Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2436/14.0TBPTM.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: PRAZO NÃO JUDICIAL
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O prazo previsto no artigo 59º, nº 3, do RGCO (D.L. nº 433/82, de 27/10), não tem natureza judicial, devendo ser considerado de natureza administrativa, pelo que não lhe são aplicáveis as regras privativas dos prazos judiciais, nomeadamente no que respeita à sua suspensão em período de férias judiciais.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I


1 – Nos autos de recurso de contra-ordenação em referência, a arguida, SNSN, foi condenada, por decisão da Câmara Municipal de Lagoa, levada a 25 de Junho de 2014, pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de uma contra-ordenação prevista e punível (p. e p.) nos termos do disposto nos artigos 4.º n.º 1 e 17.º n.º 1, do Regulamento da Actividade Publicitária no Concelho de Lagoa (produção de publicidade não licenciada), na coima de € 997,60.

2 – A arguida levou recurso de impugnação judicial daquela decisão administrativa.

3 – A Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, por despacho de 3 de Novembro de 2014, decidiu rejeitar o recurso, nos termos do disposto no artigo 63.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), afirmando-o extemporaneamente apresentado.

4 – A arguida interpôs recurso deste despacho.

Pretende vê-lo revogado e substituído por decisão que admita o recurso de impugnação judicial.

Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:

«A) Por douta decisão proferida pela Divisão de Assuntos Jurídicos da Câmara Municipal de Lagoa, foi a ora Recorrente condenada no pagamento de uma coima única no valor de € 997,60 [novecentos e noventa e sete Euros e sessenta cêntimos].

B) Não se conformando com essa decisão, a ora Recorrente apresentou impugnação judicial, tendo o Tribunal a quo decidido, pelo despacho de que ora se recorre, rejeitar a impugnação apresentada por extemporânea, ao abrigo do disposto no artigo 63º do Decreto-Lei n.º 433/82.

C) A Arguida foi notificada da decisão da Autoridade Administrativa no dia 1 de Julho de 2014, conforme resulta do Douto despacho ora recorrido. Assim;

D) A Arguida foi notificada de tal decisão em período de férias judiciais

E) Ao caso sub Júdice é aplicado o Regulamento Geral das Contras Ordenações [RGCO] e, subsidiariamente, o Código Penal e Código de Processo Penal.

F) Dispõe o Código de Processo Penal, no seu artigo 103.º, que “1 — Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.”, sendo que a interposição de impugnação judicial de contraordenação não está excepcionada no seu n.º 2.

G) E, de acordo com o disposto no artigo 104.º do mesmo Diploma Legal citado, “1 — Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil” cuja regra geral é, como todos sabemos, a que os actos não urgentes não se praticam em férias judiciais

H) Tendo a Arguida sido notificada da decisão da Autoridade Administrativa no dia 1 de Julho de 2014, foi notificada de tal decisão em período de férias judiciais. Assim, o prazo para interposição de recurso da decisão administrativa, de 20 dias após o seu conhecimento pelo visado, terminava em férias judiais pelo que “O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.” no caso, para o primeiro dia de início do ano judicial, artigo 60º n.º 2 do RGCO.

I) Também a jurisprudência tem vindo a acolher tal entendimento. Nomeadamente o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente, para os processos de contraordenações fiscais aduaneiras e não aduaneiras, que os termos dos prazos de interposição de recursos ou impugnações judiciais de decisões administrativas que terminam em férias se transferem para o primeiro útil seguinte ao termo destas, independentemente de o acto dever ser praticado perante autoridades administrativas, que servem de intermediárias para recepção dos requerimentos de interposição.

J) Esta solução prende-se com a razão de ser da transferência do prazo prevista no artigo 279º al e) do Código Civil que não é o encerramento dos Tribunais, que mesmo em férias continuam com os serviços de secretaria abertos ao público, mas com o facto de durante as férias não serem praticados actos processuais nos processos não urgentes.

L) Por isso, sendo o requerimento de interposição de recurso ou impugnação judicial dirigido ao Tribunal, apesar de apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o requerente e o Tribunal deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste. [Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 6-5-98 Processo n.º 22496, e 17-3-99 Processo n.º 23 467, de 17-6-98 Processo n.º 22 459, de 25-6-98 Processo n.º 22 445, de 10-4-99 Processo n.º 23 464, de 21-4-99 Processo n.º 23 469, de 21-4-99 Processo n.º 23 468].

M) Salvo o devido respeito, não se vê porque tal entendimento não seja aplicado ao processo de contraordenação em causa nos presentes autos uma vez que os pressupostos acima referidos são de igual aplicação.»

5 – O recurso foi admitido, por despacho de 25 de Novembro de 2014.

6 – O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, defendendo a confirmação do julgado.

Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:

«1.O recurso de impugnação judicial de uma decisão administrativa que aplica coima em sede de processo de contra-ordenação, é apresentado, não em juízo, mas perante a respectiva autoridade administrativa, fazendo assim parte da fase administrativa do processo e não, da fase judicial, pelo que não pode o referido prazo ser considerado um prazo judicial, antes revestindo natureza administrativa, o qual é contado nos termos combinados do disposto nos artigos 59.º, n.º s 1 e 3 e 60, ambos do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, 279.º do Código Civil e 71.º a 73.º, ambos do Código de Procedimento Administrativo.

2. Devendo tal prazo ser considerado de natureza administrativa, não lhe são aplicáveis, como bem concluiu o despacho recorrido, as regras privativas dos prazos judiciais, quer no que respeita à sua suspensão em período de férias judiciais, quer quanto à possibilidade de prática extemporânea de acto mediante o pagamento de multa processual.

3. Assim sendo, aquando da interposição do recurso da decisão administrativa que lhe foi desfavorável, já o respectivo prazo se encontrava ultrapassado, pelo que aquele teria de ser rejeitado ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do RGCO.

4. Em face disso, nada há a censurar ao despacho judicial recorrido, quando decidiu pela rejeição da impugnação, pelo que o presente recurso deve ser julgado improcedente.»

7 – Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta é de parecer que o recurso não merece provimento.

Pondera, em síntese, que «tratando-se de um prazo administrativo, o prazo para o ora recorrente apresentar impugnação judicial da decisão administrativa terminou em 29 de Julho de 2014, pelo que ao ter dado entrada da mesma a 11 de Agosto de 2014, a referida impugnação judicial é forçosamente extemporânea».

8 – A recorrente não deu réplica.

9 – O objecto do recurso reporta ao exame da questão relativa à tempestividade da interposição do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa.


II

10 – A decisão recorrida é do seguinte teor:

«Atento o disposto nos arts. 59º/3 e 60º/1 , ambos do DL. 433/82 de 27.10 na redacção que lhe foi dada pelo DL. 244/95 de 14.09, o recurso da decisão administrativa deve ser instaurado no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo visado, prazo este que se suspende aos sábados, domingos e feriados.

Ora, compulsados os autos verifica-se que a Recorrente foi notificada da decisão da autoridade administrativa que a condenou no dia 01.07.2014 (cfr. fls. 253), pelo que o prazo previsto nos supra mencionados preceitos legais terminou no dia 29.07.2014.

Constata-se, portanto, que é extemporâneo o recurso apresentado pela Recorrente no dia 11.08.2014 (cfr. fls. 279 e 280).

Assim e ao abrigo do disposto no art. 63º do citado D.L. 433/82, rejeito o recurso apresentado por SNSN»

11 – A arguida defende, muito em síntese, que o prazo de 20 dias para interpor recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, prevenido no artigo 59.º n.º 3, do RGCO, se suspende no período de férias judiciais, por via da aplicação subsidiária do disposto nos artigos 103.º e 104.º, do Código de Processo Penal (CPP).

12 – O Ministério Público, em 1.ª e nesta instância, opõe que o prazo em referência tem natureza administrativa, por isso que se não suspende em férias judiciais, por via da aplicação conjugada dos artigos 59.º n.os 1 e 3 e 60.º, do RGCO, 279.º, do Código Civil (CC), e 71.º-73.º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

13 – A interpretação daqueles normativos levada no despacho revidendo e defendida pelo Ministério Público afigura-se, sem desdouro para a douta argumentação da recorrente, a mais consentânea com o facto de tal prazo correr na fase administrativa do processo contra-ordenacional, antes de este aceder à fase judicial, por isso que tal prazo, não revestindo natureza judicial mas administrativa, há-de ser contado nos termos conjugados do disposto nos artigos 59.º n.os 1 e 3 e 60.º, do RGCO, 279.º, do CC, e 71.º-73.º, do CPA.

14 – Neste sentido se decidiu já no acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça (fixação de jurisprudência) n.º 2/94, de 10 de Março de 1994 (Diário da República, 1.ª série-A, de 7 de Maio de 1994), nos acórdãos, deste Tribunal da Relação de Évora (TRE), de 12/20/2012 (Processo 2394/11.3TBABF.E1) e de 01/06/2015 (Processo 10/14.0T8LAG.E1), subscritos, como adjunto, pelo aqui relator, e, de par, nos acórdãos, do Tribunal da Relação do Porto, de 01/09/2008 (Processo 0715838), e, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/10/2013 (Processo 5111/13.0T3SNT.L1-5), todos disponíveis em www.dgsi.pt, com apoio de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, em «Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral», Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pp. 473 e ss., não deixando de ponderar-se, a contrapelo, a reflectida tese divergente sustentada no acórdão, deste TRE, de 05/19/2015 (Processo 7/14.0T8ORQ.E1).

15 – Assim, no caso, como decorre do iter processual acima descrito, do passo que o recurso levado pela recorrente da decisão administrativa foi interposto para além do prazo prevenido no artigo 59.º n.º 3, do RGCO, o mesmo não podia deixar de ser rejeitado, como foi, nos termos do disposto no artigo 63.º n.º 1, do RGCO, pelo que o despacho recorrido não merece censura ou reparo.

16 – São devidas custas pela arguida recorrente, nos termos e por referência ao disposto no artigo 92.º n.º 1, do RGCO, 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP, e 8.º n.º 5 e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais.


III

17 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pela arguida SNSN; (b) condenar a arguida nas custas, com a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.

Évora, 03 de Dezembro de 2015

António Manuel Clemente Lima (relator)

Alberto João Borges (adjunto)