Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA ALEXANDRA | ||
Descritores: | HERANÇA INDIVISA ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA VENDA ARRENDAMENTO URBANO CADUCIDADE | ||
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Data do Acordão: | 12/09/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO CÍVEL | ||
Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | I - - Quando o artº 1051 al. c) do C. C. se refere aos poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado, quer referir-se àqueles que em geral a lei confere em determinada situação e são esses os poderes, não subjectivados, com base nos quais se celebra o contrato. II - Alienado por todos os herdeiros um determinado prédio da herança, cessa em relação ao mesmo o regime de administração a que estava sujeito e com base na qual foi dado de arrendamento, ficando subrogado na herança pelo respectivo preço (artº 2069 al. b) do C. Civil) III - Nessa situação verifica-se a caducidade do contrato de arrendamento celebrado pelo cabeça de casal como administrador da herança. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA “A” intentou contra “B”, a presente acção com processo sumário pedindo que se declare extinto, por caduco, o contrato de arrendamento celebrado em 20 de Julho de 2000 entre “C”, na qualidade de cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de “D” e o ora R. “B”, relativo ao rés-do-chão esquerdo do prédio sito na …, nº …, em … e se condene o R. a despejá-lo, livre e desocupado de pessoas e bens. Citado, contestou o R. nos termos de fls. 43/45 invocando a nulidade do contrato alegado pelo A. e concluindo pela não verificação da alegada caducidade do arrendamento e, consequentemente, pela improcedência da acção. Houve resposta. Em sede de despacho saneador foi declarada prejudicada a apreciação da excepção de nulidade do contrato de arrendamento invocada pelo R. em face da posição posteriormente assumida por este nos autos de aceitação do referido contrato e, considerando estarem reunidos todos os elementos necessários, conheceu de mérito julgando a acção improcedente por não provada e dela absolveu o R.. Inconformado, apelou o A. alegando e formulando as seguintes conclusões: 1 - Deve considerar-se provado nos autos que: a – “C”, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de “D”, falecido em 13 de Dezembro de 1998, deu de arrendamento ao “B”, ora recorrido, por escrito particular datado de 20 de Julho de 2000, o rés-do-chão de um prédio urbano sito na …, em …, prédio esse pertencente àquela herança; e que b- por escritura pública de 23 de Maio de 2002, os herdeiros de “D”, representados por “C”, ela própria herdeira e cônjuge meeira, venderam ao ora apelante aquele prédio. 2 - Nos termos de harmonia com o disposto no artº 1052 nº 1 al. c) parte final, do Código Civil, o contrato de locação caduca quando findarem os poderes de administração com base nos quais o contrato foi celebrado. 3 - O contrato de arrendamento a que os autos se referem foi celebrado por “C” na qualidade de cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de “D” e, por isso, teve por base os correspondentes poderes legais de administração daquela relativamente ao prédio objecto do contrato. 4 - O contrato de arrendamento de imóvel da herança, celebrado pelo cabeça de casal no exercício dos seus poderes legais de representação caduca quando tal imóvel é vendido por todos os herdeiros a terceiro. 5 - Na verdade, não estamos perante uma simples mudança do titular do poder legal de administrar, ou seja, em face de uma mudança da concreta pessoa que, como cabeça de casal, celebrou o contrato de arrendamento - o que sucederia em caso de substituição do cabeça de casal em virtude de falecimento, remoção ou escusa - fenómeno secundário, acidental ou acessório e, por isso, também, irrelevante. 6 - Mas, para que ocorra a cessação dos poderes legais de administração do cabeça de casal que determina, de acordo com o artº 1051 do C. Civil, a caducidade do contrato de locação celebrado com base em tais poderes, não é necessário que ocorra a partilha da herança. 7 - Na verdade, o que se exige é que, relativamente ao bem dado de arrendamento pelo cabeça de casal, cessem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado. 8 - Com o regime constante do artº 1051 nº 1 al. c) do C. Civil pretende-se que, finda a administração legal, o dono da coisa não tenha que suportar um regime contratual assumido por quem só tinha meros poderes temporários de administração (cfr. Prof. José Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. I, Coimbra, 1982 (reimpressão), p. 218; Prof. Pires de lima e A. Varela, Código Civil Anot.º, vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1987, p. 393; Ac. R.P. de 21/07/1983, CJ, T. IV, p. 234), o que colhe justificação tanto na caso de partilha como no caso da venda a terceiro. 9 - Com a venda a terceiro pela totalidade dos herdeiros, do bem locado pelo cabeça de casal, deixa este bem de estar integrado na herança indivisa. 10 - Consequentemente, tal bem deixa de estar sujeito ao regime da administração legal da herança indivisa, cessando, correspondentemente, os poderes com base nos quais o cabeça de casal deu de arrendamento. 11 - Vendendo os herdeiros o bem pertencente à herança, o poder de administração passa a ser exercido pelo comprador, não fazendo sentido entender-se que, até à partilha da herança (que já não contém o prédio em causa) se mantém, relativamente ao prédio arrendado, os poderes legais de administração com base nos quais o mesmo prédio foi arrendado. 12 - Impunha-se, assim, que na decisão recorrida se tivesse considerado que o arrendamento dos autos caducou com a venda do prédio ao ora apelante. 13 - O Sr. juiz na 1ª instância, no saneador-sentença objecto deste recurso, violou o disposto no artº 1051 nº1 al. c) parte final do C. Civil. 14 - Termos em que concedendo o merecido provimento a esta apelação, com revogação da decisão recorrida e julgando-se caduco o arrendamento, julgando-se inteiramente procedente e provada a acção, V.Exas farão a sempre esperada justiça. O recorrido contra-alegou, louvando-se na sentença recorrida e concluindo pela improcedência do recurso. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.Como é sabido, são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o âmbito do recurso pelo que apenas abrange as questões aí contidas (artº 690 nº 1 do C.P.C.). Do que delas decorre verifica-se que constitui questão a decidir a de se saber se vendido por todos os herdeiros um bem da herança ilíquida e indivisa cessam os poderes de administração do cabeça do casal relativamente a esse bem. * A sentença recorrida não descrimina os factos que considera provados e que fundamentam a decisão, embora decorra da sua explanação, à falta de impugnação, que são todos os alegados pelo A. “com excepção do facto de o contrato de arrendamento celebrado por um seu representante e por “C” ter caducado, uma vez que esta o outorgou na qualidade de co-proprietária e não de cabeça de casal da herança”Importa, pois, indicar qual a factualidade a atender para o conhecimento do recurso. Consideram-se assim assentes os seguintes os factos: 1 - Por escritura pública lavrada em 23 de Maio de 2002 a fls. 20 a 22 do Livro de Notas nº 125-H do 15º Cartório Notarial de … o A. declarou comprar e “C”, “E”, “F”, “G” e “H”, declararam vender o prédio urbano sito na … em …, composto de casa com primeiro andar, com o nº … de polícia, que confronta a norte com a …, do sul com … e herdeiros de …, do nascente com Rua … e do poente com herdeiros de …, descrito na C.R. Predial de … sob o nº …, freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana sob o artº … 2 - O direito de propriedade sobre o referido prédio encontra-se inscrito a favor do A. pela inscrição G-3, lavrada na sequência da apresentação nº …, primeiro provisoriamente por natureza e convertida em definitiva pelo averbamento nº … 3 – “C”, “E”, “F”, “G” e “H” sucederam como herdeiros (sendo a primeira cônjuge meeiro) de “D”, falecido em 13/12/1998. 4 - Foi promovido o registo de aquisição, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor das pessoas indicadas em 3 do prédio identificado em 1, pela inscrição G-2, lavrada na sequência da apresentação nº 1 de 21/07/99, inscrição que teve por causa a dissolução da comunhão conjugal e a sucessão hereditária por óbito de “D”. 5 - Assumiu o cargo de cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de “D” a cônjuge sobreviva “C”. 6 - Pelo documento junto a fls. 26/27, “C”, invocando a qualidade de co-proprietária e cabeça de casal, e “B”, representado por F… estabeleceram entre si um contrato de arrendamento pelo qual aquela deu de arrendamento e este aceitou o prédio identificado em 1, para vigorar pelo período de um ano, com início em 1 de Março de 2000, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais e nas mesmas condições, enquanto por qualquer das partes não fosse denunciado nos termos da lei. 7 - Foi ajustada a renda anual de Esc. 120.000$00, devendo o arrendatário pagá-la em duodécimos de Esc. 10.000$00 mensais à senhoria ou em conta bancária de que era titular “C”, no primeiro dia útil a que respeitasse e ficou acordado que o local arrendado se destinava a servir de sede do “B”. 8 - O A. dirigiu ao R., em 2/07/2002, a carta registada com A/R que este recebeu e de que é cópia o doc. de fls. 28 comunicando-lhe que pela escritura referida em 1 havia adquirido o prédio objecto do contrato de arrendamento referido em 6 e, invocando a caducidade do mesmo, pede a sua entrega livre e desocupado, o que este não fez. Defende o Exmº juiz na sentença recorrida que o contrato de arrendamento em causa nos autos não caducou com a venda do prédio ao A. porquanto não foram efectuadas partilhas da herança em que o mesmo se integra, sendo que apenas com elas cessam os poderes de administração em cujo âmbito o cabeça de casal celebrou o referido contrato. Vejamos. Consagra o artº 66 nº 1 do RAU um regime geral de caducidade para os arrendamentos urbanos, nos casos fixados pelo artº 1051 do C. Civil. E resulta do disposto na alínea c) do artº 1051 do C. Civil que o contrato de locação caduca quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado. A herança, antes da partilha, é uma universalidade de direito, cuja administração, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal (artº 2079), cargo que é deferido nos termos constantes do artº 2080 do C. Civil e que, in casu, nenhuma dúvida se suscita que o mesmo cabe a “C”. E também é ponto assente que foi na qualidade de co-proprietária e cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu marido, “D”, que a referida “C” deu de arrendamento ao R. o prédio em causa nos autos. Da herança fazem parte todos os bens existentes no património do de cujus à data da sua morte, sendo certo que a posse dos mesmos (bens concretos) pelos herdeiros só se efectiva com a partilha. A tais bens da herança acrescem ainda os referidos no artº 2069 de que se destaca o preço dos bens alienados (al. b)). Mas nada impede a venda de um imóvel pertencente a uma herança ainda não partilhada desde que haja o acordo e a intervenção de todos os herdeiros (cfr. Ac. R.C. de 15/11/94, BMJ 441, 409). É o que resulta do artº 2091 nº 1 nos termos do qual, em tudo o que não respeita aos poderes do cabeça de casal e fora dos casos especialmente previstos na lei, como o da reivindicação dos bens em poder de terceiro, os direitos relativos há herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. Os herdeiros podem, pois, alienar imóveis da herança, desde que o façam conjuntamente. Porém, tal venda não configura uma partilha antecipada já que o preço fica sub-rogado no lugar do imóvel como resulta do referido artº 2069 al. b) do C. Civil. Ora, é evidente que vendido um bem da herança, in casu, um imóvel, passando esta a ser integrada pelo respectivo preço, cessa o regime de administração a que o prédio estava sujeito pois este bem deixou de integrar aquele património e já não pode ser objecto de partilha. Não são os poderes de administração no aspecto subjectivo que estão em causa no artº 1051 al. c), mas o regime de administração em geral. Como escreve Aragão Seia “Quando a lei se refere aos poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado, quer se referir àqueles que em geral a lei confere em determinada situação e são esses os poderes, não subjectivados, com base nos quais se celebra o contrato. É, pois, a administração e não o administrador que se tem em consideração no aludido preceito da lei. Quer dizer o regime de caducidade opera não a partir da cessação dos poderes daquele que em concreto, no uso desses poderes, deu o prédio de arrendamento, mas quando cessa, em geral, o regime de administração a que o prédio está sujeito e com base no qual se atribuíram esses poderes” (Arrendamento Urbano, 6ª ed., pág. 461). Não podendo já ser objecto de partilha um bem da herança vendido por todos os herdeiros é manifesto que cessa em relação a esse bem o regime de administração a que estava sujeito quando integrava a herança, nela se sub-rogando pelo respectivo preço. Não assiste, pois, razão ao Exmº juiz ao concluir que só a partilha ou a liquidação da herança fazem cessar a administração do cabeça de casal relativamente a um bem que foi alienado por todos os herdeiros sendo que o entendimento jurisprudencial em que se louva não contempla a situação dos autos (venda por todos os herdeiros de um determinado bem da herança), mas aquela em que o imóvel se mantém na universalidade de bens que a constituem e em que ocorreu a cessação dos concretos poderes legais de administração do cabeça de casal sem que tivesse cessado o regime de administração do bem locado. O que não configura, como se viu, o caso subjudice. Assim sendo e porque com a venda por todos os herdeiros ao A., do prédio dado de arrendamento ao R., cessa a administração do cabeça de casal relativamente ao mesmo, verifica-se, em consequência, a caducidade do contrato de arrendamento de que o prédio foi objecto. Nos termos expostos procedem, in totum, as conclusões da alegação do apelante concluindo-se que: - Quando o artº 1051 al. c) do C. C. se refere aos poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado, quer referir-se àqueles que em geral a lei confere em determinada situação e são esses os poderes, não subjectivados, com base nos quais se celebra o contrato. - Alienado por todos os herdeiros um determinado prédio da herança, cessa em relação ao mesmo o regime de administração a que estava sujeito e com base na qual foi dado de arrendamento, ficando subrogado na herança pelo respectivo preço (artº 2069 al. b) do C. Civil) - Nessa situação verifica-se a caducidade do contrato de arrendamento celebrado pelo cabeça de casal como administrador da herança. DECISÃO Nesta conformidade, acordam os Juizes desta Relação em julgar procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, julgar a acção procedente e, em consequência: Declarar-se extinto por caducidade, o contrato de arrendamento celebrado entre “C” e o Réu “B” que teve por objecto o prédio identificado nos autos e condenar o Réu a entregá-lo ao A. livre e desocupado de pessoas e bens. Custas pelo apelado. * Évora, 09/12/04 |