Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | EXCESSO DE PRONÚNCIA REENVIO DO PROCESSO | ||
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Data do Acordão: | 06/03/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Pode configurar “excesso de pronúncia”, configurada como nulidade pelo artigo 379º, nº 1, al. c) – in fine, a circunstância de o tribunal recorrido ter realizado um novo julgamento quando a decisão de reenvio era parcial. Mas assim não será se estivermos perante um facto complexo a inviabilizar o conhecimento parcial, espartilhado, de um evento que se desdobra em vários factos. II - A credibilidade de uma testemunha é algo que pode ser comprovado em audiência de julgamento e essa possibilidade está contida no cerne do direito à cross-examination, necessariamente do contraditório inerente a qualquer processo de raiz acusatória. III - O exercício de tais direitos deve ser efectivado em audiência de julgamento e não negado ou reenviado para outra fase processual. Negado este – o direito ao contraditório via cross-examination - negado está o direito a um processo justo e equitativo. IV - No caso de julgamento em virtude de “reenvio parcial”, o tribunal recorrido deve permitir o exercício do contraditório quanto às afirmações de sinal contrário proferidas pela testemunha no “anterior” julgamento pois que, por via do reenvio parcial esta era apenas uma fase de audiência de um mesmo “julgamento”. V - As afirmações da testemunha no “primeiro” julgamento não são equiparáveis às prestadas em inquérito, por serem fases processuais distintas e prestadas perante diferentes entidades. VI - Um veículo é um corpo sólido que está sujeito às leis da física e é passível de mensuração a sua capacidade para se imobilizar em função da sua massa e da velocidade de que vai animado. Assim, não sendo uma verdade absoluta, não são de desprezar e devem mesmo ser aceites como elementos adjuvantes de muita relevância, os conhecimentos que nos são transmitidos através da física e da matemática para apurar das velocidades de imobilização dos corpos sólidos que são os veículos automóveis. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora. A - Relatório: No âmbito do processo comum perante tribunal singular n.º … do Tribunal Judicial de … foi o arguido A. … por sentença de 21-07-2006, na procedência da acusação, e na parte crime: Condenado como autor de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, n.º 1 CP, na pena de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 1.920,00 (mil e novecentos e vinte euros) e no mais legal. Mais foi julgado parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido por B. …e C. … e condenar a demandada Companhia de Seguros “X” a pagar aos demandantes, a quantia global de € 151.424,56 (cento e cinquenta e um mil quatrocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), assim repartidos: . Em conjunto aos demandantes B… e C. .. - € 1.785,20 (mil setecentos e oitenta e cinco euros e vinte cêntimos), acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação da demandada seguradora para contestar o pedido civil, até efectivo e integral pagamento; Em conjunto aos demandantes - € 74.819,68 (setenta e quatro mil oitocentos e noventa e nove euros e sessenta e oito cêntimos); . À demandante C. - € 44.891,81 (quarenta e quatro mil oitocentos e noventa e um euros e oitenta e um cêntimos); . Ao demandante B. .. - € 29.927,87 (vinte e nove mil novecentos e vinte e sete euros e oitenta e sete cêntimos); E absolvida a demandada companhia de Seguros X do demais contra si peticionado. Absolvido o demandado A…. do pedido civil contra si formulado. * ………………… * Procedeu-se a um primeiro julgamento, tendo sido proferida sentença onde se julgou a acusação improcedente, absolvendo-se o arguido do crime pelo qual vinha acusado e relegando-se o pedido civil para os meios comuns para aí ser conhecido.De tal decisão os demandantes/assistentes interpuseram recurso para este Tribunal da Relação de Évora, tendo este Tribunal, por acórdão de 09.11.2004, decidido o reenvio do processo para apurar das concretas e parciais questões ali suscitadas, a saber, apurar se a via era (ou não) visível numa extensão não inferior a 100 metros, ou se o arguido não olhou, ou olhou e não viu o motociclo, entre outras circunstâncias relativas ao acidente em causa. O Tribunal de … procedeu a novo julgamento onde veio a conhecer de toda a matéria suscitada ab initio no processo, concluindo pela decisão de condenar o arguido e a demandada cível, como supra referido. Mais foi decidido declarar prescritas as contra-ordenações e determinar o consequente arquivamento dos autos nesta parte. * Inconformado, o arguido interpôs recurso peticionando a sua absolvição ou, a ser considerado que o arguido mesmo assim cometeu o crime previsto no artigo 137 nº 1 Código Penal, a pena a aplicar deverá ser especialmente atenuada nos termos do disposto no artigo 72º nº 1 Código Penal e, mesmo em caso de condenação nos precisos termos da sentença, ainda assim e por aplicação do disposto no artigo 71º do CP a pena a aplicar será, não só a de multa, mas fixada não praticamente no seu máximo mas sim em 135 dias de multa à taxa de 6 euros diários perfazendo 810 euros, com as seguintes conclusões:* NULIDADE DA SENTENÇA 1 -Deve ser considerada nula a sentença por violação do disposto no artigo 379 nº 1 c) CPP e tendo em conta que não se pronunciou nem nada disse sobre a questão essencial de o semáforo ter passado de verde para amarelo quando o arguido por ele passava ao entrar no cruzamento das Quatro Estradas e vindo de … . Isto quereria dizer que, conforme a sequência confirmada de todos os semáforos, no sentido … /… de onde vinha o motociclo o semáforo teria passado também nessa altura para amarelo, e que depois, tendo em conta a forma lenta como o arguido se desloca para o local do embate, a forma como dá passagem a outro veículo, torna-se claro que o semáforo já estaria vermelho ou pelo menos no fim do ciclo do amarelo. Em face da nulidade e dos elementos constantes do processo o tribunal de recurso pode proceder à correcção desta nulidade - art. 379 nº 2 Código de Processo Penal Esta omissão de pronúncia sobre a matéria da contestação acarreta a nulidade da sentença, prevista no art. 379°, nº 1, c) do CPP e deverá conduzir à repetição do julgamento, nos termos da decisão do reenvio, quando mais não seja, para "averiguar dos factos em falta e considerados indispensáveis e necessários para a decisão" (v. Ac. RC, de 24-Out-1990, CJ, XV, 5, 72), a menos que o Tribunal da Relação entenda que deverá haver renovação da prova para evitar esse reenvio. AL TERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA POR PROVADA E QUE ESTEVE NA BASE DA CONDENAÇÃO 2- Deve ser eliminada por não sustentada em qualquer elemento credível a matéria respeitante ao ponto 11 da factualidade dada por provada na sentença recorrida, no sentido de que no sentido de marcha da vítima a sinalização luminosa encontrava-se verde. Manter-se-á a resposta dada e já apreciada em acórdão dessa Relação de que o sinal se encontrava amarelo. Em face dos elementos de facto constantes no processo e do disposto no art. 412 n° 3 CPP, tem a Relação poderes para considerar como não credível o depoimento de E. … quanto à cor do semáforo, mantendo que o semáforo estava amarelo no sentido em que se apresentava o motociclo, tal como havia ficado provado no primeiro julgamento. As provas contidas nos autos impõem claramente uma decisão diversa da que foi tomada na sentença em apreço e que por isso pode ser tomada por esse Tribunal de recurso. Contudo e caso assim esse Tribunal não entenda dever-se -á optar pela renovação da prova nomeadamente com o depoimento da testemunha DMP registado na cassete 232, lado B, e cassete 233 lado A que choca completamente com as declarações prestadas pelo arguido e pelas demais testemunhas que se encontravam claramente no local do acidente art. 412 nº 3, a) a c) e nº 4 CPP 3- Deve ser dada por não provada porque não sustentada em qualquer elemento probatório e completamente conclusiva, a matéria constante dos pontos 20, 21 e 22 da sentença recorrida, ao invés da parte inicial do ponto 20 que já constava nas anteriores decisões e que será apenas "O arguido não representou nem quis o resultado verificado" 4 -O tribunal não apreciou nem valorou como devia o Estudo constante a fls. 666, realizado cientificamente pela maior sumidade nacional sobre reconstituição de acidentes de viação que aprecia em concreto e não academicamente os vários elementos de facto que estiveram presentes na produção do acidente de viação, concluindo que o motociclo vinha com uma velocidade fixada entre 95 km/h e 103 km/h o que é uma precisão importante. a. Não analisou como o deveria ter feito a douta sentença a fotografia com legenda na qual se vê o tempo de aproximação do motociclo ao local de embate a uma velocidade de 90 km/h fixado em 4 segundos a uma distância de 100 metros, tempo necessária mente reduzido em caso de velocidade superior e em caso de redução de visibilidade tendo em conta o facto de ser de noite, do plano para o arguido ser inclinado a subir, e de existirem arbustos mesmo que pequenos no local 5 -O condutor do motociclo imprimiu ao veículo que conduzia uma velocidade que não lhe permitiu parar o mesmo no espaço livre à sua frente, violando o disposto no art. 24 nº 1 CE, e bem assim violou o especial dever de cuidado quanto à redução de velocidade nos cruzamentos, referida no artigo 25 nº 1 t) CE, assim como o dever geral de cuidado retirado do art. 15 do C.P., sendo a velocidade desadequada a causa principal do acidente. Foi o motociclo que foi embater com o veículo conduzido pelo arguido sendo que tinha suficiente espaço à direita do local de embate e tendo em conta o sentido de marcha do motociclo para passar, não se tendo provado que de alguma forma o veículo automóvel tapasse completamente a faixa de rodagem do motociclo. 6 Contribuindo o condutor do motociclo de forma decisiva para o acidente, e em grau muito superior aquele em que contribuiu o arguido, deverá a sentença ser alterada neste ponto, passando a constar que o acidente se deveu em maior proporção à velocidade desadequada que o condutor do motociclo imprimia a este veículo. 7 Constam dos autos elementos claros que imputam ao condutor do motociclo a prática de conduta reprovável e assim o Tribunal da Relação deverá revogar a sentença em recurso, determinando por acórdão que a conduta da vítima violou de forma decisiva o dever contido no art. 15 do CP e bem assim o disposto no art. 29 nº 2 CE, contribuindo a sua conduta em grau muito superior à do arguido para a produção do acidente. A ser considerado que o arguido mesmo assim cometeu o crime previsto no art. 137 nº 1 CP a pena a aplicar deverá ser especialmente atenuada nos termos do disposto no art. 72 nº 1 CP 8 -Mesmo em caso de condenação nos precisos termos da sentença, ainda assim e por aplicação do disposto no art. 71 do CP a pena a aplicar será, não só a de multa, mas fixada não praticamente no seu máximo mas sim em 135 dias de multa à taxa de 6 euros diários perfazendo 810 euros. VENERANDOSJUÍZESDESEMBARGADORES O recorrente tem perfeita consciência de que o acto de condução é algo de perigoso e que nele se tem de proceder com o máximo cuidado sempre tendo em atenção a globalidade das regras estradais. O recorrente como oficial da GNR constata diariamente com as situações mais gravosas no campo da sinistralidade automóvel e tem contribuído o mais que pode para a elas pôr cobro. A forma como em ambas as sentenças se deu como provado que entrou no cruzamento dando toda a prioridade a pelo menos um veículo que se apresentava no sentido … /… coloca a todos a interrogação sobre qual a razão porque não deu também passagem ao motociclo conduzido pela infeliz vítima. A sua velocidade era reduzidíssima como ficou provado, nenhuma pressa tinha nem se dirigia a qualquer evento onde fosse forçosa e urgente a sua presença. Depois de todos estes anos de reflexão tem o recorrente a consciência perfeita de que só avançou porque não vislumbrou ninguém no dito sentido .../.... E se era visível a estrada em cerca de 100 metros como se quer dar por provado na sentença o tal que significa é que o motociclo vinha imbuído de uma velocidade tal que lhe permitiu galgar essa distância em segundos. *** A X - companhia de seguros, s.a, não se conformando com a decisão, interpôs recurso pedindo que o mesmo seja julgado procedente e seja anulada a sentença recorrida, quer por violação do disposto art. 379º, n° 1, c) do CPP, quer por desrespeito da decisão do reenvio e violação do art. 426º do mesmo CPP;Quando assim se não entenda, deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de factos no tocante à que ficou apontada nas conclusões e no sentido indicado ou renovada aprova indicada se assim for entendido e em consequência revogada a sentença recorrida e a demandada ora recorrente; Quando ainda assim se não entenda, deverá julgar-se que o lesado concorreu gravemente com o seu comportamento culposo para a produção do acidente e sobretudo para a sua própria morte e de tal forma que a indemnização deve ser excluída, ou senão, reduzida na porção das sua culpa, nunca inferior a 90% e fixando-se ao montantes das indemnizações pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais dos demandantes em quantias não superiores, respectivamente, a 50.000,00E e a 20.000,00E cada um; Formulando as seguintes (transcritas) conclusões: I – Da nulidade da sentença l.a -A demandada e ora recorrente alegou nos arts 3°, 4°, 5° e 6° da sua contestação o seguinte: 3°. -O veículo automóvel de matricula 94-57-BF, segurado na ora contestante que provinha do lado de ..., pretendendo tomar o sentido de Almancil, 4°. -Ao chegar ao cruzamento deparou com o sinal verde para andar em frente e com o amarelo intermitente para virar para a esquerda sentido de Almancil. 5°. -Exactamente no momento em que ir a entrar no cruzamento o semáforo verde mudou para amarelo. 6°. -O mesmo sucedendo ao sinal do semáforo do lado oposto no sentido de … -…." - os sublinhados são nossos. 2.a- Sobre estes factos dos arts 4° e 5° da contestação da demandada e ora recorrente não se pronunciou a sentença -não há qualquer referência a eles nem nos factos provados (págs 3 a 6 da sentença) nem dos não provados (págs 6 e 7 da sentença). 3.a -Estes factos são essenciais, são fundamentais para a decisão da causa, pois que uma resposta positiva aos mesmos, isto é, a dar-se como provado que o arguido quando passou o semáforo, no exacto momento em que passou por ele e entrou na EN 125, o semáforo passou de verde para amarelo, tal implica, necessariamente, que do outro lado, no sentido de trânsito oposto, de ... para ..., sentido em que seguia o motociclo, o semáforo estava também, pelo menos, amarelo e não verde como se deu como provado, no n° II dos factos provados (pág 4 da sentença) ao contrário do que já se encontrava fixado no acórdão que determinou o reenvio para este julgamento 4.a -Esta omissão de pronúncia constitui nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 379º ,n ° I, c) , CPPenal. II -Do objecto do novo julgamento face à decisão do reenvio: a totalidade do processo ou as questões concretamente identificadas na decisão de reenvio. 5.a -A decisão do reenvio, ou seja, o acórdão que determinou o novo julgamento apontou as questões concretas a esclarecer e resolver no novo julgamento, não tendo determinado que o novo julgamento se realizasse em relação à totalidade do processo, mas apenas em relação às questões concretamente identificadas na decisão do reenvio, nos termos do disposto no art. 426º, nº 1 do CPPenal, tendo em vista, na expressão do acórdão (pág. 17, in fine) ". ..esclarecer os factos acima descritos e sanar tal vício". 6.a -Porém, o tribunal recorrido, desrespeitou esta decisão e realizou novo julgamento, abarcando a totalidade do processo e não as questões concretamente colocadas, indo ao ponto de dar agora como não provada matéria de facto já dada como assente no próprio acórdão do reenvio e que nem sequer tinha sido objecto de recurso sobre a matéria de facto apresentado pelos demandantes, como seja, que o semáforo estava amarelo para o motociclo, assim subvertendo o que constituía pressuposto da decisão do reenvio. Na verdade 7.a -A decisão do reenvio diz expressamente que "O motociclo apresentava-se pela direita e, por conseguinte, o arguido estava obrigado a ceder-lhe prioridade (disso não parece haver dúvidas, tendo concretamente em conta os sinais luminosos de trânsito que se apresentam a um e outro, ..." (p. 16, in fine do acórdão do reenvio), sinais luminosos esses que resultam do acórdão serem o amarelo intermitente para o arguido e amarelo para o motociclo. 8.a- Desrespeitando esse acórdão e entrando em contradição com ele o tribunal recorrido veio agora a dar como provado (aliás sem fundamento, como veremos) que sinal luminoso para o motociclo era, afinal, verde e não amarelo, no n° 11 dos factos provados, o que é objecto de impugnação neste recurso. III -IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 9.a- Impugna-se a matéria contida no n° 11 dos factos provados e a seguinte matéria dos factos não provados ( p. 7, 8° § da sentença): - que o semáforo estivesse amarelo quando o motociclo por ele passou...", pois que as declarações do arguido, atrás e transcritas, constantes da cassete n° 128, lados A e B, e o doc. de fls 697, considerado probatório pela sentença e que aponta para a sintonia dos semáforos colocados em sentidos opostos e para os tempos de passagem do verde para amarelo e para vermelho, que fixa em 3 segundos, conjugado com as regras da experiência comum e a lógica do homem médio impõem que se responda no n° 11, que a sinalização luminosa no sentido de marcha da vítima G. se encontrava, pelo menos, amarelo e não verde e que deixe de se dar como não provado que o semáforo estivesse amarelo quando o motociclo passou, que se deve dar como provado. Note-se, aliás, que o H, irmão da vítima, e que no anterior julgamento, perante a senhora juíza anterior afirmou que o sinal estava verde (não tendo, agora, sido permitido o confronto com esse depoimento, que o art. 356, nº 3, h) do CPPenal parece consentir, como se vê da parte final do seu depoimento no lado B da cassete n° 128), agora se limitou a dizer, ao contrário, que apenas viu o sinal verde a 50/60 metros e que ao passar pelo sinal "deu para ver o reflexo" (mesma cassete n° 128, lado R), nada mais tendo visto, nem sequer o veículo automóvel que precedeu o motociclo, a quem o arguido deu prioridade, veículo Que nunca viu, mesmo quando vinha circulando na estrada de ...-..., como se vê do seu depoimento, assim como afirma não ter visto o veículo do arguido. O exame crítico deste depoimento, só por si, assim como do seu confronto com as declarações do arguido e com o seu anterior depoimento, em que disse que viu o amarelo, sem precisar a que distância, e disse-o perante a senhora juíza, julgadora, o que parece relevar face ao apontado art. 356, nº 3, h), CPP, assim como com a circunstância de se tratar de ponto de facto que não havia que esclarecer, face à decisão do reenvio, todos esses elementos parecem impor a falta de credibilidade do mesmo depoimento que serviu de fundamento para formar a convicção do tribunal. 10.a- Estas provas impõem decisão diversa da recorrida, mas se esse Venerando Tribunal considerar que são insuficientes, deverão então essas provas ser renovadas, assim como o depoimento da testemunha D M S P (registado na fita magnética n° 232, lado B e continua na fita n° 233, lado A) que também serviu de fundamento para a convicção do tribunal quanto ao referido facto, mas não põe em causa a coerência, espontaneidade, seriedade e a credibilidade das declarações do arguido (art. 412°, n° 3 a), b) e c) e nº 4, CPPenal). 11.a- Impugna-se, ainda, toda a matéria dos nos 20, 2ª parte (a partir de não quis o resultado verificado), 21, 22 e 23 dos factos provados e a matéria dos factos não provados constante do quinto parágrafo da pág. 7 da sentença, que se passa a reproduzir: "que o arguido quando avançou pelo cruzamento, e depois de ter deixado passar um veículo automóvel, verificou que o podia fazer em segurança. Na verdade, apesar de, no n° 17 dos factos provados se assentar em 17 -O arguido podia avistar, como avistou, a faixa de rodagem da 96 no sentido ...-..., numa extensão não inferior a 100 metros, antes de iniciar a manobra de mudança de direcção" (o sublinhado é nosso), altura em que o motociclo não estava no seu campo de visão, pois só passou alguns segundos, cerca de 5 segundos, depois do veículo automóvel que o precedia (note-se numa conta aritmética muita singela, ao alcance de qualquer intelecto, mas que às vezes é olvidado, que só a 90 Kmlhora, um veículo percorre 25 metros num segundo - basta dividir 90.000 metros por 3600 segundos, que é o tempo de uma hora -, ou seja, 125 metros em 5 segundos, assim como percorre 138,8 metros se a velocidade for de 100 km/hora) não se encontra determinada a distância que podia avistar no momento em que já havia iniciado a trajectória de mudança de direcção e já se encontrava de lado, e não de frente, para a EN 396, após ter deixado passar o veículo que precedeu o motociclo e ia a entrar na EN 125, com a frente do seu veículo virada para essa estrada. Nesse momento da trajectória, o arguido, que se encontra a cerca de 12,5 metros do ponto de embate, já está de lado para EN 396, e não avista luz nem qualquer veículo, embora possa ser visto, de frente, pelo condutor do motociclo -porque o que um avista o outro também tem que avistar, as visões são, no mínimo, recíprocas, sendo certo que essa reciprocidade desaparece quando o arguido passa a estar de lado e o motociclo de frente, em que o campo de visão deste para a frente é total e o arguido passa a ter visão periférica. 12.a -Sabe-se que o motociclo circulava a mais de 50 km/hora ( n° 13 dos factos provados) mas não se sabe a que velocidade concreta circula. Podia circular a 90 ou 100 km/hora, pelo menos. Aliás, a violência do embate, patenteada pela projecção da mota pelo ar (n° 9 dos factos provados) e a projecção do corpo da infeliz vítima G. … a 18 metros de distância (n° 8 dos factos provados ), que seriam mais, se não encontrasse a grade de ferro da janela do prédio sito no cruzamento, lateral à EN125, a 1 metro de altura do chão, patenteiam que a velocidade do motociclo não era de 50 ou 60 km/hora, mas sim muito mais. Ainda que fosse apenas cerca de 70 km/hora, o motociclo encontrar-se-ia a 60 metros desse local do embate, 3 segundos antes do embate, pois que percorre, a essa velocidade, 20 metros, por segundo. Não está determinada a distância do campo de visão do arguido no momento em que para ou afrouxa para dar passagem ao outro veículo e vira para Almancil. Por isso o facto de o motociclo se encontrar a circular por aquela EN 398 não acarreta que o arguido o pudesse avistar, ou seja, que o motociclo se encontrasse dentro do seu campo de visão. E daqui que não sejam legítimas as conclusões que se contêm nos nºs 20, 2a parte, 21, 22 e 23 dos factos provados ou, quando se entenda que são factos e não conclusões, tais factos carecem de fundamentação. E deverá antes dar-se por provado que o arguido quando avançou pelo cruzamento, e depois de ter deixado passar um veículo automóvel verificou que o podia fazer em segurança -são essas as suas declarações, que se passam a reproduzir, e que impõem decisão diversa daquela que fica impugnada (cassete n° 128, lado R, parte final das declarações do arguido): "quando deixo passar o outro veículo estou de frente para ... (lapso, pois quer dizer ...), com a visibilidade entrecortada pela lomba e pelos arbustos, que cortam ligeiramente o ângulo de visão; mas à distância que eu vejo não vejo nada e interiorizo que é uma distância de segurança para imprimir velocidade ao veículo e sair do cruzamento. Aliás, se assim não fosse, tínhamos que estar ali parados sempre à espera que viesse alguma coisa"..." e não vi qualquer luz". IV -da responsabilidade civil - a culpa do lesado - o art. 570º do Código Civil l3.s -A Jurisprudência é unânime em afirmar que o direito de prioridade não é absoluto. l4.s- A própria lei o afirma no n° 2, do art. 29, do CEstrada: "O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito." l5.s -No que toca estritamente ao aspecto cível, e tendo em conta apenas os factos provados e só esses, isto é admitindo por mera hipótese, só para feitos de raciocínio, que o motociclo tivesse passado no verde, temos que o segurado da demandada ora recorrente, no momento do embate, estava a concluir a manobra de atravessamento do cruzamento e de mudança de direcção, durante a qual, na própria lógica da sentença, era avistável pelo condutor do motociclo em todo o percurso da trajectória dessa manobra de atravessamento e de mudança de direcção, enquanto que o motociclo estava a iniciar a entrada no cruzamento. l6.s -E nessas circunstâncias o condutor do motociclo nada fez rigorosamente nada, nem sequer travou, sendo que, na lógica da sentença tinha o dever de atentar no veículo do segurado da ora recorrente, porque esse veículo estava sempre dentro do seu campo de visão e o condutor do motociclo não estava dispensado de cumprir o dever geral de qualquer utente das vias. públicas seguir atento ao trânsito ( e se, na lógica da sentença, o arguido tinha o dever de atentar no motociclo, o condutor deste tinha igual dever, pois aqui não entra a prioridade mas apenas a tenção ao trânsito ). 17.a -Tinha o dever de atenção ao trânsito, o dever geral de cuidado, imposto pelo art. 15° do C Penal, mas ainda o dever de reduzir especialmente a velocidade no cruzamento (art. 25°, nº 1,f) do CE) e ainda estava vinculado ao dever geral de regular a velocidade de modo a fazer parar o motociclo no espaço livre e visível à sua frente (art. 24°, nº 1, do CE). 18.a -O condutor do motociclo e infeliz vítima do acidente não respeitou nenhum destes deveres, sendo certo, como resulta dos próprios factos provados, que o veículo do segurado da ora recorrente não lhe surgiu inopinadamente à sua frente. Na verdade, 19.a -O veículo do segurado da demandada não surgiu inopinadamente ao condutor do motociclo, pois os ângulos de visão são, no mínimo, recíprocos, enquanto circulam em sentidos opostos, passando a ser maior o ângulo de visão do condutor do motociclo quando o arguido começa a virar à esquerda -e é nessa posição que se dá o embate -com a frente do veiculo do segurado já quase virada para Almancil. Ora, 20.a -Na lógica da sentença, tendo em conta designadamente o acto provado do n° 17, o condutor do motociclo podia ver o veículo do segurado da demandada a, pelo menos, 100 metros, pelo que não se compreende, a não ser por omissão dos seus referidos deveres, que não regule a velocidade por forma a evitar uma tamanha violência do embate que lhe provoca uma projecção de 18 metros contra agrade de uma janela (nº 8 dos factos provados) situada em nível superior ao do solo e ainda vá amolgar essa grade, como também não se compreende que não trave, nem que entre no cruzamento a tamanha velocidade com um veículo pela frente, cujo embate só ele, condutor do motociclo, podia evitar, a não ser por omissão daqueles seus deveres. 21.a -Nas circunstâncias em que o embate se deu, e independentemente de saber se o dever de dar prioridade foi violado e em que medida o foi, não sendo o direito de prioridade um direito absoluto, o comportamento do lesado, flagrantemente violador das referidas regras do Código da Estrada e tendo ele todas as condições para evitar o acidente, com um mínimo de cuidado e atenção, deve ser considerado determinante da sua produção e dos danos causados, sobretudo da sua própria morte e, por consequência, a indemnização deve ser totalmente excluída, nos termos do disposto no art. 570º do Código Civil, que a sentença recorridas também não observou. V - dos montantes das indemnizações 22.a -Embora se considere que deve ser excluída qualquer indemnização, por cautela imposta por dever de patrocínio, para a hipótese de assim se não entender, consideramos que os montantes da indemnização pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais sofridos dos demandantes fixados na sentença recorrida são muito exagerados. 23.a -Na verdade, uma vez que o critério de fixação do montante dos danos é a equidade, haverá que atender aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, a prática corrente dos tribunais portugueses, para não criar situações de injustiça perante casos análogos. 24 -E a mais recente jurisprudência dos nossos tribunais, como atrás se deixou referido, não vai além dos 50.000,00 € para o dano morte e 20.000,00 € para cada progenitor, pelos danos não patrimoniais próprios, pelo que também aqui a sentença recorrida não observou o disposto nos arts 496 e 494 do Código Civil. *** Notificados da interposição dos recursos e da sua admissão, responderam o Digno Procurador-adjunto no Tribunal de …, os assistentes e os demandantes cíveis pugnando pela manutenção do decidido.*** Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu douto prazer, pugnando pela procedência do mesmo na parte crime.*** Foi observado o disposto no n.º 2 do art. 417º do Código de Processo Penal.Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** B - Fundamentação:B.1 - Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos: 1 - No dia 29 de Janeiro de 0000, cerca das 20h30m, o arguido circulava na EN 396, no sentido ...–..., ao volante do veículo automóvel, ligeiro de passageiros de matrícula …. 2 - Ao volante do motociclo de matrícula …, marca …, circulava G. no sentido ... - .... 3 - Ao atingir o cruzamento da EN 396 com a EN 125, o arguido pretendeu virar à esquerda para entrar na EN 125 em direcção a Faro. 4 - Para o efeito, o arguido avançou com o seu automóvel atravessando a EN 125 no sentido Portimão-Faro. 5 - Previamente, o arguido abrandou a marcha para deixar passar um veículo automóvel que precedia o motociclo conduzido por G. e que circulava no sentido ...-.... 6 - Após ceder a passagem ao aludido veiculo automóvel o arguido prosseguiu a sua marcha e, avançando, entrou na faixa de rodagem da EN 125 no sentido Portimão-Faro. 7 - Quando se encontrava em plena faixa de rodagem, nesse último sentido, e sem ter terminado a manobra, o veículo conduzido pelo arguido foi embatido pelo motociclo, que circulava no sentido ...-..., sobrevindo desse embate o desequilíbrio e projecção do condutor do motociclo, G. .., assim como da pessoa pelo mesmo transportada, H. 8 - Em consequência da projecção, o corpo de G foi projectado pelo ar, vindo a embater no gradeamento de uma janela, a cerca de 18 metros de distância do local do embate, situada num prédio que sito no cruzamento, no lado direito da EN 125, atento o sentido Faro-Portimão. 9 - O motociclo foi igualmente projectado no ar, indo embater no veículo de matrícula …, conduzido por S, que se encontrava parado no semáforo, no sentido Faro-Portimão. 10 - No local existe sinalização luminosa. 11 - No seu sentido de marcha da vítima G, a sinalização luminosa encontrava-se verde. 12 - Na trajectória efectuada pelo arguido, teria o mesmo que respeitar um sinal amarelo intermitente. 13 - O referido motociclo circulava com as luzes acesas a uma velocidade não concretamente apurada mas não inferior a 50 km./hora. 14 - A hemi-faixa de rodagem onde se deu a colisão tem 4,2 m de largura. 15 - A EN 125 tem a largura total de 10,30m. 16 - O tempo estava seco, sendo o piso no local de alcatrão e em bom estado de conservação. 17 - O arguido podia avistar, como avistou, a faixa de rodagem da EN 396 no sentido ...-..., numa extensão não inferior a 100 metros, antes de iniciar a manobra de mudança de direcção. 18 - O arguido circulava a uma velocidade não concretamente apurada mas não superior a 50km / hora. 19 - Como consequência directa e necessária do embate, G. sofreu lesões traumáticas cranioencefálicas e torácicas, designadamente, contusão encefálica múltipla predominante frontoparietal direita, fracturas costais contusão pericárdica, dilatação das câmaras cardíacas por sangue fluido, perfuração dos pulmões, entre outras, as quais estão descritas no relatório de autópsia de fls. 25 a 27, que aqui se dão por reproduzidas, as quais lhe causaram directa e necessariamente a morte, ocorrida nesse mesmo dia, pelas 21h02. 20 - O arguido não quis o resultado verificado, mas podia e devia ter previsto, como consequência natural da manobra que efectuou, naquele local em concreto, a possibilidade de produzir o resultado descrito. 21 - A produção do acidente ficou a dever-se à conduta do arguido, pois que estando num cruzamento e pretendendo mudar de direcção, virando à sua esquerda, sabia que tinha que dar prioridade a todos os veículos que se apresentassem à sua direita, efectuando tal manobra sem colocar em perigo os demais utentes da via, até porque tinha passado por um sinal amarelo intermitente, que lhe impunha um cuidado acrescido e, ainda assim, avançou pelo cruzamento, entrando na EN 125 sem se certificar de que, após dar passagem àquele veículo automóvel que vinha da EN 396 sentido ...-..., outros veículos automóveis aí pudessem circular, como circulavam pois que por aí circulava o motociclo …, que se apresentou pela direita do arguido, o qual, ao avançar pela EN 125 lhe cortou o sentido de marcha, vindo o motociclo a embater no seu veículo automóvel, em plena EN 125, sentido Portimão-Faro. 22 - O arguido sabia que não respeitava com a sua conduta os deveres de cuidado que lhe eram exigíveis, desde logo, assegurando-se que à sua direita não se lhe apresentava qualquer outro veículo automóvel, não obstante, agiu confiando que aquele resultado não se produziria e actuou sem se conformar com tal resultado. 23 - Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. 24 - Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido. 25 - O arguido é…, a esposa é …, vive com dois filhos menores a seu cargo, em casa própria, cujo preço de aquisição amortiza com prestações mensais ao Banco no valor de 798 €; é licenciado …. 26 - Tem carta de condução desde 20.07.1989. 27 - Conhece o local onde se deu o acidente, por lá ter passado várias vezes. 28 – G. nasceu no dia 21.10.1977, era saudável e amigo da família e vivia com os seus pais, com os quais mantinha um bom relacionamento. 29 - Os pais do falecido ficaram transtornados com a perda do seu filho, sentindo um profundo desgosto, e a demandante ainda hoje sente a sua falta, indo quase todos os dias ao cemitério visitar a sua campa. 30 - Após o falecimento de G., os seus pais, ……, despenderam a quantia de € 1.785,20 (Esc. 357.900$00) com o seu funeral. 31 - O falecido trabalhava na construção civil, com a categoria de pedreiro, por conta de ……, auferindo o salário de € 648,44 (Esc. 130.000$00). 32 - O falecido G. costumava ajudar nas despesas de casa, com algum dinheiro ou adquirindo géneros alimentares. 33 - Era um jovem alegre e bem disposto, estimado pelos amigos. 34 - O motociclo conduzido pela vítima era pertença da demandante. 35 - A mãe do falecido é funcionária pública e aufere mensalmente um vencimento-base de cerca de € 384,57 (Esc. 77.100$00). 36 - O veículo conduzido pelo arguido encontrava-se seguro pela apólice nº …, na Companhia de Seguros X, para a qual foi transferida a responsabilidade civil emergente de acidente de viação pelos danos causados a terceiros no exercício da condução da referida viatura. * E como não provados os seguintes:- que o pai do falecido esteja desempregado à longa data; - que os demandante estão sob tratamento médico e sob o efeito de sedativos; - que o falecido acompanhava os pais, em especial a mãe, para todo o lado; - que o motociclo tivesse, à data dos factos, o valor de Esc. 1.500.000$00 e que tivesse sido declarada a sua perda total; - que com a morte do filho os demandantes ficaram privados dos rendimentos necessários à sua subsistência; - que o arguido quando avançou pelo cruzamento, e depois de ter deixado passar um veículo automóvel, verificou que o podia fazer em segurança; - que o motociclo vinha a descrever uma curva para a sua esquerda que retirava a visibilidade ao arguido; - que velocidade em concreto imprimia o falecido ao motociclo por si conduzido e, designadamente, se o mesmo conduzia ou não a uma velocidade de 90 km/h ou 100 km/h; - que o semáforo estivesse amarelo quando o motociclo por ele passou e que imprimiu, ou não, ainda mais velocidade ao motociclo para passar o semáforo com o sinal amarelo; - que velocidade concreta imprimia o arguido ao veículo por si conduzido. “O Tribunal não se pronuncia sobre os demais factos constantes do pedido de indemnização civil, da contestação do arguido e contestação da demandada Companhia de Seguros, por os mesmos conterem matéria conclusiva de direito ou irrelevante para a decisão da causa”. * O tribunal recorrido fundamentou a matéria de facto, do seguinte modo:“O Tribunal, tendo sempre presentes os princípios e regras legais sobre os meios de prova admissíveis em função do objecto do processo (arts. 124° e 125° CPP), modos da sua obtenção e força probatória legalmente conferida, formou a sua convicção de forma livre e à luz das regras da experiência (art. 127° do CPP), tendo em conta que tais regras (como é da Doutrina e Jurisprudência) não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de se reconduzir, objectiva e fundadamente, às provas validamente produzidas e examinadas em audiência, isto sem esquecer, por um lado, e no entanto, que os critérios da experiência comum e a lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica se bastam com a descoberta da verdade material, prático-jurídica, e não exigem a busca da verdade ontológica, transcendental, porventura inalcançável, nem uma livre e ilimitada especulação projectada para hipóteses fora do domínio da racionalidade prática e sem suporte nos concretos argumentos objectivos; e, por outro lado, as exigências algumas vezes já afirmadas, a propósito da matéria, pelo Tribunal constitucional, maxime em termos de fundamentação. Assim, ao dar como provada a factualidade supra descrita, o Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, e bem assim, da prova documental junta aos autos, toda ela livre e criticamente apreciada de acordo com o seu valor legal probatório e as regras da experiência comum, nos termos do art. 127º CPP, examinaram-se, ponderaram-se, todos os documentos oferecidos, isto além da ponderação e conjugação das declarações das testemunhas e do arguido. Discriminando e salientando, para prova das circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o acidente, características da via e estado do tempo, bem como posição dos corpos depois do embate e local provável do embate, o tribunal formou a sua convicção positiva com base nas declarações do arguido, que espontaneamente admitiu toda a factualidade atinente a estes aspectos – excepto no que tange ao facto de ter, por qualquer forma, ter sido ele a dar causa ao acidente - conjugadas com o teor do croqui de fls. 6 dos autos, o qual não foi posto em crise, tendo sido confirmado em audiência de julgamento pelo Soldado da GNR que o realizou, J P F, e que nos mereceu convicção, posto que procedeu à observação do local, tendo feito as medições necessárias, e fez o croqui em face do que viu e do que observou no local. Mais se diga que, para apreciação e percepção do local, suas características, dimensões e visibilidade o Tribunal deslocou-se ao local em causa, podendo aperceber-se, sem intermediários, do tipo de local e sua envolvência, tendo tido a oportunidade de proceder às medições que entendeu pertinentes, bem como efectuar o trajecto de todo o cruzamento em causa, tendo como ponto de partida o local onde o semáforo amarelo intermitente estava posicionado, e por onde o arguido terá passado. Quanto ao circunstancialismo e dinâmica do acidente, a convicção do Tribunal alicerçou-se, por um lado, nas declarações do arguido, conjugadas criticamente com as declarações das testemunhas, documentos juntos aos autos, bem como recurso a juízos de experiência comum, assim, valorámos: - as declarações do arguido, que admitiu que nas descritas circunstâncias de tempo e lugar conduzia o veículo automóvel …, no sentido ...-... e, ao chegar ao cruzamento da EN 396 com a EN 125 (conhecido como o cruzamento das Quatro-Estradas), pretendendo virar à sua esquerda, para seguir no sentido Portimão-Faro, deparou-se com o semáforo amarelo intermitente, prosseguiu a sua marcha, tendo dado passagem a um veículo automóvel que vinha do sentido ...-..., tendo reduzido a marcha do seu veículo, prosseguindo novamente, em aceleração, para entrar na faixa de rodagem para o sentido que pretendia (Faro) e, quando estava no limite do cruzamento, foi embatido na parte da frente do seu veículo, por um motociclo, conforme se apercebeu depois do embate, já que, segundo disse, não deu pelo mesmo vir na EN 396; confrontado com as fotografias de fls. 14 a 24, confirmou tratar-se do seu veículo automóvel e do motociclo em causa. - as declarações de …, esposa do arguido e que o acompanhava no dia dos factos, no banco ao lado do condutor, e que no essencial corroborou e manteve as declarações daquele, frisando que ao passarem o semáforo amarelo intermitente, prosseguiram a marcha e, já no cruzamento, o arguido abrandou a sua marcha para deixar passar um veículo automóvel que vinha de frente (sentido ...-...), não se tendo apercebido de mais nenhum veículo que viesse na mesma via, tendo retomado a manobra de mudança de direcção, só se apercebendo de um “vulto” e de um “estrondo”, e que de imediato não se apercebeu de que havia sido um motociclo, do que apenas ficou ciente a seguir, não tendo sequer saído do veículo automóvel. - as declarações do arguido e de …, resultam ainda, unânimes, quanto ao facto do arguido ter abrandado a marcha para dar a passagem a um veículo automóvel que vinha de ..., retomando novamente a marcha e, embora não precisem em concreto qual a velocidade a que seguia, o certo é que ambos afirmam que seria uma velocidade “reduzida”, não mais de 50 km/h, o que, à luz das regras da experiência resulta verosímil, atenta a circunstância de ter deixado passar um outro veículo, de ir a descrever uma curva, o que o terá levado a reduzir substancialmente a velocidade que imprimia ao veículo; - as declarações de G. .., irmão do falecido, e que relatou os factos de forma imparcial, merecendo a convicção do Tribunal, ao esclarecer que seguia com aquele no lugar do “pendura”, a uma velocidade de cerca de 50/60 km/h, e com as luzes acesas, apercebendo-se – quando estava a cerca de 60/80 metros de distância do semáforo, atento o sentido ...-... – de que este ainda estava verde, e que ao passarem pelo mesmo se apercebeu do reflexo de luz verde do semáforo, no mais, e sobre o embate em si, não soube esclarecer o Tribunal por entretanto ter sido projectado e desmaiado; - as declarações de …, que estava parado no semáforo vermelho, no sentido Portimão-Faro, apercebendo-se do veículo do arguido e deste ter dado prioridade a um veículo (ou dois) que vinham no sentido ...-... e quando já tinha o seu veículo parcialmente virado para o sentido de Faro, ouviu um estrondo e deu-se o embate, embora não saiba precisar como o mesmo se deu, já que apenas se apercebeu depois de ouvir o estrondo e ver o motociclo pelo ar, nada sabendo acerca da dinâmica do acidente; confirmou ainda que se trata de um local de boa visibilidade, e que apesar de haver umas flores, com cerca de 20 cm de altura, no caminho de ..., estas não retiravam visibilidade à estrada. - as declarações de … dos S P, cujo depoimento nos mereceu convicção, apesar dos esforços da defesa em julgamento tentar descredibilizar o seu depoimento, daí que antes, nos mereça tecer o seguinte comentário: É certo que esta testemunha foi aditada nos termos do art. 316º CPP, na pendência dos presentes autos, não tendo sido inquirida em sede de inquérito, contudo, e apesar de se ter tentado durante todo o julgamento descredibilizar as suas declarações, o certo é que o Tribunal ficou convencido de que a testemunha esteve no local e assistiu ao acidente e ao seu modo de produção, pois que a suas declarações surgiram ao Tribunal como credíveis, sentidas e espontâneas, talvez emocionadas, mas não é o sentimento que deixou vertido nas suas palavras que lhe retira a isenção (emoção essa que veio ao de cima, por talvez reviver a noite em que viu o acidente do qual resultou a morte do seu sobrinho), pois que, repita-se, de forma estóica (ante os ataques das questões colocadas, perante o cenário que viveu nessa noite), manteve ao longo de duas sessões de julgamento o seu depoimento, sem contradições e com aparente imparcialidade, que nos convenceram da sua veracidade e sinceridade. Além do mais, não é suficiente para que o seu depoimento não seja tido em conta, o facto de nenhuma das outras testemunhas que esteve no local não se ter apercebido da sua presença, veja-se que algumas das testemunhas nem sequer viu o embate em si, porque razão se haveriam de lembrar da testemunha …, decorridos estes anos todos? Posto isto, importa agora referir que o depoimento da referida testemunha nos mereceu convicção, tendo relatado os factos, a que assistiu, de forma serena (com emoção, naturalmente e que não nos merece censura) e sem contradições, esclarecendo que se encontrava com o seu companheiro, parados no semáforo vermelho, no sentido Guia (Portimão)-..., apercebendo-se que do outro lado da estrada (sentido ...-...) vinha um motociclo, no qual vinham os seus sobrinhos (que reconheceu, pelas características da mota e deles próprios), esclarecendo que vinha com as luzes acesas, e que uma vez que estava no banco ao lado do condutor – era o seu ex-companheiro que estava a conduzir – e não havia mais veículos à frente deles, deu para acompanhar o trajecto por estes efectuado, sendo o local bem iluminado, apercebendo-se do veículo conduzido pelo arguido quando se deu o embate, saindo logo do carro para ir ao local; mais disse que se apercebeu de que o motociclo passou ainda com a luz verde, porque sendo de noite, a luz por este reflectida era visível e dava para se avistar do local onde estava, sendo um local bem iluminado, acrescentando que a meio da estrada de ... existiam, à data dos factos, umas plantas rasteiras mas que não tiravam a sua visibilidade para a referida estrada, daí aperceber-se do motociclo e do seu percurso, o que diga-se, pôde ser constatado pelo tribunal aquando da inspecção que fez ao local, pois que colocando-se no ponto onde a testemunha estava, era visível não só a estrada por onde seguia o motociclo como também o local de embate (de facto, basta acompanhar o trajecto do motociclo com a rotação da cabeça, olhando por cima dos ombros para que tal seja possível, e não se vê onde está a impossibilidade deste facto, como pretendeu concluir a defesa em julgamento). - o depoimento de …, ex-companheiro de …, que corroborou as declarações por ela prestadas, embora esclarecendo que não assistiu ao circunstancialismo em que se deu o embate, por estar atento ao semáforo, embora não estivessem veículos à sua frente, ainda ouviu a … comentar que “ía ali o sobrinho” e depois ainda comentou que “eles iam bater” e saiu do carro a correr, ficando ele no carro com a filha (o que também foi dito por …), não tendo ido ao local do acidente, ao qual também não assistiu, por estar com a atenção focada no semáforo para prosseguir a marcha. - o depoimento de … da …, que estava parado ao semáforo vermelho, no sentido Faro-Portimão, e que não viu o embate, apenas se tendo apercebido que o motociclo veio embater no seu veículo automóvel; Tanto o arguido como C S e as demais testemunhas inquiridas que têm conhecimento do local foram unânimes em afirmar que o local é iluminado, o que aliás foi constatado pelo Tribunal aquando da inspecção judicial, já que é ladeado por iluminação pública e em redor existem estabelecimentos comerciais, com iluminação. Considerámos, ainda, os documentos de fls. 697, o qual permite confirmar a versão do arguido, designadamente, no que se refere à posição dos semáforos, enquandrando-se a fase “C” no caso em apreço (amarelo intermitente para o arguido, verde para o motociclo, atentos os sentidos de transito que cada um seguia). A testemunha …, averiguador de acidentes de viação para a Companhia de Seguros, ora demandada, limitou-se a tecer considerações gerais sobre a sua maneira de explicar o acidente em causa, ao qual não assistiu, tendo-se limitado a ir ao local e averiguado os danos dos veículos para concluir que, em face da sua experiência, o acidente em causa apenas podia ter ocorrido em face da velocidade a que o motociclo devia vir, superior a 90 km/h, contudo, tais considerações não passam de especulações, e não foram confirmadas por qualquer outro meio de prova. Diga-se que o facto do embate ter sido violento, com projecção de corpos e embate numa grade de uma janela, a cerca de 18 metros do local do embate, não permite, sem mais, dar como assente que a velocidade do motociclo era excessiva, in casu, superior a 90 km/h ou mais, pois que nada se provou nesse sentido e apesar dos muitos estudos que se façam para hipotéticas reconstituições do acidente, o certo é que a realidade é muito mais rica e todos os acidentes comportam e encerram em si explicações que vão muito além de qualquer estudo … os acidentes não dependem só das características das vias ou dos veículos, ou das condições atmosféricas … dependem, em muito, do factor humano, e de tudo isto conjugado. Basta falhar um deles, para ruir como um baralho de cartas qualquer estudo hipotético que se possa obter para tentar explicar a realidade. Isto para dizer que a “reconstituição do acidente” de fls. 666 e ss. não foi considerada, embora se possa tratar de um estudo com algum interesse académico, mas nada mais (bom seria que todos os acidentes se explicassem nos termos que ali constam, coligindo vários elementos, características dos veículos – partindo do princípio que estavam em condições óptimas - utilizando algoritmos genéticos de optimização para obtenção das condições em que ocorreu o acidente, entre outros elementos, para depois, num programa de computador, com recurso às leis da dinâmica, obtermos a explicação para o acidente, esquecendo-se, porém, de que a realidade é muito mais rica e complexa e de que existe o factor humano, falível e imprevisível que não tem ali lugar). Dir-se-á que da prova produzida, conjugada com as regras da experiência comum resulta que o acidente se ficou a dever ao modo como o arguido exercia a condução. Na verdade, pretende o arguido fazer crer que nada podia fazer para evitar o embate, até porque não viu qualquer outro veículo na via, e por isso avançou, prosseguindo a sua marcha, contudo, cremos que não será bem assim. Vejamos, o arguido pretendia virar à esquerda, atento o seu sentido de marcha, para tanto, e por ter o semáforo amarelo intermitente, avançou para o cruzamento, abrandou a marcha para deixar passar um veículo automóvel que precedia o motociclo, e retomou a sua marcha, por não ter visto qualquer outro veículo …. Como o motociclo estava na via, não podemos deixar de questionar: se olhou, como pôde não ver? A resposta parece óbvia, e não pode deixar de ser a de que não olhou, ou não olhou com a atenção devida. De facto, o motociclo vinha a circular no sentido de ...–..., com as luzes acesas, o local é iluminado, tendo portanto, visibilidade, (apesar de já ser noite), e não havendo qualquer obstáculo que impedisse a visibilidade e mesmo a existirem plantas rasteiras, estas não retiravam a visibilidade do motociclo, o qual, como se pode ver das fotografias, é de “cross”, e como tal, é um motociclo alto, com um foco de luz, e portanto, visível, por outro lado, o campo de visão do arguido, a contar do semáforo de onde partiu e atenta a estrada por onde vinha o motociclo é superior a 100 metros (tendo o Tribunal tido a preocupação de proceder à medição quando se deslocou ao local), logo, o arguido tinha todas as condições e elementos ao seu dispor para avistar o motociclo, o que não sucedeu porque não tomou as precauções devidas, não olhando com a atenção devida (ou então, avistou-o e arriscou o avanço, embora esta explicação não nos pareça razoável, já que havia deixado passar um outro veículo automóvel momentos antes). Na verdade, o arguido cortou a linha de trânsito do motociclo, quando o podia – e devia – ter avistado, por ter visibilidade, por ser um local iluminado e por este vir com as luzes acesas, e tanto assim é certo que até que deixou passar um outro veículo que precedia o motociclo, tendo inclusivamente abrandado a marcha. Em face de todos estes elementos, ficou o Tribunal convencido de que o acidente se ficou a dever à conduta do arguido, que não respeitou a prioridade do motociclo que se lhe apresentava pela direita, de modo a evitar o embate. Nada o impedia de, naquelas condições de tempo, modo e lugar, ter adoptado outro comportamento que lhe permitisse evitar a morte da vítima, dando prioridade ao motociclo, depois de se certificar de que na via não circulava mais nenhum outro veículo automóvel. Para prova das lesões sofridas pela vítima …, e do nexo de causalidade entre estas e a morte, o tribunal baseou-se no doc. de fls. 25 a 27 (relatório de autópsia). Foram criticamente valorados os documentos de fls. 14 a 24 (fotografias), 90 (assento de óbito), 92 e 94 (elementos de identificação dos pais da vítima), 227 (apólice de seguro do veículo …), 222 a 224 (habilitação de herdeiros). Atendeu-se ainda à exibição em audiência de julgamento da carta de condução de que é titular, cuja cópia consta a fls. 698 para prova do facto descrito em 26. Para prova das condições pessoais, económicas e profissionais do arguido o tribunal atendeu às suas próprias declarações, que nos mereceram convicção. Para prova da ausência de antecedentes criminais atendeu-se ao CRC junto aos autos. Foram valorados os depoimentos de …, que depôs sobre o relacionamento do irmão com os pais, sua personalidade e maneira de ser, esclarecendo que por vezes a mãe até lhe chama de N, mais informou a actividade que exercia o irmão; …, namorada do falecido e depôs acerca das condições de vida daquele e do relacionamento com os pais e do estado emocional destes, principalmente da mãe, e respectivas ocupações; de …, amiga do falecido, com quem mantinha uma relação de amizade, esclarecendo que pouco frequentava a casa deles, apenas sabendo que vivia com os pais; de … e de …, as quais depuseram acerca das condições de vida do falecido e do desgosto sentido pela sua família na sequência do seu falecimento, principalmente da mãe, esclarecendo … que costuma ir duas vezes por semana ao cemitério e de que cada vez que lá vai encontra a demandante na campa do filho; …, avó do falecido e que depôs sobre as condições de vida do neto, o seu relacionamento com os pais, em particular com a mãe, de quem era mais chegado em termos afectivos. Mais se consideraram os documentos de fls. 95, 96, 97, 98, 100 e 101. A matéria de facto dada como não provada ficou a dever-se à circunstância de sobre ela não se ter produzido prova suficientemente segura e credível, já que sobre a mesma as testemunhas inquiridas não souberam com precisão esclarecer o Tribunal (veja-se que apesar de manterem um relacionamento com os pais do falecido, não souberam, de forma segura, esclarecer tais factos, de molde a convencer o Tribunal sobre tal factualidade), por outro lado, não foi junto aos autos qualquer documento comprovativo do valor do motociclo (o que não seria difícil de conseguir), ou do estado em que o mesmo ficou após o embate (não consta dos autos qualquer perícia ou declaração dos danos), outro tanto sucedendo com o alegado tratamento a que os pais do falecido estão sujeitos (não foi junto qualquer atestado ou relatório médico que ateste tal tratamento, o que a ser verdade, sempre seria de fácil comprovação); a demais matéria foi dada como não provada por absoluta falta de prova sobre a mesma, já que nenhuma testemunha a confirmou, nem sobre a mesma se produziu qualquer outra prova, ou porque se produziu prova em sentido contrário (antes se apurou que a manobra do arguido não foi efectuada com segurança, por outro lado, a referida “curva”, conforme o Tribunal pôde constatar com a inspecção ao local, não retira qualquer visibilidade a quem estiver no “Cruzamento das Quatro Estradas”), sendo que no mais, nenhum aprova se produziu que confirmasse tal matéria”. *** Cumpre conhecer.B.2 - O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95. Os recorrentes impugnam a sentença recorrida de facto e de direito, cumprindo os ónus a que se refere o artigo 412º do Código de Processo Penal. Assim, são questões a resolver, abarcando todos os pontos referidos nas conclusões apresentadas em ambos os recursos: Do recurso do arguido: a) Se é nula a sentença por violação do disposto no artigo 379 nº 1 c) CPP e tendo em conta que não se pronunciou nem nada disse sobre a questão essencial de o semáforo ter passado de verde para amarelo quando o arguido por ele passava; b) Que deve ser eliminada por não sustentada em qualquer elemento credível a matéria constante dos pontos 11, 20 (2ª parte), 21 e 22 da sentença recorrida; c) O tribunal não apreciou nem valorou como devia o Estudo constante a fls. 666 nem a fotografia com legenda na qual se vê o tempo de aproximação do motociclo ao local de embate a uma velocidade de 90 km/h fixado em 4 segundos a uma distância de 100 metros; d) A atenuação especial da pena e sua natureza – multa – e medida concreta - 135 dias de multa à taxa de 6 euros diários perfazendo 810 euros. Do recurso da demandada seguradora: e) Da nulidade da sentença em virtude de a sentença recorrida não se ter pronunciado sobre os factos 4º e 5º da sua contestação, o que constitui omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 379º ,n ° 1, c) , CPPenal. f) Do objecto do novo julgamento face à decisão do reenvio, em virtude de o tribunal recorrido se ter pronunciado sobre a totalidade do processo e não apenas sobres as questões concretamente identificadas na decisão de reenvio; g) Impugnação da matéria contida no n° 11 dos factos provados e o facto dado como não provados (p. 7, 8° da sentença): “que o semáforo estivesse amarelo quando o motociclo por ele passou h) Impugnação da matéria dos factos provados 20, 2ª parte (a partir de não “quis o resultado verificado”), 21, 22 e 23 dos factos provados e a matéria dos factos não provados constante do quinto parágrafo da pág. 7 da sentença: "que o arguido quando avançou pelo cruzamento, e depois de ter deixado passar um veículo automóvel, verificou que o podia fazer em segurança”. i) Da responsabilidade civil - a culpa do lesado - o art. 570º do Código Civil j) Dos montantes das indemnizações As questões b), c) g) e h) são comuns e serão tratadas de modo uniforme, em sede de vícios de fundo quanto à prova. Antes delas se tratará das questões f), a) e e) e por essa ordem, por uma questão de logicidade e precedência formal, tendo presente que as questões a) e e) são idênticas. Para final ficará o conhecimento das questões d), i) e j), a pressuporem a total definição da culpabilidade do arguido (ao menos em sede factual). * B.3 – Insurgem-se ambos os recorrentes – de forma mais expressa a recorrente seguradora, já que o arguido apenas invoca a questão de modo implícito na argumentação quanto á apreciação da prova – contra a circunstância de o tribunal recorrido ter realizado um novo julgamento quando a decisão de reenvio havia delimitado o seu conhecimento a apenas alguns factos de onde poderia resultar contradição entre factos provados e não provados. E, nesse labor, se diria excessivo, ter alterado factos já dados como provados no anterior julgamento em primeira instância e que conduziram à absolvição do arguido, transformando-os em factos com cariz probatório contrário e que conduziram, agora, à condenação do mesmo arguido.A questão teria razão de ser e haveria mesmo de reconduzir-se à figura do “excesso de pronúncia”, configurada como nulidade pelo artigo 379º, nº 1, al. c) – in fine. Não obstante as dúvidas suscitadas pela doutrina a propósito da previsão deste preceito [1] e da sua utilidade face à prévia alínea do mesmo preceito, a b), certo é que a situação configurada nos autos, face à anterior decisão deste Tribunal da Relação, poderia atribuir a tal previsão conteúdo útil negando ao tribunal de primeira instância a possibilidade de desvirtuar o já decido em sede de recurso anterior. Assim seria não fora dar-se o caso de, numa matéria factual de tal complexidade, ser quase impossível a um tribunal de primeira instância dar-lhe o devido cumprimento. Ao fim e ao cabo, estamos perante algo que se assemelha à figura cível da “causa de pedir complexa”, a inviabilizar o conhecimento parcial espartilhado de um evento que se desdobra em vários factos – localização de veículos, sua velocidade, movimentos relativos, circunstâncias exteriores (semafóricas, por exemplo), que retiram qualquer possibilidade de um conhecimento fraccionado do facto (complexo) que conduz à definição final da culpabilidade do arguido. A alteração da resposta, por exemplo, quanto à situação dos semáforos, altera, como não poderia deixar de alterar, a resposta a outros factos, sob pena de cometimento automático de nova nulidade, quase por acto voluntário e ex oficio. Ora, é obrigação do tribunal obviar à prática de nulidades e isso está a coberto da anterior decisão deste tribunal que acautelava a contradição resultante da eventual alteração de factos. Entende-se, pois, não ocorrer a referida nulidade por excesso de pronúncia. * B.4 – Alega o arguido recorrente que deve ser considerada nula a sentença por violação do disposto no artigo 379 nº 1 c) Código de Processo Penal, na medida em que esta se não pronunciou nem nada disse sobre a questão essencial de o semáforo ter passado de verde para amarelo quando o arguido por ele passava ao entrar no cruzamento das Quatro Estradas e vindo de .... Esta omissão de pronúncia sobre a matéria da contestação acarretaria a nulidade da sentença, prevista no art. 379°, nº 1, c) do CPP e deverá conduzir à repetição do julgamento.Ainda em sede de alegação de nulidades processuais, invoca a demandada seguradora ter ocorrido nulidade por omissão de pronúncia em virtude de a sentença recorrida ter ignorado os factos por si alegados na contestação sob 4º e 5º. Estes os referidos factos: 4°. -Ao chegar ao cruzamento deparou com o sinal verde para andar em frente e com o amarelo intermitente para virar para a esquerda sentido de Almancil. 5°. -Exactamente no momento em que ir a entrar no cruzamento o semáforo verde mudou para amarelo. Entende-se que os recorrentes não têm razão quanto a estes pontos - independentemente, da opinião que se pode formular quanto ao mesmo assunto em sede de apreciação da prova - na estrita medida em que alegam uma nulidade de sentença. Esta considerou, embora de forma não expressa quanto à figura do recorrente – a sua visão expressa no sentido ...-... – mas tomou posição quanto ao facto na visão das vítimas, isto é, no sentido ...-.... Efectivamente, no facto provado sob 11) a sentença recorrida afirma expressamente que “No seu sentido de marcha da vítima …, a sinalização luminosa encontrava-se verde” e fazendo apelo, em sede de motivação factual, às declarações de …, irmão do falecido, em que este se terá apercebido “– quando estava a cerca de 60/80 metros de distância do semáforo, atento o sentido ...-... – de que este ainda estava verde, e que ao passarem pelo mesmo se apercebeu do reflexo de luz verde do semáforo”. Por outro lado, o facto contrário surge como não provado no parágrafo 8º de fls. 7 da sentença (fls. 835 dos autos). Não há, portanto, omissão de pronúncia, pois que a sentença – desprezando embora a perspectiva do arguido e da demandada (sentido ...-...) - expressou os factos na perspectiva contrária (sentido ...-...). * B.5 – Questão diversa é a da apreciação da prova efectuada pelo tribunal recorrido.Aqui não está este tribunal limitado ao conhecimento oficioso dos vícios referidos pelo artigo 410º do Código de Processo Penal, mas antes vinculado ao conhecimento dos mesmos por uma ampla possibilidade de conhecimento em virtude do teor dos recursos interpostos, devendo para tanto socorrer-se de todos os elementos constantes dos autos, que não apenas do texto da decisão recorrida, tendo presente o disposto no artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal e com a virtualidade modificativa concedida pela al. b) do artigo 431º do Código de Processo Penal, caso os autos contenham todos os elementos necessários à decisão. Temos assim que, em função dos recursos apresentados estão em apreciação as matérias elencadas por este tribunal nas alíneas b) e c) do recurso do arguido e alíneas g) e h) do recurso da demandada, a saber: b) - Que deve ser eliminada por não sustentada em qualquer elemento credível a a matéria constante dos pontos 11, 20 (2ª parte), 21 e 22 da sentença recorrida; c) - O tribunal não apreciou nem valorou como devia o Estudo constante a fls. 666 nem a fotografia com legenda na qual se vê o tempo de aproximação do motociclo ao local de embate a uma velocidade de 90 km/h fixado em 4 segundos a uma distância de 100 metros; g) - Impugnação da matéria contida no n° 11 dos factos provados e o facto dado como não provados (p. 7, 8° da sentença): “que o semáforo estivesse amarelo quando o motociclo por ele passou h) - Impugnação da matéria dos factos provados 20, 2ª parte (a partir de não quis o resultado verificado), 21, 22 e 23 dos factos provados e a matéria dos factos não provados constante do quinto parágrafo da pág. 7 da sentença: "que o arguido quando avançou pelo cruzamento, e depois de ter deixado passar um veículo automóvel, verificou que o podia fazer em segurança”. São estes, portanto, os factos que, prima facie e sem prejuízo da cautela que se impõe para evitar contradições factuais, estão em discussão: Entre os provados: 11 - No seu sentido de marcha da vítima …, a sinalização luminosa encontrava-se verde. 20 - O arguido não quis o resultado verificado, mas podia e devia ter previsto, como consequência natural da manobra que efectuou, naquele local em concreto, a possibilidade de produzir o resultado descrito. 21 - A produção do acidente ficou a dever-se à conduta do arguido, pois que estando num cruzamento e pretendendo mudar de direcção, virando à sua esquerda, sabia que tinha que dar prioridade a todos os veículos que se apresentassem à sua direita, efectuando tal manobra sem colocar em perigo os demais utentes da via, até porque tinha passado por um sinal amarelo intermitente, que lhe impunha um cuidado acrescido e, ainda assim, avançou pelo cruzamento, entrando na EN 125 sem se certificar de que, após dar passagem àquele veículo automóvel que vinha da EN 396 sentido ...-..., outros veículos automóveis aí pudessem circular, como circulavam pois que por aí circulava o motociclo …, que se apresentou pela direita do arguido, o qual, ao avançar pela EN 125 lhe cortou o sentido de marcha, vindo o motociclo a embater no seu veículo automóvel, em plena EN 125, sentido Portimão-Faro. 22 - O arguido sabia que não respeitava com a sua conduta os deveres de cuidado que lhe eram exigíveis, desde logo, assegurando-se que à sua direita não se lhe apresentava qualquer outro veículo automóvel, não obstante, agiu confiando que aquele resultado não se produziria e actuou sem se conformar com tal resultado. 23 - Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. Entre os não provados: - que o arguido quando avançou pelo cruzamento, e depois de ter deixado passar um veículo automóvel, verificou que o podia fazer em segurança; - que o semáforo estivesse amarelo quando o motociclo por ele passou e que imprimiu, ou não, ainda mais velocidade ao motociclo para passar o semáforo com o sinal amarelo; Impõe-se, naturalmente, começar por analisar a motivação factual do tribunal recorrido, socorrendo-nos das transcrições dos depoimentos das testemunhas e das declarações do arguido para apurar, de forma genérica, da existência de erros de julgamento, para apurar se do seu texto resulta algum dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal. O convencimento do tribunal recorrido e a sua argumentação motivadora quanto à dinâmica do acidente assentou em dois elementos objectivos, um deles desde logo desprezado por não significante (a distância de 18 metros a que foi projectado o corpo da vítima), o outro acolhido pela positiva, a sinalização semafórica. Os restantes elementos possuem carácter subjectivante e resultam das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas … e … (condutores de veículos que se encontravam parados no semáforo no eixo Portimão-Faro e Faro-Portimão), CS, esposa do arguido e que com ele seguia na viatura no sentido ...-..., …, um dos motociclistas que seguia no veículo acidentado e irmão da vítima mortal (motociclo esse que seguia no sentido ...-...), DP, tia dos motociclistas (que alegadamente se encontrava no interior de um veículo juntamente com o seu ex-companheiro …), bem como no depoimento deste último. Nenhuma outra testemunha é considerada como relevante no entender do tribunal recorrido e, mesmo as testemunhas que se encontravam no interior de viaturas paradas no semáforo – as testemunhas …e … – são consideradas pouco relevantes (a testemunha … é, inclusive, referida como “nada sabendo acerca da dinâmica do acidente”). Vistas as transcrições na sua totalidade, este tribunal pode afirmar, com segurança, que ocorre erro notório na apreciação da prova. Por partes. As declarações do arguido, não obstante reserva do seu interesse na sorte dos autos, mostram-se lógicas e coerentes. Daqui não resulta que se dê, desde logo, como aceite a sua versão dos factos, já que se impõe um percurso pelas restantes provas pessoais e reais, para então retornarmos a elas e as apreciarmos na globalidade dos meios de prova produzidos. O depoimento da testemunha … mostra-se absolutamente essencial, já que se revela a única testemunha que – sem qualquer interesse nos autos e na sua sorte – se apercebe do maior acervo de factos que constitui o sinistro, designadamente, localização dos veículos [o do arguido e o motociclo e forma como este (não) aparece], percepção da velocidade do veículo do arguido e projecção do corpo da vítima. Até no que não viu – um percurso calmo do motociclo até ao meio do cruzamento – se revela determinante. A essencialidade deste depoimento é tal que o podemos eleger como um testemunho-âncora, aquele que é aconselhável ser cruzado com todos os outros, por nos dar uma base segura de partida, sem prejuízo de poder ser afastado se outros elementos se impuserem. As testemunhas … (tia dos motociclistas), … (seu companheiro) e … (um dos motociclistas), são obviamente pessoas interessadas no desfecho do pleito. Daqui não resulta, ab initio, a sua automática exclusão, mas as cautelas impõem-se. …, esposa do arguido, sendo igualmente pessoa interessada na absolvição do seu esposo, vê a maior parte do seu depoimento não ganhar relevo, pois que confirmativo de parte das declarações daquele, não obstante se poder afirmar com segurança que nada “inventa” para atingir qualquer objectivo. Assume, no entanto, um relevo importante ao afirmar que nem sequer se apercebeu da aproximação do motociclo. Ora, para quem seguia no veículo no lugar do passageiro (à direita e no lugar da frente) e tendo em consideração que o motociclo embateu muito próximo do local em que seguia, ela seria uma vítima grave do sinistro se o motociclo tivesse embatido cerca de um metro ou pouco mais à esquerda. O não se ter apercebido da aproximação do motociclo e não se ter assustado com tal aproximação (só se apercebe do embate) é revelador do inesperado do embate, o que também será elemento a considerar quanto à possibilidade de antever a sua aproximação e velocidade, caso haja outros elementos que o confirmem. A testemunha …da …, condutor de um veículo que se encontrava imobilizado no semáforo (vermelho) no sentido Faro-Portimão, foi desconsiderada pelo tribunal recorrido por apenas se ter apercebido do embate. Ora, esta testemunha dá conta de um facto essencialíssimo para a apreciação da situação semafórica: revela-nos que o sinal passou a vermelho no seu sentido de marcha oitocentos metros antes de ele chegar à zona semafórica e ali ficou imobilizado (no vermelho) por dois ou três minutos. Descontando algum exagero ou dificuldade de mensuração espacial ou temporal, este depoimento transmite, com segurança, a ideia de que o semáforo se encontrava fechado (vermelho) há muito tempo nesse eixo do cruzamento (eixo Faro-Portimão ou Portimão-Faro), tendo em conta que os semáforos se devem medir em segundos e não em minutos ou horas. Este facto tem relevo (e o depoimento não pode por isso ser desprezado) e vem a aproximar-se da versão do arguido de que o semáforo passou a amarelo quando este entrou no cruzamento utilizando o outro eixo do cruzamento de vias (isto é, o eixo ...-... ou ...-...). Simultaneamente, coloca em causa – sem que necessariamente devam ser desde já afastados – os depoimentos de De …. Mas o tribunal recorrido também não levou em conta – nem o refere – o depoimento de …, soldado da GNR que tomou conta da ocorrência. Este militar chegou ao local do sinistro cinco minutos depois de ter sido chamado para tal pelo seu posto – via rádio – ainda os corpos dos sinistrados se encontravam no local e sem que tivessem chegado os socorros médicos (transcrições [T] fls. 240). Só dez minutos ou um quarto de hora depois chegaram as ambulâncias (T 255). Ou seja, não sendo possível determinar quanto tempo depois do sinistro chegou ele, podemos afirmar com segurança que foi o primeiro – de entre as entidades que deveriam deslocar-se ao local - a chegar e só de lá saiu, pelo menos, uma hora depois (T 251). Ou seja, está em excelentes condições de nos dar conta de alguns factos circunstanciais essenciais: que condutores ali se encontravam e tenham visto o acidente; se lá se encontrava identificável qualquer familiar das vítimas e quem; estes, se chegaram, quando chegaram. É que estes factos circunstanciais são essenciais na medida em que nos permitem apurar da credibilidade de testemunhos, de forma a não ficarmos reféns das nossas capacidades de adivinhar da possibilidade de uma testemunha mentir, que o relator do presente, por exemplo, não possui. Assim, esta testemunha atesta dois factos importantes: Os condutores dos veículos – testemunhas …e … – estavam no local, tendo o primeiro sido ouvido em auto de declarações, o que não aconteceu com o segundo por ter afirmado nada ter visto (T. 244); Que os familiares dos motociclistas - no seu dizer e salvo erro a mãe a tia e as irmãs (T 240-241) – chegaram ao local cerca de vinte minutos depois dele (T 243) e que antes disso não deu pela presença de qualquer familiar no local (T 242), nem mais ninguém se prontificou a afirmar que tinha visto o acidente, apesar de ter perguntado em voz alta. Tal depoimento não foi considerado pelo tribunal recorrido (nem sequer foi referido na motivação como existente) e é sobremaneira importante para aferir da credibilidade dos depoimentos de …, … da …. Se relativamente aos dois primeiros este depoimento confirma a sua presença no local e sua localização no momento do embate, confirmando a sua credibilidade, relativamente aos dois últimos (D e P) lança a fundada suspeita de que eles não estivessem no mesmo local no momento do sinistro. O que acarreta, logicamente, a suspeita sobre a credibilidade dos seus depoimentos. Quanto à credibilidade destas duas testemunhas, esforçou-se o tribunal recorrido por evitar, mesmo impedir a todo o custo, a possibilidade de ser posta em causa a credibilidade dos seus depoimentos por intermédio dos mandatários presentes em audiência de julgamento, reservando essa apreciação para o labor solitário do tribunal em sede de apreciação da prova e em sede de sentença ou eventual recurso – (T 164, 167, 174, 181, por exemplo). Ora, a credibilidade de uma testemunha é algo que deve ser comprovado em audiência de julgamento. Havendo indícios, como havia, de falta de credibilidade de uma testemunha (aliás, de três), está contido no cerne do direito à cross-examination, necessariamente do contraditório inerente a qualquer processo de raiz acusatória, a possibilidade de contra inquirir a testemunha com o fito de confirmar ou infirmar a dita credibilidade. E o exercício de tais direitos deve ser efectivado em audiência de julgamento e não suspenso, reenviado para outra fase processual ou, mesmo negado, pelo tribunal. O exercício de tal direito não pode ser substituído pela possibilidade de o tribunal vir a exercer, melhor ou pior, o seu dever de apreciação da prova e, muito menos, pela possibilidade futura de interposição de recurso. Negados estes – o direito ao contraditório via cross-examination - negado está o direito a um processo justo e equitativo. Visto isto constata-se que o tribunal recorrido assentou o essencial da sua convicção, tal como resulta da sua motivação, nos depoimentos de …, as testemunhas cuja credibilidade é muito discutível. Escalpelizados os seus depoimentos no processo e comparando-os com os depoimentos das testemunhas …. e com elementos objectivos existentes nos autos (projecção da vítima a dezoito metros, situação relativa dos veículos após o embate), a única conclusão a tirar é que os seus depoimentos se ajustaram, de forma pensada, para obter um resultado final favorável à primeira (D) e ao último (B). Este na medida em que o conteúdo útil do seu depoimento se centra na afirmação que o motociclo passou nos semáforos no sentido ...-... em “verde” quando na anterior audiência de julgamento afirmara que haviam passado o semáforo quando este já estava em amarelo. A primeira sentença lavrada nos autos é clara na afirmação do facto provado “passagem no amarelo” com fundamento, também, no depoimento desta testemunha, por esta ter visto “o semáforo a passar do verde para amarelo no sentido de marcha prosseguido pelo motociclo antes de passarem pelo mesmo” – fls. 253 dos autos. Ora, nesta versão amarela tudo se encaixa e ganha sentido: o primeiro depoimento desta testemunha, as declarações do arguido e o depoimento da testemunha …. O tribunal recorrido não permitiu (T 57) o exercício do contraditório quanto à credibilidade da afirmação da testemunha com o argumento de que as anteriores declarações se teriam passado “num outro julgamento qualquer”. Esta posição assentou na capacidade de adivinhação da Mmª juíza quanto à detecção de testemunhas mentirosas e na equiparação de tais anteriores declarações às prestadas em inquérito. Quanto às primeiras, sendo admiráveis, convém relembrar que o princípio do acusatório e todo o restante labor doutrinário e jurisprudencial processual penal visa, precisamente, dispensá-las. Quanto ás segundas, mais uma vez o tribunal recorrido nega ao arguido o direito a um julgamento justo, via proibição do contraditório, pois as afirmações da testemunha no “primeiro” julgamento não são equiparáveis às prestadas em inquérito. Desde logo porque são fases processuais distintas e prestadas perante diferentes entidades, pelo que as razões que estão na base da não consideração – não verificadas certas condições – do depoimento prestado em inquérito não estão presentes quando anteriormente prestadas em fase de audiência de julgamento, mesmo que em processo distinto. Depois porque se não trata de “um outro qualquer julgamento”, sim do mesmo julgamento, não obstante em “reedição”, para mais limitado a um reenvio parcial e com evidente alteração de um facto que não fora objecto de reparo em recurso. Por via do reenvio parcial esta era apenas uma fase de audiência de um mesmo “julgamento”. Mas mesmo que se tratasse de um outro julgamento, o contraditório e o princípio da busca da verdade material impunham que tal discrepância (fundamental) no teor do depoimento se esclarecesse, sob pena de se não atribuir credibilidade ao mesmo. Não obstante isso, a testemunha sempre adiantou que a discrepância entre o seu anterior depoimento e o actual se ficara a dever ao facto de estar “muito constrangido”. Confirma-se a falta de credibilidade, já que esta é a tradicional “razão” avançada e que, também tradicionalmente, se traduz para “não estou a dizer a verdade”. Quanto ao depoimento de …, companheiro da tia dos motociclistas, é interessante pelo que não revela estando no local e é de uma tal imprecisão quanto a todos os pormenores relevantes que impõe uma cautela redobrada. Deve ser dos poucos portugueses, cidadão exemplar, que ocorrendo um acidente à sua frente (a expressão popular mais adequada é “em frente do seu nariz”), não tira os olhos do semáforo. È um bom exemplo de uma testemunha que “não quis ver” e revela desconforto no depor. Impõe-se que se suspeite que não viu. Quanto ao depoimento da testemunha …, tia dos motociclistas. A circunstância de esta testemunha estar no local do acidente (onde acabara de chegar e de imobilizar o veículo – conduzido pelo companheiro – no semáforo vermelho no sentido Portimão-...), é uma notável coincidência. Tão notável que somos levados a dar crédito ao testemunho do guarda F quando este afirma que os familiares da vitima só chegaram ao local vinte minutos depois dele. Depois, a confirmar, o seu comportamento e o teor do seu depoimento espantam-nos por se afastarem de forma tão ostensiva das regras de experiência comum, de comportamento expectável do cidadão médio e revela (o depoimento) um teor estranho. Estando – na sua versão – o veículo em que seguia imobilizado no semáforo no sentido Portimão-..., encontrava-se ela com o corpo obliquando para a direcção de ... (para a direita do cruzamento) ficando, portanto, o centro do cruzamento e o local de embate para a sua esquerda. Mais para trás de si, à esquerda, encontrava-se o início do cruzamento no sentido ...-..., por onde viera o veículo do arguido. Acresce que, no lugar em que seguia, o corpo do seu companheiro lhe tapava parte da visão para o cruzamento, local de embate e início do cruzamento no sentido ...-.... Não obstante isso e depois de ter afirmado que apenas viu o carro do arguido quando este bateu na mota (T 146), ou seja, quando o veículo do arguido já se encontrava após o centro do cruzamento e a iniciar a marcha no sentido de Faro, explica que o não viu antes porque o mesmo veículo “vinha com um bocado de velocidade quando bateu” (T 147) a uns “60 ou 70 km/h”. Ora, se recordarmos que o carro do arguido se imobilizou a 10,40 m do local do embate (croquis) devemos ser de concluir ser espantosa a capacidade de travagem do veículo do arguido que se consegue imobilizar com tal velocidade em tal espaço e sem rastos de travagem. Para além disso, uma das características deste depoimento é que viu tudo: a cor do semáforo no sentido contrário ao seu; o sobrinho N a conduzir o motociclo no sentido ...-...; viu a sua velocidade de aproximação; viu, nas suas costas, a velocidade a que seguia o carro do arguido; viu o embate; viu a velocidade a que seguia o veículo do arguido quando do embate. Ou seja, viu demais em tão pouco tempo. E qualquer juiz avisado sabe que uma testemunha que se aperceba da totalidade dos pormenores relevantes de um acidente de viação ou estava sentado na varanda no intervalo do fazer renda ou do beber duma cerveja ou é um bom candidato ao descrédito. Outro motivo de estranheza neste depoimento é o comportamento assumido pela testemunha D, aceitando a sua hipotética (mas mais que duvidosa) presença no local. Não obstante os seus dois sobrinhos terem sido intervenientes num acidente com gravíssimas consequência para aqueles, a testemunha manteve-se no local do sinistro por 40 minutos (T 168), sem que o soldado da GNR desse pela sua presença e ela, contrariando a tendência natural do querer saber do estado de saúde do sobrinho sobrevivente, não contactou qualquer elemento dos bombeiros (T 180), nem da emergência médica (T 181), nem os guardas presentes (T 169). Todos estes elementos, do seu comportamento ao teor do seu depoimento, passando pelo parentesco, em confronto com os restantes elementos de prova, confirmam a falta de credibilidade desta testemunha. O que nos reconduz à afirmação da existência de erro notório na apreciação da prova quanto à prova de que o motociclo passou quando o semáforo se encontrava verde no eixo ...-... ou ...-.... De notar, apesar de o tribunal ter revelado alguma dificuldade na apreensão do facto, que nesse eixo e para quem não mudava de direcção, a sinalização semafórica era normal, na sequência verde-amarelo-vermelho, em simultâneo para ambos os sentidos de marcha desse eixo. Apenas surgia a sinalização amarelo intermitente - em conjunto com a anterior – para quem, seguindo nesse mesmo eixo, pretendia mudar de direcção ou para Faro ou para Portimão, consoante o seu sentido de marcha nesse mesmo eixo. Assim, a versão do arguido de que entrou no cruzamento no momento em que o sinal do eixo ...-... ou ...-... mudou para amarelo é a mais adequada à prova produzida e tem como consequência o termos que dar como provado que o motociclo passou o semáforo no sinal amarelo, já que seguia nesse mesmo eixo, não obstante em sentido contrário ao do arguido e entrando no cruzamento já depois de o veículo do arguido aí ter entrado. * B.6 – O erro notório na apreciação da prova também se verifica no apurar de outro facto com relevo essencial. A velocidade dos veículos.Se é certo que qualquer tabela de rastos de travagem deve ser desprezada por imprecisa e não acautelando as melhorias tecnológicas (ABS e outros sistemas de ajuda à travagem), não é menos certo que um veículo é um corpo sólido que está sujeito às leis da física. E enquanto sujeito às leis da física, passível de mensuração a sua capacidade para se imobilizar em função da sua massa e da velocidade de que vai animado. Naturalmente que dependente de elementos de difícil objectivação ou quantificação, como a capacidade de reacção do condutor, o estado dos órgãos do veículo, do piso e das próprias características técnicas e condições de manutenção do veículo. Ou seja, não sendo uma verdade absoluta, não são de desprezar e devem mesmo ser aceites como elementos adjuvantes de muita relevância os conhecimentos que nos são transmitidos através da física e da matemática para apurar das velocidades de imobilização dos corpos sólidos que são os veículos automóveis. Assim, a exclusão do estudo constante de fls. 666 a 678 como elemento probatório de relevo, mas não exclusivo, para apurar da velocidade dos veículos, colocou o tribunal na situação de ter que dar resposta sobre aquelas velocidades com base, exclusivamente, no depoimento de testemunhas, o que o conduziu a um convencimento subjectivo inaceitável e com desprezo dos únicos elementos objectivos que lhe permitiriam aproximar-se da real velocidade de que aqueles iam animados (distância de projecção do corpo da vítima, distância de travagem do veículo do arguido). O resultado não é aceitável na sua totalidade. Se relativamente à velocidade do veículo do arguido se não suscitam problemas em sede de conclusões de recurso, já o mesmo se não passa relativamente à velocidade do motociclo. De facto, constata-se que a velocidade a que seguia o veículo do arguido deveria ser bastante reduzida em função do necessário abrandamento no cruzamento para dar passagem, como deu, a um ou dois (depoimento da testemunha M) veículos que seguiam no sentido ... .... Este é um elemento de facto relevante. Outro, extraordinariamente relevante, é a distância de imobilização do veículo, a distância entre o local de embate e o local onde ele ficou imobilizado. Esta distância é, como se afirmou já, de 10,40 metros, como resulta do croquis feito pela GNR. O facto provado (menos de 50 km/h), no entanto, não suscita problemas de maior e está excluído do âmbito do recurso definido pelos recorrentes. Mas todos os elementos probatórios apontam para que a velocidade do veículo do arguido era, efectivamente, inferior a 50 km/h. Já a velocidade do motociclo exige maior atenção. É que o acidente só é entendível com uma velocidade bem superior aos dados como provados “(mais de) 50 km/h”. E essa está claramente indiciada na projecção do corpo da vítima; pelo menos 18 metros, já que o seu embate contra a parede do edifício cortou a sua trajectória, reduzindo a distância de projecção. [2] A velocidade explica a subitaneidade do surgimento do motociclo sem que ninguém tenha dado pela sua aproximação, nem o arguido ou a esposa, nem as testemunha que efectivamente se encontravam no local, …. Aliás, a testemunha … tem um depoimento claríssimo também desprezado, nessa parte, pelo tribunal recorrido. Ela é expressa na afirmação de que após a passagem dos dois carros a que o arguido deu prioridade no centro do cruzamento, “não se vê mais movimento nenhum no sentido Qua…” (subentende-se ...-...); “Não vi nada, nada, nem luzes nem nada, só vi um vulto voar por cima do carro, um ou dois, uma sombra”; “Não me apercebi que viesse nada do lado de cima, do lado de ...” – (T 74). E, apesar de ter boa visibilidade (T 81) e o acidente ter ocorrido “quatro ou cinco metros à sua frente”(T 75), não se apercebe de nenhum motociclo a vir de ..., não vê “nada do lado direito. Eu estava com atenção, portanto eu estava assim, tenho uma boa visibilidade para o meu lado direito …. Eu tenho o semáforo à espera que me acenda, não vejo rigorosamente nada a aproximar-se. ..” (T 75). E reafirma: “Porque parece-me impossível como é que aquilo aconteceu. Porque ninguém contava com aquilo. Porque se a manobra que o senhor fez qualquer uma pessoa faz, porque ele dá prioridade aos carros que vêm de ... para ..., não vem mais carro nenhum, não vem mais luz nenhuma, que eu também não vejo mais luz nenhuma” (T 78). Volta a confirmar não ter visto a aproximação da mota (T 92) e afirma peremptoriamente que o motociclo não poderia vir apenas a 50 km/h, “Porque se a mota viesse a 50 km/h nem sequer tinha hipótese de bater no carro” (T 92). Ora, se esta testemunha que está tão bem ou melhor colocada que o arguido, nada vê a aproximar-se no sentido ...-..., como poderia o arguido disso se aperceber? Ora, este coerente depoimento, coerente com os restantes elementos de prova existentes nos autos, dá conta de três realidades essenciais: a velocidade do motociclo era muito superior a 50 km/h; não se vê a aproximação do motociclo, o que também é elemento importante para aquilatar da sua velocidade de aproximação ao cruzamento; não há luz visível no motociclo. E explica os pontos de facto que suscitaram a dúvida deste Tribunal da Relação e o reenvio do processo para julgamento Se relativamente à velocidade de deslocação do veículo do arguido não há um erro “notório” da apreciação da prova, já quanto à velocidade do motociclo esse erro é notório e deve ser, oficiosamente corrigido com o apoio do citado estudo para, pelo menos, 95 km/h. O que acarreta a procedência dos recursos na parte factual e de definição de culpabilidade do arguido. Assim, nos termos do disposto nos artigos 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, com a virtualidade modificativa concedida pelas als. a) e b) do artigo 431º do Código de Processo Penal, contendo os autos todos os elementos necessários à decisão e sendo inútil o reenvio dos autos, haverá que alterar os factos dados como provados e não provados. Assim, dos factos postos em crise pelo recurso e oficiosamente, passam a estar provados os seguintes: 11 - No sentido de marcha da vítima …a sinalização luminosa encontrava-se amarela. 11.a) - O arguido, quando avançou pelo cruzamento, e depois de ter deixado passar um veículo automóvel, verificou que o podia fazer em segurança; 13 - O referido motociclo circulava a uma velocidade não concretamente apurada mas não inferior a 95 km/hora. 20 - O arguido não quis o resultado verificado. E como não provados os seguintes: - Que o motociclo circulava com as luzes acesas; - Quando o motociclo passou pelo semáforo imprimiu, ou não, ainda mais velocidade ao motociclo para passar o semáforo com o sinal amarelo; - Que o arguido podia e devia ter previsto, como consequência natural da manobra que efectuou, naquele local em concreto, a possibilidade de produzir o resultado descrito. - Que a produção do acidente ficou a dever-se à conduta do arguido, pois que estando num cruzamento e pretendendo mudar de direcção, virando à sua esquerda, sabia que tinha que dar prioridade a todos os veículos que se apresentassem à sua direita, efectuando tal manobra sem colocar em perigo os demais utentes da via, até porque tinha passado por um sinal amarelo intermitente, que lhe impunha um cuidado acrescido e, ainda assim, avançou pelo cruzamento, entrando na EN 125 sem se certificar de que, após dar passagem àquele veículo automóvel que vinha da EN 396 sentido ...-..., outros veículos automóveis aí pudessem circular, como circulavam pois que por aí circulava o motociclo …, que se apresentou pela direita do arguido, o qual, ao avançar pela EN 125 lhe cortou o sentido de marcha, vindo o motociclo a embater no seu veículo automóvel, em plena EN 125, sentido Portimão-Faro. - Que o arguido sabia que não respeitava com a sua conduta os deveres de cuidado que lhe eram exigíveis, desde logo, assegurando-se que à sua direita não se lhe apresentava qualquer outro veículo automóvel, não obstante, agiu confiando que aquele resultado não se produziria e actuou sem se conformar com tal resultado. - Que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. * B.6 – Ora, esta conclusão altera os dados normativos aplicáveis, já que não existe responsabilidade criminal do arguido por inverificação dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime imputado e faz cessar a responsabilidade da demandada seguradora, já que não é possível operar a responsabilidade adveniente do contrato de seguro.Assim, deve o arguido …, na improcedência da acusação, e na parte crime, ser absolvido da imputação da prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, n.º 1 Código Penal. Mais se deve julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido por … e … e, consequentemente, dele vai absolvida a demandada Companhia de Seguros “X”. Haverá, pois, que revogar a sentença recorrida. *** C - Dispositivo:Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na procedência total dos recursos interpostos e: A - nos termos do disposto nos artigos 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, com a virtualidade modificativa concedida pelas als. a) e b) do artigo 431º do Código de Processo Penal, contendo os autos todos os elementos necessários à decisão e sendo inútil o reenvio dos autos: A.1 - Dão como provados os seguintes factos: 11 - No sentido de marcha da vítima N H a sinalização luminosa encontrava-se amarela. 11.a) - O arguido, quando avançou pelo cruzamento, e depois de ter deixado passar um veículo automóvel, verificou que o podia fazer em segurança; 13 - O referido motociclo circulava a uma velocidade não concretamente apurada mas não inferior a 95 km/hora. 20 - O arguido não quis o resultado verificado. A.2 - E dão como não provados os seguintes factos: - Que o motociclo circulava com as luzes acesas; - Quando o motociclo passou pelo semáforo imprimiu, ou não, ainda mais velocidade ao motociclo para passar o semáforo com o sinal amarelo; - Que o arguido podia e devia ter previsto, como consequência natural da manobra que efectuou, naquele local em concreto, a possibilidade de produzir o resultado descrito. - Que a produção do acidente ficou a dever-se à conduta do arguido, pois que estando num cruzamento e pretendendo mudar de direcção, virando à sua esquerda, sabia que tinha que dar prioridade a todos os veículos que se apresentassem à sua direita, efectuando tal manobra sem colocar em perigo os demais utentes da via, até porque tinha passado por um sinal amarelo intermitente, que lhe impunha um cuidado acrescido e, ainda assim, avançou pelo cruzamento, entrando na EN 125 sem se certificar de que, após dar passagem àquele veículo automóvel que vinha da EN 396 sentido ...-..., outros veículos automóveis aí pudessem circular, como circulavam pois que por aí circulava o motociclo …, que se apresentou pela direita do arguido, o qual, ao avançar pela EN 125 lhe cortou o sentido de marcha, vindo o motociclo a embater no seu veículo automóvel, em plena EN 125, sentido Portimão-Faro. - Que o arguido sabia que não respeitava com a sua conduta os deveres de cuidado que lhe eram exigíveis, desde logo, assegurando-se que à sua direita não se lhe apresentava qualquer outro veículo automóvel, não obstante, agiu confiando que aquele resultado não se produziria e actuou sem se conformar com tal resultado. - Que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. B - Em consequência: B.1 - Absolvem o arguido …, na improcedência da acusação, e na parte crime, da imputação da prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, n.º 1 Código Penal; B.2 - Declaram totalmente improcedente o pedido cível deduzido por … e … e, consequentemente, dele vai absolvida a demandada Companhia de Seguros “X”. Custas pelos assistentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) Ucs.. Évora, 3 de Junho de 2008 (processado e revisto pelo primeiro signatário) João Gomes de Sousa _____________________________ [1] - V. gratia, Damião da Cunha in “O caso julgado parcial”, pag. 574, citando Germano Marques da Silva, in “Curso…”, III, pag. 304, Verbo, 2000. [2] - É irrelevante na economia do processo, mas não deixa de ser estranho que o condutor do motociclo, assente em quatro pontos de apoio (mãos e pés) tenha sido projectado a uma distância maior que o “pendura”. |