Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
793/16.3T8BJA.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: PROCESSO LABORAL
PROCESSO COMUM
FALTA DE CONTESTAÇÃO
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – Em acção de processo comum, se o Réu não contestar a acção, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado, consideram-se confessados os factos articulados pelo Autor (n.º 1 do artigo 57.º do CPT);
II – E, se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a fundamentação (de facto e de direito) da sentença pode ser feita por simples adesão ao alegado pelo Autor;
III – Não padece de nulidade, por falta por falta de especificação dos factos provados, a sentença que face à não contestação da Ré considerou confessados os alegados pelo Autor na petição inicial, remetendo para os mesmos, e da “fundamentação de direito” resulta, de forma clara e objectiva, quais são esses factos, pelo que a Ré teve suficiente oportunidade de ficar ciente de quais foram os factos confessados e dados como provados e que o Autor alegou.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 793/16.3T8BJA.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB, devidamente identificado nos autos, intentou, na comarca de Beja (Beja – Inst. Central – Sec. Trabalho – J1) e com o patrocínio oficioso do Ministério Público, a presente acção declarativa, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC, Lda., também identificada nos autos, pedindo que:
«A. [Seja] Declarado convertido em contrato de trabalho sem termo o contrato existente entre o Autor e a Ré e reconhecido que o Autor desempenhou ininterruptamente a sua actividade profissional de encarregado de obra para a Ré, mediante contrato de trabalho sem termo, no período compreendido entre 28/9/2015 e 14/3/2016.
B. Declarado ilícito o despedimento do Autor por parte da Ré;
C. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de 11 127,71€, acrescida de juros de mora até integral pagamento e correspondente a
i) 1 047,02€, a título de pagamento do trabalho suplementar durante a semana, no período compreendido entre 28/8/2015 e 14/3/2016;
ii) 2 064,4€ , a título de pagamento do trabalho suplementar prestado em dia de descanso ou feriado, no período compreendido entre 28/8/2015 e 14/3/2016;
iii) 3016,29€, sendo 1 006,69€ a título de diferenças salariais; 742,7€, a título de salário do mês de Março de 2016; 681,82€ a título de férias não gozadas; 281,80€ a título de subsídio de férias; e 303,28€, a título de subsídio de Natal;
iv) 500€, a título de danos não patrimoniais; e
v) 4 500€, a título de indemnização em substituição da reintegração.
D. Ser, ainda, a Ré condenada a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento ocorrido a 14/3/2016 até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento».
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que em Agosto de 2015 , por acordo verbal e mediante a retribuição mensal de € 1.500,00, foi admitido ao serviço da Ré para desempenhar as funções de encarregado de obra.
Porém, em 1 de Setembro de 2015 foi-lhe apresentado para assinar, e assinou, um contrato a termo certo, com início nessa data e termo em 28-02-2016, no qual se indicava a retribuição mensal de € 800,00, acrescida de € 4,27 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho, mas garantindo-lhe a Ré que lhe pagaria a retribuição de € 1.500,00, sendo € 800,00 sob a denominação de “salário” e € 700,00 de despesas de transportes; e como justificação da contratação a termo refere-se o disposto no artigo 140.º, n.º 2, al. h) do Código do Trabalho e a adjudicação da empreitada de construção de adega e ampliação de produto acabado no Monte de…, a qual se previa que teria a duração de 6 meses, considerando as funções para as quais o trabalhador era contratado, prevendo-se, contudo, no mesmo contrato que o Autor pudesse ser transferido para outro local ou quando a Ré o considerasse necessário para o desempenho das funções.
Mais alegou que a Ré não lhe pagou a retribuição acordada, bem como trabalho suplementar prestado, que precisou, sendo que em 28-02-2016 renovou-se o contrato a termo e a Ré informou-o que deixava as funções de encarregado, passando a trabalhar como pedreiro, e no dia 15-03-2016, após vicissitudes várias, entre os quais insultos que a Ré lhe dirigiu, enviou a esta uma carta solicitando informação sobre qual a sua situação, uma vez que tinha sido ordenada a sua saída da obra: nos dias seguintes voltou à obra, tendo sido impedido de aí entrar pelo sócio-gerente da Ré, que lhe disse que já não trabalhava ali.
Em consequência, concluiu que o contrato a termo é nulo, uma vez que não só não se mostra devidamente motivado, como o motivo invocado não é válido, pelo que se tem o contrato como celebrado por tempo indeterminado, e que a Ré ao impedi-lo de entrar na obra tal configura um despedimento, ilícito, por não ter sido precedido de qualquer procedimento ou formalidade, peticionando as consequências legais daí decorrentes, incluindo indemnização por danos não patrimoniais.
Mais peticionou diferenças salariais em falta, bem como trabalho suplementar prestado.
*
Foi designada audiência de partes, para a qual a Ré foi regularmente convocada e com a advertência de que se faltasse ou se a mesma se frustrasse, ficava, desde logo, notificada para contestar a acção, no prazo de dez dias, artigo 56º, alínea a) do Código do Processo do Trabalho, a contar da data marcada para a realização da referida audiência, e constituir advogado, sob pena de, não o fazendo, se considerarem confessados os factos articulados pelo Autor, sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito, de acordo com o disposto no artigo 57º do mesmo código.
A Ré não compareceu à audiência de partes, mas apresentou-se à mesma o exmo. advogado que interpôs o recurso ora em apreciação, tendo protestado juntar procuração com poderes especiais a seu favor.
Na referida audiência não foi possível conciliar as partes.
No seguimento dos autos, a Ré não contestou a acção, pelo que, em 24-11-2016, foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte ora relevante, é do seguinte teor:
«Em face do exposto, ao abrigo do estatuído no art. 57º, nº1 do C.P. Trabalho, julga-se a presente acção declarativa de processo comum parcialmente procedente e, em consequência:
1. Reconhece-se como ilícito o despedimento do Autor BB e condena-se a Ré “CC, Lda.” a pagar a este:
a. As retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença, descontadas as que se venceram até 30 dias antes da propositura da acção, perfazendo as vencidas até à presente data a quantia de €14.085,61 (catorze mil e oitenta e cinco euros e sessenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
b. A quantia de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) a título de indemnização, correspondente a 06 meses e 17 dias de antiguidade, pelo despedimento ilícito, em substituição da reintegração, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos, desde a data da citação da Ré para os termos desta acção e até integral pagamento;
c. A quantia de €1.006,69 (mil e seis euros e sessenta e nove cêntimos), a título de diferenças salariais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
d. A quantia de €742,70 (setecentos e quarenta e dois euros e setenta cêntimos), a título de retribuição pelo trabalho prestado no mês de Março de 2016, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
e. A quantia de €681,82 (seiscentos e oitenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), a título subsídio de férias, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
f. A quantia de €281,80 (duzentos e oitenta e um euros e oitenta cêntimos), a título subsídio de férias, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
g. A quantia de €303,28 (trezentos e três euros e vinte e oito cêntimos), a título subsídio de Natal, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
h. A quantia de €1.047,02 (mil e quarenta e sete euros e dois cêntimos), a título de pagamento de trabalho suplementar prestado durante e semana, no período compreendido entre 28.08.2015 e 14.03.2016, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento; e
i. A quantia de €2.064,40 (dois mil e sessenta e quatro euros e quarenta cêntimos), a título pagamento do trabalho suplementar prestado em dia de descanso ou feriado, no período compreendido entre 28.08.2015 e 14.03.2016, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento;
2. Absolve-se a Ré do demais peticionado, em especial no que concerne ao crédito reclamado a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Autor com a conduta da Ré».
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Inconformada com a sentença, a Ré dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nele arguido a nulidade da sentença: e terminou as alegações mediante a formulação das seguintes conclusões:
«A) A douta sentença é nula, nos termos da al.b), n°.l, do art.615° do CPC, por ostensiva violação do disposto no n°.3, do art.607° do CPC., em virtude do Tribunal "a quo" ter omitido totalmente o seu dever de fundamentar de facto a douta decisão, selecionando a factualidade que reputou por provada e não provada;
B) A Meritíssima Juiz "a quo" violou o correcto entendimento do estabelecido no art.57°, n°.1 do CPT e ainda do consignado no art.607°, n°.3 do CPC.;
C) Deverá a douta sentença ser anulada em conformidade, determinando- se que seja cumprido o disposto no art.607°, n°.3 do CPC».
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O Autor, ainda com o patrocínio oficioso do Ministério Público, respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência, uma vez que – sustentou – a sentença não padece de qualquer nulidade.
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O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
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Recebidos os autos neste tribunal e não havendo lugar ao cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do CPT – uma vez que o Ministério Público patrocina o Autor –, foi remetido projecto de acórdão aos exmos juízes desembargadores adjuntos.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II. Da (arguida) nulidade da sentença
Na sentença recorrida escreveu-se, no que ora releva, o seguinte:
«De harmonia com o estatuído no art. 57º, nº1 do C. P. do Trabalho, se o Réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo Autor.
Ora, uma vez que, in casu, a Ré foi regularmente citada para os termos desta acção, e, bem assim, correctamente notificada nos termos e para efeitos do estatuído no art. 56º, al.a) do C.P. do Trabalho, e não ofereceu contestação, ao abrigo do estatuído no art. 57º, nº1 do C.P. do Trabalho, consideram-se confessados e assentes os factos articulados pelo Autor na petição inicial (excluindo-se, obviamente, a matéria conclusiva e/ou de direito), que aqui se dão por integralmente reproduzidos».
Como resulta das conclusões das alegações de recurso, a Ré/recorrente argui a nulidade da sentença, por nela não se terem especificado os factos considerados provados e não provados.
Adiante-se, desde já, que não subscrevemos o entendimento da recorrente.
Vejamos porquê.
De acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (aplicável ao caso ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro), é nula a sentença quando [n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Constitui princípio constitucional a necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais (artigo 205.º, n.º 1, da CRP).
Essa necessidade de fundamentação decorre também da lei processual civil, designadamente dos artigos 607.º, n.ºs 3 e 4.
Porém, como advertem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, pág. 72), «[o] conteúdo essencial do dever de fundamentação analisa-se na comunicação das razões que justificam a decisão», sendo que as exigências de fundamentação não são iguais relativamente a todo o tipo de decisões judiciais, variando as mesmas não só em função do objecto de cada tipo de decisão, como de outros elementos, tais como novidade da questão com o que se defronta o tribunal e/ou originalidade da sua decisão.
Ora, no caso, como já se deixou referido, a Ré não contestou a acção
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 57.º do CPT, «[s]e o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito»; isto é, a falta de contestação provoca o efeito cominatório semi-pleno: consideram-se confessados os factos articulados pelo autor, sendo logo proferida sentença.
E quanto à forma e conteúdo da sentença estatui o n.º 2 do referido preceito legal: «[s]e a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor».
Daqui decorre que em casos de manifesta simplicidade a sentença pode ser proferida simplificadamente, podendo limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado: e se os factos confessados conduzem à procedência da acção a fundamentação pode ser feita apenas por adesão ao alegado pelo Autor.
Essa simplificação da sentença harmoniza-se com a possibilidade da mesma se limitar a remeter, quanto aos factos provados, para o alegado para a petição inicial: isto porquanto, tendo o Autor alegado na petição os factos que fundamentam a sua pretensão – factos esses que são do conhecimento da Ré, já que para tanto foi citada e não contestou – configuraria até um acto inútil ter que repetir na sentença como provados os factos alegados na petição; por isso bastará, por uma razão de economia processual, que a sentença remeta para os factos constantes da petição inicial.
Foi o que se verificou no caso presente: face à citação da Ré, e subsequente não contestação, na sentença proferida, quanto à factualidade provada, o tribunal limitou-se a considerar provados os factos alegados na petição inicial, para os quais remeteu.
Como se disse, e reitera, a obrigação de fundamentação (neste caso factual) da sentença não pode ser igual em relação a todo o tipo de decisões, dependendo das razões que justificam a mesma: se a lei ordinária (neste caso o n.º 1 do artigo 57.º do CPT), em caso de falta de contestação, considera confessados os factos articulados pelo Autor, e prevê, em casos de manifesta simplicidade (no n.º 2 do mesmo artigo), que a fundamentação da sentença seja feita por simples adesão ou, dizemos nós, por remissão para o alegado pelo Autor, é quanto basta para, em tal caso, o mesmo é dizer perante a confissão dos factos (meio de prova previsto no artigo 352 e segts. do Código Civil) remeter para o alegado pelo Autor e, assim, se considerar suficiente a fundamentação (neste caso de facto).
No caso, o Autor alegou, de forma clara e objectiva, os factos que determinam que o contrato a termo não se encontre motivado, assim como a não veracidade do invocado; além disso, invocou também – de forma clara e objectiva, repete-se – quanto devia auferir, o trabalho suplementar que prestou e que não lhe foi pago e, por isso, quanto a Ré lhe ficou a dever por esses títulos.
Na sentença recorrida, embora na parte respeitante aos factos provados se remeta para os constante da petição inicial, na “fundamentação de direito” acabam por se referir e analisar esses factos, pelo que a recorrente teve suficiente oportunidade de ficar ciente de quais foram os factos confessados e dados como provados, não podendo, assim, assacar-se à sentença o vicio de nulidade (neste sentido, vejam-se, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-12-2012 (Proc. n.º 3747/09.2TTLSB, disponível em www.dgsi.pt) e deste tribunal de 06-06-2013 (Proc. n.º 371/08.0TTFAR.E1, ao que se julga não publicado).
Acrescente-se ainda que por existir norma especial na matéria (o referido artigo 57.º do CPT) não pode ser aqui convocado – como o faz a recorrente – o disposto no artigo 607.º do CPC.
Aqui chegados, só nos resta concluir pela improcedência das conclusões das alegações de recurso e, bem assim, pela improcedência deste.
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2. Vencida no recurso, deverá a Ré/recorrente suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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III. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por CC, Lda., e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Évora, 12 de Outubro de 2017
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Pereira da Silva

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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Pereira.