que todo o homem de média formação conhece.

Tal erro deve ser interpretado como o tem sido o facto notório em processo civil, isto é, como o facto de que todos se apercebem directamente ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (acórdão do STJ de 06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185).

Deparar-se-á quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (acórdão do STJ de 24.03.2004, no proc. n.º 03P4043, em www.dgsi.pt).

Reconduz-se, assim, a um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado de forma ostensiva e inquestionável, que nada tem a ver com a desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a de quem recorre, baseada esta última numa diferente valoração.

Segundo Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 4 (1994), pág. 120, verifica-se «sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando como limitação ao (…) princípio da livre apreciação da prova, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência», este consagrado no art. 127.º do CPP.

Já se vê que a alegação dos recorrentes é perspectivada por reporte a elementos probatórios, à luz de uma diferente valoração global dos mesmos, o que, desde logo, transparece como excedendo os definidos parâmetros que podem ser atendidos, sendo que é manifesto que, da leitura dos indicados factos, resulta, apenas, que se terão ausentado, deixando a vítima à guarda de MC, o que, quanto a SJ, é reflectido nos factos provados em 65 (“No dia seguinte, 07/10/2010, pelas 15h30m, o arguido SJ deslocou-se ao Centro Comercial Fórum Montijo …”) e 66 (“Depois de regressar à habitação onde se encontrava fechado JR...”), e em nada contende com a circunstância de terem participado nas agressões mencionadas no facto provado em 93, na medida em que neste se consignou quando tiveram início e com a intervenção de ambos.

Aliás, no respeitante a CM, as invocadas deficiências no aludido reconhecimento não decorrem do acórdão, nem do que a análise à validade desse meio de prova mereceu conforme já explicitado em 2-B), bem como a eventualidade de ter estado em Espanha no dia que indica, atenta, até, a localização da casa, não colide com a materialidade em apreço.
Ainda, note-se que os vestígios, recolhidos a 22.10.2010 (fls. 2170) e identificados relativamente à pessoa do recorrente (fls. 2264/2266), se apresentam, pelo menos em parte, em produtos cujo manuseamento, se não fosse recente, seriam dificilmente detectáveis.

Nesta conformidade, importa então verificar se a respectiva fundamentação operada no acórdão encera algum raciocínio arbitrário e/ou ilógico e quanto a ambos os recorrentes.

Quanto ao facto provado em 63, não se divisa qualquer incongruência, mormente por referência aos elementos documentais aí referidos.

No que concerne ao facto provado em 93 (referido no conjunto dos factos 89 a 95), destaca-se:
Estes factos decorrem, antes de mais, das próprias acções dos arguidos em cada momento, documentadas nos autos, esclarecidas em julgamento, numa decorrência lógica e coerente uns das outras.

Estão no processo os fotogramas da saída de R do RU e chegada a Faro, que confirmam as suas declarações quanto a estes factos e quanto ao facto de ter sido levado pelo arguido SJ para a casa de S. Faustino – o percurso de S está traçado no dia 05.10.10 desde meio da tarde na sua vinda para o Algarve (Apenso B3), e no dia seguintes com a ida ao Forum Montijo e contacto com a mulher do ofendido (idem e fls. 215, 217 e 218 e declarações de DH), esta associada às imagens recolhidas no mesmo Forum (veja-se fls. 38 a 40, 81 e 82, 321 a 333), o que se conjuga com a localização do telemóvel do ofendido, que accionou rooming à chegada a Faro e está a fls. 459 a 461.

Todos estes elementos se conjugam, através de telemóveis e cartões localizados e seguidos, conforme documentam os Apensos F1, F2 e F3.

Merecem também destaque os exames de fls. 2245 a 2252, 2255, 2256 a 2261, 2262 a 2267 e 2268 a 2273”.

A tanto se juntam as considerações acerca da sua intervenção e conjuntamente com os restantes participantes, que aqui se dispensam reproduzir, resultando como claras e compatíveis com esse mesmo facto provado.

Inexiste, pois, qualquer erro notório na apreciação probatória.

1 – recurso de SJ:
D) – da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:

Sustentando que o acórdão não indica o lugar, o tempo, a motivação e o seu grau de participação, adequado a considerar que o seu comportamento se integre em crime de tráfico de estupefacientes, e agravado, vem indicar que o mesmo padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ao abrigo do art. 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.

Tal vício, à semelhança de qualquer outro vício previsto nesse preceito, conforme referido em 1-C), tem de resultar da decisão recorrida, como peça autónoma e conjugada com as regras da experiência.

Ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar solução de direito ou, nas palavras de Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 325, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.

Verifica-se quando o tribunal “a quo” deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique, existindo, pois, quando, a esse nível, se verifique como que um hiato que se torna necessário preencher.

Como se assinalou no acórdão do STJ de 20.04.2006, no proc. n.º 06P363 (www.dgsi.pt), A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista à sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.

Ora, como resulta da alegação do recorrente, a sua perspectiva reside no entendimento que os factos provados quanto ao tráfico de estupefacientes traduzem imputações genéricas, sem concretização de quantidades transaccionadas, da dimensão do abastecimento no mercado, do efeito conjugado da oferta e da procura, da complexidade ou estruturação do fornecimento, da distribuição pelos consumidores directos e da intenção de venda, descurando, porém, outros aspectos que se encontram vertidos nesses factos e relacionados com a sua actuação, decorrentes das apreensões efectuadas nos diversos locais, conforme factos provados em 6 e 7.

Independentemente da suficiência desses factos para o efeito de condenação do recorrente, que é questão diversa de que não permitam uma decisão de direito, subjacente à invocada presença do vício em causa, afigura-se que o tribunal, aliás em estrita obediência ao art. 368.º, n.º 2, do CPP, não deixou de aludir a toda a realidade que foi objecto de julgamento e de forma a que pudesse ter proferido, como proferiu, essa decisão, não se descortinando que acrescida matéria devesse ter conhecido.

Isso decorre da matéria objecto da acusação e da subsequente pronúncia, que mereceu apreciação consentânea da respectiva amplitude por parte do tribunal.

Aliás, algumas das considerações do recorrente mais não são do que manifestação de discordância quanto ao enquadramento jurídico dos factos e prendem-se inegavelmente com desiderato a que o alegado vício é alheio.

1 – recurso de SJ:
E) - da falta de fundamentação quanto aos factos atinentes ao tráfico de estupefacientes:

2 – recurso de CM:
E) - da falta de fundamentação quanto aos factos atinentes ao tráfico de estupefacientes:

Ambos os recorrentes preconizam que o acórdão padece de falta de fundamentação quanto aos factos respeitantes ao tráfico de estupefacientes, ao abrigo dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

A questão prende-se com a necessária explicitação, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com a indicação e o exame crítico das provas, cuja finalidade, sem prejuízo do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do CPP, é impor que o julgador esclareça quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e por que o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra, conforme acórdão do STJ de 01.03.2000, in BMJ n.º 495, pág. 209.

Não dizendo a lei em que consiste esse exame crítico das provas, ele tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (acórdão do STJ de 12.04.2000, in proc. n.º 141/2000-3.ª, Sum. acs. STJ, n.º 40, pág. 48).

Assim, não basta uma mera referência dos factos às provas, mas torna-se necessário um correlacionamento dos mesmos com as provas que os sustentam, de forma a poder concluir-se quais as provas e em que termos garantem que os factos aconteceram, ou não, da forma apurada.

Sem prejuízo, note-se, contudo, que a fundamentação exigível não se configura como repositório pormenorizado de todo o julgamento, já que isso se consubstanciaria como que um substitutivo da audiência e dos princípios da imediação e da oralidade que a regem.

Nem mesmo ao tribunal é exigido que indique todos os meios de prova produzidos, desde que tais meios não tenham sido considerados relevantes para motivar os factos provados e não provados a cuja enumeração procedeu, como, também, não se impõe que sobre cada meio de prova seja feita uma individualizada e exaustiva valoração, que, em relação a cada facto, se autonomize e substancie a razão de decidir e que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, de tal modo minuciosa que acabaria por tornar-se tarefa impraticável e sem utilidade, além do mais, destinando-se os recursos a servir de remédios jurídicos contra decisões erradas e injustas e não a meios de entorpecimento da justiça (acórdão do STJ de 30.06.1999, in proc. n.º 285/99-3.ª, Sum. Acs. STJ n.º 32, pág. 92).

Essa exigência de motivação acaba por ter uma função dupla, pré e pós judicatória – naquela primeira fase permite ao julgador exercer um auto-controle do acerto dos seus próprios juízos; na segunda fase permite à comunidade, e ao destinatário das medidas a tomar pelo sistema penal, compreender os critérios seguidos pelo julgador e aferir da respectiva legitimidade, razoabilidade e aceitabilidade (Paulo Saragoça da Matta, “A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença”, em “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, coorden. científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, 2004, pág. 255).

Traduz imposição do moderno processo penal, conexionado com a concepção democrática que insufle no espírito do sistema processual, com a dupla finalidade de, extraprocessualmente, constituir condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que a determinaram e, intraprocessualmente, de realização do objectivo de reapreciação da decisão por via do sistema de recursos.

Concretiza o desiderato constitucional a que alude o art. 205.º, n.º 1, da CRP, impondo a fundamentação “na forma prevista na lei”, como parte integrante do próprio conceito de Estado de Direito democrático, da legitimação da própria decisão judicial e da garantia do direito ao recurso (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em Constituição Anotada, pág. 799), por respeito às garantias de defesa do condenado (art. 32.º, n.º 1, da CRP) e de acesso à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º, n.º 4, da CRP), no sentido de que assegure um julgamento equitativo, como vem sendo reconhecido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e se apresenta consagrado, em termos amplos, no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Só desse modo se cumpre a garantia de tutela judicial efectiva, à luz dessa livre apreciação da prova, em adequação à previsão dos arts. 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1, da CRP, sendo a fundamentação indispensável para que fique salvaguardado o respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial, dando corpo à imparcialidade, à independência e à isenção que lhe devem ser reconhecidas e, como tal, aceites.

Conforme Germano Marques da Silva, ob. cit., Editorial Verbo, 1993, vol. II, págs. 112/113:

Quando tratámos dos actos decisórios referimos a finalidade da sua fundamentação: lograr uma maior confiança do cidadão na Justiça, o autocontrolo das autoridades judiciárias e o direito de defesa a exercer através dos recursos.

A primeira das finalidades indicadas ajuda à compreensão da decisão e, consequentemente, à sua aceitação, facilitando a necessária confiança dos cidadãos nas autoridades judiciárias.

O autocontrolo que a exigência de motivação representa manifesta-se a níveis diferentes: por um lado, obsta à comissão de possíveis erros judiciários, evitáveis precisamente pela necessidade de justificar a decisão; por outro lado, implica a necessidade de utilização por parte das autoridades judiciárias de um critério racional de valoração da prova, já que se a convicção se formou através de meras conjecturas ou suspeitas, a fundamentação será impossível. Assim, a motivação actua como garantia de apreciação racional da prova.

Finalmente, a motivação é absolutamente imprescindível para efeitos de recurso, sobretudo quando tenha por fundamento o erro na valoração da prova; o conhecimento dos meios de prova e do processo dedutivo são absolutamente necessários para poder avaliar-se da correcção da decisão sobre a prova dos factos, pois só conhecendo o processo de formação da convicção do julgador se poderá avaliar da sua legalidade.

É, pois, inequívoco que, ao dever de fundamentar, correspondem, em concreto, determinadas exigências, sem as quais não é viável atingir as respectivas finalidades, cumprindo, em sintonia com o referido art. 374.º, n.º 2, adequá-las à medida necessária para que, no fim de contas, a decisão seja compreensível, para tanto devendo conter, para além da indicação dos factos provados e não provados e dos meios de prova, a explicitação dos elementos que, em razão das regras da experiência e/ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formou em determinado sentido ou foram valorados os diversos meios (acórdão do STJ de 13.02.1992, in CJ ano XVII, tomo I, pág. 36), sem que, no entanto, deixe de ser tão completa quanto possível, ainda que sucinta.

Só este entendimento se compadece com a livre apreciação da prova, a qual se não confunde com apreciação judicial arbitrária, em que a livre convicção do juiz seja meramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável.

Tal como acentuou Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra, 1974, págs. 204 e seg., Se a verdade que se procura é (…) uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (…) -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros (…) Não se tratará, pois, na «convicção», de uma mera opção «voluntarista» pela certeza de um facto e contra toda a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.

Também, segundo Germano Marques da Silva, ob. cit., vol. II, pág. 111, A livre apreciação da prova não deve, pois, ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.

SJ reafirma as referidas imputações genéricas, a que já se fez alusão em 1-D), além de invocar que o facto provado em 30 se teria passado fora do território nacional, não podendo dele conhecer-se, que existe discrepância entre o resultado do teste rápido e o do teste laboratorial efectuado às plantas, sem que se tivesse procedido a peritagem ou a esclarecimentos complementares (que integra, ainda, como omissão de diligência essencial) e que não deveriam as diligências não documentadas em que interveio o arguido T ter sido atendidas.

Assim, as questões acabam por ser por si colocadas ao nível da viabilidade de conhecimento e de valoração das provas e não, propriamente, como motivo de falta (ou deficiência grave) de fundamentação.

Desde logo, relativamente à valoração dessas diligências, não sofre dúvida que o tribunal explicitou a sua razão de as ter atendido e da forma como o fez, além mais em depoimentos de agentes da PJ, dispensando outras considerações.

Quanto ao alegado acerca do facto provado em 30 (sendo que este já constava da acusação e da pronúncia), dada a sua redacção e no contexto de todo o acervo pertinente, não se dissocia de constituir aspecto concernente à sua anterior ligação a actividade anterior, fundada sobretudo no depoimento de JR, que, embora não especificamente concretizada e ocorrida no Reino Unido, ainda assim se mostra conexionada com a apurada actuação que se socorre de meios alheios ao território nacional (facto provado em 3), de dimensão não necessariamente concatenada ao País.

Por isso, não obstante esse facto não possa funcionar para, sem mais, sustentar o tráfico em questão, ele aparece integrado em vivência comportamental do recorrente, relativamente à qual não se divisa, em concreto, obstáculo em ter-se conhecido.

No que tange à alegada discrepância, o tribunal não a mencionou no acórdão, nem tinha de o fazer.

Fundou-se no resultado pericial, cujo valor apreciou em conformidade com o art. 163.º do CPP, inelutavelmente prevalecendo relativamente ao teste rápido, sendo este unicamente vocacionado, como a própria designação reflecte, para uma identificação sumária de que o produto pudesse integrar substância estupefaciente.

Identicamente, não se vê como tenha sido preterida alguma omissão nesse âmbito, para que pudesse vir a ser cominada com a invocada nulidade do art. 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP.

Acerca das ditas afirmações genéricas, além do que ficou já explicitado em 1-D), contrariando que assim devam ser consideradas, saliente-se alguns aspectos referidos na motivação do tribunal:

Das escutas, ainda que não existam muitas em que intervém directamente, resulta que a qualidade de homem de confiança de S conjugada com alguma capacidade para controlar as emoções que detém (e esteve patente desde logo em julgamento, mantendo sempre uma postura controlada e de respeito) é reconhecida pelos restantes arguidos que, algumas vezes, falam do seu nome como a pessoa a quem poderia ser delegada uma tarefa difícil que a controlaria e a levaria a bom termo – são inequívocas as escutas no Apenso F3, a fls. 7 a 10, Apenso F1 a fls. 45 a 47, 68 a 73, 78 a 80 e fls. 111 a 117, entre outras.

As relações de todos estes arguidos e a sua actividade estão, abundantemente diríamos, demonstradas nos autos.

São prova evidente desta actividade e do papel determinante do arguido S no seu desenvolvimento, para além das intercepções telefónicas de onde resulta como pivot central de toda ela, os RDEs juntos que documentam as deslocações da PJ à fábrica (Sarilhos Grandes), o material apreendido e a qualidade do investimento ali feito; as reportagens fotográficas que revelam inequivocamente as características do local e o escalonamento das fases de produção, de cada uma delas, e do seu conjunto que pode, também conjugado com as declarações do ofendido e mulher, dar a indicação aproximada do número de quilos elevadíssimo que se obtinha de haxixe e o rendimento dali retirado e, conjugando tudo isto, como não podia deixar de ser, com as perícias, concluindo que todos estes arguidos gravitavam à volta desta actividade.

As apreensões também não deixam dúvidas. Só na fábrica, ainda tinha o arguido S deixado para trás balança de precisão (…). Dessa fábrica, cujas instalações (supostamente para fins agrícolas) foram arrendadas a DC (que identificou na sala o arguido S) contra o pagamento mensal de 1.000€ de renda, foram as chaves entregues ao arguido S, muito embora andasse por lá também um Michal. Tendo esta testemunha dito que por lá estaria uma Ford Transit (o arguido S foi detido numa destas carrinhas e andava com ela, tendo inclusivamente ido buscar R ao aeroporto nela, como resulta dos RDEs e das declarações do próprio R) e também confirmando a presença de um electricista (veja-se a fls. 2978 a apreensão de objectos do interior da Ford – recibos em nome de Michal S da compra de um poste em madeira de 7 metros a uma empresa do Montijo e de material eléctrico a retalhista do Barreiro). Junte-se a isto o facto de o arguido T ter identificado o local à PJ, desde logo, porque a electricidade vinha em postes de madeira; junte-se também o facto de a PJ ter apurado que a electricidade para essa fábrica vinha desses postes de madeira, aliás, para além da corrente comum da propriedade, também de uma puxada ilegal que fizeram questão de referir nos depoimentos, confirmada pela testemunha C; junte-se a isto o facto de todo o equipamento ali apreendido exigir um consumo de electricidade elevado; e junte-se a isto as fotografias de fls. 289 e 290 do Apenso C1 (do telemóvel atribuído pela investigação a R, mas que se não apurou se era o próprio efectivamente que usava) em que se fotografam áreas dessa fábrica, aparecendo essas fotos em sequências com fotos do arguido T e S, e temos, além do muito mais que está no processo, uma relação perfeita destes arguidos com a produção e escoamento de cannabis a alta escala”.

E, no tocante à participação do recorrente:

Era, efectivamente e como se disse, o arguido S que tomava as rédeas de alguns dos factos, como o controlo dos trabalhos, os arrendamentos (dando um dos nomes que lhe são atribuídos no processo), mas fazia-o com os restantes, tendo todos eles autonomia de vontades e de acções que, muito embora concertadas, eram concertadas por todos sem preponderância digna de nota para nenhum deles.

Aliás, das escutas resulta isso mesmo, a autonomia das vontades, embora num propósito comum que era assegurado e controlado em conjunto. E das buscas resulta o mesmo, balanças de precisão em vários dos arguidos, dinheiro vivo em vários deles sem que trabalhassem, disponibilidades financeiras de todos para as mais variadas situações”.

Como tal, nenhuma razão lhe assiste quando invoca a insuficiente fundamentação quanto aos factos em apreço,

Por seu lado, CM sustenta que as escutas e os depoimentos disponíveis não têm capacidade para lhe atribuir o circunstancialismo fixado nos factos provados reportados ao tráfico de estupefacientes.

Indica que as escutas, poucas quanto a si, são inconclusivas e vagas, insuficientes para a concretização de factos, não tendo o acórdão as explicitado, bem como os depoimentos nesse sentido são inexistentes, sem que o acórdão mencione no que se baseou quanto aos mesmos.

Quanto às intercepções telefónicas, que constituem um meio de obtenção de prova, vieram, como legalmente imposto, a ser transcritas no seu relevante conteúdo, consubstanciando, a correspondente transcrição, o meio de documentação das mesmas, que o tribunal tem de ponderar na sua valoração, dentro dos limites do art. 127.º do CPP.

Assim, ficou a constar do acórdão, designadamente:

Também o arguido C que resulta das escutas e depoimentos inequivocamente relacionado com esta actividade e muito viajado entre Portugal e Espanha (talvez também para França, talvez para o mesmo local de Espanha em que foi preso D, alguns destes elementos ficaram por apurar) e mesmo o norte de África, sendo um dos homens de confiança do arguido S.

Das escutas, ainda que não existam muitas em que intervém directamente, resulta que a qualidade de homem de confiança de S conjugada com alguma capacidade para controlar as emoções que detém (e esteve patente desde logo em julgamento, mantendo sempre uma postura controlada e de respeito) é reconhecida pelos restantes arguidos que, algumas vezes, falam do seu nome como a pessoa a quem poderia ser delegada uma tarefa difícil que a controlaria e a levaria a bom termo – são inequívocas as escutas no Apenso F3, a fls. 7 a 10, Apenso F1 a fls. 45 a 47, 68 a 73, 78 a 80 e fls. 111 a 117, entre outras”.

No entanto, não existe referência expressa ao teor dessas intercepções, como o recorrente invoca.

Sem embargo de que a conveniência quanto à alusão sucinta de alguma(s) delas não seja de descurar, admite-se que essa omissão decorra de que se trata de prova já adquirida no inquérito, sedimentada nesse meio de documentação e, por isso, de acessibilidade fácil através da respectiva consulta, que o tribunal examinou.

Aliás, o recorrente não concretiza as razões da sua discordância, remetendo-se, sim, a afirmação da mesma.

Por seu lado, ao nível dos depoimentos colhidos, o tribunal valorou expressamente o da testemunha F (o recorrente também o faz), fundando contactos seus que foram interceptados.

Há a assinalar outros elementos documentais aludidos no acórdão (fls. 562 a 564, 575 a 577, 3060 a 3071 e Apensos B4, C5 e C9).

Os excertos de depoimentos indicados pelo recorrente não podem substituir a fundamentação operada pelo acórdão.

Afigura-se, perante o descrito, que, apesar de relativamente sucinta relativamente ao recorrente (não se descure que, no acórdão, o tribunal sublinhou a dimensão do processo), a fundamentação se mostra inteligível e congruente, afastando a perspectiva de equipará-la a insuficiência que a tornasse incompreensível e desligada das finalidades que a mesma visa.

3 – recurso de WQ:

B) - da ausência de prova quanto aos factos provados em 1, 2, 4, 23, 24, 27, 28 e 29:

A factualidade que o recorrente impugna, com o sentido de que não existe prova bastante para terem sido considerados como provados, traduz a sua actuação na vertente do tráfico de estupefacientes, designadamente cannabis, desde logo aludida no facto provado em 1, segundo o qual era actividade a que se dedicava conjuntamente com outros arguidos aí indicados e indivíduos não identificados.

Nesta vertente, o recorrente, acerca dos factos provados em 1, 2, 28 e 29, aporta as circunstâncias que presidiram à obtenção da prova em que se basearam os factos provados em 23 e 24 e ao carácter genérico como essa actividade, na sua globalidade, teria ficado descrita, o depoimento de RB, instrutor do processo, e as suas próprias declarações, transcrevendo algumas passagens.

Por seu lado, quanto aos factos provados em 4 e 27, insurge-se relativamente a que a respectiva materialidade, no seu entender não demonstrada, mormente mediante o relatório social, tenha também suportado a convicção dessa actividade.

Ora, segundo a motivação do acórdão, ainda que reportando-se, embora sem pormenorizada explicitação, à credibilidade merecida pelos depoimentos dos agentes da PJ, decorre, no essencial, que a convicção firmada quanto à actividade em causa, no que concerne ao recorrente, teve por base a prova obtida através das buscas, cuja invalidade ficou apreciada em 3-A), e elementos que teriam resultado de intercepções telefónicas, assinalados como constando dos Apensos F2 e F3.

Acontece que, ficando arredada a possibilidade de valoração do que se consignou nos factos provados em 23 e 24 (art. 126.º, n.º 3, do CPP), havendo que, em conformidade, serem considerados como não provados, a restante prova a relevar, além de algo insuficiente, não logra alcançar a alegada concretização mínima de actuação que não se quede por meramente genérica.

Na verdade, se é de admitir que o resultado de intercepções telefónicas possa suportar a ligação de alguém à actividade que está em questão, sabendo-se os peculiares contornos e modalidades de que se reveste, não raras vezes sem uma prova directa que a revele, porém, também nessa situação, se exige a recolha de elementos de certa segurança, sedimentados, ou não, por outros aspectos, para que nenhuma dúvida fique no espírito do julgador.

Em concreto, esse resultado, como até transparece de algum modo do acórdão, é relativamente escasso, se bem que fornecendo elementos que tendem para a existência de relacionamento específico do recorrente, pelo menos com o arguido TM não obstante no sentido de que se reportasse, tanto quanto é perceptível, exactamente ao que a prova não considerada veio a oferecer.

Além deste aspecto, sublinha-se que nada de relevante foi detectado no veículo que utilizava (fls. 1473 e 1503) e que não decorrem do acórdão fundamentos específicos que sustentem uma prova cabal, quando afastada, como ficou, a indevidamente obtida.

Não se descortinam outros sinais na prova validamente a valorar, nem através da motivação operada no acórdão, que permitam diferente sentido, na conjugação e ponderação da mesma, capazes de dissuadir, além do mais, a invocada afirmação genérica do facto provado em 1.

Também, a circunstância dada por provada em 4, de que o recorrente não tinha ocupação profissional lícita e não recebia remuneração ou rendimentos em Portugal, ainda que demonstrada, não seria suficiente para indirectamente concluir que se dedicava àquela actividade.

Essa materialidade, quanto a si, conjugada com o que ficou referido, não deve persistir como provada, já que surge inegavelmente associada à actividade em causa, não havendo que concluir senão que, como ficou provado, “Presta alguns serviços de duração e natureza não apurada no bar Kilt e Kelt em Albufeira”, de acordo com o que se apurou nesse relatório social.
*
À luz de todas as assinaladas considerações, a matéria de facto é modificada nos seguintes termos:
- nos factos provados, fica a constar:

1 Os arguidos SJ, CM e TM cidadãos britânicos, bem como outros indivíduos não cabalmente identificados, designadamente Michal S e conhecido pela alcunha de “Pierre”, dedicaram-se, desde altura não concretamente determinada, à actividade de tráfico de drogas, designadamente cannabis
.
25 Nas imediações do local onde o arguido WQ residia, no Caminho dos Morgadinhos, Fontainhas, Albufeira, foi encontrada e apreendida, no dia 3 de Novembro de 2010, a viatura ligeira de passageiros, a si pertencente, da marca Daimler-Jaguar (modelo 4.0 Auto, com a matrícula inglesa ---BPA).

27 Todos os bens e dinheiro que os arguidos S J CM e TM detinham em seu poder e supra descritos, foram obtidos como resultado ou com vista à actividade de tráfico de cannabis a que se dedicavam.

28 Bem conheciam, os arguidos SJ, CM e TM a natureza e características das substâncias estupefacientes.

- eliminam-se desse elenco os factos provados em 23 e 24;

- nos factos não provados, fica a constar:

Que o arguido WQ dedicou-se, desde altura não concretamente determinada, à actividade de tráfico de drogas, designadamente cannabis.

Que no dia 3 de Novembro de 2010, o arguido WQ, quando se encontrava no local em que residia, numa casa amovível, detinha consigo e foram-lhe apreendidos, designadamente, os seguintes objectos:

• Diversos pedaços de cannabis, nomeadamente 20g de Liamba e 46,66g de Haxixe, cuja natureza foi confirmada por exame laboratorial;

• Uma balança de precisão, no qual foram encontrados vestígios de cannabis, confirmados por exame laboratorial;

• Um bloco contendo diversos os dizeres manuscritos “Tez”, “Ron” e “Calum” e a atribuição de valores a cada um deles;

• Uma tesoura de podar, na qual foram encontrados vestígios de cannabis, confirmados por exame laboratorial;

• Diversas referências a cartões telefónicos, nomeadamente aos nº 91--- (atribuído ao arguido WQ) e 917---- (atribuído arguido TM);

• Diversos telemóveis;

• Dinheiro, no montante de €770,00 (setecentos e setenta euros) em notas de diversos valores faciais.

Que no interior de outra casa amovível sita no mesmo local, onde se encontrava YL, foi localizada e apreendida uma mochila, pertencente ao arguido WQ, contendo cannabis (sendo 622 gramas de sumidade de folhas e 182 gramas de resina-haxixe), mochila essa que foi colocada pelo mesmo arguido na casa amovível onde estava YL, depois do mesmo se ter apercebido que elementos policiais rondavam o local.

Que o arguido WQ detinha em seu poder bens e dinheiro obtidos como resultado ou com vista à actividade de tráfico de cannabis.

Que o arguido WQ conhecia a natureza e características das substâncias estupefacientes.

3 – recurso de WQ:

C) - da absolvição pelo crime de tráfico de estupefacientes:
Modificada a matéria de facto conforme explicitado em 3- B), a condenação do recorrente no crime de tráfico de estupefacientes não pode persistir.

Efectivamente, não resulta provada qualquer participação sua subsumível ao tipo legal do art. 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, independentemente da amplitude de modalidades de que este se pode revestir, relacionada com a sua dimensão de tutela dos perigos que as acções puníveis assumem.

1 – recurso de SJ:

F) - da não agravação do crime de tráfico de estupefacientes:

2 – recurso de CM:
F) - da não agravação do crime de tráfico de estupefacientes:

3 – recurso de WQ:

D) – da não agravação do crime de tráfico de estupefacientes:
Todos os recorrentes foram condenados pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, agravado nos termos do art. 24.º, alínea c), do Dec. Lei n.º 15/93 e, assim, pela circunstância de terem obtido ou procurado obter avultada compensação remuneratória.

No acórdão, fundamentou-se:

« Quanto à qualificativa a que alude a al. c) do art. 24° do DL citado, ou seja, quanto à questão de o agente obter ou procurar obter avultada compensação remuneratória, considerando a quantidade de produto estupefaciente que apreendida na propriedade de Sarilhos Grandes e a sofisticação dos meios utilizados, o esforço económico envolvido, o investimento feito em material especificamente utilizado para produzir in door quantidades consideráveis de haxixe, toda a estrutura montada e a linha de produção estabelecida, desde o berço até à secagem das plantas, não deixam dúvidas de que o arguido S tinha na sua posse o estupefaciente e investidos os recursos (materiais), que dariam ainda assim para abastecer elevado número de pessoas e por um largo período de tempo, permitindo-lhe continuar em laboração, mesmo de forma continuada, o que só por si podia significar um processo de abastecimento de toxicodependentes a larga escala, no mercado interno e mesmo noutras partes da Europa, atendendo-se ainda aos preços de mercado corrente destes produtos, e por outro lado às quantias monetárias envolvidas nesta operação, servindo estes para acentuar a medida da pena.

Assim,
Atento o caso sub judicio, podemos concluir que tal quantidade de estupefaciente, mesmo considerando a planta/droga propriamente e o processo da sua produção, se destinava a um elevado número de pessoas e, assim, a ser distribuída necessariamente por elevado número de utilizadores, pelo que fica demonstrado o número exponencial de bens de natureza pessoal atingidos por esta conduta, o que leva a conclui que estaria sempre também preenchida a qualificativa da alínea b) do mesmo preceito que, no entanto, não está imputada. ».

Inevitavelmente, a agravação do ilícito pressupõe que o tipo fundamental do art. 21.º do Dec. Lei n.º 15/93 se apresente preenchido, pelo que, relativamente ao recorrente WQ, dado o decidido em 3-C), se mostra prejudicada a sua análise.

Por seu lado, os restantes recorrentes alegam, no essencial, em defesa de que a agravação não deveria ter operado, que se verifica ausência de concretização de factos para o efeito.

SJ alude a que o peso líquido das plantas não era elevado (1,05 quilogramas), que ainda se encontravam em fase de secagem, não prontas a serem comercializadas, que não se provou que se destinassem a ser colocadas no mercado e que não lhe foram encontrados rendimentos ou objectos que atestem vultuoso negócio.

CM refere-se a falta de prova do seu concreto grau de participação nessa actividade e à sua condição económica, não evidenciando que fosse pessoa abastada.

A agravação operada pelo tribunal surge reportada à factualidade provada em 29 (“Estes arguidos, com as suas condutas, pretenderam auferir ou proporcionar a outros que auferissem, elevados ganhos pecuniários, através dos diferenciais ente os preços de custo de produção e venda de tal produto”), sem descurar o que ficou vertido no facto provado em 2., sendo que, ao nível da motivação, se consignou que “atentos os factos provados a que já fizemos variadas referências, não existem elementos de onde passa retirar-se uma diferença na actuação dos arguidos. Era, efectivamente e como se disse, o arguido S que tomava as rédeas de alguns dos factos, como o controlo dos trabalhos, os arrendamentos (dando um dos nomes que lhe são atribuídos no processo), mas fazia-o com os restantes, tendo todos eles autonomia de vontades e de acções que, muito embora concertadas, eram concertadas por todos sem preponderância digna de nota para nenhum deles. Aliás, das escutas resulta isso mesmo, a autonomia das vontades, embora num propósito comum que era assegurado e controlado em conjunto. E das buscas resulta o mesmo, balanças de precisão em vários dos arguidos, dinheiro vivo em vários deles sem que trabalhassem, disponibilidades financeiras de todos para as mais variadas situações”.

As várias actuações concretas que ficaram provadas foram, por via da referida comparticipação, imputadas a SJ e a CM, sem que isso signifique que a cada um deles não deva ser cominada a respectiva culpa.

A agravação em causa prende-se com um patamar de maior escala no tráfico, aqui versando na importância da vantagem económica que se obteve ou procurava obter, a qual, conforme o acórdão do STJ de 04.12.2008, no proc. n.º 08P3456 (relatado pelo Ex.mo Conselheiro Maia Costa), in www.dgsi.pt, tem de aferir-se através de uma ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente. Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o seu nível de organização e de logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada.

Por seu lado, acompanhando o acórdão do STJ de 04.05.2005, no proc. n.º 1263-05 (sendo relator, o Ex.mo Conselheiro Henriques Gaspar), publicado nos Sumários de Acórdãos do STJ, n.º 91, pág. 122, A agravação supõe, pois, uma exasperação do grau de ilicitude já definido e delimitado na muito ampla dimensão dos tipos base - os artigos 21º, 22º e 23º do referido Decreto-Lei, e consequentemente, uma dimensão que, moldada pelos elementos específicos da descrição das circunstâncias, revele um quid específico que introduza uma medida especialmente forte do grau de ilicitude que ultrapasse consideravelmente o círculo base das descrições-tipo. A forma agravada há-de ter, assim, uma dimensão que, segundo considerações objectivas, extravase o modelo, o espaço e o grau de ilicitude própria dos tipos base. (…) O crime base do artigo 21º está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico. As circunstâncias – e especificamente, no caso, a da alínea c) do artigo 24º – não podem deixar de ser integradas, especialmente nos espaços de indeterminação, por considerações de gravidade exponencial de condutas que traduzam marcadamente um plus de ilicitude. Mas, nesta perspectiva, a «elevada compensação remuneratória» que o agente obteve ou procurava obter, tem de se revelar da ordem de grandeza que se afaste, manifestamente e segundo parâmetros objectivos, das projecções do crime base, uma vez que em todos os tráficos – é da ordem das verificações empíricas e da sociologia ambiencial da actividade – os agentes procuram obter os ganhos (compensações remuneratórias) que a actividade lhes possa proporcionar - e, por isso, também já a previsão de acentuada gravidade da moldura do artigo 21º. A elevada compensação remuneratória, como circunstância que exaspera a ilicitude, tem de apresentar uma projecção de especial saliência, avaliada por elementos objectivos que revertem, necessariamente, à intensidade (mais que à duração) da actividade, conjugada com as quantidades de produto e montantes envolvidos nos "negócios" – o que aponta para operações ou "negócios" de grande tráfico, longe, por regra, das configurações da escala de base típicas ou do médio tráfico de distribuição intermédia. Têm de estar em causa ordens de valoração económica próprias dos grandes tráficos, das redes de importação e comercialização e da grande distribuição, ou alguma intervenção que, mesmo ocasional, mas directamente conformadora ou decisivamente relevante, seja determinada a obter ou produza uma compensação muito relevante, mas em que, pela ocasionalidade da intervenção, os riscos de detecção são menores, com a consequente maior saliência da ilicitude.

Na situação vertente, a conclusão extraída pelo tribunal ter-se-á apoiado, então, no que a experiência comum, conjugada com a globalidade factual, o permitia, sem que, note-se, para o preenchimento desse conceito de avultada compensação económica, seja necessário conhecer-se um valor mais ou menos exacto da mesma (acórdão do STJ de 15.04.2010, no proc. n.º 631-03.7GDLLE.S1, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Arménio Sottomayor, in www.dgsi.pt).

Neste mesmo acórdão se afirma que como seus elementos concretizadores deverão considerar-se a quantidade e qualidade da droga e a relação entre ela e o agente – tudo em conexão com a notoriedade, com o conhecimento geral do valor da droga no mercado, especialmente na venda a consumidores – para além, obviamente, da diferença entre o preço da compra e o da venda.

Em síntese, o acervo provado conflui para que os referidos recorrentes se dedicassem a esse negócio de tráfico, na vertente da produção de cannabis, que também vendiam, detendo, além de plantações em terreno, estufa/laboratório de cultivo, produção, secagem e embalagem da planta, com meios técnicos sofisticados e permitindo elevada capacidade produtiva.

Não lhes era conhecida outra actividade e, quanto à apurada, recorriam a colaboração de outras pessoas, contratadas pelo recorrente SJ, sobretudo cidadãos do Reino Unido, tendencialmente no sentido de a ampliar, denotando interesse em plantações similares (conforme transparece das diversas fotos que constavam do telemóvel apreendido ao recorrente CM) e no sentido inequívoco de que esse negócio, realizado por pessoas com grande proximidade, viesse a assimilar cadeia que assegurasse lucros inevitavelmente elevados.

E, para tanto, é indiferente que a quantidade da planta apreendida não seja substancialmente elevada e que se tratasse de cannabis, bem como que não estivesse pronta para ser comercializada.

Do mesmo modo, as apuradas condições económicas dos recorrentes não podem prevalecer na análise a efectuar, na medida em que, tanto quanto releva, a agravação se colocou na procura de obter essa compensação e que a actividade não se restringia àqueles.

De realçar, ainda, o que vem referido no relatório da PJ, de fls. 3975, na parte em que assentou em informações de peritos do Reino Unido e na experiência acumulada, em termos medianos, segundo a qual, para produção estimada de cerca de 200 plantas, a sua exportação daria um lucro mensal de mais de €50.000,00 e que, tendo a planta um período de crescimento de cerca de 8 semanas, a estufa/laboratório, pela sua forma de funcionamento, reduzia o tempo para 4 semanas, além de que cada pé da planta produz cerca de 50 gramas de estupefaciente.

Ponderando todos os aspectos, o grau da ilicitude das condutas dos recorrentes SJ e CM, aferido à luz do tipo de crime é, na realidade, bem considerável, ultrapassando a margem destinada ao crime-base do art. 21.º do Dec. Lei n.º 15/93, pelo que nada há a censurar ao enquadramento naquela agravação específica.

2 – recurso de CM:
G) - da ausência de participação nos factos atinentes ao sequestro e à ofensa à integridade física:

Insurge-se o recorrente relativamente à sua participação nos factos dados como provados que confluíram na sua condenação pelos crimes de sequestro e de ofensa à integridade física, os quais transcreve na motivação.

Começa por defender que o tribunal valorou indevidamente declarações prestadas pelo ofendido perante órgão de polícia criminal, em violação do disposto no art. 355.º do CPP e dos princípios da imediação e da oralidade, basilares no regime penal.

Reporta-se, expressamente, a declarações do ofendido perante o Juiz, das quais decorre, no que aqui releva, que o recorrente, a quem aquele reconheceu a voz em diligência a que se fez referência em 2-B), teve intervenção nesses actos.

Não obstante, invoca que, de acordo com o depoimento de RB, se mostra inequívoco que no dia 06.10.2010 se encontrava em Espanha e que entre esse dia e 12.06.2010 o seu telefone estava em “roaming”, em sintonia com listagens constantes do Apenso B4, valoradas pelo tribunal, contrariando, no seu entender, a circunstância de que as agressões, segundo referiu o ofendido, perduraram cerca de dois dias e que tenham estado todos os intervenientes sempre presentes.

Mais alega que, conforme declarações do co-arguido TM e depoimentos de RV e AV, esteve a habitar a casa de S. Faustino em Agosto/Setembro de 2010, não surpreendendo que vestígios seus tenham sido aí detectados.

Acerca do reconhecimento de voz, contesta a sua avaliação dadas as diferentes condições de gravação das enviadas pela polícia inglesa, comparativamente à revelada pela sua voz, condicionando a escolha do ofendido, ainda, sugestionado pelas detenções efectuadas e pelo que constava dos interrogatórios realizados.

Neste âmbito, decorre do acórdão:

«Quanto aos factos 38 a 66, a prova está sobretudo nas declarações para futura memória de JR, conjugadas com o exame pericial médico e as respectivas conclusões, com a captação de imagens juntas aos autos da partida de R do Reino Unido e chegada a Faro, com as apreensões dos vestígios deixados na casa de S. Faustino, desde o material genético/biológico do ofendido (bem como de pedaços da sua roupa, cinto e relógio – fls. 2190, 2255, 2907 a 2914 e 3836) e do arguido C e de MC a fls. 2262 e 2264, 2277 e 2284 (embora também dos arguidos R e T, conforme fls. 2256, 2258, 2270 e 2271, mas que estes justificaram com a permanência na casa em datas anteriores assumida pelos mesmos e que, de acordo com as declarações de R, não são colocados no cenário das agressões e tortura), elementos estes que podem ainda ser combinados com as declarações da própria mulher do ofendido - mas também com as declarações do arguido T que descreveu como «filme de terror em 3D» o estado em que encontrou o ofendido R quando o viu na noite de 12.10.10 e, finalmente, com as recolhas e identificação de voz a que procedeu o ofendido R (fls. 1313 e 1314, fls. 1316 e 1317), reconhecendo aquelas que colocou nas agressões e cativeiro, coincidindo com as escutas telefónicas na parte em que se denuncia claramente que era MC quem o ficara a guardar depois de os outros terem abandonado a casa, dizendo mesmo o ofendido R nas suas declarações como esse M lhe confirmou então as agressões de que fora vítima e os objectos usados para o efeito.

A respeito dos reconhecimentos de voz pelo ofendido, este destaca o episódio em que a pessoa que reconhece como sendo o arguido C, durante as agressões, e enquanto lhe queimava a orelha com um isqueiro, lhe disse ter estado no exército, facto que o ofendido não poderia ter adivinhado, e que a testemunha de defesa apresentada pelo mesmo arguido confirma, bem como o seu relatório social.

Coadjuvam estes elementos as localizações e registos telefónicos, elementos que localizam arguidos e factos, disponíveis desde logo a fls. 3911 a 3916 (com relevo, quanto ao arguido C, fls. 32 do Apenso B4), Apensos B3 a fls. 37, B4 a fls. 20 e 32, B5 a fls. 46 e 58 (fls. 249 dos autos), B6 a fls. 34; e os vestígios, sobretudo referidos a fls. 3835 a 3859.
(…)
Quanto ao crime de sequestro (…)

Já deixámos dito que os arguidos S, C, T, Q e R intervêm nesses factos. E também já vimos que apenas os arguidos S e C aderem ao plano desde o início, preparam as coisas e iniciam de forma até vigorosa estas circunstâncias. Entram como co-autores nesta factualidade com outros indivíduos não identificados e o referido MC.
(…)
Quanto ao crime de ofensa à integridade física (…) , também as actuações dos arguidos S e C se não distinguem num quadro de co-autoria com os outros indivíduos que participaram (…)».

No que concerne à alegada violação desse art. 355.º, ao recorrente não assiste qualquer razão.

Por um lado, não decorre que o tribunal tenha valorado outras declarações do ofendido para além daquelas que prestou para memória futura, ao abrigo do art. 271.º do CPP, nem isso resulta, aliás, da motivação do recorrente.

Por outro, essas declarações não estão condicionadas na sua valoração pela circunstância de que sejam lidas em audiência, o que, além de se coadunar com a justificação legal a que presidiu a respectiva realização, tem de concluir-se do n.º 2 desse art. 355.º e da alínea a) do n.º 2 do art. 356.º do CPP, para o qual remete o n.º 6 daquele art. 271.º.

Se essa justificação legal não sofre, em concreto, qualquer dúvida, valendo, afinal, as declarações como se fossem produzidas em audiência e, só assim, tendo sentido, asseguradas que foram as formalidades a que estão sujeitas, através da inquirição feita pelo juiz e, mormente, na presença da defesa, a imediação e a oralidade, além do contraditório, ficaram protegidas.
Aliás, neste aspecto, o tribunal, por despacho no início da audiência (fls. 5323), após aludir às razões que determinaram a audição do ofendido (e da sua mulher) para memória futura, ao cumprimento das formalidades, estando os arguidos nela representados pelos seus Advogados, que usaram da faculdade de pedirem esclarecimentos, sublinhou-o:

No seguimento daquilo que vem sendo entendido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Jurisprudência amplamente seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça de que é exemplo o Acórdão de 07-11-2007 (no proc. n.º 07P3630, acessível em www.dgsi.pt) e de que é relator o Sr. Conselheiro Henriques Gaspar, não só está satisfeito o princípio do contraditório como para a salvaguarda desse princípio não é sequer necessário a reprodução em audiência de julgamento dessas declarações, uma vez que o cumprimento daquele contraditório garantiu também a aquisição com plena validade dessa prova nos autos”.

Quanto à circunstância de ter estado em Espanha, efectivamente sustentada na consulta ao Apenso B4 (pelo menos a partir das 12h20m13s de 06.10.2010) e no depoimento de RB, em nada contende com a motivação do tribunal, conjugada com a factualidade em apreço, na medida em que a sua presença nesses actos não é infirmada, antes pelo contrário, pelo depoimento do ofendido, nem resulta que os mesmos se tenham prolongado, no que ao recorrente respeita, para além desse dia 06.10.2010.

Acresce que, da mesma consulta, se infere que o recorrente terá estado na zona celular do local no dia 05.10.2010, a hora consentânea com os acontecimentos.

Por sua vez, acerca da identificação dos vestígios do recorrente (fls. 2262), recolhidos em 21.10.2010 (fls. 1106/1110), ainda que admitindo que anteriormente tenha utilizado a casa, constituiu elemento adjuvante de outros, não isolado na sua avaliação, como transparece da motivação, não o podendo olvidar perante as declarações do ofendido, no aspecto peculiar da ligação daquele ao exército, como ficou assinalado, independentemente de que vestígios de outras pessoas, como também referido no acórdão, tenham sido detectados.

Com respeito às condições de efectivação do reconhecimento de voz, desde logo, note-se que, tendo estado presente na diligência, nada foi suscitado pela então defensora do recorrente (fls. 1315 e 1320), sendo que, conforme já referido em 2- B), se afigura que as formalidades legais foram cumpridas, além que a suposta diferenciação nas gravações é aspecto relativamente ao qual não existem elementos que a confirmem.

A descrição feita pelo ofendido, que precedeu a audição das gravações, designadamente quanto à aparente idade da pessoa cuja voz veio a identificar, não infirma, de modo algum, a credibilidade atribuída ao reconhecimento, apresentando-se perfeitamente razoável que, tendo essa pessoa estado bem próxima de si e nas circunstâncias apuradas, tivesse ouvido as suas palavras, surgindo a referência à idade como mera impressão que colheu e sem o relevo que o recorrente parece pretender conferir-lhe.

Do mesmo modo, as considerações acerca das detenções e interrogatórios não passam de afirmações sem substrato, na medida em que o ofendido, nas suas declarações, discerniu, quanto viável, a intervenção do recorrente.

Se bem que o reconhecimento, em qualquer das suas vertentes, traduza uma modalidade muito particular de reconstrução mnemónica do passado, sujeita a numerosos factores de distorção, resultantes de perturbações que a tornam uma das mais falíveis formas de aquisição probatória, condicionado pelas condições específicas da recuperação da memória, seja do observador, seja do contexto da observação, assume aqui relevo considerável a escolha do método ou forma que deve seguir, nisso residindo a garantia epistemológica deste meio de prova (Alberto Medina de Seiça, “A Legalidade da prova e reconhecimentos «atípicos» em processo penal”, in “Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias”, Coimbra Editora, 2003, págs. 1397 e 1415/1416).

Não se descortina, contudo, que a diligência não se tivesse pautado por esse cuidado e que o ofendido tenha sido influenciado na sua percepção, ainda não se esquecendo que o tipo de actos realizados na sua pessoa inevitavelmente não se apagariam da sua memória, quer pela intensidade lesiva de que se revelaram, quer pela circunstância do reduzido período de tempo decorrido desde a sua prática à da realização desse reconhecimento.

Contrariamente ao defendido pelo recorrente, o tribunal não atentou contra o princípio “in dubio pro reo”, cujo significado se reconduz a que, concluindo-se por verificada dúvida, relevante, séria, fundada e inultrapassável, terá esta sempre de ser valorada em favor do arguido, o que decorre da presunção da inocência, consagrada no art. 32.º, n.º 2, da CRP, que é uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais do cidadão de que, enquanto não for demonstrada a sua culpabilidade, não é admissível a sua condenação.

Tem repercussões, por isso, ao nível da valoração da prova, já que esse princípio não deixa de relevar como critério de decisão, consubstanciado em se encontrar o julgador vinculado a decidir para além de toda a dúvida razoável, ou seja, devendo beneficiar o arguido sempre que dúvida séria acerca dos factos e perante as provas disponíveis se coloque.

Para a condenação exige-se, pois, que o tribunal esteja convencido da culpa do acusado e toda a dúvida sobre este pressuposto deve impedir a declaração de culpa (Claus Roxin, em “Tratado de Derecho Penal”, tradução espanhola de S.Mir e F. Muñoz Conde, vol. 1.º, págs. 193 e segs).

Não se vê, porém, que o tribunal “a quo” tivesse, na sua motivação, através da análise crítica a que procedeu, suscitado dúvidas, ou que estas, a existirem, não tivessem sido dissipadas, a que acresce que não resulta que alguma se devesse ter imposto, sem que se mostrem, por isso, postergadas quaisquer garantias de defesa do recorrente.

O parâmetro ou critério de decisão para além da dúvida razoável (a que Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, pág. 205, se reporta como um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ou ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse) foi respeitado, pelo que a posição do recorrente não tem base válida de sustentação.

A apreciação efectuada no acórdão não excedeu limites de valoração probatória, apresenta-se lógica e racional, no sentido de uma convicção devidamente alicerçada.

Refere-se, aqui, passagem do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24.03 (www.dgsi.pt): A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.

Assim, a matéria de facto em questão só pode manter-se.

A interpretação acolhida pelo tribunal relativamente à regra da livre apreciação da prova não afronta nenhum princípio constitucional.

Com efeito, não se sustentou em prova proibida, apresenta grau de convicção firmado em valoração da prova cabalmente objectivada em raciocínio lógico, sem que as regras da experiência comum se mostrem minimamente postergadas.

Se assim é, não existe qualquer inconstitucionalidade na aplicação concreta do art. 127.º do CPP, de harmonia com decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional, mormente nos acórdãos n.º 1165/96, de 19.11, e n.º 464/97, de 01.07 (www.dgsi.pt).

1 – recurso de SJ:
G) – da indevida dupla valoração de circunstância qualificativa:

2 – recurso de CM:
H) - da indevida dupla valoração de circunstância qualificativa:
Ambos os recorrentes insurgem-se relativamente a terem sido condenados pelo crime sequestro, agravado pelo n.º 2, alínea b), do art. 158.º do CP, e, simultaneamente, por ofensa à integridade física qualificada, nos termos dos arts. 144.º, alínea a), 145.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, alíneas d), e), h) e j), do mesmo Código, considerando que, desse modo, se valorou duplamente circunstância qualificativa, devendo, na sua perspectiva, serem absolvidos do crime de ofensa à integridade física, por se encontrar, como tal, consumido pelo sequestro, sob pena de violação do princípio “ne bis in idem”.

Tal princípio, com dignidade constitucional (art. 29.º, n.º 5 da CRP), reconduzindo-se a que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, comporta duas dimensões: a primeira, como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); a segunda, como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto (Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, volume I, Coimbra, 2007, pág. 497).

No entanto, segundo os mesmos Autores, a densificação semântica do princípio impõe a clarificação do sentido da expressão «prática do mesmo crime», recorrendo aos conceitos jurídico-materiais e jurídico-processuais desenvolvidos pela doutrina, mormente, acerca da unidade e pluralidade de crimes e suas implicações.

A questão trazida pelos recorrentes prende-se, então, com o entendimento implicitamente sufragado no acórdão, segundo o qual a circunstância do sequestro ter ficado agravado por ter sido acompanhado de ofensa à integridade física grave, nos termos daquele n.º 2, alínea b) do art. 158.º do CP, não obstou a que essa ofensa tenha sido, também, autonomizada relativamente àquele.

Encontrando-se os crimes de sequestro e de ofensa à integridade física em relação de concurso real, atendendo à diversidade de bens jurídicos a cuja protecção se dirige a respectiva incriminação, pode, contudo, a valoração de uma circunstância quanto a determinado crime já, em si mesma, esgotar o âmbito de aplicação de outra que se reporte à tipificação/qualificação do outro ilícito, colocando a problemática de estabelecer a relação entre essas normas, de forma, efectivamente, a não contender com aquele princípio.

Tal como referia Eduardo Correia, in “A Teoria do Concurso em Direito Criminal, I – Unidade e Pluralidade de Infracções”, Almedina, 1983, pág. 131, «Quando isto acontece, as disposições penais vêm a encontrar-se numa relação de consunção: uma consome já a protecção que a outra visa. E como não pode oferecer dúvidas que a mais ampla, a lex consumens, tem em todo caso de ser eficaz, é manifesto, sob pena de clara violação do princípio ne bis in idem, que a menos ampla, a lex consumta, não pode continuar a aplicar-se.».

O acórdão não abordou directamente a questão, embora tenha enveredado pela autonomia entre os crimes de sequestro e de ofensa à integridade física, ambos qualificados - isto independentemente das ofensas terem sido produzidas em circunstâncias que revelaram especial censurabilidade ou perversidade (art. 145.º do CP) - em razão da especial gravidade das ofensas (art. 144.º do CP), não sem que, todavia, tivesse feito menção a que as agravantes imputadas pela pronúncia (assim incluindo a alínea a) do n.º 2 do art. 158.º do CP – a privação da liberdade ter durado por mais de dois dias -, em concreto, se verificaram.

Ora, a consumação material do sequestro deu-se com a efectiva privação da liberdade, o que ocorreu quando o ofendido foi amarrado nas mãos e nos pés e preso à palete de madeira (facto provado em 44).

Mas, sendo classicamente um crime permanente, conforme se consignou no acórdão, em que “a execução perdura enquanto persiste a resolução criminosa do agente e ao ofendido não é restituída plena liberdade ambulatória”, essa ofensa grave tê-lo-á acompanhado, no sentido de funcionamento da circunstância aludida na alínea b) do n.º 2 desse art. 158.º.

Não obstante se afigurar manifesto que, na situação, perante os respectivos contornos, a apurada ofensa à integridade física grave do ofendido tivesse excedido a necessária ao sequestro, vindo, aliás, a apenas verdadeiramente ocorrer em momento posterior à consumação da privação da liberdade, a dupla valoração da circunstância em causa não deverá ser admitida, na medida em que a visada tutela já se mostra abrangida pela culpa agravada inerente à qualificação desse sequestro.

Se assim é, isso não significa que os recorrentes devam beneficiar da punição por um só dos ilícitos em presença, dado que, se aquela circunstância fica afastada, para apenas qualificar um deles, subsistiriam, de qualquer modo, os crimes de sequestro e de ofensa à integridade física, independentemente de se saber sobre qual deles deveria incidir a agravação punitiva.

Todavia, em concreto, a questão torna-se relativamente académica e não se compadece com um desenvolvimento específico, já que se apresenta como devendo ser resolvida, ainda que de modo diverso ao sufragado no acórdão, com idêntico resultado prático.

Com efeito, uma outra circunstância agravativa do sequestro, como se referiu, é preenchida, porque o ilícito, inegavelmente, durou por mais de dois dias.

Nenhum obstáculo legal existe a que o crime seja, pois, agravado nesses termos, com o que fica dilucidada a problemática suscitada, operando-se, nessa parte, a devida adaptação da fundamentação e da decisão do acórdão.

Assim, não obstante alguma razão assista aos recorrentes na pretensão formulada, acaba esta por colidir com o enquadramento a que, desta feita, se procede, sendo condenados, então, ambos, pela prática, no que aqui releva, em concurso real, de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art. 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelos arts. 144.º, alínea a), e 145.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, com referência ao art. 132.º, n.ºs 1 e 2, todos do CP.

3- recurso de WQ:
E) - da absolvição pelo crime de sequestro:

O recorrente preconiza que a sua intervenção, retratada nos factos provados em 77 e 78, foi direccionada a transportar as pessoas do local onde se encontravam, já então estando JR sequestrado e, pela sua acção, em nada ter aumentado essa privação da liberdade.

Os factos em apreço não vêm impugnados.

Do acórdão, nesta parte, consta como mais relevante:

«Muito embora se não aceite que este arguido Q não tenha visto os ferimentos e o estado da vítima - já que esta evidência, além das declarações do próprio ofendido, pode ir-se buscar às próprias declarações do arguido T e ao cenário dantesco que descreveu e estado da vítima -, uma vez que as regras da experiência e normalidade das coisas nos dizem que alguém que, após a uma hora da madrugada, é chamado ao meio do nada, no Alentejo (vivendo no Algarve), para ir buscar quatro indivíduos que não se sabe como foram lá parar, um com sinais evidentes de lesões (veja-se o que diz a testemunha que socorre R na estrada no dia em que este se liberta do cativeiro), não pode deixar de saber ao que vai, o que se passa e o que deve fazer seguidamente e, como tal, o arguido Q sabia disso tudo e deu-se ao trabalho de ir, não porque era o seu sobrinho que estava em apuros, mas porque sabia que a situação era de tal modo grave que tinha mesmo de ajudar.

Os arguidos T, Q e R intervêm nestas circunstâncias numa fase posterior, quando devolvem ao cativeiro a vítima depois da ida à Barragem, assegurando-se estes arguidos T e Q que assim aconteça.

Qualquer deles, e bem assim o referido M, tem o controlo dos acontecimentos e das respectivas actuações e qualquer deles poderia ter determinado um desfecho diferente para a situação, sendo como tal co-autores no crime, porque aderiram à vontade inicial partilhada por S e C e asseguraram-se de que a situação se não alterava (…).».

E, especificamente, ao nível do enquadramento jurídico, com menção a jurisprudência confortante:

«Trata-se, por outro lado, de um crime permanente, pelo que a execução perdura enquanto persiste a resolução criminosa do agente e ao ofendido não é restituída plena liberdade ambulatória. Ou seja, o que verdadeiramente subsiste e se prolonga no crime permanente é a conduta do agente que, em cada momento, se reproduz e persiste no crime, abstendo-se de pôr termo à situação que criou.

Além disso, o crime de sequestro é de execução não vinculada, no sentido de que o agente não precisa de praticar actos de uma espécie determinada ou de determinada maneira, bastando que leve a cabo uma actividade que possa considerar-se meio adequado para privar outrem do seu jus ambulandi.

Resulta, ainda, dos mesmos factos que os arguidos Q, T e R intervieram também, mas em momento posterior, durante o exercício do sequestro, mediante a prática de actos que, muito embora tivessem sido determinantes para a sua manutenção, foram pontuais – a ida à barragem com o sequestrado, mantendo-o sob a sua guarda e vigilância, e a devolução dele ao ambiente de reclusão, na casa de S. Faustino.

Como se disse acima, esta intervenção não deixa de ser a título de co-autoria, uma vez que qualquer destes arguidos esteve em condições de determinar o desfecho diverso dos acontecimentos e, quanto a isso, não o fez.».

Pouco há a adiantar ao que ficou, e bem, fundamentado.

No sentido de que é um crime permanente ou duradouro, veja-se Taipa de Carvalho, in “ Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial,” Coimbra editora, 199, tomo I, pág. 409, que refere que O bem jurídico liberdade – em qualquer das sua manifestações e, portanto, também na dimensão de liberdade de movimento – é um bem indestrutível: apenas pode ser comprimido, isto é, temporariamente afectado (…) A sua consumação material (o resultado/dano privação da liberdade) ocorre (inicia-se) com a efectiva privação da liberdade e só termina com a libertação da vítima.

Ora, o recorrente, ciente do que fazia e do que lhe era manifestamente dado presenciar, tal como se fundamentou no acórdão, aderiu nessas circunstâncias ao pedido de TM e conduziu o ofendido para a vivenda de São Faustino, com o que, através dessa acção, manteve a privação da liberdade deste.

Se bem que não tenha estado envolvido desde o início dessa privação, a sua actuação só pode entender-se como aderindo e participando da mesma, ao ter praticado acto que, em concreto, foi essencial para a sua prossecução e, assim, para que a liberdade do ofendido se mantivesse privada.

A sua condenação pelo crime de sequestro afigura-se, pois, acertada.

1 – recurso de SJ:

H) - da ausência da prática do crime de homicídio tentado:

A alegação do recorrente situa-se na perspectiva de que não se provou que, de algum modo, tenha sido autor do crime de homicídio tentado por que foi condenado, com fundamento em que não se verificou execução ou começo de execução, elemento necessário ao conceito previsto no art. 26.º do CP, não se materializando, aquela, simplesmente no acordo.

Mais adianta que não detinha o domínio do facto.

Contudo, sem razão.

No acórdão, fundamentou-se, depois da explicitação do conceito de autoria em moldes que se afiguram pacíficos, que “Em todas as situações em que teve intervenção foi o elemento preponderante (…) que controlava os acontecimentos (…) assumia até a iniciativa em alturas de alguma hesitação dos companheiros (…) investia o risco (…) praticando factos conjuntamente com outros, exercendo os actos de execução partilhadamente (…)”.

Com respeito à factualidade atinente ao crime em questão, realçam-se as alusões à decisão do recorrente em pôr termo à vida de JR (facto provado em 68), relativamente ao que foi dando instruções concretas quanto aos procedimentos a tomar, mantendo-se em contacto com os que estavam com a vítima (facto provado em 73) e reiterando essa sua vontade (facto provado em 80).

A sua intrínseca ligação aos factos é manifesta, cabendo na noção de co-autoria nos actos que iam sendo levados a efeito pelos seus colaboradores, em perfeito conhecimento do que se ia desenvolvendo, em todos os seus contornos, ainda que materialmente não os realizando.

Afasta-se, assim, a alegação, sem fundamento, de que o domínio do facto lhe fosse estranho, sendo certo que a circunstância de se terem frustrado os seus objectivos, por motivos alheios à sua vontade, não releva para diverso entendimento.

Não obstante esse seu grau de participação, se os actos praticados se tiverem limitado a preparar a sua decisão, quedando-se por actos preparatórios e, assim, não puníveis (art. 21.º do CP), preconiza que tal obstará a que se reconduza à tentativa que lhe foi atribuída.

No entanto, assim não é, dado que os factos permitem, claramente, integrá-los como actos de começo de execução, porque idóneos a produzir o resultado típico e relativamente aos quais, segundo a experiência comum, seria de esperar que esse resultado, através deles, se concretizasse (art. 22.º do CP).

Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A doutrina Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2.ª edição, págs. 681 e segs.:

A mera decisão de realização de um tipo de ilícito objectivo, independentemente de um começo de realização efectiva, não é punível. A esta conclusão conduz o princípio indiscutido cogitationes poenam nemo patitur. A justificação deste princípio deriva da própria função do direito penal de protecção subsidiária de bens jurídicos, não de puros valores morais: se o direito penal não visa, ao menos directamente, contribuir para a modelação moral do indivíduo, mas proteger uma ordenação social, só a violação dessa ordenação – e assim, a conduta externa do agente – pode constituir um ilícito. A decisão de realização analisa-se num puro processo interior, insusceptível, em si mesmo, de violar interesses socialmente relevantes. (…) Também a preparação da execução de um tipo de ilícito e os actos em que se traduz não são, salvo disposição em contrário, puníveis (art.21.º). Em perspectiva formal-legal esta solução – se definirmos actos preparatórios como aqueles que antecedem temporalmente e segundo a natureza das coisas a execução de um ilícito-típico – impõe-se logo na medida em que os actos preparatórios não se encontram descritos ou referidos na generalidade dos tipos legais e não constituam, por isso, pontos de apoio possíveis de uma responsabilização penal. (…) Em perspectiva material, os actos preparatórios definem-se em função da violação do bem jurídico, de ataque ao ordenamento social que a ordem jurídicas quer prevenir. A partir daqui se compreende que existam tipos de ilícito que abrangem logo a preparação de tais violações ou ataques, criando deste modo tipos (de perigo abstracto, em princípio) de actos materialmente preparatórios, mas formalmente transformados em crimes autónomos. (…) Isto, porém, só excepcionalmente deverá acontecer, uma vez que, quase sempre (…), os actos preparatórios, em si mesmos considerados, constituirão acções que estão completamente de acordo com o ordenamento social. Uma punição indiscriminada de tais actos estaria próxima, de novo, de uma ilegítima punibilidade de meras intenções. Finalmente, a lei prevê em certos casos, também excepcionais, a punição dos actos preparatórios, não como crimes autónomos, mas como actos preparatórios enquanto tais (…). Esta solução só se torna político-criminalmente aceitável sob dois pressupostos: que tais actos apontem já com alto grau de probabilidade para a realização do tipo de ilícito; e que se verifique a necessidade de uma intervenção penal específica num estádio particularmente precoce do iter criminis. (…) Diferentemente do que vimos suceder com os actos preparatórios, a tentativa de cometimento de um crime, em princípio, é punível. Como prática de “actos de execução de um crime que [o agente] decidiu cometer sem que este chegue a consumar-se (art. 22.º-1), a tentativa viola já a norma jurídica de comportamento que está na base do tipo de ilícito consumado. Como realização dolosa parcial de um tipo de ilícito objectivo ela representa uma violação do ordenamento social jurídico-penalmente relevante por meio da intranquilidade em que coloca bens jurídico-penais. (…) Necessário se torna, assim, que a “decisão” se exprima externamente em actos que constituam não meros actos preparatórios, mas se apresentem já como actos de execução. Porém, a forma como nesta via deva distinguir-se em concreto a “execução” da “preparação” é extraordinariamente discutida e, efectivamente, difícil de lograr; também podendo afirmar-se com inteira correcção, que o problema aqui implicado é o da determinação, dentro de um processo continuado, do momento em que se inicia a execução.
Por apelo, relativamente à tentativa, a um critério objectivo mitigado (Faria Costa, “Jornadas de Direito Criminal – Centro de Estudos Judiciários – O Novo Código Penal Português e a Legislação Complementar, págs. 159 e seg) ou à teoria da impressão de perigo (Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica, 2008, pág. 113), o início da execução manifestou-se, em concreto, com a recolha da tampa de betão, que introduziram na bagageira do veículo (facto provado em 71).

Na verdade, destinava-se a ser presa ao corpo de JR antes de o atirarem para a albufeira da barragem (facto provado em 72), configurando elemento, também, delineado pelo recorrente e que plenamente se integrou na colocação em movimento da decisão tomada, comportando já uma intensidade idónea a vir a produzir o resultado, cuja proximidade de lesão do bem jurídico protegido pelo tipo é, pois, bem reveladora.

Daí que a sua condenação pelo crime de homicídio tentado deva manter-se.

1 – recurso de SJ:

I) - da não qualificação do crime de homicídio tentado:
Embora reconhecendo que os factos, a considerarem-se subsumíveis ao crime em apreço, possam qualificar este por via da alínea g) do n.º 2 do art. 132.º do CP (“Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime”), o recorrente entende que não se configura a especial censurabilidade ou perversidade que justifique a culpa agravada que a sustenta.

No essencial, fundamentou-se no acórdão:

« A qualificação do crime vem prevista no artº 132º CP, no qual o legislador tomou duas atitudes distintas: por um lado, fixou no nº 1 que é qualificado todo o homicídio cujas circunstâncias revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente; por outro lado, aceitou concretizar algumas dessas circunstâncias, e fê-lo no nº 2 do preceito mas, não querendo organizar uma forma taxativa ou estanque, optou sim por consagrar uma fórmula aberta, cingida embora a certos parâmetros de legalidade, que deixa ao aplicador uma margem de ponderação das circunstâncias, por forma a, casuisticamente, determinar se este ou aquele facto integra o conceito legal de homicídio qualificado.

Esta ponderação é feita pela afirmação genérica, como se referiu, de um especial tipo de culpa, que vem descrito no nº 1 e prevê que se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos.

Essa formulação genérica aliou-se à chamada técnica dos exemplos-padrão (Regelbeispieltechnik), em que a cláusula geral é constituída por um tipo de culpa (artº 132º, nº 1 CP), combinado com uma exemplificação não definitiva e facultativa (artº 132, nº 2 CP). Alguns desses exemplos padrão, estão formulados no nº 2 do artº 132 CP, como os das suas alíneas g), h) e j), sendo: g) ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime; h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; j) agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregues ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas.

Quanto à al. g) referida, estamos certos da sua verificação.

De facto, a intenção de acabar com a vida de JR, que surge inequívoca da prova, resulta de um desenvolvimento dos factos que consistiram num primeiro momento e da intenção de mutilar (ou marcar, como refere a perícia médica) que evoluiu, mercê eventualmente do facto de os arguidos terem percepcionado a aproximação e envolvimento das autoridades policiais, para uma decisão de pôr efectivamente fim à vida do ofendido, uma vez que, com isso e com a forma escolhida para fazerem desaparecer o corpo, garantiam a impunidade dos crimes já antes praticados na pessoa daquele.

A previsão da al. h), por maioria de razão, verifica-se pela soma aritmética dos envolvidos nestes factos.
A integração da al. j), do nosso ponto de vista, também não suscita muitas dúvidas quanto ao arguido SJ, atento o facto de o mesmo, decidindo matar JR, e frustrada que foi a tentativa, continuou, como resulta das escutas, a insistir para que esse propósito fosse cumprido, no qual não foi acompanhado pelo arguido T que sempre se foi esquivando a isso com sucessivas desculpas.

Assim, tendo isso em atenção e as circunstâncias especiais em que ocorreram os factos, importa ter por assente que os factos descritos acima integram efectivamente este tipo qualificado, mas pelas alíneas g), h) e j) do referido nº 2, sendo que, pela disponibilidade emocional que lhe é essencial no cometimento, a qualificativa da alínea g) é prevalente.».

È pacífico que, designadamente conforme acórdão do STJ de 13.07.2005, in CJ Acs. STJ ano XIII, tomo II, pág. 247, o crime de homicídio qualificado é definido a partir da enunciação de uma cláusula geral – especial censurabilidade ou perversidade – contida no nº 1 do preceito e concretizada ou desenvolvida no nº 2 através de exemplos-padrão. Esses dois critérios – um generalizador e outro especificador – são complementares e têm mútua implicação. A partir deles, poder-se-á sintetizar assim a estrutura do tipo agravado: ocorre o homicídio qualificado sempre que do facto resulta uma especial censurabilidade ou perversidade que possa ser imputada ao arguido por força da ocorrência de qualquer dos exemplos-padrão enumerados no nº 2, ou, tendo estes natureza exemplificativa, sem deixarem de ser elementos constitutivos de um tipo de culpa, qualquer outra circunstância substancialmente análoga (…) Com esta formulação dual pretende assinalar-se a interacção recíproca entre o chamado critério generalizador e os exemplos-padrão.

Esse critério generalizador é determinante de um especial tipo de culpa, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados, devendo resultar de uma imagem global do facto agravada (Jorge de Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Coimbra Editora, 1999, Tomo I, págs. 25 e seg.).

A qualificação do crime de homicídio não é, pois, consequência inevitável da existência de qualquer das circunstâncias constantes do n.º 2 do artigo 132.° do CP, sendo essencial que as circunstâncias em que o agente comete o crime revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, uma censurabilidade ou perversidade distintas daquelas que, em maior ou menor grau, se revelem na autoria de um homicídio simples.

Conforme Teresa Serra, in “Homicídio Qualificado - Tipo de Culpa e Medida da Pena, págs. 70/71, «a ausência de qualquer das referidas circunstâncias (isto é, das circunstâncias legalmente descritas) indiciar a inexistência da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Logo, indicia que o caso se deve subsumir no art.º 131.°. (…) Só circunstâncias extraordinários ou um conjunto de circunstâncias especiais que assentam num aumento essencial da ilicitude e/ou da culpa e que sejam expressivas do leitbild dos exemplos-padrão, podem levar à afirmação da existência de especial censurabilidade ou perversidade do agente ».

De qualquer modo, aos exemplos-padrão atribui-se uma função delimitadora dos casos atípicos, deles se devendo apreender, não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa.

Em síntese, dir-se-á que o julgador, partindo da situação tal como ela é representada pelo agente, responderá afirmativamente à qualificação em causa se ela corresponde a um exemplo-padrão ou a situação substancialmente análoga e, nesse caso, isso comprova uma especial censurabilidade ou perversidade desse agente.

Citando Teresa Serra, ob. cit, págs. 63/65:
Como se sabe, a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.°, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores (...) Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor, de que fala BINDER. Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor. Especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente (...) Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete.

Em sintonia, afirma Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 29, «Parece ser (…) o pensamento da lei (…) o de pretender imputar à “especula censurabilidade “ aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosoas, e à “especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto e qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas».

Derivando, pois, a qualificação, em geral, de uma culpa agravada, ainda que algumas das circunstâncias elencadas no n.º 2 do art. 132.º contendam com um mais acentuado desvalor da acção, enquanto elementos da ilicitude, a sua subsunção passará sempre, mesmo para quem defenda que tais circunstâncias constituem tipos de ilícito (J. Curado Neves, in “Indícios de Culpa ou Tipos de Ilícito. A difícil relação entre o nº 1 e o nº 2 do artigo 132º do C.P”. in “Liber Discipulorum, Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, págs. 721 e segs.), pela efectiva comprovação dessa especial censurabilidade ou perversidade.

Revertendo ao caso concreto, a presença das circunstâncias tidas em conta pelo tribunal para o efeito de qualificação do crime não sofre dúvida.

Na verdade, não só decorre provado, como o recorrente reconhece, que, depois de ter praticado actos de sequestro e de ofensa à integridade física na pessoa da vítima, tentou matá-la e fazer desaparecer o corpo, através dos meios que ficaram apurados, inevitavelmente, desse modo, para lograr que essa anterior conduta fosse dissimulada e assegurasse a sua impunidade, como também de que o fez juntamente com os aludidos TM MC e RR, redundando que a participação destes, nas circunstâncias, assumia importância enquanto pessoas a quem dava instruções e em que confiava para a realização dos actos que visava, e com frieza de ânimo, no sentido de que denotou firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução tomada (Beleza dos Santos, in RLJ ano 67, págs. 306 e segs.), indiciada pela sua persistência na vontade dirigida à utilização dos meios para a finalidade prosseguida, tendo em mente a menor probabilidade de defesa (acórdão do STJ de 17.01.2007, no proc. n.º 06P3845, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Armindo Monteiro, in www.dgsi.pt).

Ao longo da factualidade aqui relevante, perpassa um especial desvalor, quer na atitude, quer na personalidade, do recorrente, que não se compadece com um grau de culpa que seja reconduzível, apenas, ao tipo fundamental do art. 131.º do CP, com significado desvalioso bem visível, no confronto com as apontadas circunstâncias, nada se configurando em sentido que o contrarie.

Toda a imagem global desses factos fornece uma importante insensibilidade do recorrente, seja perante o valor supremo da vida, seja à luz do sentimento da comunidade, desprezando de forma intolerável o respeito pela dignidade humana, sem olhar a meios e a consequências, numa visão de índole bem perniciosa para qualquer pessoa, manifestamente distanciada, adversa e contrária às regras de direito, profundamente reprovável e repugnante.

1 – recurso de SJ:

J) - da absolvição pelo crime de detenção de arma proibida:
Defendendo que a posse da espingarda caçadeira e respectiva munição, apreendidas em 25.10.2010, conforme factos provados em 11 a 13, não se mostra comprovada, o recorrente alega que o crime detenção de arma proibida não lhe podia ser imputado.

Invoca que, nessa data, já se encontrava detido, que outros objectos aí apreendidos indiciam a presença de diversas pessoas no local e que nenhum vestígio seu foi detectado na arma e munição.
Ora, foi efectivamente condenado pelo referido crime, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, alínea c), ex vi arts. 2.º, n.ºs 1, alíneas p), s), v), e 5, alínea g), e 3.º, n.º 2, alínea l), todos da Lei n.º 5/2006, de 23/02, sendo que o recorrente não vem discutir a verificada subsunção legal, mas sim, afinal, que existisse prova efectiva dos factos que a suportaram.

Para tanto, aporta considerações que, de modo algum, infirmam a convicção extraída pelo tribunal, na medida em que, desde logo, o local em apreço, objecto de busca legalmente válida, mormente nos termos do art. 174.º, n.º 5, alínea b), do CPP (fls. 1147/1153), onde essa arma e munição se encontravam, havia sido arrendado ao recorrente, e não a qualquer outra pessoa, como consta do facto provado em 14 e, como vem referido na motivação do acórdão, por apelo ao depoimento de DC, que o reconheceu em audiência, sendo ele quem, aliás, tinha um controlo efectivo sobre o mesmo como decorre da sua actuação relacionada com o laboratório de que aí dispunha, independentemente de que, como alega, outros objectos (talões de carregamento e cartões de saúde) aí se tivessem detectado, cuja natureza em nada se confunde com a de uma arma, que não é, segundo as regras da experiência, guardada e/ou deixada por mero acaso.

Por seu lado, a circunstância de que já estivesse detido, desde 16.10.2010 (fls. 669), também não colhe, não se descortinando qualquer razão para que, durante esses nove dias até à realização da busca, alguém tivesse aí colocado a arma, designadamente quando os seus colaboradores mais próximos identicamente foram, nessa data, também detidos (fls. 676) e, inevitavelmente, ainda, porque outras pessoas que frequentassem o local teriam ficado alertadas para a inconveniência em então ao mesmo aceder.

Assim, o tribunal estabeleceu logicamente a ligação do recorrente à arma e à munição, mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência (Vaz Serra, in BMJ n.º 110, “Provas (Direito Probatório Material)”, assentando em raciocínio indutivo que não merece crítica.
Como tal, a condenação do recorrente nesta parte tem se subsistir.

1 – recurso de SJ:
K) - da redução das medidas das penas parcelares e da pena única:

2 – recurso de CM:
I) – da redução das medidas das penas parcelares e da pena única:

3 – recurso de WQ:
F) - da redução das medidas das penas parcelares e da pena única:

No âmbito das penas cominadas, os recorrentes, pugnando pela sua redução, invocam, no essencial:

SJ: que as penas parcelares são excessivas, porque fixadas em limites próximos dos respectivos limites máximos, muito acima da sua culpa, atendendo a que não tem antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, a que conta com o apoio da família, a que está em Portugal há vários anos e sem envolvimento em crimes de idêntica natureza e a que, por isso, também, a pena única de 25 anos de prisão é excessivamente onerosa.

CM: que o tribunal não considerou qualquer juízo de prognose a si favorável, que a sua postura em julgamento e o seu direito ao silêncio foram valorados contra si, que não se demonstra que estivesse familiarizado com comportamentos violentos e que nunca esteve envolvido em situação semelhante à dos autos.

WQ: que as penas aplicadas foram ampliadas na sua medida com base em informações prestadas pelos subscritores do relatório social, relativas a antecedentes criminais, sem documentação oficial que as sustente, e que não tem antecedentes criminais registados em Portugal.

Colhe-se da fundamentação do acórdão:

«Atento o manancial de factos e comportamentos a ponderar, opta-se por escalonar esta apreciação, generalizando-a quando assim possa fazer-se pelo substrato comum das actuações, e concluindo pela individualização das penas.

O critério de escolha da pena encontra-se previsto no artigo 70° do Código Penal.

Ensina Figueiredo Dias que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada.

O critério legitimador das normas penais assenta cada vez mais na ideia de prevenção racional e eficaz da violação dos bens jurídicos socialmente considerados.

As penas são necessárias na medida em que protegem bens jurídicos - princípio de necessidade (cfr. artº 18°, n° 2 da CRP).

Assim, para a determinação da medida da pena, deve encontrar-se, dentro do limite máximo da moldura abstracta da pena, uma moldura de prevenção geral de integração - sendo que o limite máximo desta moldura deve consistir na tutela óptima dos bens jurídicos protegidos pela norma e o limite inferior na tutela mínima dos bens jurídicos protegido pela norma, sem se colocar em causa o ordenamento jurídico e a confiança dos cidadãos na validade dela.

Depois, dentro desta moldura de prevenção, deve calcular-se a medida concreta da pena – aqui, tendo-se em conta as exigências de prevenção especial, de reintegração, ou de socialização e de intimidação.

Nos termos do artº 71º CP, deverá o Tribunal atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o arguido, valorando-as em função da culpa do agente e das exigências de ressocialização (prevenção especial), e de confiança da comunidade na vigência da ordem jurídica (prevenção geral).

Deve atender-se, assim, em primeiro lugar e como limite máximo, à culpa do agente - que constitui, em atenção à dignidade do ser humano, o fundamento e limite máximo da própria pena.

O limite mínimo é determinado em função da prevenção geral, uma vez que a pena visa a protecção de bens jurídicos (mas também a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da norma infringida).

Apenas calculados estes parâmetros, e dentro deles, fixará o Tribunal a pena, de acordo com as exigências da prevenção especial de socialização.

Em face da manifesta e até de impossível adjectivação da gravidade destes factos, todos e cada um deles, na medida em que interferiram cada um dos arguidos, atenta a natureza dos bens jurídicos lesados que são os fundamentais e dizem respeito à integridade emocional e física da pessoa humana, e da Sociedade que toma cada pessoa como reflexo e projecção de direitos fundamentais, tendo em conta as consequências absolutamente gravosas decorrentes destes comportamentos – quer sejam os gerais de segurança e paz social, ou da integridade física e emocional de tantos destinatários quantos sejam impossíveis de quantificar como adquirentes no mercado da venda de drogas, ou simplesmente (e ainda que o simplesmente seja já um mundo inteiro de direitos pessoais, de liberdade, de integridade da pessoa em concreto) as consequências para o ofendido, as sequelas, o sofrimento causado -, são de considerar elevadíssimas as exigências de prevenção geral.

Por outro lado, tendo em conta aquelas características e, ainda, as que decorrem da própria natureza de cada um destes crimes, de cada uma destas actuações, do desprezo revelado pela vida humana, seja em que dimensão ela se pense, a barbaridade dos actos e a predisposição destes arguidos para os cometer, a absoluta insensibilidade e frieza na actuação, a personalidade retorcida, reveladora de baixeza de carácter, displicente sinal de impunidade absoluta, seja o planeamento das operações, os meios técnicos sofisticados quanto à produção e comercialização da droga sem sabermos, maioria das vezes, bem de onde vem, quem culpar, como defender as suas vítimas, desmoronadas aos pés de uma trupe que é sempre organizada no modo de actuação, de venda e distribuição, de aliciamento a novos e potenciais clientes que sabe ficarem para sempre sob esse jugo, enfim, a infâmia social que constituem todos os comportamentos aqui apurados, sem excepção, não podemos descurar as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, na medida em que, pese embora os arguidos não tenham passado criminal (excepto o arguido S e por factos diversos) documentado pelas autoridades portuguesas (muito embora denunciem os MDEs já referidos que são procurados por indícios de terem praticado crimes graves), o facto é que, como se percebe, são inequívocos os sinais de que estes arguidos estariam já familiarizados com comportamentos violentos, até pela destreza emocional com que executaram todos eles.

Assim, pelo exposto, com vista à promoção de uma consciência ética social, sendo inequívoca a necessidade de lhes aplicar pena de prisão, a todos e por todos os crimes indicados, há que determinar o quantum das mesmas.

Atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, e à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, e que melhor sirva as exigências de socialização do agente.

Na determinação da medida concreta da pena, há que ponderar factores:

A ilicitude dos factos, que se revela, o mínimo é dizer-se, especialmente acentuada. Tendo em conta o acima exposto, quanto ao tráfico, sendo que os produtos estupefacientes envolvem sempre riscos para a saúde física e emocional dos consumidores, o facto de ser uma actividade que, ao invés de gerar riqueza social, contribui fortemente para a miséria social, o facto de revelar cobardia e baixeza de atitude e carácter a comercialização de produtos inequivocamente nocivos e que hoje em dia afectam, sobretudo, as camadas jovens das populações, ou seja, as sociedades de amanhã, o facto de os arguidos não serem toxicodependentes (no sentido de ter, qualquer deles, um verdadeiro e diagnosticado problema de adição, mas tão só um consumo ainda que regular, propiciado pelas circunstâncias); quanto aos restantes crimes, o facto de, em rigor e de uma maneira ou outra, se poder concluir que todos eles (na parte em que actuaram), todos eles repete-se, conviveram bem com o sofrimento limite de terceiros, que provocaram ou ajudaram a provocar ou manter.

As consequências dos ilícitos, que assumem especial e acentuada gravidade, plasmada nos autos (quer quanto à produção e disseminação da droga, quer quanto às sequelas das torturas no ofendido, quer quanto à sua privação de liberdade, quer quanto a todo o contexto estabelecido relativamente ao arguido S e ainda a posse de arma de fogo), a natureza insubstituível dos bens jurídicos atingidos, pessoal, de dignidade, de paz e ordem pública, que afectam irremediavelmente, além das vítimas, a sociedade no seu todo.

O grau da culpa que, mercê disso mesmo, se mostra acentuadíssimo, diríamos mesmo, assustadoramente acentuado em termos de nocividade social destas condutas, de todas elas, tendo em conta que os arguidos agiram sempre com dolo directo, todos eles e em qualquer das circunstâncias em que actuaram, sem que houvesse qualquer causa próxima ou remota para as suas actuações que justificasse, excluísse a culpa ou a diminuísse por qualquer forma.

Tudo isto associado às condições de vida dos arguidos – sem carências económicas ou sociais a qualquer nível como fica claro - e à falta de confissão integral e sem reservas dos factos (distinguindo-se aqui, por razões óbvias, os arguidos T, R e Q que, neste contexto de difícil explicação, se prestaram, ainda assim, a transmitir ao Tribunal a sua versão dos acontecimentos, com especial relevo para os dois primeiros, de cujas declarações muitas linhas e entrelinhas foram lidas, e ainda que sem confissão, por contraposição aos arguidos S e C a que estão imputados aliás os factos que envolvem maior violência e silenciaram em julgamento, passivamente à espera que a prova se não fizesse ou que uma interpretação desatenta das regras do processo os ilibasse, sem que tenham contribuído em nada para este julgamento e para o apuramento dos factos, denunciando com isso, antes de tudo, a total irrelevância da censura penal, impossibilitando qualquer juízo de prognose favorável que a seu respeito aqui se pudesse fazer), a falta também de arrependimento relevante (se bem que a presença de alguma consciência, ainda que tardia, por parte dos arguidos T, R e Q, de que tudo isto era demasiado grave para se remeterem ao silêncio), pelo contrário, revelando a postura em julgamento que, além do facto de estarem presos, muito pouco lhes dizem os valores protegidos pelas normas que, insistente e repetidamente, violaram.

Tudo isto ponderado, tudo isto sopesado, avaliado de acordo com o leque comum do sentimento social dominante, afigura-se-nos ajustado concluir que a nenhum dos arguidos se deve negar a aplicação de pena de prisão por qualquer dos crimes em causa, quer atentas as respectivas molduras penais, quer atenta a total ausência de juízo de prognose favorável com vista à sua reinserção que pudesse pretender fazer-se, considerando-se adequado fixar as penas concretas como se condensa adiante.
*
O sistema penal português, assentando no pressuposto da ressocialização do indivíduo, convive pacificamente, e estimula, as situações de cumprimento de pena em que se responsabilize o indivíduo pelo passado que não deveria ter tido e o futuro que a ordem jurídica e social desejam que tenha. Sem pudores, sem subterfúgios, a nossa Legislação abre mão da vingança social, para assentar na renovação do indivíduo, investindo-se assim indirectamente na humanidade de todos nós, na busca de uma sociedade que reinvista a justiça e justeza de julgamento num futuro melhor para todos e com todos.

Procurando a pacificação social, o Legislador deixou ao critério prudente de quem julga a fixação da pena concreta, porque deve assim ser, porque só assim se entende.

Esta faculdade, ao contrário de estimular a arbitrariedade, exige ponderação, equilibrio e responsabilização. Porque, afinal, o que aqui se decide implica com a vida de todos.

A Jurisprudência – a decisão dos Prudentes -, vem adoptando dois critérios fundamentais de avaliação de situações de crimes concursais para fixação de pena única, critérios esses que, não pretendendo ser o todo que espartilha cada uma das suas partes, servem de guia, de pêndulo ou prumo, como pontos de partida de onde possa retirar-se, por um lado a certeza e segurança judiciárias e, por outro lado, a homogeneidade que respeite o princípio da igualdade, tal como vem sendo constitucionalmente entendido.

Estes critérios, partindo do mínimo da pena de concurso, e tendo como máximo de ponderação a soma material de todas elas, pode fazer variar a pena concreta do cúmulo entre a ponderação do terço ou metade de cada uma das demais que, além daquela, garantiriam o mínimo da prevenção relativamente àquele indivíduo em concreto, ponderada que seja a natureza dos crimes em concurso, as consequências deles, e a gravidade das circunstâncias em que se increveram as actuações no contexto social relevante.

Tendo em conta a relação concursal destes ilícitos, ponderados os critérios apontados do artº 77º do CP, e a necessidade de fixar a pena única aos arguidos e os factores atrás notados, entende o Tribunal que esta pena única deve reflectir a anti-socialidade e danosidade social dos comportamentos dos arguidos, mas também a natureza patrimonial da maior parte dos crimes, a que acresce a personalidade dos arguidos e o juízo de prognose favorável que não pode fazer-se para o futuro próximo, entre o máximo das molduras de cúmulo e os seus mínimos, fixar as penas únicas que seguem (…).».

A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos do n.º 1 do referido art. 71.º do CP e, conforme art. 40.º, n.º 2, do mesmo Código, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Por seu lado, constituem finalidades da punição, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º, n.º 1, do CP).

Conforme Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena.

Por respeito à salvaguarda da dignidade humana, a medida da culpa constitui limite inultrapassável da medida da pena e, como já referia Claus Roxin, in “Derecho Penal, Parte General”, tomo I, tradução da 2.ª edição alemã e notas por Diego-Manuel – Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99/100, a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação relevem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.

Segundo Anabela Miranda Rodrigues, em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Mais salienta que é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral.

Ainda Figueiredo Dias, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e seg., o modelo de determinação da medida da pena consagrado no CP vigente comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.

Esta (a medida da pena) deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos, sendo que culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena) - mesmo Autor, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias, 1993, págs. 231 e 214.

O juízo de culpa, que na realidade é o suporte axiológico-normativo da punição, reconduz-se a um juízo de valor e apreciação, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, ética ou do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168).

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Como se deixou, e bem, salientado no acórdão, as exigências de prevenção geral em presença são bastante elevadas, desde logo, atenta a importância dos bens jurídicos protegidos, desde a vida humana no que ao homicídio diz respeito, passando pela saúde pública reportada ao tráfico de estupefacientes, sem prejuízo da potencial proliferação de condutas ao mesmo normalmente associadas, de consequências assinaláveis e a vários níveis, pela integridade física, quanto à ofensa cometida, cujos contornos e sequelas, quer físicos, quer psíquicos, atingiram patamar de insofismável gravidade, pela liberdade, cuja privação perdurou durante tempo considerável e com atroz sofrimento da vítima, até à segurança em geral, no concernente à detenção proibida de arma.

Por seu lado, as exigências de prevenção especial, em concreto, apresentam-se identicamente carentes de adequada protecção, dada a sua inevitável associação a personalidades de formação censurável e desprezo pelos outros, incorrendo em comportamentos planeados e sem olhar a meios e a consequências, sem que se denote algum motivo relevante para que assim tivessem os recorrentes enveredado, além de que demonstraram uma grave insensibilidade pessoal e social, indiferentes às mais elementares regras que na comunidade devem imperar e aos direitos fundamentais por que se deve nortear.

Já se vê que o grau de participação dos recorrentes, não obstante tais exigências e na parte que lhes seja imputada, se revela diferenciado, assumindo SJ um papel de iniciativa e liderança no desenvolvimento das acções, com um grau de culpa bem mais acentuado que os restantes, sendo que, quanto a CM, de qualquer modo, não se distanciando dele muito significativamente e, relativamente a WQ, de dimensão comparativamente bem inferior.

No tocante a SJ, não se descortina que o tribunal tivesse deixado de considerar as circunstâncias a que se reporta, sem que se vislumbre que as mesmas, de modo algum, aportem sensível atenuação ao forte desvalor da sua acção e aos resultados específicos que esta desencadeou.

Relativamente a CM, também nem se compreende como poderia o tribunal concluir por algum juízo de prognose favorável perante a gravidade da sua conduta e a ausência de qualquer contribuição sua para o esclarecimento dos factos.

Se bem que o seu alegado silêncio se inclua num direito que lhe assiste, a postura que adoptou só a si responsabiliza e não pode ser vista como sintoma de assunção de alguma interiorização relevante quanto ao comportamento ilícito que teve, do mesmo modo que a ausência de envolvimento anterior em situações violentas não lhe serviu de dissuasão na reflexão do que fez.

Quanto a WQ, o apuramento de antecedentes criminais no Reino Unido, ainda que sem base oficial, não foi por si impugnada, relevando, porém, tão-só como elemento de ponderação de anterior comportamento noutro país, sem que se deva atribuir-lhe importância que se equipare à efectiva comprovação desses antecedentes.

A fixação das penas para SJ, no respeitante aos crimes de detenção de arma proibida (1 ano de prisão, correspondendo ao mínimo legal), de tráfico de estupefacientes agravado (10 anos de prisão, equivalente à média dos limites legais), de sequestro agravado (9 anos de prisão, próxima do limite máximo de 10 anos de prisão) e de ofensa à integridade física qualificada (11 anos de prisão, próxima do limite máximo de 12 anos de prisão), deve manter-se, por plenamente justificada e proporcional, à luz de todos os parâmetros atendidos.

Por seu lado, quanto à pena cominada pelo crime de homicídio qualificado tentado (11 anos de prisão, excedendo em alguma medida a média dos limites que se cifra próximo de 9 anos de prisão), admite-se que alguma redução deva fazer-se, segundo uma ponderação mais equilibrada da globalidade dos factos e da gravidade relativa comparativamente com a restante.

Assim, a pena respectiva fixa-se, ora, em 8 anos de prisão.

Com referência a CM, não se vê fundamento para reduzir a pena cominada pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado (7 anos de prisão).

Acerca das restantes penas – 7 anos de prisão pelo crime de sequestro agravado e 9 anos de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada -, porque não se distanciando substancialmente da média dos respectivos limites, afigura-se identicamente ausência de razão bastante para reduzi-las.

No que concerne a WQ, atento o apreciado em 3- E), apenas subsiste a pena de 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de sequestro e, assim, sopesada, ainda que próxima do limite máximo legal, dúvida não se coloca quanto à sua razoabilidade, dada a gravidade inerente a toda a situação que vivenciou.

Ainda, afigurando-se que tal medida, formalmente, se situará dentro do âmbito de aplicação do art. 50.º, n.º 1, do CP, não se divisa, todavia, fundamento para suspendê-la na execução.

Do ponto de vista dogmático, a suspensão da execução da prisão é uma pena de substituição, pois é necessariamente aplicada em substituição da pena de prisão concretamente determinada, revestindo a natureza de verdadeira pena, com carácter autónomo e com campo de aplicação, regime e conteúdo político-criminal próprios, configurando-se como medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, que tem a virtualidade de dar expressão a que a prisão (e sua execução) constitui “ultima ratio” da punição desde que as finalidades punitivas fiquem salvaguardadas, obstando aos efeitos criminógenos que são comummente reconhecidos.

Por isso, a sua aplicação funda-se em critérios de legalidade, não de moralidade, havendo que respeitar as exigências legais para a sua aplicação, as quais, no essencial, se reconduzem à ideia da existência de prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do agente, sem esquecer todas as circunstâncias que na vertente da medida da pena, em concreto, se coloquem e que não colidam com as necessidades preventivas que se deparem.

Conforme Figueiredo Dias, ob. antes cit., pág. 343, A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos -«metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo e, a pág.501, Ela (a prevenção geral) deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (…) como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.

São, pois, essencialmente, considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e não de culpa, que devem conduzir a apreciação acerca da aplicação, ou não, da suspensão da execução da pena (mesmo Autor, ob. antes cit. pág. 344 e, entre outros, o acórdão do STJ de 20.02.2008, no proc. n.º 08P295, em www.dgsi.pt).

Com efeito, a confiança da comunidade na validade das normas, se não pode ceder em limites que lhe retirem sentido na ponderação e concordância prática das finalidades e exigências em presença, não poderá, do mesmo modo, constituir parâmetro que impeça a realização das finalidades de política criminal que justificam e conformam o regime penal.

Assim, essa confiança é afirmada pela aplicação das penas adequadas pela sua violação, que traduza a interiorização e o respeito pelo sistema de valores fundamentais reconhecidamente aceites e, por isso, penalmente tutelados; mas, do mesmo modo, a comunidade deve sentir e compreender as opções de política criminal que se realizam através da formulação e aplicação do direito penal.

Porém, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo que o tribunal conclua por um prognóstico favorável à luz de considerações exclusivas de socialização do arguido, quando a essa suspensão se opuserem as finalidades da punição, nomeadamente as considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que só por estas exigências se limita o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto (mesmo Autor, ob. antes cit. pág.344).

Para aplicação desta pena de substituição necessário se torna que o julgador se convença de que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido, que foi caso acidental, esporádico, ocasional, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas, não olvidando que a pena de substituição não pode colocar em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos (mesmo acórdão do STJ de 20.02.2008).

Nisso residirá o referido prognóstico favorável de que a censura da conduta e a ameaça da prisão são suficientes para a satisfação das finalidades preventivas da punição, sem descurar que, em qualquer caso, se tratará de decisão baseada num risco prudencial, tanto quanto possível atenuado pela adequada valoração que todas as circunstâncias concretas ofereçam.

Não sofre dúvida que as exigências preventivas, em concreto, são de relevo acentuado, sendo que a protecção do bem jurídico violado não é de reduzida monta, antes pelo contrário, especialmente quando, como no caso, apontava para a intervenção de outros arguidos e com contornos de gravidade e insensibilidade bem relevantes, sem que, da parte do recorrente, se configure qualquer circunstância que o motivasse para tanto, senão a de indiferença e só compatível com tipo de personalidade bem censurável, que as suas apuradas condições pessoais não dissipam, estas, longe de revelar real inserção social.

Todos os elementos conferem, manifestamente, uma séria reserva quanto ao prognóstico futuro do recorrente, em sede das exigências punitivas que se divisam e, além do mais, para que fiquem estas satisfeitas com a suspensão na execução da pena de prisão.

O aludido prognóstico favorável acerca do seu futuro comportamento, aferido pela globalidade das circunstâncias que permitem dilucidá-lo, não obstante sempre e inevitavelmente com algum risco fundado e calculado, não se apresenta minimamente fundado.

Sendo dever do julgador assentá-lo em bases de facto capazes de o suportarem com alguma firmeza, estas mostram-se afastadas.

Na verdade, só a partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, deve a suspensão da execução da prisão ser determinada, sob pena de frustração das finalidades punitivas.

Outra solução, em concreto, contribuiria, inegavelmente, para essa frustração, não consentânea com a exigível tutela e perante a ausência de elementos pessoais do recorrente que minimamente apontem sentido diferente.

Passando a analisar as penas únicas relativamente a SJ e CM:

Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pruriocasionalidade que não radica na personalidade (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, 1993, pág. 291).

Em concreto, os limites dos cúmulos respectivos situam-se, quanto ao recorrente SJ, no mínimo de 11 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) no máximo de 39 anos de prisão e, referentemente a CM, no mínimo de 9 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) e no máximo de 23 anos de prisão (art. 77.º, n.º 2, do CP).

Como se referiu no acórdão, a pena única a aplicar deve reflectir a anti-socialidade e danosidade social dos comportamentos, sem descurar a sua personalidade e o juízo de prognose futuro, sendo que o carácter que os recorrentes denotaram em nada abona em favor de mera ocasionalidade de condutas e, ao invés, revelou-se potenciador de censurável deformação ético-valorativa.

Os crimes praticados assumem diferente natureza, embora, quanto aos de sequestro e ofensa à integridade física, para além do homicídio atinente a SJ, relacionados no tempo e na resolução a que presidiram.

As penas únicas, de acordo com a ponderação que merecem, não se devem distanciar da média dos limites em presença, ainda que não de forma muito substancial.

Sopesado, então, todo o circunstancialismo, na vertente da pena conjunta, em razão dessa imagem global dos factos e da personalidade (art. 77.º, n.º 1, do CP), entende-se reduzi-la, quanto ao recorrente SJ, para 22 anos e 6 meses de prisão e, relativamente ao recorrente CM, mantê-la na medida aplicada (15 anos de prisão).
*
3. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, decide-se:

- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido CM;

- conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos SJ e WQ;

- modificar a matéria de facto nos termos sobreditos;

- absolver WQ da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, dando sem efeito a cominada pena respectiva;

- condenar SJ e CM, em co-autoria, por crime de sequestro agravado pela alínea a) do n.º 2 do art. 158.º do CP

- condenar SJ na pena de 8 anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada;

- condenar SJ na pena única de 22 anos e 6 meses de prisão;

- no mais, manter o acórdão recorrido, designadamente a pena única de 15 anos de prisão aplicada a CM e a pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada a WQ pelo crime de sequestro.

Custas pelo recorrente CM, fixando-se a taxa de justiça em soma equivalente a 6 UC.

Processado informaticamente e integralmente revisto pelo Relator.

Évora, 25 de Junho de 2013

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(Carlos Berguete Coelho)

___________________________________________
(João Gomes de Sousa)

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(Fernando Ribeiro Cardoso) - Presidente da Secção -

__________________________________________________
[1] - Sumariado pelo relator

[2] Deixa-se o apontamento, a título de curiosidade, sobre a chamada lapalissada que é a evidência redundante – Jacques de la Palice, militar francês do séc. XVI, viu-se imortalizado numa suposta confusão da expressão que retratava a sua persistência, de que surgiu uma corruptela linguística, precisamente no sentido de que «se não estivesse morto, estaria ainda vivo».

[3] Pensamos que a diluição de alguns elementos-chave arrastaram uma inviabilidade da prova em aspectos que seria importante apurar – quem é efectivamente Schafranek neste conjunto? Qual o papel de MC e se o desenvolve só em Portugal ou também no RU, na Espanha, em França? Existem fotografias no processo que parecem ser de plantações em região francesa ou de fronteira com Espanha, de pessoas que uma delas pode bem ser o referido Pierre; existem alguns elementos que podem levar a pensar se estamos só a falar destes Países ou também de outros (Países de Leste, também?), viagens e portagens pagas entre Portugal e França em Maio de 2010 (fls. 286), muitos elementos que ficaram por ligar e podem bem ir muito além destes arguidos e que facilitariam o enquadramento global dos factos, desde logo a percepção de uma eventual actividade organizada.

[4] A título de curiosidade, veja-se, ainda, no Apenso D1, onde aparecem fotografias de zonas com muitas semelhanças a certas regiões francesas ou do sul de Espanha, como se disse, outra vez com plantações de haxixe, e em que se mostra fotografado um Nissan Micra com as iniciais de matrícula P----, de cor violeta, que uma simples busca no Google permite associar a uma informação da autoridade camarária de Sevilha com a viatura abandonada naquela cidade, pertença de ZH, com residência em COVENTRY, curiosamente a terra dos arguidos T, R e Q, o que poderá não ser uma mera coincidência e não foi investigado.

[5] A este respeito, e porque a questão foi notada nas alegações parcialmente, vejam-se os sucessivos mandados de busca, pormenorizados e as apreensões todas documentadas.

Mesmo os mandados de busca à residência do arguido Q se revelam perfeitamente válidos, abrangendo a casa e os anexos e parqueados, salvaguardando, assim, o conteúdo buscado dentro das casa moveis ali existentes, como resulta da conjugação de fls. 1356, 1442, 2482 e 1361, desde logo do saco com droga que estava num quarto da casa onde estava YL e na presença dela, que pelas escutas resulta ter sido lá colocado pelo arguido Q, a quem pertencia o conteúdo.

[6] JESHECK, Tratado de Derecho Penal, Tradução, Comares Editorial, 2002, p. 731 - citado no Ac. STJ de 07.12.06, www.dgsi.pt//stj.

[7] FARIA e COSTA, “Formas do Crime”, Jornadas de Direito Criminal, CEJ – 1983, p. 174.

[8] Cf. GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Parte Geral, Vol. 2.º, Editora Verbo, 1998, p. 280 e ss. e Acórdão do STJ de 31/3/04, e respectivo voto de vencido – CJ., ASTJ, T. 1.º de 2004, p. 239 e ss. - ambos com profusão de doutrina e jurisprudência sobre a destrinça que aqui sucintamente esboçámos - Ac. STJ cit..

[9] Veja-se Figueiredo Dias – Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Ed. Reimpressão, 2011, pág. 681, 684 e 688 e seguintes.

[10] BGH St 9, 48, 52, cit. Figueiredo Dias, Op. Cit. A fls. 729.

[11] Idem, pág. 731 e 732.